terça-feira, 8 de março de 2016

UMA GRANDE REVOLUÇÃO NO MUNDO FEMININO (II)




Damos continuidade ao  texto publicado no Capítulo VIII de “Notas Autobiográficas”, de Plínio Corrêa de Oliveira  (Vol II, Editora Retornarei, pág. 163/192)



Mais transformações
Em meio a esse ambiente, arrebentou a Primeira Guerra Mundial e a vida social passou por um eclipse, inclusive no Brasil.
Paris entrou no estado de guerra, e cessou o impulso da frivolidade no mundo. Entretanto, durante esse tempo, as senhoras parisienses sofreram uma profunda transformação: elas começaram a dar auxílios em hospitais de sangue, a trabalhar em repartições de guerra no meio dos homens, a dar entrevistas de imprensa, a atravessar ruas e praças a sós, para comprarem objetos triviais e não mais as rendas e sedas, que as senhoras do romantismo costumavam adquirir quando saíam de casa.
Então, as modas se simplificaram enormemente. Antes, todos os vestidos femininos se abriam numa espécie de roda e desciam até os pés, comportando inclusive uma cauda, nos dias de festa. Mas a semimasculinização brusca da mulher durante a guerra tornou necessário dar à saía uma forma de tubo, que, no começo, também descia até os pés, mas depois começou a subir, sob o pretexto de facilitar o acesso aos bondes.
Terminada a guerra, dois fatos acentuaram essa simplificação. Em primeiro lugar, a queda das principais monarquias da Europa ocasionou uma diminuição do prestígio da aristocracia, a qual, por natureza, tendia para as modas não meramente funcionais.
Em segundo lugar, a vitória alcançada pelos Estados Unidos conferiu enorme prestígio ao estilo de vida norte-americano, influenciando profundamente as mentalidades e os costumes. Ora, entre essas novidades estava o modelo da moça norte-americana, a qual era a mesma jovem alegre e moderna do período anterior à guerra, mas multiplicada por si mesma.
O resultado dessas mudanças foi um desprestígio da influência materna ao longo dos anos: as “senhoras-santuário” se tornaram senhoras de administração, e de verdadeiras donas de casa passaram a ser meras governantas...
Isso produziu modificações sensíveis na ordem material.

O penteado das senhoras
Outrora, era considerado bonito para uma senhora possuir uma cabeleira abundante.
Eu conheci uma, a qual se gabava de ter tanto cabelo, que este lhe descia quase até os pés. E ela o enrolava todo por cima da cabeça, enfeitando-o com objetos que representavam passarinhos e flores, o que me dava a impressão de um bazar... Em algumas revistas, era freqüente ver figuras de senhoras do povo, muito honestas, as quais se deixavam fotografar mostrando o cabelo solto, que às vezes lhes chegava até os joelhos ou até os calcanhares.
A arte de pentear consistia em equilibrar todos aqueles cabelos no alto da cabeça. E a profissão dos penteadores era muito apreciada, pois eles estudavam as fisionomias e, de acordo com estas, construíam verdadeiros castelos capilares, para o que era preciso calcular uma série de fatores. As senhoras mudavam muito de penteado, conforme a moda. Discutiam, conversavam, consultavam as revistas que mostravam novos estilos e o tema era objeto de longas conversas.
Ora, durante o conflito mundial, as cabeleiras grandes e solenes começaram a diminuir, pois não era possível para uma senhora andar de um lado para o outro com aquele “edifício” capilar.
E, de repente, pouco depois da guerra, foi lançada na França uma moda de cabelo muito curto, quase à maneira dos homens: uma espécie de balaio cortado, com franjas que desciam até as maçãs do rosto, tendo dois chumaços presos sobre as faces, de maneira a formar duas pontas. O novo estilo consistia em fazer aparecer o cabelo dentro da linha geral do rosto, e não mais como uma construção em cima da cabeça. Esse modo de pentear-se era chamado “à la garçonne”.
Garçon, em Francês, significa rapaz. “À la garçonne” equivaleria a dizer “estilo rapariga”, mas, uma vez que a palavra garçonne não existia – pois foi criada na ocasião para indicar o feminino de garçon -, ela indicava a moça que tomava ares de homem.
Essa moda alterou o perfil psicológico da mulher.
Até então, considerava-se que a senhora deveria ser a mais feminina possível, mas, a partir dessa transformação, passou a ser bem vista a mulher masculinizada. Discretamente, essa moda igualitária dava a idéia de que o verdadeiro encanto não estava em que a mulher fosse muito delicada e o homem muito másculo, mas, pelo contrário, numa espécie de fusão entre o homem e a mulher: ele um tanto afeminado e ela um pouco máscula, constituiriam uma boa harmonia.
Na realidade, era uma grande deformação.

Atitudes da sociedade face à nova moda
Em pouco tempo, a moda “à la garçonne” chegou ao Brasil[1], e lembro-me do escândalo que ela causou inicialmente. As moças foram as primeiras a cortarem seus cabelos, ocasionando nas famílias uma enorme surpresa, e a reação de algumas senhoras:
- Fulana cortou o cabelo?! Não diga! Isso é uma loucura! Não vamos fazer o mesmo!
Mas, logo depois, muitas damas de trinta, quarenta ou cinqüenta anos, com a esperança de parecerem jovens, abandonaram os cabelos compridos que lhes davam ares muito dignos, próprios de mães de família, e passaram a usar a nova moda, perdendo o aspecto de recato e deixando de inspirar aquele respeito que era uma proteção para a própria reputação da pureza delas. Mais tarde, o cabelo “à la garçonne” começou a “despratear” também as matriarcas de cabelos brancos.
Por outro lado, até então, as desigualdades sociais se notavam muito pela diferença dos penteados. Uma pessoa mais modesta tinha menos recursos, menos gosto e menos tempo para pentear-se com esmero, enquanto que alguém de uma classe abastada dispunha desses meios. Entretanto, a moda “à la garçonne” nivelava todos os penteados. Um rubicão[2] tinha sido cruzado, dando a entender que as grandes senhoras não queriam mais ser as respeitáveis aristocratas que outrora foram, mas desejavam apresentar-se como meninotas quaisquer.
Com tudo isso, os próprios contrafortes da instituição da família foram prejudicados.
Além do mais, depois do escândalo inicial apareceram as damas medíocres, que não cortavam seus cabelos, mas davam risadas da surpresa que outros tinham, ao saberem que alguma senhora havia cortado os seus:
- Ha-ha-ha! Não tomemos isso a sério! Não tem nada! Ela? É respeitável, fiel ao marido, modelo de mãe de família! O que vai acontecer? Isso jamais abalará a pureza dela, nem a seriedade de seu lar. Não vamos confundir cabelo com moralidade, pois são coisas completamente diferentes! Não sejamos loucos! Sabe? Vejamos os lados positivos da coisa: ela é moderna, engraçada... Um espírito generoso, que gosta das coisas Novas. Não quer permanecer amarrada na rotina do passado. Deixem-na divertir-se e ir para a frente! É o futuro que entra...
Passou a ser malvisto quem se declarasse contra aquelas que cortavam o cabelo “à la garçonne”.
Então, apesar de não adotarem ainda o novo estilo, essas pessoas medíocres faziam o papel de uma retaguarda para proteger as que o faziam. E, por terem todos os ares de boas senhoras, a proteção delas dava garantia à propagação da moda.
No primeiro e no segundo ano, elas defenderam aquelas que cortavam seus cabelos. No terceiro, quando todo o mundo estava habituado à moda, elas fizeram cortar os seus. No quarto ano, começaram a zombar das que não o tinham feito ainda, organizando a detração contra elas. No quinto ano, todo o elemento feminino das melhores famílias estava penteado “à la garçonne”.
Conheci incontáveis casos de mães de família que cortaram seus cabelos, mas continuaram a ser muito dignas. Entretanto, o exemplo que elas transmitiam para as suas filhas ou netas era no rumo da desagregação da família.
Quem havia contribuído mais, para lançar as senhoras e moças nesse passo perigoso? A mulher medíocre.



[1] Essa moda chegou ao Brasil em 1920.
[2] Obstáculo, dificuldade.

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