Damos continuidade ao texto publicado no Capítulo VIII de “Notas Autobiográficas”, de
Plínio Corrêa de Oliveira (Vol II, Editora Retornarei, pág. 163/192)
Mais transformações
Em meio a esse ambiente, arrebentou a Primeira Guerra
Mundial e a vida social passou por um eclipse, inclusive no Brasil.
Paris entrou no estado de guerra, e cessou o impulso da
frivolidade no mundo. Entretanto, durante esse tempo, as senhoras parisienses
sofreram uma profunda transformação: elas começaram a dar auxílios em hospitais
de sangue, a trabalhar em repartições de guerra no meio dos homens, a dar
entrevistas de imprensa, a atravessar ruas e praças a sós, para comprarem
objetos triviais e não mais as rendas e sedas, que as senhoras do romantismo
costumavam adquirir quando saíam de casa.
Então, as modas se simplificaram enormemente. Antes,
todos os vestidos femininos se abriam numa espécie de roda e desciam até os
pés, comportando inclusive uma cauda, nos dias de festa. Mas a
semimasculinização brusca da mulher durante a guerra tornou necessário dar à
saía uma forma de tubo, que, no começo, também descia até os pés, mas depois
começou a subir, sob o pretexto de facilitar o acesso aos bondes.
Terminada a guerra, dois fatos acentuaram essa
simplificação. Em primeiro lugar, a queda das principais monarquias da Europa
ocasionou uma diminuição do prestígio da aristocracia, a qual, por natureza,
tendia para as modas não meramente funcionais.
Em segundo lugar, a vitória alcançada pelos Estados
Unidos conferiu enorme prestígio ao estilo de vida norte-americano, influenciando
profundamente as mentalidades e os costumes. Ora, entre essas novidades estava
o modelo da moça norte-americana, a qual era a mesma jovem alegre e moderna do
período anterior à guerra, mas multiplicada por si mesma.
O resultado dessas mudanças foi um desprestígio da
influência materna ao longo dos anos: as “senhoras-santuário” se tornaram
senhoras de administração, e de verdadeiras donas de casa passaram a ser meras
governantas...
Isso produziu modificações sensíveis na ordem material.
O penteado das senhoras
Outrora, era considerado bonito para uma senhora possuir
uma cabeleira abundante.
Eu conheci uma, a qual se gabava de ter tanto cabelo, que
este lhe descia quase até os pés. E ela o enrolava todo por cima da cabeça,
enfeitando-o com objetos que representavam passarinhos e flores, o que me dava
a impressão de um bazar... Em algumas revistas, era freqüente ver figuras de
senhoras do povo, muito honestas, as quais se deixavam fotografar mostrando o
cabelo solto, que às vezes lhes chegava até os joelhos ou até os calcanhares.
A arte de pentear consistia em equilibrar todos aqueles
cabelos no alto da cabeça. E a profissão dos penteadores era muito apreciada,
pois eles estudavam as fisionomias e, de acordo com estas, construíam
verdadeiros castelos capilares, para o que era preciso calcular uma série de
fatores. As senhoras mudavam muito de penteado, conforme a moda. Discutiam,
conversavam, consultavam as revistas que mostravam novos estilos e o tema era
objeto de longas conversas.
Ora, durante o conflito mundial, as cabeleiras grandes e
solenes começaram a diminuir, pois não era possível para uma senhora andar de
um lado para o outro com aquele “edifício” capilar.
E, de repente, pouco depois da guerra, foi lançada na
França uma moda de cabelo muito curto, quase à maneira dos homens: uma espécie
de balaio cortado, com franjas que desciam até as maçãs do rosto, tendo dois
chumaços presos sobre as faces, de maneira a formar duas pontas. O novo estilo
consistia em fazer aparecer o cabelo dentro da linha geral do rosto, e não mais
como uma construção em cima da cabeça. Esse modo de pentear-se era chamado “à
la garçonne”.
Garçon, em Francês, significa rapaz. “À la garçonne”
equivaleria a dizer “estilo rapariga”, mas, uma vez que a palavra garçonne não
existia – pois foi criada na ocasião para indicar o feminino de garçon -, ela
indicava a moça que tomava ares de homem.
Essa moda alterou o perfil psicológico da mulher.
Até então, considerava-se que a senhora deveria ser a
mais feminina possível, mas, a partir dessa transformação, passou a ser bem
vista a mulher masculinizada. Discretamente, essa moda igualitária dava a idéia
de que o verdadeiro encanto não estava em que a mulher fosse muito delicada e o
homem muito másculo, mas, pelo contrário, numa espécie de fusão entre o homem e
a mulher: ele um tanto afeminado e ela um pouco máscula, constituiriam uma boa
harmonia.
Na realidade, era uma grande deformação.
Atitudes da sociedade face à nova moda
Em pouco tempo, a moda “à la garçonne” chegou ao Brasil[1], e
lembro-me do escândalo que ela causou inicialmente. As moças foram as primeiras
a cortarem seus cabelos, ocasionando nas famílias uma enorme surpresa, e a
reação de algumas senhoras:
- Fulana cortou o cabelo?! Não diga! Isso é uma loucura!
Não vamos fazer o mesmo!
Mas, logo depois, muitas damas de trinta, quarenta ou
cinqüenta anos, com a esperança de parecerem jovens, abandonaram os cabelos
compridos que lhes davam ares muito dignos, próprios de mães de família, e
passaram a usar a nova moda, perdendo o aspecto de recato e deixando de
inspirar aquele respeito que era uma proteção para a própria reputação da
pureza delas. Mais tarde, o cabelo “à la garçonne” começou a “despratear”
também as matriarcas de cabelos brancos.
Por outro lado, até então, as desigualdades sociais se
notavam muito pela diferença dos penteados. Uma pessoa mais modesta tinha menos
recursos, menos gosto e menos tempo para pentear-se com esmero, enquanto que
alguém de uma classe abastada dispunha desses meios. Entretanto, a moda “à la
garçonne” nivelava todos os penteados. Um rubicão[2]
tinha sido cruzado, dando a entender que as grandes senhoras não queriam mais
ser as respeitáveis aristocratas que outrora foram, mas desejavam apresentar-se
como meninotas quaisquer.
Com tudo isso, os próprios contrafortes da instituição da
família foram prejudicados.
Além do mais, depois do escândalo inicial apareceram as
damas medíocres, que não cortavam seus cabelos, mas davam risadas da surpresa
que outros tinham, ao saberem que alguma senhora havia cortado os seus:
- Ha-ha-ha! Não tomemos isso a sério! Não tem nada! Ela?
É respeitável, fiel ao marido, modelo de mãe de família! O que vai acontecer?
Isso jamais abalará a pureza dela, nem a seriedade de seu lar. Não vamos
confundir cabelo com moralidade, pois são coisas completamente diferentes! Não
sejamos loucos! Sabe? Vejamos os lados positivos da coisa: ela é moderna,
engraçada... Um espírito generoso, que gosta das coisas Novas. Não quer
permanecer amarrada na rotina do passado. Deixem-na divertir-se e ir para a
frente! É o futuro que entra...
Passou a ser malvisto quem se declarasse contra aquelas
que cortavam o cabelo “à la garçonne”.
Então, apesar de não adotarem ainda o novo estilo, essas
pessoas medíocres faziam o papel de uma retaguarda para proteger as que o
faziam. E, por terem todos os ares de boas senhoras, a proteção delas dava
garantia à propagação da moda.
No primeiro e no segundo ano, elas defenderam aquelas que
cortavam seus cabelos. No terceiro, quando todo o mundo estava habituado à
moda, elas fizeram cortar os seus. No quarto ano, começaram a zombar das que
não o tinham feito ainda, organizando a detração contra elas. No quinto ano,
todo o elemento feminino das melhores famílias estava penteado “à la garçonne”.
Conheci incontáveis casos de mães de família que cortaram
seus cabelos, mas continuaram a ser muito dignas. Entretanto, o exemplo que
elas transmitiam para as suas filhas ou netas era no rumo da desagregação da
família.
Quem havia contribuído mais, para lançar as senhoras e
moças nesse passo perigoso? A mulher medíocre.
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