terça-feira, 16 de julho de 2024

ELITES INAUTÊNTICAS – A “SAPARIA”

 


 Na edição americana do livro “Nobreza e Elites Tradicionais Análogas nas Alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza Romana”, de Dr. Plínio Corrêa de Oliveira, foi publicado um apêndice sob o título de ESTADOS UNIDOS: NAÇÃO ARISTOCRÁTICA NUM ESTADO DEMOCRÁTICO”, discorrendo sobre as origens e atual situação das elites dos Estados Unidos da América, onde existe uma falsa elite que ele a denominou de “saparia”, e de “sapos” aos seus membros, notando, inclusive, que esse fenômeno é mundial e que a “saparia” existe em todos os países modernos.

Transcrevemos a seguir como Dr. Plínio define os “sapos”:

 

“Elites inautênticas

Qualquer estudo sobre as elites, nos Estados Unidos, depara-se com um problema, que é o das elites inautênticas. As elites do país são o resultado de um processo de refinamento na sociedade, e representam, em certo sentido, o que o país tem de melhor e mais elevado. Porém, é inegável que numerosas pessoas de elite têm mentalidade francamente revolucionária, e que certos grupos de elite são os paladinos das transformações de caráter liberal e socialista em vários campos. Também é inegável que tais pessoas e grupos assumem, com frequência, atitudes de simpatia frente ao comunismo internacional.

Uma elite inautêntica pode possuir o patrimônio relevante ou a notoriedade pública, inerentes às elites autênticas, sem no entanto possuí-los há tempo suficiente para que deles resultem os predicados característicos das elites autênticas. Ou sejam, a largueza de horizontes, a excelência de tipo humano e de trato e a delicadeza de sentimentos que as distinguem.

Pode até acontecer que numa elite inautêntica exista um passado suficientemente longo para lhe proporcionar todos os predicados de uma elite autêntica e tradicional. Mas que esse grupo, movido por preconceitos ideológicos ou outros fatores, tenha preferido manifestar — ao lado de maneiras distintas, educação esmerada, e até hábitos aristocráticos — uma ideologia revolucionária e uma mentalidade democrática liberal, tendente a promover um Estado paternalista, em detrimento dos corpos sociais intermediários.

As elites inautênticas constituem verdadeiros corpos estranhos na tradicional contextura social de um país. E podem até formar, a respeito dos verdadeiros direitos e interesses do mesmo, uma noção tão anti-natural que chegue ao ponto de colaborar largamente com os adversários mais radicais e mais declarados desse país.

Ao fazer uma defesa genérica das elites, portanto, poder-se-ia perguntar se os autores da presente obra não estariam, ainda que implicitamente, favorecendo a ação demolidora destas elites liberais.

 

a. A "saparia"

4 - O termo "sapo", com a conceituação que é desenvolvida no presente item, foi lançado em artigo do Professor Plinio Corrêa de Oliveira, publicado no diário "Folha de São Paulo", em 25-6-69.

Antes de tudo, parece necessário deixar bem claro que — ao tratar da questão das elites nos Estados Unidos — os autores as distinguem das elites artificiais ou inautênticas. Estas se apresentam sem ligações naturais com as melhores tradições deste país e os mais profundos anseios do povo norte-americano, chegando mesmo a contrariar essas tradições e esses anseios.

Dado que a distinção entre uma elite tradicional autêntica e tais elites espúrias nem sempre está presente com a devida nitidez no espírito de incontáveis pessoas, parece indispensável incluir o presente item explicativo.

Os estudos sociológicos citados mostram que existem elites tradicionais nos Estados Unidos, constituídas a partir de antecedentes históricos próprios a cada lugar. Essas elites têm ainda hoje uma influência social marcante sobre o conjunto da sociedade norte-americana, especialmente nas suas capilaridades.

Porém, muitas vezes os postos diretivos do Estado, das altas finanças, das grandes empresas, da mídia, das fundações e dos órgãos culturais, são ocupados por pessoas que não pertencem a elites autênticas, mas constituem uma espécie de contra-elite que faz ostentação de princípios, de idéias e de um estilo de vida em dissonância com o modo geral de pensar e de agir da maioria da população.

Estas elites inautênticas, longe de representarem a nação, nela constituem quase um corpo estranho, aparecendo aos olhos do público de modo muito mais visível — e, sob certos aspectos, mais brilhante — que as elites tradicionais. Elas ocupam muito maior espaço nos órgãos de publicidade e ofuscam o realce que as verdadeiras elites deveriam ter.

Assim, formou-se na mente de numerosos norte-americanos a idéia de que elite é só isto, podendo daí advir em muitos uma injustificada antipatia às elites in genere, em vez de uma não raras vezes explicável antipatia dirigida apenas contra as falsas elites.

Para simbolizar o perfil moral e psicológico do tipo humano de tais elites inautênticas — existentes nos Estados Unidos, como em quase todo o Ocidente — tomou curso no linguajar corrente das TFPs a palavra "sapo", e ao conjunto dos sapos a denominação coletiva de "saparia".

Em geral, o "sapo" nasceu da Revolução Industrial. Ou seja, ele é o fruto — artificial, sob certos pontos de vista — de uma economia de base industrial que gerou fortunas excessivamente grandes, sem proporção com a massa geral dos patrimônios individuais do país. Estas fortunas podem ser de natureza industrial, financeira, e mesmo artística ou esportiva, como no caso de certas personalidades do cinema, da televisão e dos esportes.

Há um tal desequilíbrio entre os "sapos" e os outros níveis econômicos da população, que eles parecem viver numa espécie de estratosfera em relação ao restante do corpo social, levando uma vida econômica e socialmente desproporcionada às suas origens e ao seu nível cultural.

Pode haver também um tipo de "sapo", igualmente rico, descendente de famílias tradicionais, de aparência aristocrática, mas que usa de sua posição e de seu prestígio social para favorecer a implantação de reformas de caráter liberal e igualitário.

 

b. Caráter malfazejo da "saparia"

Nessas condições, o "sapo" — a expressão pode ser forte demais — é quase um câncer no corpo social. Longe de ser o coroamento de uma hierarquia harmônica de elites, a "saparia" dá ensejo ao estabelecimento no país da própria estrutura de poder, de influência e de prestígio dela, sem imbricação com os demais níveis de elites. O peso dessa estrutura anti-natural acaba por prejudicar seriamente aquilo que deveria ser uma sadia e equilibrada vida política, econômica, social e cultural da nação. Mesmo que, individualmente, os membros desta contra-elite possam não ter essa intenção, o próprio dinamismo do sistema por eles dirigido acaba conduzindo a este fim.

Assim como o último degrau da escada deve ter proporção com os degraus anteriores, a elite verdadeira deve ter proporção com os outros elementos do corpo social. Uma escada em que o último degrau fosse exageradamente mais alto que os outros, tornaria a escada inutilizável.

Nas sociedades modernas e industriais, este último degrau exageradamente alto teve sua origem, muitas vezes, em fortunas desmedidas, acompanhadas de um poder, de uma influência e de uma cobertura publicitária igualmente desmedidas. Os possuidores de tais fortunas, sejam eles indivíduos ou empresas, famílias novas ou antigas, têm haveres e interesses em muitas regiões do país e em diversas partes do mundo, escapando assim aos limites naturais e sadios da propriedade privada, e constituindo quase estados dentro do Estado.

Pela amplitude que tomam, estas contra-elites acabam gerando em seus membros uma mentalidade característica, que leva ao ceticismo geral no terreno doutrinário, com desprezo por tudo quanto representa idéias, maneiras e tradições de uma Civilização Cristã. Leva também a uma exclusiva valorização do poder e do status que a super-fortuna confere, como meio para exercer uma ação a seu modo tirânica sobre o país.

Este conjunto de super-fortunas supra-nacionais, sejam elas individuais ou societárias, forma no cume da vida econômica do país uma trans-elite, que mais se assemelha a uma "nomenklatura".

 

c. Os "sapos" e o comunismo

Ao observar como foi o comportamento desta "saparia" nos países capitalistas ocidentais, em relação ao mundo comunista, constata-se um fato perplexitante: Longe de estar na liderança de uma ampla ação contra o comunismo internacional — como sua condição pareceria exigir — os membros da "saparia" se mostraram concessivos frente a ele, sempre prontos a negociar, a abrir-lhe os cofres do crédito ocidental, a aplainar-lhe o caminho em tudo que fosse possível.

Esta atitude foi uma das características mais chocantes de tal contra-elite. Pois ela frequentemente se dispôs a salvar de seu fracasso um regime que sempre fez questão de se apresentar como o pior inimigo do capitalismo. Foi o caso, por exemplo, de titulares de grandes patrimônios, que destinaram à Rússia comunista, até mesmo nos períodos de tensão daquele país com nossa pátria, recursos econômicos indispensáveis para a sobrevivência daquele regime.

Embora a explicação mais profunda deste fato seja bastante complexa, e até enigmática, para ser exposta em poucas linhas, é certo que um dos fatores que mais pesou para essa atitude foi a semelhança entre o papel desta "saparia" nos regimes capitalistas ocidentais e a "nomenklatura" nos Estados comunistas. Realmente o super-poder do Estado comunista, dotado de uma capacidade de ingerência em todos os campos da vida humana, tem muito de parecido com o super-poder de que esta contra-elite goza em países do Ocidente. Assim sendo, a nomenklatura é uma imagem da "saparia" dentro do regime comunista.

Não é de surpreender, portanto, que entre duas "elites", tão afins sob certos aspectos, as barreiras ideológicas se transponham com facilidade, e que a "saparia" capitalista ocidental mostre simpatia para com sua congênere — que é ao mesmo tempo sua antítese — do capitalismo de Estado”.

 

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