Por haver recebido a excelsa comunicação de que seria a Mãe do Salvador, Nossa Senhora apressou-se em partir ao encontro de Santa Isabel, nas montanhas da Judéia. Ao chegar, exaltada por sua prima e profundamente reconhecida pelo ápice de dons com que fora galardoada, Maria entoou seu imortal Magnificat.
Deus, autor da grandeza de Nossa Senhora
O pensamento fundamental desse cântico
poderia ser assim expresso por Nossa Senhora: “Deus realizou em mim coisas
extraordinárias, as quais são obras d’Ele e não minha. Não sou autora de toda
essa grandeza. Foi Ele que houve por bem depositá-la em mim, e Eu a aceitei em
obediência aos seus superiores desígnios. Essa grandeza, portanto, enquanto
habita em mim tornou-se minha, mas a causa dela vem de fora e do alto. Por mim
mesma, não sou senão uma pequena criatura”.
De fato, embora concebida sem pecado, e tendo
correspondido á graça do modo mais perfeito possível, Nossa Senhora era uma
mera criatura, e assim tais grandezas não podiam ter origem na natureza
d’Ela. Provinham-Lhe de Deus Nosso Senhor. Este é o pensamento despretensioso e
fundamental do Magnificat.
Cabe aqui uma aplicação a nós, filhos e
devotos de Maria, que tanto desejamos imitá-La. Se era essa a posição que a
Imaculada tomava em face de suas excelências, a fortiori deve ser a nossa diante das graças que Deus nos concede,
a nós que somos pecadores a dois títulos. Primeiro, porque concebidos no pecado
original; segundo, porque agravamos essa condição com as faltas perpetradas em
nossa vida, de sorte que, mesmo perseverando no estado de graça, trazemos
conosco o fardo dos pecados que outrora cometemos.
De outro lado, as honras que possam nos caber
são incomparavelmente menores que as de Nossa Senhora. Desse modo, é preciso
nos esforçarmos em adquirir o mais elevado grau de despretensão ao nosso
alcance. Não incorramos no erro dos presunçosos, que julgam inerentes à sua
própria natureza, e não a um dom ou misericórdia de Deus, todas as suas
qualidades e aspectos bons.
Pelo contrário, compenetremo-nos de que todo
o bem existente em nós é dado e favorecido pela graça divina, embora conte com
nossa voluntária aceitação e nosso empenho em desenvolvê-lo. São qualidades e
talentos que não nasceram de nossa natureza decaída, mas foram nela depositados
pela generosidade do Criador. Se formos despretensiosos, teremos consciência
disso, não nos embevecendo com o que devemos a Deus.
Esse é, precisamente, o ensinamento que nos deixou Nossa Senhora, quando elevou aos céus o seu Magnificat.
Alegre e contínua retribuição a Deus
Diz Ela: “A minha alma engrandece o Senhor”.
Ou seja, canta, vê, admira, ama e proclama com amor a grandeza de Deus, Aquele
que domina, Aquele que pode, Aquele que é tudo.
“E o meu espírito exulta em Deus meu
Salvador”.
Então a alma d’Ela se transporta em santas
alegrias, porque Deus “lançou os olhos sobre a baixeza de sua serva”, e por
isso “de hoje em diante, todas as gerações me chamarão bem-aventurada”.
Nossa Senhora proclama a magnitude de Deus
por ter deitado olhar sobre Ela, por Lhe ter conferido uma tal excelência que
todas as nações passariam a aclamá-La como bem-aventurada. E ao reconhecer que
isto Lhe vem d’Ele, seu espírito atinge o ápice da alegria!
Como não ver nessa atitude a perfeição da
despretensão? Nada de falsa ou dolorosa probidade: “Ó Senhor! como gostaria de
dizer que tudo vem de mim, mas sou obrigada a declarar o contrário”, etc. Não!
– “Meu espírito exulta em proclamar que veio de Vós”.
Ao mesmo tempo, porém, Ela afirma a glória
que Deus Lhe outorgou: “Todas as gerações me chamarão bem-aventurada”. A
palavra bem-aventurada encerra um matiz que a faz designar uma pessoa não apenas
nimbada de felicidade, mas também aquela que alcançou êxito em todas as suas
realizações. Portanto, acertar na vida, ser bem-aventurado, é tornar-se santo e
servir a Deus.
E Nossa Senhora continua a cantar: “Porque
fez em mim grandes coisas Aquele que é poderoso, e cujo nome é santo”. O
adjetivo poderoso tem aí todo o
cabimento, pois Ela se reconhece objeto de maravilhas tais, que só um Ser
onipotente as poderia operar. Ora, Maria se sabia não-onipotente. Logo,
proclamava que apenas Deus podia ter feito n’Ela aquelas “grandes coisas”.
É um modo indireto de dizer: “O que foi realizado comigo é tanto que eu, simples escrava, por mim mesma jamais o teria alcançado. O Todo-Poderoso, cujo nome é santo, fez essas maravilhas, essas excelências que só poderiam sair de suas divinas mãos”. Em última análise, trata-se de uma contínua e alegre retribuição a Deus da grandeza d’Ela.
Uma cordilheira de misericórdias
“E cuja misericórdia se estende de geração em
geração, sobre aqueles que O temem”.
Nossa Senhora manifesta neste trecho a idéia
de que a misericórdia da qual Ela foi objeto é o lance supremo de uma imensa
série de misericórdias que, desde o início até o fim do mundo, alcança os que
têm o temor de Deus. Pode-se dizer que este seria o Everest, o ponto muitíssimo
mais alto da compaixão divina, acima de um universo de montículos, colinas,
montes e montanhas de misericórdias que ao longo da história têm sido
espargidas sobre os homens.
É como se Maria Santíssima dissesse: “Essa misericórdia é ainda mais bela porque é o marco central de um incontável número de excelsas benevolências dispensadas por Ele, o Rei, o Deus, o Pai de todas as misericórdias”.
A soberba é causa de decadência
Continua a Santíssima Virgem: “Manifestou o
poder de seu braço; transtornou aqueles que se orgulhavam nos pensamentos de
seu coração”.
Ou seja, ao passo que estende sua
misericórdia aos que O temem, Nosso Senhor mostra o poder de seu braço
confundindo os desígnios dos soberbos. Quem são estes? Os que se vangloriam e
se exibem pretensiosos em relação a Deus, que não consideram a grandeza d’Ele,
nem Lhe têm temor. E que, portanto, não O amam. Para estes, não há
misericórdia. Então Deus os humilha, os quebra, os dissipa, mostrando sua
força.
Essa atitude de Nosso Senhor com os que se afirmam
independentes d’Ele é um belo convite para estabelecermos uma filosofia da
história. Para isto, temos de observar não só os acontecimentos históricos, mas
também os fatos de nossa vida cotidiana, e neles verificar a confirmação desta
regra: os homens tementes a Deus, conscientes de que não valem nada, atribuindo
seus predicados e aptidões à misericórdia divina, progridem na vida espiritual.
Os que são voltados a adorar-se a si próprios, a considerar tudo quanto têm
como vindo deles mesmos, estes são os soberbos que Deus dissipa, e declinam na
prática da virtude.
Quantas vezes não observamos, nessa ou
naquela alma, um processo de decadência cuja causa é a pretensão? Em
determinado momento, a pessoa começou a se embevecer consigo mesma: “Que
maravilhosa, grande e estupenda criatura sou eu, considerada nos predicados
morais de minha natureza!” É o primeiro passo de uma lamentável deterioração.
Portanto, Nossa Senhora lança o principio: os soberbos não vão para a frente, enquanto progridem os que temem a Deus. Donde tudo nos coloca em relação a Ele numa postura de inteira despretensão.
O triunfo dos humildes
“Depôs do trono os poderosos, e exaltou os
humildes”.
Temos aqui uma seqüência do pensamento
anterior. O poderoso é o que atribui a si todo o poder, que precede a Deus e
não O teme, julgando-se capaz de tudo fazer sem Ele. Esse é deposto de seu
trono, ou seja, daquilo do que se ensoberbece. O humilde, pelo contrário, é
glorificado e favorecido por Nosso Senhor, obtém resultados nas suas ações, na
sua vida interior, no seu apostolado, etc.
Completando essa linha de pensamento, Maria
acrescenta: “Cumulou de bens os famintos, e despediu os ricos com as mãos
vazias”.
Os famintos são os necessitados, os que se abaixam diante de Deus e Lhe suplicam auxílio. Estes são atendidos, e saem repletos de bens. Os ricos são os orgulhosos, aqueles que se aproximam de Nosso Senhor dizendo não precisarem de nada. Então são mandados embora sem receberem qualquer benefício.
Cumpre-se a promessa do Messias
Em seguida, a Santíssima Virgem faz uma
referência à exaltação do Povo Eleito,
por nele ter se verificado a Encarnação do Verbo. Diz Ela: “Tomou
cuidado de Israel, seu servo, lembrando da sua misericórdia; conforme tinha
dito a nossos pais, a Abraão, e à sua posteridade para sempre”.
Com efeito, Deus havia misericordiosamente
prometido que o Messias, seu Filho unigênito, se encarnaria e nasceria do povo
de Israel. Ele se lembrou de sua promessa, gerando Jesus Cristo nas entranhas
puríssimas de Maria.
A Igreja, muito belamente, completa esse hino
maravilhoso com o “Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo; assim como era
no princípio, agora e sempre, pelos séculos dos séculos. Amém”.
Esta seria uma interpretação do Magnificat como o cântico da despretensão jubilosa de Nossa Senhora.
“Minha alma engrandece a Igreja Católica!”
Para concluir, cabe ainda um último
desdobramento dessas considerações.
Como eu gostaria de, com toda a alma, cantar
o Magnificat em relação à Igreja
Católica! Como é verdadeiro dizer: Magnificat
anima mea Ecclesiam, et exultavit spiritus meus, in matre salutari mea – A
minha alma engrandece a Igreja Católica e o meu espírito exulta na Igreja minha
mãe!
E assim por diante, que lindíssima paráfrase
do Magnificat poderíamos fazer
contemplando a Igreja, que é a Arca da Aliança, a imagem visível de Deus e de
Nossa Senhora na terra.
Sirvam, pois, estas palavras de incentivo para que reportemos todos os nossos dons, nossas virtudes e predicados a Deus em Jesus, a Jesus em Maria, e a Maria na Santa Igreja Católica Apostólica Romana, da qual nos vem tudo o que temos de bom. Dessa maneira, o enlevo, o encanto, o entusiasmo, a fidelidade, a dedicação de nossa vida, nossa alma e nosso sangue sejam inteiramente oferecidos para o serviço e glorificação da Esposa Mística de Cristo.
(Extraído da Revista “Dr.
Plínio”, nº 26, maio de 2000)
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