Plinio Corrêa de Oliveira
Os
senhores sabem que a devoção ao Sagrado Coração de Jesus encontra-se na raiz de
todos os movimentos contra-revolucionários maiores ou menores, mais conhecidos
ou menos, que eclodiram a partir do momento em que Santa Margarida Maria
recebeu essa revelação no século XVII. Ela recebeu a incumbência de, em nome do
Sagrado Coração de Jesus, [pedir] ao rei Luís XIV, que consagrasse a França ao
Sagrado Coração e que pusesse nas armas da França o Coração de Jesus.
Ela
prometia ao rei que desde que ele se resolvesse atacar os inimigos da Igreja, o
Coração de Jesus o ampararia, conduziria seu reinado a uma grande glória etc.,
etc.[1].
O Sagrado Coração de Jesus estava esperando de Luiz XIV é que ele mudasse a
orientação que tinha e se pusesse à testa da Contra-Revolução. Uma vez que
fizesse isso, haveria para ele um reinado de glória e haveria para a França um
verdadeiro apogeu, mas um apogeu católico. É evidente que nesse caso, a devoção
ao Sagrado Coração se teria estendido pelo mundo inteiro, teria havido, na
França, clima para as pregações de São Luiz Grignion de Montfort e para que
também se generalizassem pelo mundo inteiro — São Luiz Grignion também viveu no
tempo de Luiz XIV — e teria se conseguido evitar a Revolução Francesa. Mediante
esse pedido feito ao rei, a Revolução, na forma que tinha ao tempo de Santa
Margarida Maria, teria estancado; a forma péssima que tomou depois e que foi a
Revolução Francesa, teria sido prevenida.
Portanto,
essa devoção, logo no seu primeiro movimento, em sua primeira indicação da
parte do Sagrado Coração, tem um sentido nitidamente contra-revolucionário.
O
professor Furquim[2],
estudando detidamente isso, chama a atenção para que os vários movimentos
contra-revolucionários se esboçaram nos séculos XVIII e XIX tinham ligação com
o Sagrado Coração de Jesus. Os senhores sabem que os "Chouans" também
levaram o Sagrado Coração no distintivo, e que essa devoção tem sido,
invariavelmente, preconizada pelos bons, tem inspirado os bons e tem sido para
eles uma causa de alento, enquanto tem sido detestada pelos maus.
O
que dizem os maus contra a devoção ao Sagrado Coração de Jesus? Primeiro uma
coisa que pensam ser um argumento decisivo: "por que adorar o Coração de
Jesus? Não poderíamos fazer uma linda devoção às Sagradas mãos de Jesus? Aos
Sagrados olhos de Jesus? Então, decompomos blasfemamente Jesus e vamos fazer
uma adoração a cada parte do corpo. Então, fazemos uma adoração às orelhas, que
ouvem todas as súplicas do homem, à boca, que falou, às mãos que abençoaram
(não dizem que também fustigaram...). Então, não vale a pena fazer essa
devoção".
"Depois,
dizem eles, é uma devoção sentimental. O coração é o emblema do sentimento para
o sentimentalismo. Portanto é uma devoção sentimental, sem conteúdo teológico e
não deve ser admitida".
Na
realidade, a Santa Sé, várias vezes, por meio de documentos pontifícios
solenes[3],
substanciosos, magníficos, recomendou essa devoção cobriu de indulgências a
devoção das primeiras sextas-feiras, ligadas à devoção ao Sagrado Coração de
Jesus, porque é a comunhão feita em reparação às ofensas que o Sagrado Coração
de Jesus recebe. Ela cumulou de indulgências as confrarias e arqui-confrarias
que Ela mesma instituiu em favor da devoção do Sagrado Coração de Jesus. Ela
aprovou e estimulou a construção de igrejas, altares e imagens em louvor do
Sagrado Coração.
Quanto
ao ministério da Igreja, essa devoção é, tem sido aprovada de modo
superabundante e tem tudo para merecer nossa confiança. De outro lado, esse
argumento de que não se pode ter uma devoção a cada parte do sacratíssimo corpo
de Nosso Senhor, não tem sentido nenhum. De fato, privadamente falando, podemos
adorar a Nosso Senhor em suas mãos santíssimas, podemos e devemos adorá-Lo em
seus olhos infinitamente expressivos, significativos, régios, doutorais e
salvadores. Pensar que com um só olhar Nosso Senhor regenerou São Pedro, e
adorar Nosso Senhor inclusive em seus olhos divinos, evidentemente é uma coisa
que se pode fazer.
Apenas
a Igreja, que tem muito o senso do ridículo, e que compreende que o ridículo
fica a um passo do sublime, compreende que os espíritos vulgares teriam
facilidade em pôr sarcasmo contra uma coisa que assim desmembrada realmente
choca um pouco a sensibilidade humana, mas que nada tem de contrário ao
raciocínio e que até muito adequadamente pode fazer-se. Por exemplo, conta-se
de pedras da via sacra - sobretudo de uma - no caminho de Nosso Senhor, que
teria a marca de seus pés divinos. Ao adorar seus pés divinos enquanto
palmilharam a terra para ensinar, enquanto encheram-se do pó dos caminhos para
ensinar e salvar, para combater o mal, adorar esses pés enquanto serviram para
carregar a cruz, enquanto se encheram de sangue para nossa Redenção, enquanto
suportaram os cravos da Paixão, é perfeitamente verdadeiro, legítimo,
necessário.
E
até um lindo modo de adorarmos a Nosso Senhor Jesus Cristo é nos unirmos às
disposições e meditações de Nossa Senhora, na ocasião em que Nosso Senhor foi
descido da cruz, quando Ela teve seu corpo sacratíssimo no colo, exangue. Ela
contemplou cada parte desse corpo machucado com uma dor, com uma profundidade
de conceitos, de amor, de veneração, de respeito, de carinho. Ela considerou
cada uma dessas partes, adorou, com certeza, cada uma dessas partes em sua
significação e sua função específica; mediu a ofensa feita à divindade no ter
flagelado aquela parte e com isso - afinal de contas - Ela praticou essa
devoção.
Portanto,
é apenas uma questão de conveniência, uma questão de senso das aparências,
senso das proporções, se ousasse exprimir-se assim, que leva a Igreja a não
promover a adoração de cada uma das partes do corpo de Nosso Senhor.
O
que é, propriamente, a devoção ao Sagrado Coração? É a devoção ao órgão de
Nosso Senhor, que é o Coração. Mas na Escritura, o coração não tem o
significado sentimental que tomou no fim do século XVIII, mais ou menos, e
certamente no século XIX. Não exprime o sentimento. Quando diz a Escritura: “A
ti disse o meu coração: eu te procurei”, o coração aí é a vontade humana, é o
propósito humano, é propriamente, a santidade humana. Aí quando Nosso Senhor
diz isso, diz: "na minha vontade santíssima, Eu quero". O Evangelho
diz: “Nossa Senhora guardou todas as coisas em seu coração e as meditava”. Os
senhores percebem que não é o coração sentimental, mas a vontade d’Ela, a alma d’Ela
que guardava aquelas coisas e pensava sobre elas. O coração é a vontade da
pessoa, o seu elemento dinâmico que considera e pondera as coisas. O Sagrado
Coração de Jesus é a consideração disso em Nosso Senhor, simbolizado pelo
coração, porque todos os movimentos da vontade do homem podem ter no coração
uma repercussão. Nesse sentido, então, é o órgão adequado para exprimir isso. E
é nesse sentido, então, que se adora o Santíssimo Coração de Jesus.
Por
correlação, por conexão, existe a devoção imensamente significativa, do
Imaculado Coração de Maria. O Imaculado Coração de Maria é um escrínio dentro
do qual encontramos o Sacratíssimo Coração de Jesus.
A
essa devoção Nosso Senhor prometeu um caudal de graças. Comentei o ano passado
as promessas do Coração de Jesus a quem fizer as nove primeiras sextas-feiras.
A mais marcante delas, talvez, é que as almas que fizerem as nove sextas-feiras
não morrerão sem terem a graça especial de se arrependerem antes. Não quer
dizer que elas certamente irão para o Céu. Quer dizer que terão uma grande
graça antes de morrer; não quer dizer que vão perceber que vão morrer, mas no
momento relacionado com a morte, elas terão uma grande graça, tão grande que
todas as esperanças se podem ter de sua salvação.
Os
senhores compreendem quanto empenho há na Igreja em que essa devoção seja
conhecida, seja apreciada, seja medida com a razão, porque devoção sentimental
não tem sentido. Devoção varonil é a que procura conhecer a razão de ser da
coisa e ama a coisa pela sua razão de ser; assim é que um homem e uma mulher
forte do Evangelho pensam a respeito das coisas de piedade. Então, pensar
nisso, querer isso, dirigirmos nossa alma ao Coração de Jesus como fonte de
graças calculadas para a época de Revolução, calculada para as épocas difíceis
que deveriam vir e pedir que o Coração de Jesus, regenerador pelo sangue e pela
água que d’Ele saiu, nos lave. Isto é propriamente a oração magnífica que nas
sextas-feiras e, sobretudo, na primeira sexta-feira do mês, e na Sexta-feira da
Paixão se deve considerar.
Assim,
termino insistindo nesse ponto. Já falei que aquele centurião que perfurou com
uma lança o Coração de Jesus, ao praticar esse ato de violência contra esse
verdadeiro sacrário que era o Coração Sagrado de Jesus, da água e do sangue que
saíram do flanco de Nosso Senhor, uma parte jorrou em seus olhos, e ele
imediatamente se curou e recuperou a vista. Para nós isto é altamente
eloqüente.
Quer
dizer que quem tem devoção ao Sagrado Coração de Jesus pode pedir uma graça
igual, não para a vista física, da qual, graças a Deus, nenhum de nós carece,
mas para a vista mental, se queremos ter senso católico, se queremos ter senso
da Revolução e da Contra-Revolução, se queremos ter a percepção de como a
Revolução e a Contra-Revolução trabalham em torno de nós, se queremos ter senso
para distinguir em nós o que é Revolução e Contra-Revolução, se queremos ter
conhecimento de nossos defeitos, se queremos ter conhecimento das almas dos
outros para fazer bem aos outros, se queremos ter um bom discernimento para os
estudos, se queremos ter distâncias psíquicas para termos equilíbrio mental e
nervoso e para nos curarmos — o quanto possível — de molezas de toda
ordem, podemos e devemos recorrer ao Sagrado Coração de Jesus que, com uma
graça jorrada dEle — como a água que curou o centurião — possa eliminar a
cegueira de nossas almas, porque somos cheios de cegueiras de todos os graus e
ordens.
Peçamos
ao Sagrado Coração de Jesus, por intermédio do Coração Imaculado de Maria —
porque só assim, por intermédio de Nossa Senhora é que se obtém dEle as graças
que nos curem dessa múltipla cegueira —, e teremos feito um esplêndido pedido e
estaremos a caminho de conseguir uma magnífica graça.
(Conferência "Santo do dia",
4 de março de 1965)
[1]
cfr.
Marguerite-Marie Alacoque, Vie et oeuvres, Saint Paul, Paris-Fribourg, 1990, t. II,
pp. 335-337, 343-344, 435-436
[2]
Fernando Furquim de Almeida, que foi um dos mais antigos discípulos de Dr.
Plinio, era colaborador freqüente do mensário de cultura católica “Catolicismo”;
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