A propósito da atual situação política do país, grande parte decorrente da constituição aprovada em 1988, Dr. Plinio Corrêa de Oliveira (que foi deputado
constituinte na década de 30) publicou importante obra em que critica gravíssimas
falhas no sistema representativo que a mesma pleiteava. Vejamos a seguir parte importante da referida
obra, onde podemos verificar que analisa muito bem a situação política em que
ficaria o país decorrente daquela constituição:
“Monarquia parlamentarista, República
presidencialista ou República parlamentarista?
Para entender este artigo
Democracia
é a forma de governo em que a direção do Estado cabe ao povo. O pressuposto da
democratização política é a igualdade de todos perante a lei.
A
situação ideal na democracia é aquela em que a vontade popular é unânime.
Ocorre então o chamado consenso. Mas, na prática, tal situação raramente
acontece. E, quando isso se verifica, é por pouco tempo.
Assim,
na democracia se atribui força decisória à maioria.
Nos
países de muito pequena população, a democracia se exerce pela manifestação
direta da vontade de cada cidadão, expressa em reunião plenária, em praça
pública. A contagem dos votos se faz na hora. Tal é a chamada democracia direta.
Esta
ocorreu, por vezes, em remotas eras. Por exemplo, na Grécia antiga. Mas, via de
regra, é impraticável em nações contemporâneas. Excepcionalmente, a democracia
direta ainda tem vigência, no plano municipal, em alguns cantões da Suíça
atual. Um vestígio da democracia direta são o referendum e o plebiscito.
Hoje, a
democracia é normalmente indireta,
ou seja, representativa.
Os
cidadãos elegem representantes que votam as leis e dirigem o Estado segundo as
intenções do eleitorado.
O poder
político de fazer ou de revogar leis (Legislativo) é exercido habitualmente,
nas democracias representativas, de modo colegiado, através de parlamentos ou
congressos. As decisões são tomadas pela maioria dos representantes populares
(deputados ou senadores). A maioria parlamentar representa — pelo menos em
princípio — a maioria do eleitorado.
______________________________
A mais
básica das condições para que uma eleição seja representativa é que o eleitor
tenha efetivamente opinião formada sobre os diversos assuntos em pauta no
prélio eleitoral. A opinião do
eleitor sobre estes diversos assuntos constitui o critério segundo o qual ele
escolhe o candidato de sua confiança.
Em
outros termos, se cada eleitor não tiver opinião formada acerca desses temas, o
candidato eleito será livre de agir unicamente segundo suas convicções pessoais.
Porém,
neste caso, ele não representa a quem quer que seja. E uma câmara toda
constituída por deputados sem representatividade é vazia de conteúdo, de
significado, de atribuições, em um regime de democracia representativa.
Ou
seja, ela é inexistente e incapaz de atuar.
O
exercício autêntico da democracia supõe a existência, no País, de instituições
privadas e públicas idôneas para estudar os problemas locais, regionais e
nacionais, e propor-lhes soluções, bem como para a difusão destas em larga escala,
com o propósito de suscitar a tal respeito controvérsias esclarecedoras.
Igualmente
é necessária, para a formação da opinião nacional, a cooperação dos meios de
comunicação social que, por sua própria natureza, dispõem de peculiar
influência na missão de informar e de formar seus leitores ou ouvintes. Para
tal, devem eles refletir as principais tendências da opinião e, pelo diálogo
como pela polêmica, manter o público informado da atuação e das metas das
várias tendências ou opiniões.
É
necessário ainda que tais instituições e órgãos de comunicação social se
empenhem em erradicar do espírito público certa imprevidência otimista e
sistemática, muito disseminada em nosso povo. Baseada no pressuposto de que
"Deus é brasileiro", essa atitude imprevidente induz a negligenciar
temerariamente o estudo e a reflexão sobre os problemas do bem comum, e a
imaginar suficiente o mero "palpite" (emitido em via de regra tão-só
com base em simpatias ou fobias pessoais) para dar fundamento ao voto. Voto
este que, assim obviamente inidôneo e irrefletido, só pode dar origem a leis
ineptas e governos incompetentes, que singrem despreocupadamente os mares do
absurdo.
A falta
de seriedade no clima pré-eleitoral, simbolizada com dramático poder de
expressão pela presença cada vez mais marcante de shows nos comícios políticos, prova que, no Brasil hodierno, o debate sério tende
rapidamente a desaparecer. E, quando existe, interessa pouco. O que constitui
uma prova a mais de quanto urge extirpar de nosso País o voto não sério,
tornando freqüente, interessante, conclusiva a exposição — quando não o debate
dialético ou polêmico dos grandes temas nacionais.
Se tal
não se fizer, não adianta clamar, bradar ou uivar a favor da democracia. Presentemente, o principal fator da precariedade dela
não reside em seus adversários, porém nela mesma, isto é, no estado de espírito
com que a praticam tantos e tantos dos que a louvam e aclamam.
* * *
Considerada
a problemática do ponto de vista não do processo eleitoral, mas dos
representantes, deve-se observar que, no Brasil, "político"
tornou-se freqüentemente sinônimo de "político-profissional",
sobretudo quando se trata de político que não tem haveres pessoais suficientes
para se manter sem o concurso dos honorários correlatos com o exercício de funções
na vida pública.
Político
profissional é aquele que dedica
à atividade política uma parcela muito preponderante (quando só isto) de seu
tempo e de suas energias; que no êxito da carreira política põe o melhor de
suas esperanças e ambições; e ao qual resta, para outras atividades, uma
parcela pouco expressiva de sua atuação no exercício de alguma profissão
rendosa.
Assim,
mesmo fora dos períodos pré-eleitoral e eleitoral, de si tão absorventes, o
político-profissional passa o tempo cultivando o seu eleitorado para conseguir
eleger-se, ou reeleger-se.
Sobretudo
está o político-profissional atento em conseguir favores para os seus cabos
eleitorais, a fim de que estes lhe consigam, por sua vez, os eleitores de que
precisa.
Uma vez
eleito, o exercício do mandato lhe absorve quase todo o tempo. E pouco lhe
resta para outras atividades. Tanto mais quanto, logo depois de eleito, deve
começar a preparar sua reeleição. A situação normal do político-profissional é
a de um candidato permanente.
Em
relação a tais políticos-profissionais, a opinião pública se mostra — por
motivos diversos — bem pouco entusiasmada. Se bem que essa disposição de alma
seja eventualmente injusta em relação a este ou àquele político-profissional, o
fato é esse. E não há exagero em dizer que grande parte dos votos em branco
ou nulos, das últimas eleições, se deveu à verdadeira saciedade que
o público sente em relação a candidatos que figuram habitualmente no amplo rol
dos políticos-profissionais.
O que
seria, de outro lado, um político não profissional? Alguém que, financeiramente
independente, só faz política por amor à arte, pelo gosto da fama, ou até da
celebridade com que o macrocapitalismo publicitário premeia os políticos do
inteiro agrado dele? Ou o homem abonado, e ao mesmo tempo lutador
desinteressado, que fosse levado à ação política por mero idealismo religioso
ou patriótico? Ou, por fim, o homem idealista que, embora não abonado, arrisca
para si e para sua família a aventura de sacrificar gravemente sua profissão
habitual, com o objetivo de se consagrar, com honestidade modelar, ao serviço
da Pátria?
Tal é a
elevação desse último gênero de perfil moral que, por isso mesmo, o político
não profissional é inevitavelmente raro em nossos tristes e convulsionados
dias.
Ademais,
parece certo que a essa última categoria não se ajusta bem o qualificativo de
"profissional". Pois, por homem "financeiramente
independente" parece entender-se mais bem o que vive de rendas, sem
profissão definida. E, portanto, com possibilidade de consagrar à política todo
o seu tempo. O que contribui obviamente para serem ainda mais raros os
políticos não profissionais. Pois o número de pessoas "financeiramente
independentes", ou seja, abonadas, vai decrescendo rapidamente dia a dia.
Talvez
fosse preferível qualificar esse gênero de homem público, de político por mero idealismo.
Entretanto,
além dos políticos-profissionais
e dos políticos por mero idealismo,
há que considerar ainda um terceiro gênero. Ou seja, o daqueles a quem, sem
fazer mero jogo de palavras, se poderia designar como profissionais-políticos.
Trata-se,
neste caso, de profissionais que, tornando-se insignes pela categoria e
abundância de seu trabalho profissional, adquirem realce na própria classe ou
meio social.
Tendo
atingido esta situação, é normal que neles pensem muitos eleitores para o
exercício de altas funções públicas de caráter eletivo.
Quando
alguém se destaca de modo notável em qualquer setor de atividade, na respectiva
profissão por exemplo, adquire com isso uma autêntica representatividade
daquele setor.
Assim,
se um Carlos Chagas, ou um Oswaldo Cruz, estivesse vivo hoje, ele se destacaria
certamente como representante natural da classe médica em todo o País. Na
Câmara, pela natureza de sua celebridade, e pelo cunho específico de seu
mandato, seria ele o porta-voz dos colegas. Porém não só deles. Os habitantes
da região onde nasceu, seus companheiros e amigos no campo das relações sociais
e do lazer etc., todos os brasileiros inteirados de seus feitos e de seus
méritos através da mídia, se sentiriam — a um título ou a outro — representados
por ele.
Análoga
coisa se pode dizer de outras profissões, como comerciantes, industriais,
agricultores, professores, militares, diplomatas, bem como funcionários
públicos das mais diferentes atividades, engenheiros, advogados e técnicos de
toda ordem.
Esta
enumeração, meramente exemplificativa, de modo nenhum exclui, a seu modo, os
representantes de quaisquer outros grupos sociais ou profissionais, desde os
mais elevados na escala social, até os mais modestos: proprietários rurais
tanto como bóias-frias ou colonos, proprietários urbanos tanto quanto
locatários, empresários industriais ou comerciais como trabalhadores na
indústria ou comércio. E há que incluir ainda, nessa lista, grupos ou categorias
naturais de outra índole, como associações de filatelia, de enxadrismo, de
esportistas, de atividades recreativas honestas etc.
Enfim, as
pessoas notáveis de todos os ramos de atividade devem ser particularmente
viáveis como candidatos a um mandato eletivo, especialmente quando este tem
missão constituinte.
Por sua
vez, estes não aspiram naturalmente a ser deputados ou senadores ad aeternum.
A
eleição para um mandato legislativo lhes é honrosa, lhes enriquece o curriculum
vitae. Mas a necessidade de estar sempre na vanguarda da profissão ou campo de
atividade em que adquiriram destaque, impede que eles dediquem toda a sua
existência à política. Sua notabilidade profissional é o pedestal de seu êxito
político.
E,
portanto, é só excepcionalmente que eles limitam tal atividade em benefício de
sua notoriedade política. A notoriedade é a causa do seu mandato; não é o
mandato a causa de sua notoriedade.
É a
esse elevado tipo de profissional que se deve designar honrosamente de profissional-político.
Já
aludi anteriormente à missão das grandes instituições sociais, em tal matéria.
Convém tratar mais especialmente de duas delas.
Em
primeiro lugar, cumpre ressaltar o papel de uma instituição de importância
ímpar, ainda mesmo nos dias que correm, isto é, a Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB).
Este
organismo episcopal se vem utilizando do enorme prestígio — do qual gozou antes
de eclodir a atual crise na Santa Igreja, e que, em certa medida, ainda
conserva — para modelar a seu gosto a opinião pública, no tocante a
determinados problemas sócio-econômicos de relevo. Entretanto, com isto tem ele
relegado para segundo plano uma série de temas de primordial importância
religiosa e moral no que diz respeito, não só ao bem comum espiritual, como ao
bem comum temporal.
Essa
inversão de valores é gravemente responsável pelo minguamento progressivo do
prestígio da CNBB.
Fizesse
ela cessar essa inversão, e reprimisse eficazmente tantas extravagâncias e
abusos que, sob a ação da crise na Igreja, se tem alastrado no Brasil como
alhures, e esse prestígio poderia voltar ao seu primitivo esplendor.
Em
segundo lugar, cabe falar da mídia, a qual se tem mostrado muito uniforme.
Uma
mídia mais ricamente diferenciada, do ponto de vista ideológico, doutrinário e
cultural, poderia servir de meio de expressão e de conseqüente aglutinação de
inúmeras almas que se calam. E a vida pública brasileira adquiriria assim a
amplitude e a vitalidade que lhe faltam.
Não é
difícil admitir que toda essa vida, comprimida pelo anonimato a que a relega o
capitalismo publicitário, se "vingue", recolhendo dentro de si as
riquezas de pensamento que muitas vezes possui.
Daí
resulta em parte a monotonia da nossa vida pública: "monotonia" no
sentido etimológico do termo. A "mono-tona ", sim, que instila o
tédio político no grande público. E produz a "a-tonia" de
considerável parte do eleitorado.
Concluindo.
Um país que fosse movido muito mais por intuições do que por um pensamento
político e por uma cogitação doutrinária séria, não poderia chamar-se um
país-de-idéias. A ser ele democrático, constituiria uma democracia-sem-idéias.
(Publicado em Catolicismo,
N° 491 – Dezembro de 1991 – Ano XLI, pags. 17-21. O
texto deste artigo é uma condensação bastante sucinta da primeira parte da obra
do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira "Projeto de Constituição angustia o País",
Editora Vera Cruz, São Paulo, 1987. Esta obra empolgou a opinião pública a tal
ponto, que os propagandistas da TFP chegaram a vender, dela, mais de mil
exemplares diários)
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