Na primavera de 1951 se constituía a primeira tentativa de uma federação europeia com o tratado chamado de CECA (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço), assinado por apenas seis países, que expirou em 2002. Mas, já era o início de diversos outros tratados até os atuais, cuja filosofia é a mesma em todos.
Já no ano seguinte, 1952, Dr. Plinio Corrêa de Oliveira comentava tal federação à luz da Doutrina Católica, em artigo na revista de cultura católica "Catolicismo". Ei-lo:
Plínio
Corrêa de Oliveira
“Uma das datas mais importantes deste século é sem
dúvida a da reunião de Paris, em que os representantes da França, da Itália, da
Alemanha Ocidental, e das pequenas potências do grupo Benelux – Bélgica,
Holanda, Luxemburgo – decidiram, em princípio, a constituição da Federação
Europeia, com a formação de uma só entidade de Direito Internacional Público,
e, conseqüentemente, de um governo comum, a se acrescentar, com o caráter de
superestrutura, aos vários governos nacionais.Antes da última guerra mundial, passaria
por sonhador quem idealizasse tal plano para o século XXI, e por débil mental
quem o imaginasse viável para nossos dias. A Europa ainda estava incandescente
do ódio franco-alemão que ocasionara o conflito de 1914-1918, e haveria de
desempenhar importante papel na deflagração de 1939-1945. Todas as nações
europeias, estuantes de vida cultural e econômica própria, marcadas ainda em
sua alma pelos ressentimentos, pelas ambições, pelas rivalidades herdadas dos
Tempos Modernos, pareciam insusceptíveis de serem englobadas em um todo
político por mais vago e frouxo que fosse. Seria necessária a tragédia da
segunda guerra mundial e o conseqüente desmantelamento da economia das nações
europeias, para que, extenuado o fôlego de sua vida cultural, e sujeitas todas
ao risco iminente – e que já dura 7 anos – de uma nova invasão de bárbaros, as
doutrinas unitárias encontrassem terreno propício, e o plano de uma Federação
Européia se tornasse viável.
O alcance da fundação dos Estados
Unidos da Europa
O
verdadeiro alcance da formação dos Estados Unidos da Europa foi bem definido
pelo Sr. Alcide De Gasperi, Presidente do Conselho de Ministros da Itália, que
equiparou este acontecimento ao ato pelo qual as colônias inglesas da América
do Norte se uniram para constituir uma Federação, e os cantões suíços
renunciaram a ser um conglomerado de nações soberanas, para formar um Estado
federal. O exemplo norte-americano é sobejamente conhecido. Sabe-se que a
Inglaterra tinha na América do Norte treze colônias inteiramente distintas
entre si, e ligadas diretamente à metrópole. Tornando-se independentes,
deveriam constituir treze nações diferentes. Entretanto, essas colônias
preferiram unir-se em uma só nação de caráter federativo. Menos conhecido, mas
igualmente significativo, é o exemplo suíço. Quando, depois da queda definitiva
de Napoleão em 1815, o Congresso de Viena reorganizou o mapa europeu, fez da
Suíça, que era uma nebulosa política formada de numerosos pequenos cantões
independentes, dominados cada qual pela respectiva classe dirigente –
patriciado urbano ou aristocracia rural – uma Confederação de 22 cantões
perfeitamente independentes entre si, e ligados apenas por um “pacto federal”
que em última análise não passava de um tratado de aliança e boa vizinhança. A
Suíça continuava, pois, a não ser um Estado, mas um conglomerado de Estados.
Esta situação só cessou quando, depois de uma série de lutas cruentas, em que
as elites locais reagiam contra a centralização, e os católicos gloriosamente
ligados no “Sonderbund” procuravam evitar a hegemonia protestante, os
partidários da formação de um Estado suíço venceram. Nasceu daí a constituição
suíça de 1843 que, sem suprimir os cantões com seus governos locais (à maneira
dos Estados norte-americanos, ou brasileiros) incumbidos da direção dos
assuntos também locais, colocava os interesses comuns nas mãos de um só governo
central, de caráter federativo. A atual República Suíça estava fundada.
No
fenômeno americano, como no suíço, há pois a marcha da independência para a
Federação. Os Estados, outrora independentes uns dos outros, passaram a ser
simplesmente autônomos, dando lugar à absorção das soberanias locais por um
governo central.
É
o que, segundo o “premier” italiano soube claramente exprimir, acaba de ser
resolvido na Europa. Entre a França e a Alemanha, a Itália e a Holanda, etc.,
haverá daqui por diante, não os abismos que até agora existiam, mas apenas a
linha demarcatória de interesse quase exclusivamente administrativo, que existe
entre Ohio e Massachusets, Rio e São Paulo, ou Lucerna e Friburgo.
Como
se vê, trata-se de um acontecimento imenso. São nações que desaparecem depois
de ter enchido o mundo e a História com a irradiação de sua glória… e um novo
Estado Federal que aparece, cujo futuro não é fácil de prever.
Viabilidade do novo plano
O
primeiro obstáculo para a cabal realização do plano – que por enquanto existe
apenas no papel, como o Exército do Atlântico e outras coisas que tais – está
numa provável guerra mundial. Ninguém pode prever o que sucederá a esta Federação
em estado germinativo, ao longo da guerra, e depois dela. Tanto poderá
consolidar-se de vez, quanto poderá ser queimada no incêndio, sem que sequer se
note o traço de suas cinzas.
Ainda
que façamos abstração da guerra, outras dificuldades aparecerão. Uma Federação
que procura passar a esponja sobre tantos séculos de História, evidentemente
não pode ser construída só por um grupo de políticos e homens de gabinete,
mediante a assinatura de um tratado. É preciso uma longa propaganda junto aos
povos federados, para fazer nascer neles a consciência de que, por cima dos
blocos nacionais em que se sentem integrados por vínculos que estão na massa do
sangue e são fáceis de perceber, paira um todo federal abstrato, que não está
na massa do sangue mas apenas na tinta com que se escreveu um tratado. E
enquanto esta consciência não se forma é claro que o novo organismo não começou
a ter vida natural e real. Não está aí, porém, a verdadeira dificuldade. O
homem contemporâneo, despersonalizado, extenuado, desorientado pela confusão
reinante, vivendo na dependência mental – à qual tão gostosamente se entrega –
da imprensa, do rádio, da televisão etc., pode facilmente ser persuadido de
qualquer coisa. Há técnicos que fabricam em sua alma “consciências” de coisas
reais ou irreais, que nunca estiveram efetivamente na mentalidade do público,
com a desenvoltura com que os cirurgiões enxertam num organismo humano um
pedaço de carne, um dedo ou um olho que até aqui lhe foi absolutamente
extrínseco. O perigo está antes na formação de correntes nacionalistas em
alguns países “federados”. Mas ainda isto não parece viável. Uma humanidade
que, dia a dia, se vai tornando mais ávida de alimento, tranqüilidade e
prazeres, não é naturalmente propensa a se entusiasmar por si mesma, em favor
de nacionalismos de qualquer espécie…
Assim,
pois, resumindo nossa impressão, tudo indica que, exceto uma guerra, nenhum
fato natural deterá a constituição da Federação. Tanto mais quanto seus
dirigentes já declararam oficialmente que saberão andar passo a passo, montando
aos poucos as peças do novo organismo, e começando judiciosamente pelos
alicerces.
A Federação é uma novidade?
Se
se pergunta se é uma novidade a Federação, a resposta deve ser negativa. A
Europa já constituiu, em outros tempos, um grande todo de natureza federal,
pelo menos no sentido muito amplo e muito genérico da palavra.
Em
476, o Império Romano do Ocidente deixou de existir. O território europeu,
coberto de hordas bárbaras, não possuía Estados definidos e de fronteiras
duráveis. Era toda uma efervescência de selvageria, que só foi amainando à
medida que a ação dos grandes missionários assegurou, um pouco por toda parte,
um início de pujante germinação para a semente evangélica. A esta altura,
tornando os costumes menos rudes, a vida menos incerta e turbilhonante, a
ignorância menos espessa, estava constituída na Europa um grande conglomerado
de povos cristãos que, por sobre todas as suas diversidades naturais, estavam
unidos por dois vínculos comuns profundos, nascidos de um grande amor, e de um
grande perigo:
a)
– sinceramente, profundamente cristãos, adorando pois em espírito e verdade (e
não apenas em palavras e rotina) a Nosso Senhor Jesus Cristo, amavam e
desejavam verdadeiramente praticar a Sua Lei, e estavam convictos de sua missão
de estender o domínio desta Lei até os últimos confins da terra;
b)
– como fruto desta fé coerente e robusta reinava em todos os espíritos um mesmo
modo de conceber o homem, a família, as relações sociais, a dor, a alegria, a
glória, a humildade, a inocência, o pecado, a emenda, o perdão, a riqueza, o
poder, a nobreza, a coragem, em uma palavra, a vida;
c)
– daí, também, uma forte e substancial unidade de cultura e civilização, a
despeito de variantes locais prodigiosamente ricas em cada nação, em cada região,
e em cada feudo ou cidade;
d)
– diante da dupla pressão dos sarracenos vindos da África, e dos pagãos vindos
do Oriente da Europa, a ideia de um imenso risco comum, em que todos deviam
auxiliar a todos, para uma vitória que seria de todos.
Todo
este conjunto de fatores de unidade encontrou seu grande catalisador em Carlos
Magno (742-814), que encarnou aos olhos de seus contemporâneos o tipo ideal do
soberano cristão, forte, bravo, sábio, justiceiro e paternal, profundamente
amante da paz, mas invencível na guerra, considerando sua mais alta missão pôr
a força do Estado ao serviço da Igreja para manter a Lei de Cristo em seus
reinos, e defender a Cristandade contra seus agressores. Este homem
símbolo realizou seus ideais, e quando Leão III, no ano de 800, na Igreja de
Latrão, o coroou Imperador Romano do Ocidente, deu o mais alto remate à obra
que Carlos Magno estava levando a efeito: ficava constituído, abrangendo toda a
Europa cristã, um grande Império, destinado antes de tudo a manter, a defender,
a propagar a Fé.
Este
Império durou de 809 a 911. Em 962, o Imperador Othão, o Grande o ressuscitou,
dando origem ao Sacro Império Romano Alemão. Assim, com vicissitudes diversas,
das quais a mais terrível foi a cisão trágica do protestantismo e a eclosão das
tendências nacionalistas, no século XVI, manteve-se pelo menos teoricamente
esta grande instituição até 1806, quando Napoleão Bonaparte obrigou Francisco
II, o último Imperador Romano Alemão, a aceitar a extinção do Sacro Império, e
a assumir o simples título de Imperador da Áustria com o nome de Francisco I.
Não
obstante certos períodos de crise, o Sacro Império teve grandes eras de glória,
e sua estrutura serviu de fato para exprimir o ideal cristão de uma grande
família de povos, unida à sombra maternal da Igreja, para manter a paz, a Fé, a
moral, para defender a Cristandade, e apoiar no mundo inteiro a livre pregação
do Evangelho.
Que pensar da Federação Européia?
Assim,
em princípio, vê-se que a Igreja não se limita a permitir, mas favorece de todo
coração as superestruturas internacionais, desde que se proponham um fim
lícito. Em essência, pois, só merece aplausos a ideia de aproximar num todo
político bem construído, os povos europeus.
As
circunstâncias de momento parecem tornar particularmente oportuna a medida.
Diante de um inimigo externo comum, lutando com uma crise econômica
internacional, nada mais justo e recomendável do que todas as nações da Europa
livre convergirem para lutar e vencer.
Mas
aprovar a ideia em princípio é uma coisa. Aprová-la incondicionalmente,
quaisquer que sejam suas aplicações práticas, é outra. E até esta
incondicionalidade não podemos chegar.
Vivemos
em uma época de estatização brutal. Tudo se centraliza, se planifica, se
artificializa, se tiraniza. Se a Federação europeia entrar por este caminho,
aberrará das normas muito sábias do discurso do Papa Pio XII aos dirigentes do
movimento internacional em favor de uma Federação Mundial.
Antes
de tudo, devemos fazer sentir que a Igreja é contrária ao desaparecimento de
tantas nações para constituir um só todo. Cada nação pode e deve manter-se,
dentro de uma estrutura supranacional, viva e definida, com seus limites, seu
território, seu governo, sua língua, seus costumes, sua lei, sua índole
própria. A Alemanha é uma nação, a França outra, a Itália outra. Se alguém as
quisesse fundir como quem joga num cadinho jóias de finíssimo valor, para as
transformar num maciço lingote de ouro, inexpressivo, anguloso, vulgar,
certamente não agiria segundo as vistas de Deus, que criou uma ordem natural na
qual a nação é uma realidade indestrutível. Assim, pois, se a Federação
Europeia tomar este caminho, será mais um mal, do que um bem. Deve ela ser a
protetora das independências nacionais e não a hidra devoradora das nações. As
autoridades federais devem existir para suprir a ação dos governos nacionais em
certos assuntos de interesse supranacional; nunca para os eliminar. Sua atuação
nunca poderá ter em vista a supressão das características nacionais de alma e
cultura, mas antes, na medida do possível, seu robustecimento. Precisamente
como no Sacro Império, em que cada nação podia desenvolver-se, dentro da órbita
dos interesses legítimos e comuns da Cristandade, segundo a sua índole
peculiar, sua capacidade, suas condições, ambientes, etc.
De
outro lado, a estruturação econômica não deve chegar a um planejamento tal, que
implique numa supersocialização. Se o socialismo é um mal, sua transposição
para o plano superestatal não poderá deixar de ser um mal ainda maior. No Sacro
Império, todo penetrado de feudalismo, de regionalismo sadio, de autonomismo
municipal, do autonomismo grupal das corporações, Universidades etc., tal
perigo só começou a se infiltrar quando apareceu, com os legistas, a semente do
socialismo hodierno. Mas os legistas foram sempre uma excrescência na
Cristandade, e sua influência coincidiu precisamente com o declínio do
verdadeiro ideal cristão do Estado.
Por
fim, permita-se-nos uma afirmação bem franca. Nenhuma sociedade, seja ela
doméstica, profissional, recreativa, seja ela Estado, Federação de Estados, ou
Império mundial pode produzir frutos estáveis e duráveis se ignorar
oficialmente o Homem Deus, a Redenção, o Evangelho, a Lei de Deus, a Santa
Igreja, e o Papado. Ocasionalmente, podem alguns de seus frutos ser bons. Mas
se forem bons não serão duráveis e, se forem maus, quanto mais duráveis tanto
mais nocivos.
Se
a Federação Européia se colocasse à sombra da Igreja, fosse inspirada, animada,
vivificada por Ela, o que não se poderia esperar? Mas, ignorando a Igreja como
Corpo Místico de Cristo, o que esperar dela?
Sim,
o que esperar dela? Alguns frutos bons, que convém notar e proteger de todos os
modos, sem dúvida. Mas como é fundado esperar também outros frutos! E se estes
frutos forem amargos, quanto se pode temer que nos aproximemos assim da
República Universal cuja realização a maçonaria há tantos séculos prepara?“
(“Catolicismo”, fevereiro de
1952)
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