quinta-feira, 6 de junho de 2024

OS MILAGRES DE SÃO JOSÉ DE ANCHIETA

 




 

A seguir, citamos apenas alguns, extraídos das hagiografias feitas sobre ele. Os mais comuns foram:

LEVITAÇÃO - Através do testemunho de várias pessoas contemporâneas de Anchieta, sabe-se que a levitação do santo era um fato corriqueiro quase não despertando sustos na população. Era comum ele rezar missas levitando.

Levitar, entretanto, não era algo comum entre os índios. Alias, foi essa proeza, que uma vez o salvou dos perigosos tamoios, quando foi feito refém em Iperoig (onde hoje é Ubatuba), enquanto o padre Nóbrega tentava um pacto com os tupis. O chefe dos tamoios, Pindobuçu, vendo-o elevar-se do chão, atemorizou-se e, na dúvida sobre que espíritos, bons ou maus, estariam dando-lhe forças para tal, preferiu não arriscar, poupando-lhe a vida. 

RESSUSCITAR MORTOS - "Ele ressuscitou mortos. Sabe-se de pelo menos seis pessoas revisitadas pelo padre Anchieta embora fugisse disso alegando sempre: 'Não vim como medico'. Conta-se que uma menina havia morrido, deixando seus pais desconsolados. O padre Anchieta chega, vai até o seu cadáver e diz-lhe: “Minha filha, tu estás querendo roubar o paraíso facilmente. Volta e luta”. Imediatamente, a menina ressuscita.

Também existe a famosa história do índio Diego, que todos achavam que era batizado, por guardar os mandamentos e dizer-se cristão. Mas, após morrer sem o sacramento, durante o seu enterro, ele se levanta e pede a uma senhora que vela o seu corpo que chame o padre Anchieta, a fim de ser batizado. O apóstolo chega, batiza-o e ele morre novamente.

FICA MEIA HORA EMBAIXA D'ÁGUA REZANDO - Certa ocasião, o beato navegava pelo rio Tietê quando seu barco naufragou. Diz a história que o barqueiro que o conduzia, após vários mergulhos, encontrou-o no fundo da água, calmo, sentado e lendo talvez o breviário e rezando. De acordo com a biografia escrita por Pero Rodrigues, contemporâneo do santo, ele ficou submerso coisa de meia hora. Eis como se deu tal milagre:

Indo em direção de uma aldeia a fim de apaziguar 2 revoltosos que sublevavam os índios, ocorreu o seguinte milagre, ocorrido próximo de São Paulo no ano de 1570:
“Enquanto desciam o rio numa canoa e os dois missionários (o outro era o Padre Vicente Rodrigues) recitavam recolhidos seu breviário, aconteceu que a canoa virou e caíram na água os viajantes. Todos conseguiram chegar sãos e salvos à margem, com exceção do Padre Anchieta.
Um jovem índio que muito o estimava lançou-se ao rio, que no local era profundo, decidido a arriscar a vida para salvar o querido sacerdote. Entretanto, por mais que procurasse não conseguiu encontrá-lo. Grande era a aflição de todos, como bem se compreende.
Algum tempo depois, o mesmo índio se lançou de novo no rio, na esperança de recuperar ao menos o cadáver do Padre. Qual não foi seu espanto, porém, quando o avistou bem vivo, sentado no fundo da água e recitando tranquilamente seu breviário! Celebrava-se naquele dia a festa da Imaculada Conceição da Virgem. O índio chegou-se ao Padre, segurou-o com força e o puxou para a terra.
Perguntaram então ao missionário o que lhe acontecera durante a meia hora em que estivera sob as águas. Com naturalidade, contou que a Santíssima Virgem, cujos louvores estava recitando quando a barca virou, o preservara milagrosamente da morte. O milagre era ainda mais espantoso quando notaram que, embora tivesse as vestes encharcadas, o breviário estava seco e intacto.
Ainda outro prodígio se verificou na mesma ocasião. A barca tinha desaparecido e não se sabia o que tinha sido feito dela; mas Anchieta indicou com segurança um local afastado e afirmou que ali estava a barca; com efeito, ali a encontraram, meio coberta por areia”. (“Anchieta, o Santo do Brasil”, de Charles Sanfe-Foy, Artpress, São Paulo, 1997 – págs. 83/84)


SUA PREGAÇÃO É OUVIDA A QUILÔMETROS DE DISTÂNCIA - Quando Anchieta se encontrava em Bertioga várias pessoas ouviram sua voz, em pregação, num momento em que ele estava a várias dezenas de quilômetros distante do local. 

UM CLARÃO DURANTE SUA PREGAÇÃO - Numa missa, na presença de muitos fiéis, durante a pregação, o padre caiu de joelhos. Neste exato momento, um imenso clarão iluminou o templo  e chegou a assustar aos que estavam na Igreja de Nossa Senhora de Itanhaém.

FAZ PESCADORES ACHAR PEIXES - Um dos casos de premonição, ou adivinhação, mais conhecidos do santo é o da falta de peixes na Bahia. Os peixes estavam cada vez mais escassos e os pescadores começavam a passar necessidade. Anchieta então chamou um deles e mostrou-lhe o lugar onde deveria jogar sua rede. Num único lançamento o pescador tirou tantos peixes que não só supriu suas necessidades e as dos missionários como pode repartir a sobra entre os pobres.

LIA PENSAMENTOS E CONVERSAVA COM ANIMAIS SELVAGENS

São inúmeros os depoimentos de pessoas que afirmam que o padre lia pensamentos. Existem vários relatos que afirmam a existência de conversas entre o missionário e animais selvagens, como cobras e onças no cativeiro.

 

 

Realizou também diversos milagres em terras vicentinas

São José de Anchieta, deixou um rastro de lendas e histórias de milagres por onde passou, até o seu falecimento em 9/6/1597 na aldeia de Biritiba/ES, que hoje leva seu nome. Alguns que se produziram inclusive na então Vila de São Vicente, como é contado na “Poliantéia Vicentina” (obra editada em 1982 para comemorar os 450 anos desse município pelo pesquisador Fernando Martins Lichti, em publicação da Editora Caudex Ltda., São Vicente/SP)


Os milagres do canário - Edmundo Amaral

No cenário verde da terra de Santa Cruz, a doce figura de Anchieta é a que mais se destaca, pelo valor de seu sacrifício, pela tenacidade de seu esforço, pelo heroísmo de sua abnegação, e pela suave simplicidade de sua vida cristã, nessas rudes terras dos brasis.

Pequeno, vagamente corcovado, na sua batina de cânhamo, cortada de um pedaço de vela, o rosto branco de cera, onde os olhos vivos resplandeciam doçura e perdão, movia-se numa faina formigueira, construindo, ensinando, curando, aconselhando, apaziguando, catequizando, modelando, num esforço supremo, o barro informe desse Brasil virgem e selvagem de índios e papagaios.

Em São Vicente de 1555, ele era o médico, o engenheiro, o juiz, o professor, o confessor e o conselheiro. Construindo com as suas próprias mãos as primeiras casas de taipa e palha, cavando o sulco das hortas, ensinando doutrina e gramática às crianças guaranis, com a sua caixa de folha de hervário e a sua lanceta de sangrador, curando, pelas sombras das ocas, enfermos atacados de bexigas ou câmaras de sangue.

Quando numa rixa áspera os tacapes se levantavam ameaçadores, era o apaziguador sereno, e pelas tardes longas de S. Vicente, até quando o sol forte agonizava detrás dos grandes morros, contava lendas suaves e cristãs a toda uma aldeia indígena, que escutava agachada sobre as grossas lajes do adro.

As pernas queimadas de geada, a batina encharcada das chuvas, tiritando na friagem de agosto ou batendo as alparcas de sola, pelas areias incandescentes de Itanhaém, lá vinha ele, com os pés escalavrados pelos matagais da serra, depois de andar sete léguas, para acudir um escravo ou batizar uma criança indígena. Todos esses atos de piedade e fé eram cumpridos com a mais serena alegria e simplicidade.

"Parece um homem de engonços e de pele e ossos, um rosto de cera amarela, ainda que alegre e cheio de risos, uns olhos sumidos, com um vestido que não sabeis se o foi algum dia, os pés descalços esfolados do solo". Assim o Padre Antônio Freire descreve a Nóbrega; assim eram todos esses missionários do Bem.

Projetada dentro do tempo, recuando, para além da nitidez dos contornos contemporâneos, a figura de Anchieta ganha então uma luminosidade suave de lenda. Então a sua fé, o seu sacrifício heróico, a sua tenacidade sem desfalecimentos e a graça de seus milagres aparecem envoltos nessa luz romântica e distante do passado.

E como pérolas de um rosário, que se desfia numa prece, um a um, os seus milagres e feitos de sua vida passam dentro de nossa evocação. Aves e feras, árvores e flores, todas as formas da natureza, desde as mais grosseiras às mais delicadas, ele as envolvia no seu grande amor. Pássaros miúdos e ariscos pousavam, com uma familiaridade confiante, sobre os ombros, metiam-se pela amplidão das mangas do hábito, aninhavam-se pela sombra do capuz e cobriam de asas coloridas e palpitantes o seu breviário de padre e o seu bordão de caminheiro. Onças bravias, de güelas sanguinolentas e vorazes, vinham dóceis comer em sua mão, como cães de mama.

Um dia, conta Antônio Cubas de S. Vicente, ele partira de canoa com o Padre e outros homens. O resplendor de um sol africano parecia ferver o mar liso e luminoso. Na estreiteza da piroga, homens suavam, sob os sombreros de feltro; no céu alto e azul nem um fiapo de nuvem esbatia o sol violento, que escaldava os dorsos luzentes dos remeiros bugres remando na proa sob o suor gotejante.

Já os viajantes resmungavam, entre pragas abafadas por causa do calor e da luz violenta que ofuscava, quando ainda a piroga lenta sulcava as águas distantes de Itanhaém. Foi então que o Padre, numa voz alta e clara, chamou as aves que voavam longe e esparsas. Num momento, elas acudiram em bando e, num vôo leve e reto, rumaram para a piroga. Então o vôo verde das maitacas se juntou à brancura das gaivotas e às asas escarlates dos guarás, como num toldo multicor, e, num vôo baixo e disciplinado, cobriram de asas e de sombra a piroga, que correu silente, serena e sombreada, sobre a frescura das águas azuladas...

Outra vez, em Magé, um touro furioso espuma e escarva o terreiro do engenho. Cercas e porteiras já tinham voado em pedaços, sob os cornos furiosos, e já o cano de um bacamarte apontava para o bicho, quando o Padre passou. Uma bênção leve como um perdão, acenada de longe, e o touro, numa mansidão de cordeiro, abaixou a cabeça grande e cornuda, entre as mãos finas do Padre.

Ano a ano, mais se acendia a santidade de Anchieta. Consumido pelos jejuns e pela insônia, as carnes maceradas sob as pontas de ferros dos açoites, absorto na contemplação, todo envolto no misticismo exaltado da prece, cada vez se afina mais o seu maravilhoso espírito. A super acuidade dos sentidos projeta-se para além do plano físico. Um dia, houve mesmo quem o visse, dentro da sua cela, "coisas de meio côvado", suspenso acima do lajedo, com a face transfigurada e resplandecente...

Cada vez maior, o seu amor se dilata pelo cosmos. No seu grande amor a Deus, ele ama também toda a sua Obra, desde as mais terrenas às mais fluídas e distantes, como a nuvem, a água e o vento, onde chega o halo de sua santidade.

Uma vez, em S. Vicente, representava-se no adro da igreja "A Pregação Universal" a uma multidão enlevada e atenta, quando fortes gotas de chuva caem de um céu baixo de nuvens grossas e escuras. Aqui e ali, pelas cabeças descobertas, a água cai pesada, numa ameaça de tempestade. Um começo de debandada agita a multidão assustada.

Mas, gesto de Anchieta sustém o povo: "Não choverá enquanto durar a representação". E as nuvens baixas e cor de chumbo lá ficaram no céu imóveis e pejadas de água, retendo a chuva nos ares... Só depois de todos recolhidos às suas casas é que se despejaram, com fragor, em lufadas e clarões, alagando todos os caminhos.

Os milagres se multiplicam. Um dia é um indígena já amortalhado no seu caixão de tábua, que se levanta vivo e curado com uma simples bênção do Padre, outro dia é um paralítico que anda, a um seu aceno. Por fim, o milagre se realiza, apenas pela sua presença. Como a catálise na química, onde a simples presença de um metal vem modificar as combinações existentes, assim a simples presença de Anchieta realiza o milagre.

Uma vez, quando ele partira para as bandas de Iperoig, uma longa estiada secou os campos de Piratininga. Sob um sol inflamado, um vento quente e seco desfolha os esqueletos esgalhados de todas as árvores. A terra quente, ressecada e cor de cinza, abre-se, em rachas escancaradas como bocas, gritando água, para um céu impassível. Riachos e nascentes, calam-se, num silêncio triste de abandono e fim. Hortas e vinhedos, agora murchos, agonizam sob o calor. Era o flagelo da seca, que vinha acompanhado da fome.

Há preces em todas as bocas e lumes em todos os altares. Procissões lentas desfilam, para que Deus conceda à terra de Piratininga a esmola da água. Mas no céu límpido, alto, lustroso e impassível, nem a sombra de uma nuvem promete uma gota de água.

Um dia em que toda a esperança parecia findar, súbito os campos reverdecem, galhos se enfolham numa pletora de verde novo; um rumor contínuo d'água marulha entre pedras e raízes, e um aroma fino de vergel passa no ar leve e todas as sebes cobrem-se de flores.

Nesse momento, todo envolto num voar de pássaros, com uma grande alegria cintilando nos olhos azuis, sorridente, ligeiro nas suas alparcas de sola - José de Anchieta aparecia, numa volta da estrada...[1]

 

Casos avulsos, extraídos das cartas dos Jesuítas e outros escritos:

1.            Anchieta catequizou e batizou um velho índio que morava numa aldeia arredia. Certo dia, após a catequese, levou-lhe a Comunhão, pois estava bastante doente. Voltando novamente outro dia para lhe ministrar outra vez a Comunhão disse-lhe o índio que não precisava porque Jesus estava com ele desde a primeira vez que comungou. “Ele está aqui no meu peito desde aquele dia”. Comenta o santo que o índio mantinha-se puro, não havia pecado desde a última comunhão.

2.            Certa feita uma canoa que levava o santo padre virou num rio. São José de Anchieta estava absorto rezando o breviário quando a canoa naufragou. Os índios mergulharam, então, em busca do padre (que não sabia nadar) e o encontraram no fundo do rio, de joelhos, rezando ainda o breviário como se nada tivesse acontecido. Foi levado à superfície e constatado que estava completamente enxuto.

3.            No período em que permaneceu como refém em Iperoig ocorreu um fato milagroso. Como demoravam as negociações, o filho do cacique resolveu com os outros índios ir até a choupana onde estava o padre a fim de matá-lo, conforme tinha sido ordenado caso demorassem os negociadores que tinham saído com o cacique. Ao chegarem na cabana de palha encontraram o padre de joelhos, rezando, em frente a um altar improvisado. De tacape levantado avançaram em direção do santo padre, mas uma incrível força estranha os reteve e não conseguiam ir adiante. Impressionados, desistiram de seu intento. O fato é narrado pelo próprio filho do cacique, o qual veio a se converter e tornar-se cristão posteriormente.

4.            Na guerra de expulsão dos franceses do Rio de Janeiro, 1565, Estácio de Sá pediu ajuda de Anchieta e Nóbrega, os quais levaram aos portugueses alguns índios amigos, além de armas e pólvora, para lhes auxiliar no combate ao inimigo.

5.            Quando os jesuítas tiveram que sair da Bahia e foram para Piratininga (onde fundaram São Paulo), ficou em Salvador um sacerdote por estar muito doente, em véspera da morte. Disse-lhe, então, o padre Manuel da Nóbrega: “Não morra antes de voltarmos!”. Pouco tempo depois, estando em visita o padre Inácio de Azevedo (o mesmo que morreu mártir com outros 40 jesuítas) disse-lhe que se não havia morrido por obediência, bem podia fazê-lo agora, que, sendo superior do padre da Nóbrega, o desobrigava de cumprir essa obediência. Ao saber disso, morreu aquele santo homem.

6.            A partir de 1580 O (até o ano de 1640), Portugal e todas suas colônias passaram a ser reinados pela Espanha. Daí surgindo aqui uma devoção muito própria da Espanha, a de Nossa Senhora de Monte Serrat. Narram as crônicas da época que, certa feita, o Padre Anchieta viajava com destino ao Espírito Santo quando desencadeou tremenda tempestade no mar. O navio em que ele estava ficou prestes a naufragar. De repente, após rezar, Anchieta se pôs em meio aos que iam no navio e declarou em voz alta que ali estava um excomungado; que ele se apresentasse e confessasse seu pecado a fim de ser absolvido, pois desta forma a tempestade poderia terminar. Foi aí então que um passageiro se apresentou e pediu confissão. Após sua confissão o mar se acalmou. Mas, quem era ele? Era um homem que havia roubado e destruído o livro da Igreja de Nossa Senhora de Monte Serrat, em Salvador, no qual estavam escritos vários depoimentos dos milagres que tinham ocorrido naquela igreja. O bispo de então, mesmo sem saber quem tinha sido o autor do roubo, o excomungou. [2] 

 

SÃO JOSÉ DE ANCHIETA FAZIA ATÉ OS MUDOS FALAREM
Em São João, aldeia da capitania do Espírito Santo, num dia festivo estavam sendo realizados divertimentos populares. Entre outros jogos, havia um que consistia em várias pessoas perseguirem um pato.Logo se produziu entre dois jogadores uma forte discussão, porque cada um deles pretendia que o pato lhe pertencia; a decisão do litígio foi confiada ao Padre Anchieta, que por acaso se encontrava no local. O homem de Deus pegou um menino de quatro anos, mudo de nascença, que por lá andava, e lhe disse: “Tu, menino, que deves dar a sentença. De quem é o pato?” “O pato é meu, respondeu o menino, e vou levá-lo para a minha mãe”. Todos aplaudiram a decisão e esse milagre espantoso, e ao mesmo tempo gracioso, alegrou o povo presente muito mais do que os outros jogos. (“Anchieta, o Santo do Brasil”, de Charles Sanfe-Foy, Artpress, São Paulo, 1997 – pág..174).

O MAR ABRE PASSAGEM PARA SÃO JOSÉ DE ANCHIETA
Certa vez o Servo de Deus estava junto ao mar, acompanhando o trabalho de alguns pescadores, e se afastou um pouco para rezar. Três ou quatro horas depois, como não tivesse aparecido, um companheiro foi procurá-lo ao longo da praia. Avistando-o ao longe, chamou-o, mas ele não respondeu. Aproximou-se então e deu-se conta, com grande espanto, que a maré subido mais de dez metro além do local em que o Padre estava sentado, mas as águas, por um prodígio que fazia lembrar o do Mar Vermelho e o do Rio Jordão, se mantinham suspensas em torno dele. O companheiro, estupefato, chamou-o ainda uma vez, mas em vão. Encorajado pelo milagre que presenciava, avançou em direção a ele, pelo corredor que as águas haviam deixado, e despertou-o do êxtase em que estava, conduzindo-o consigo. À medida que avançavam ambos para a terra, as águas se reaproximavam e fechavam naturalmente a abertura. O companheiro do Padre apressou então os passos, com medo de ser submerso pelas ondas. “Homem de pouca fé, lhe disse o Servo de Deus, por que temes? Não sabes que os ventos e os mares obedecem a Ele?” (“Anchieta, o Santo do Brasil”, de Charles Sanfe-Foy, Artpress, São Paulo, 1997 – pág..176.

SÃO JOSÉ DE ANCHIETA E O MILAGRE DO AZEITE
O Padre Anchieta tinha ido visitar a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Inhanhaém . Era um dos mais célebres santuários do Brasil, e tinha por ele especial devoção. Os habitantes da aldeia lhe contaram que não tinham mais azeite e por isso não podiam manter acesas as lamparinas que ardiam diante da imagem da Virgem. “Procurai melhor”, lhes recomendou o santo varão. “Padre, disseram, procuramos bem e nenhuma gota nos resta”. “Tende mais confiança em Deus, respondeu-lhes, e ide examinar novamente a vasilha”. Eles o fizeram e a acharam repleta. “Não vos tinha dito, retornou o Padre, que é preciso ter sempre confiança em Deus? Ele jamais desampara os que n’Ele confiam”.
A fama do prodígio se espalhou pelo país e de todas as partes acorreram pedidos de porções do azeite milagrosamente fornecido pelo Servo de Deus, e que passou a ser chamado “azeite do Padre Anchieta”; sem embargo disso, o azeite milagroso durante muito tempo não se esgotou. Mas o prodígio não parou por aí: esse azeite, quando aplicado a doentes, operava cura espantosas.
Fato semelhante aconteceu numa das residências da Companhia, em São Vicente. Em toda a região havia falta de azeite; os religiosos possuíam uma reserva suficiente para suas necessidades, mas ela logo se esgotou, pois além do gasto habitual do colégio e de duas igrejas, o superior ainda ordenara que não se negasse azeite a nenhum pobre que o fosse pedir. O barril já estava vazio e até já tinha sido lavado para servir a outros usos. Mas eis que nesse momento chegaram mais pobres à procura de azeite, e o Padre Anchieta chamou o irmão encarregado da despensa e lhe perguntou: “Por que não continuais a socorrer os pobres de Jesus Cristo?” “Mas, Padre, replicou o outro, que azeite quereis que eu dê? O barril, como podeis ver, está completamente vazio”. “Ele ainda dará azeite por muito tempo”, afirmou o santo varão.
De fato, durante um ou dois anos o barril continuou a fornecer todo o azeite necessário, e somente se esgotou quanto chegou da Europa um grande carregamento de azeite. (“Anchieta, o Santo do Brasil”, de Charles Sanfe-Foy, Artpress, São Paulo, 1997 – pág..176/177)

 

SÃO JOSÉ DE ANCHIETA E SEU MILAGROSO MARTÍRIO INCRUENTO PARA CONSERVAR A CASTIDADE

 

O fato deu-se com os padres Anchieta e Manuel da Nóbrega, especialmente mais cruel para Anchieta com lances solitários desta luta, pois Manoel da Nóbrega teve que se ausentar para negociar as pazes com os índios. A este respeito, o sofrimento de Anchieta chega até o cume do heroísmo.

Estavam em Iperoig, aldeia dos terríveis tamoios, como reféns exigidos para a concretização do tratado de paz. O Padre Manoel da Nóbrega teve que sair com um grupo e ir confabular com outros índios, enquanto São José de Anchieta ficou retido na aldeia como garantia.

A permanência do Padre Anchieta naquele lugar revestiu-se do caráter de uma grandiosa luta, a luta entre o bem e o mal, onde uma das virtudes mais visadas pelas tentações diabólicas era exatamente a pureza. Além de ter que suportar os festins antropofágicos, os rituais de curandeirismos indígenas, os assassinatos cruéis de índios recém-nascidos, Anchieta tinha que lutar constantemente contra a tentação de impureza.

Segundo alguns observadores superficiais, teria sido mais fácil conseguir resolver logo as negociações de paz se os embaixadores tivessem cedido em matéria de castidade. No entanto, mandava os preceitos religiosos que em nada se poderia ceder, sob pena de pecado mortal por uma grave ofensa a Deus. O Padre Anchieta conta que, logo de início, vieram os chefes da aldeia lhes oferecer suas filhas índias para com elas dormir, e por cima de tudo ficavam insistindo constantemente que as aceitassem, considerando uma ofensa a recusa.

Naquela situação o Santo missionário poderia ter tido pensamentos de condescendências: “Essa recusa, considerada grosseira pelos chefes da tribo, não poderia atrapalhar as pazes? E Deus não levaria em conta nossa fraqueza, cedendo a tanta tentação, e nos perdoaria?”

 Quantos pensamentos desta natureza não devem ter turbado a mente do santo homem.

No entanto, com a atenção posta na fidelidade a Deus, no progresso da santidade e, sobretudo, confiando que sendo fiel Deus o auxiliava muito mais do que se pecasse, São José de Anchieta permaneceu incólume, não permitiu que lhe toldasse a mente o menor assentimento ao pecado.

E no entanto, as índias passavam constantemente em sua frente, inteiramente despidas, talvez fazendo gestos despudorados e tentadores, talvez a mando das matronas feiticeiras ou de seus chefes. Na maioria das vezes esta tentação era feita pelas índias mais jovens e formosas.

E isto durante vários dias, todos os dias, desde o amanhecer ao entardecer. Até mesmo quando o Padre Anchieta celebrava missa, numa pequena  palhoça separada dos índios, era repentinamente visitado por aquelas figuras sensuais e tentadoras. Voltando seu olhar para os céus, o santo homem rogava insistentemente a proteção da Virgem Maria. E fez uma promessa a Ela:  caso saísse dali intacto, sem cometer ou mesmo permitir no menor pecado contra a pureza, faria um poema em homenagem à Santíssima Virgem Maria.

A respeito do episódio, o seu biógrafo Charles Sainte-Foy teceu o seguinte comentário: “Compreendendo o perigo em que estava e desconfiando de suas próprias forças, aumentou as orações, os jejuns, as disciplinas, e conservou continuamente sobre si um duro cilício que, atormentando-lhe a carne, enfraquecia-a e reprimia seu ardor. Convencido de que, para conservar o precioso tesouro da pureza era preciso redobrar a vigilância, observava com exatidão os menores movimentos da natureza e sufocava em germe todos os que nele pudessem fazer enfraquecer a graça”.

E para mais facilmente fugir das tentações, São José de Anchieta se refugiava na praia, e lá mesmo riscava com uma vara os versos do famoso poema que mais tarde passou para o papel.

A propósito de sua fidelidade à Castidade, disse seu primeiro biógrafo, o padre Quirício Caxa: “Imerso num fogo babilônico não foi sequer chamuscado por aquelas chamas...”. Estava ele sob uma proteção especial da Santíssima Virgem. Por isso não pecou.

“Foi depoimento comum dos índios – segundo o Padre Simão de Vasconcelos, SJ, (cronista da época) – que viram, por vezes, nesta praia, uma avezinha graciosamente pintada, a qual, com um brando voo, andava como fazendo festa, enquanto José ia compondo e escrevendo, e lhe saltava, brincando, ora nos ombros, ora na cabeça, ou para mostrar a José o cuidado que o céu tinha deles, ou para mostrar aos índios como haviam de respeitá-lo. E assim compôs ele, de memória, cada dia um pouco, o poema imortal “De Beata Virgine Dei Matre Maria”, o longo e famoso “Poema da Virgem”.

 



[2] Relato extraído do livro “Santuário Mariano”, escrito por frei Agostinho de Santa Maria, a pedido do Bispo da Bahia, em 1711, narrando os milagres que ocorriam com as várias imagens de Nossa Senhora na Bahia.

[3] Vida e Morte do Padre José de Anchieta”, de Quirício Caxa, Coleção Cidade do Rio de Janeiro, vol.5


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