Quando
ainda era muito jovem Dom Nuno Álvares Pereira, o maior herói português, o
famoso Condestável santo, começou a frequentar o paço real e já era conhecido
como um cavaleiro cheio de valor e valentia. Assim, a rainha lhe chamou, pôs a
mão sobre o seu ombro e lhe disse que queria armá-lo escudeiro real. Dom Nuno,
de coração terno e valente, baixou a cabeça perante a rainha e lhe respondeu:
- Se
Deus me fizer formoso, dar-me-á bondade, agradando-lhe. De outro modo, valeria
pouco. Mas quererá que eu seja tão bom, e coisa que se assemelhe à minha
linhagem e àqueles de onde eu venho. Pus a minha esperança
Era um
depoimento todo humilde e cristão, bem de acordo com sua formação religiosa. A
rainha o interrompe e manda buscar a espada, previamente aspergida em água
benta, cinge-a em sua cintura e manda colocar suas esporas de ouro. Era uma
forma diferente de se armar um cavaleiro. Dom Nuno gostaria de ter sido armado
de outra forma, como era comum na Ordem Hospitalar, com a vigília de armas, o
juramento, etc. Mas ele era submisso aos
desejos da sua rainha, embora ela não fosse querida pelo povo. Pôs-se, então de joelhos, ocasião em que a
rainha desferiu os três golpes convencionais com a parte plana da espada em
suas espáduas, dizendo em seguida:
- Deus
vos faça bom cavaleiro!
Uma espada torna-se símbolo de missão divina
Algum
tempo depois, o rei de Castela vinha aumentando seus propósitos de invadir
Portugal. A nação inteira estava dividida, e não havia quase ninguém para
liderar uma sadia reação contra o rei estrangeiro e cismático. A salvação
estava nas mãos de Dom João, o Mestre de Avis, e Dom Nuno Álvares Pereira. Em
Lisboa, a população havia escolhido o Mestre de Avis como regedor e defensor do
reino, primeiro passo para sua coroação e aclamação, mas o Mestre dependia dos
homens de armas para prosseguir.
Dom Nuno
Álvares Pereira corria suas terras procurando aumentar suas tropas. Foi ao
receber uma carta da rainha pedindo para juntar-se a ela que resolveu agir
prontamente. De modo algum a nação portuguesa poderia voltar às mãos de
Castela, principalmente sob o reinado de um cismático, e o valoroso cavaleiro
não poderia permitir que isto ocorresse.
Foi até
um alfageme, em Santarém, e vendo uma belíssima espada exposta na parede,
disse:
-
Alfageme, formosa espada é esta... Quereria que assim corrigisses a minha.
Podes?
Quando
no dia seguinte, Nun' Álvares Pereira foi buscar sua espada, ficou pasmo e
quase não a reconheceu, tão bela estava! A folha era a mesma, três dedos de
largura; mas cegava de brilhante, parecia de fogo! De um lado tinha a marca do alfageme: uma
cruz com uma estrela na extremidade da haste maior e a legenda "Excelsus
super omnes gentes, Dominus"; do
lado oposto tinha a cruz floretada dos Álvares, enlaçada em letras com os
dizeres "Dom Nuno Alves", e por cima o santo nome de
"Maria". Empunhou-a com amor,
pois era ela o instrumento de uma vocação que Deus lhe revelara em sonhos.
O
alfageme fitou-o embevecido, sentindo naquele momento o palpitar de um coração
heroico. Em seguida, Dom Nuno pergunta:
- Quanto
lhe devo, alfageme?
-
Senhor, eu por agora não quero de vós nenhuma paga... Ide muito embora; por
aqui tornareis conde de Ourém: então me pagareis.
- Não me
chames senhor, porque o não sou: quero que vos paguem bem...
Foi inútil insistir, o alfageme, que profetizara daquela forma, se recusou teimosamente em receber qualquer pagamento por seu trabalho. Era difícil para Dom Nuno imaginar naquele momento que se tornaria conde de Ourém, título que pertencia ao "Andeiro" morto por Dom João. Dir-se-ia que foi um anjo o artífice que preparou espada tão bela e destinada a missão tão grandiosa.
Quando São Nuno de Santa Maria começou suas ações guerreiras tinha apenas 24 anos de idade, e os cronistas o descrevem como um homem de rosto comprido, nariz longo e afilado, mas expressa em sua fisionomia, uma decisão dominante. A boca e a testa eram pequenas, o lábio superior curto, e debaixo das sobrancelhas, fortemente arqueadas, luziam fundos os pequenos olhos escuros. Via-se em seu rosto um misto de grave energia e de uma cândida bondade, características dos grandes santos. Havia aprendido a mandar de uma tal forma que nem se ensoberbecia e nem tampouco humilhava ou esmagava o brio de seus comandados. Seu lema era a lealdade, acima de tudo. De outro lado, seus homens o respeitavam como se fosse um pai...
Como era um acampamento guerreiro católico
No
centro do acampamento, via-se dardejando ao vento o seu pendão santo, que havia
idealizado há algum tempo. O fundo do estandarte era branco, tendo uma cruz
vermelha ao centro. Em cada quarto dos braços da cruz havia uma imagem piedosa,
e nos quatro cantos outros tantos escudos da sua linhagem. No primeiro quarto superior, via-se a imagem
de Jesus Cristo crucificado e aos pés da Cruz, sua Mãe Santíssima de um lado e
São João do outro; no outro quarto superior havia a imagem de Maria Santíssima
com o Menino Jesus no colo. No primeiro quarto inferior estava a imagem de São
Jorge, rezando a Deus, de mãos postas; no outro quarto inferior havia a imagem
de Santiago, o Apóstolo das Espanhas, na mesma posição de São Jorge.
Quando estava pare se iniciar algum combate, ele reunia seus homens, falando-lhes como um general experimentado. Dizia-lhes o que os esperava, muita dureza, sofrimento, e talvez a morte. Por isto, tinham que se comportar como se fossem uma família, como se fossem um rebanho unido para enfrentar uma região cheia de feras. Dava as ordens, nomeava os encarregados de várias funções, criava o conselho de guerra e deixava todos prontos para o combate. Sua hoste era uma pequena cidade ambulante, mas unida como uma rocha de granito.
(Extraído, com
adaptações, do livro "A Vida de Nun'Álvares", de Oliveira Martins,
Lello & Irmão - Editores, Porto, 1983).
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