No dia 21 de fevereiro de 1660, o Rei
Luís XIV viajava em direção a Saint Jean de Luz (confins com a Espanha), cidade
onde, no dia 9 de junho, se uniria em matrimônio a Marie-Thérèse, infanta da
Espanha. No caminho, fez uma parada em Cotignac, para testemunhar seu
reconhecimento a Nossa Senhora das Graças, a quem devia o seu milagroso
nascimento. No dia 7 de junho, após o encontro com os reis da França e da
Espanha, na fronteira comum, Marie-Thérèse foi acolhida com honras, na França,
aonde chegava para desposar Luís XIV, como previa o Tratado dos Pirineus,
restabelecendo assim a paz entre os dois países assim como no interior da
própria França.
Neste mesmo dia, no monte Besillon, em Cotignac,
Gaspar Ricard, um jovem pastor sedento, ao menos, por um gole de água, não
tinha como saciar a sua sede, quando viu surgir diante de si um homem de altura
imponente, que lhe mostrou um rochedo, dizendo: "Eu sou José; levanta esta
rocha e tu beberás." A pedra era pesada; oito homens juntos poderiam
apenas empurrá-la, mas como poderia o pobre Gaspar erguê-la? O venerável ancião
- segundo os relatos da época - reiterou a sua ordem e o pastor obedeceu,
empurrando a pedra - não se sabe com que força - e viu surgir, diante de seus
olhos, um jorro de água fresca que passou a correr. Imediata e avidamente, ele
se ajoelhou e bebeu daquela fonte. Ao se levantar, a aparição desaparecera.
Gaspar corre ao povoado para contar o que lhe tinha acontecido e os curiosos
vieram constatar o ocorrido. Apenas três horas passadas, naquele local
conhecido por todos como árido, e desprovido de qualquer fonte, uma água
abundante começara a correr.
No dia 19 de março, após a aparição de São José,
em Besillon (Cotignac), e o surgimento repentino da fonte de água, Luís XIV
decretou como legal, festivo e feriado, o dia de São José. Um sermão do
escritor francês, Bossuet, o felicitaria por este gesto.
Sermão de 19 de março de 1657
O FIEL DEPOSITÁRIO
BOSSUET
É opinião generalizada e sentir comum entre os homens que o depósito, isto é,
um bem que recebemos para guardar, tem qualquer coisa de sagrado e que o
devemos conservar para quem no-lo confia não somente por fidelidade mas por uma
espécie de sentimento religioso. Por isso o grande Santo Ambrósio nos ensina no
livro 29 de seus Ofícios que era piedoso costume estabelecido entre os fiéis o
de trazer aos bispos e a seu clero aquilo que se queria guardar com mais
cuidado, para que fosse colocado junto ao altar, em virtude da santa persuasão
em que estavam de que não havia melhor lugar para guardar um tesouro do que
aquele ao qual o próprio Deus confiou a guarda dos seus, isto é, os santos
mistérios.
Este costume se tinha introduzido na Igreja a exemplo da sinagoga antiga. Lemos
na História Sagrada que o augusto templo de Jerusalém era lugar de depósito
para os judeus. Autores profanos também nos ensinam que os pagãos tributavam
esta honra a seus falsos deuses, colocando seus depósitos nos templos e
confiando-os a seus sacerdotes, como se a própria natureza das coisas nos
ensinasse que o respeito ao depósito tem algo de religioso e que não pode estar
mais bem colocado do que nos lugares santos onde se reverencia a Divindade, nas
mãos daqueles que a religião consagra.
Ora, se jamais existiu depósito que merecesse tanto ser chamado santo,
santamente guardado, é este de que falo, que a providência do Pai confia à fé
do justo José, tanto assim que sua casa se assemelha a um templo porque Deus aí
se digna habitar e entregar-se a Si próprio em depósito. José deve ter sido,
portanto, consagrado a fim de guardar tão santo tesouro. E realmente o foi,
cristãos: seu corpo pela continência, sua alma por todos os dons da graça.
[...]
No projeto que me proponho, o de apoiar os louvores a São José, não em
conjeturas duvidosas mas em doutrina sólida tirada das Escrituras divinas e dos
Padres seus intérpretes fiéis, nada de mais conveniente posso fazer, na
solenidade deste dia, do que apresentar este grande santo como um homem que
Deus escolheu entre todos os outros para lhe pôr nas mãos Seu tesouro e
fazê-lo, aqui na Terra, seu depositário. Pretendo fazer ver hoje que nada
melhor lhe convém, que nada existe tão ilustre e que esse belo título de
depositário, desvendando-nos os desígnios de Deus sobre esse bem-aventurado
patriarca, nos mostra a fonte de todas as graças e o fundamento seguro de todos
os louvores.
Primeiramente, cristãos, é-me fácil fazer-lhes ver o quanto esta qualidade é,
para ele, honra, porque, se o título de depositário já inclui a nota de estima
e testemunho de probidade, se para confiar um depósito costumamos escolher
entre nossos amigos aquele cuja virtude é mais reconhecida, cuja fidelidade é
mais comprovada, enfim o mais íntimo e mais confidente, qual não será glória de
São José, que Deus fez depositário não somente da bem-aventurada Virgem Maria,
cuja pureza angélica a torna agradável a Seus olhos, mas ainda de Seu próprio
Filho, único objeto de suas complacências, única esperança de nossa salvação:
de modo que guardando a pessoa de Jesus Cristo, São José é instituído
depositário do tesouro comum de Deus e dos homens. Que eloqüência poderá
igualar a grandeza e a majestade desse título?
Então, fiéis, se esse título é tão glorioso e vantajoso àquele a quem devo hoje
fazer o panegírico, é preciso que eu mesmo penetre em tão grande mistério com o
socorro da graça; e que, procurando nas Escrituras o que aí lemos sobre José,
vos faça ver que tudo converge para esta bela qualidade de depositário.
Efetivamente encontro nos Evangelhos três depósitos confiados ao justo José
pela Providência divina, e ali também encontro três qualidades que refulgem
entre as outras e que correspondem a esses três depósitos. É o que precisamos
explicar por ordem. Segui, por favor, atentamente.
O primeiro de todos os depósitos que foi confiado à sua fé (o primeiro na ordem
do tempo) é a santa virgindade de Maria, a qual São José devia conservar
intacta sob o véu sagrado do seu matrimônio, que ele sempre guardou santamente
como um depósito sagrado que não lhe era permitido tocar. Eis o primeiro
depósito.
O segundo, o mais augusto, é a pessoa de Jesus Cristo, que o Pai celeste depõe
em suas mãos a fim de que lhe sirva de pai, ao Santo Menino que não o tem na
Terra. Vede, desde já, cristãos, dois grandes, dois ilustres depósitos
confiados ao zelo de São José. Mas observo ainda um terceiro, que acharão
admirável, se eu conseguir explicá-lo com clareza. Para isso é preciso
compreender que o segredo é uma espécie de depósito. Trair o segredo de um
amigo é como violar a santidade do depósito. Pelas leis humanas sabemos que, se
alguém divulga o segredo de um testamento a ele confiado, pode ser acusado de
ter violado o depósito: Depositi actione tecum agi posse, dizem os juristas. É
evidente, pois, a razão por que o segredo é como um depósito. Por onde podemos
facilmente compreender que, se José é o depositário do Pai eterno, é porque
Este lhe contou o Seu segredo. Que segredo? Um segredo admirável: a encarnação
de Seu Filho.
Assim, porque, como sabemos, era desígnio de Deus esconder Jesus Cristo do
mundo até que Sua hora houvesse chegado, São José foi escolhido não somente
para O guardar mas também para O esconder. Por isso lemos no Evangelista (S.
Lucas 2, 33) que José, com Maria, admirava tudo o que se dizia do Salvador, mas
não lemos que ele falasse, porque o Pai eterno, desvendando-lhe o mistério, fez
dele um segredo sob a obrigação do silêncio. Este segredo é o terceiro depósito
que o Pai acrescenta aos outros dois. Segundo o que nos diz o grande São
Bernardo, Deus quis confiar à sua fé o segredo mais santo de seu coração: Cui
toto committeret secretissimum atque sacratissimum sui cordis arcanum (Super
Missus est — hom. 2, no 15).
Como sois querido de Deus, ó incomparável José, já que Ele a vós confia esses
três grandes depósitos: a Virgindade de Maria, a pessoa de Seu Filho único e o
segredo de Seu mistério!
Mas não julgueis, cristãos, que ele desconhecia essas graças. Se Deus o honrava
com aqueles três depósitos, de sua parte José apresentava a Deus, em sacrifício,
três virtudes que observo no Evangelho. Não duvido que sua vida tenha sido
ornada com todas as outras, mas eis aqui as três principais virtudes que Deus
quer que vejamos na sua Escritura. A primeira é a pureza, que aparece pela
continência no seu matrimônio; a segunda, sua fidelidade; a terceira, sua
humildade e seu amor à vida obscura. Quem não verá a pureza de São José nesta
santa sociedade de desejos pudicos, nesta admirável correspondência à
Virgindade de Maria e em suas bodas espirituais? A segunda, sua fidelidade,
aparece nos cuidados infatigáveis que tem para com Jesus no meio das tantas
adversidades que por todas as partes seguem esse Menino divino desde o começo
de sua vida. A terceira, sua humildade, vê-se em que, possuindo tão grande tesouro
por uma graça extraordinária do Pai eterno, longe de se vangloriar por esses
dons ou de publicar suas vantagens, se esconde tanto quanto pode aos olhos dos
mortais, contemplando, em gozo pacífico com Deus, o mistério que lhe fora
revelado e as riquezas imensas que tem sob sua guarda.
Ah! Quanta grandeza descubro aqui e como aqui descubro tão importantes
instruções! Quanta grandeza vejo nesses depósitos, quantos exemplos vejo nessas
virtudes! E como a explicação desse assunto tão belo será glorioso para São
José e frutuoso para todos os fiéis!
(PERMANÊNCIA, ano XI, março/abril, números 112/113.)
Jacques-Bénigne Bossuet (Nascido em, 27 de setembro de 1627, em Dijon - e
morreu em Paris, 12 de abril de 1704) foi Bispo de Condom e Meaux (Dioceses da
França) e teólogo francês.
Fonte: Ite ad Joseph
Nenhum comentário:
Postar um comentário