Nós temos aqui uma ficha a respeito de santos militares, sobre São Nicolau de Flue, confessor. A ficha é tirada do livro do abbé Profillet “Les Saints Militaires”.
“Nicolau de Flue
nasceu no dia 25 de março de 1417, falecendo no mesmo dia no ano de 1487”.
No final da Idade
Média, portanto.
“Era natural do
cantão de Untervalden, na Suíça. Filho de modestos agricultores, demonstrou
desde criança, aptidões invulgares de inteligência e piedade. Por isso seus
pais procuraram dar-lhe uma educação um pouco melhor do que a que seria
ministrada a um futuro lavrador. Nicolau sentia enorme inclinação para a vida
contemplativa. Tinha visões que o convidavam a isso. Mortificava-se tão
violentamente que sua mãe temeu por sua saúde e procurou orientá-lo nesse
sentido.
“É interessante
que, mesmo com tal vocação, Nicolau casou-se, tendo numerosa prole e atingindo
seus descendentes as mais altas dignidades do país. Casado, continuou com seu
gênero de vida; levantava-se cada noite para rezar e todos os dias recitava o
Saltério em honra de Nossa Senhora.
“Aos 23 anos foi
ele chamado a lutar contra o cantão de Zurique, que se rebelara contra a
confederação Helvética”.
A Suíça era
dividida, já naquele tempo, como hoje em cantões. Esses cantões – ou seja,
províncias, mas tão pequenas que quase poderiam ser comparadas a municípios –,
nesse tempo de São Nicolau de Flue, esses cantões eram quase completamente
independentes uns dos outros. Tinham uma vaga confederação e viviam numa certa
luta entre si, porque a influência política dentro da Suíça era disputada pelos
países vizinhos. E cada grupo de cantões – de língua francesa, alemã, italiana
e romanche - era trabalhado pela potência que lhe era afim. Então, isso dava um
jogo político muito intenso.
É preciso os
senhores considerarem que esse foi o século militar da Suíça. Foi nesse período
que os suíços começaram a se revelar grandes militares, fornecendo tropas
mercenárias para a Europa inteira, quer dizer, tropas que serviam mediante
aluguel. A Guarda Suíça, que ainda serve os papas, é uma reminiscência dessa
tradição. Assim a Suíça vai entrando, num período relativamente rápido, de
glória militar que teve. Então esse biógrafo está explicando que São Nicolau de
Flue aos 23 anos foi chamado a lutar contra o cantão de Zurique, que se
rebelara contra a Confederação Helvética.
“Quatorze anos mais
tarde, ainda nessa luta, comandou como capitão, uma companhia de cem homens.
“Nicolau, na
guerra, lutava sempre tendo numa das mãos a espada e, na outra, seu rosário.
Soldado de bravura invulgar, foi agraciado com a mais alta condecoração de sua
terra”.
Os senhores podem
imaginar que linda cena entrar esse homem valoroso no campo de batalha tendo em
uma das mãos a espada, e com a outra segurando naturalmente o escudo e o
rosário. É uma cena de guerra linda! Os senhores vejam como o ambiente que
cerca os objetos de piedade, foi mudando, ao longo dos séculos, por causa da
“heresia branca”. Quem, vendo hoje um rosário, dirá: “Esse objeto me lembra um
guerreiro”? Pelo contrário, a maioria das pessoas dirá: “Esse objeto me lembra
um homem incapaz de guerrear...” Isso de tal maneira a “heresia branca” foi
mudando a fisionomia moral do católico, e a idéia do católico guerreiro foi se
apagando, que o rosário parece mais o símbolo do homem incapaz de guerrear. O
que é uma grave injustiça para com o rosário.
“Ao voltar para
casa, quiseram fazê-lo prefeito, mas ele não aceitou por causa da humildade de
sua origem”.
Os senhores
considerem o espírito de hierarquia... que beleza! Oferecem-lhe um cargo
público, mas ele declara: Não, eu sou de uma origem muito humilde, por isso não
quero exercer esse cargo em respeito às pessoas de condição mais alta que há no
meu cantão. Os senhores ouviram falar de um fato assim no século XX? Se algum
dos senhores ouviu falar, me diga...
Os senhores podem
ver o contrário: rejeitar um indivíduo porque ele é de condição alta e preferir
um de condição baixa. Quer dizer, a escala de valores se inverteu
completamente.
“Entretanto,
exerceu com rara habilidade o cargo de juiz. Deixou-o após nove anos, para se
dedicar exclusivamente ao cuidado de sua alma. Suas visões não o deixavam”.
Os senhores vejam a
simplicidade do fato: é um homem que foi guerreiro, candidataram-no a prefeito,
depois juiz. Ele se recolhe à vida privada, vai guiar rebanhos...
Mas isso precisa
ser visto na atmosfera suíça. Os senhores têm que imaginar uma montanha lá, com
aquele gado em suas encostas, aquela paisagem suíça muito bonita, ele tocando
para reunir o gado aquele chifre que serve de corneta, e chamando, ao pôr do
sol, todo o gado... depois rezando o Ângelus sozinho e indo com todo o gado
para guardá-lo no estábulo.
Um homem que lutou,
que foi isso, aquilo, dentro das pequenas proporções de seu cantão, é claro.
E depois que beleza
isso: durante todo o tempo ele teve visões. Aqui diz: “suas visões não o
deixavam”. Quer dizer, guerreiro, tinha visões; juiz, tinha visões; pastor,
tinha visões também. Os senhores sabem de algum juiz contemporâneo que tenha
visões? Se souberem me digam logo, para eu mandar julgar causas por ele...
Os senhores podem
imaginar que coisa linda, num tribunalzinho do lugar, está sentado o juiz
Nicolau de Flue. E as pessoas estão discutindo para ele decidir uma causa. De
repente, o olhar dele se torna extático, ele se ilumina, vê uma cena celeste
qualquer, todo mundo para, os ódios se desarmam; quando cessa a visão, as
partes estão reconciliadas. O pleito está resolvido. Se os senhores sabem de
alguém assim, me avisem que eu vou correndo falar com ele! Eu nem termino o
“Santo do Dia”...
Como tudo mudou…!
Os senhores querem
uma coisa mais bonita do que um pastor ter visões nas encostas dos Alpes? Coisa
maravilhosa! O gado, aquela natureza poética etc., etc., ele toca, de repente
ouve um Anjo que continua seu toque... vai para os céus e o gado vai
tranquilamente se recolhendo, guiado por outro Anjo. E aí está feita uma visão,
numa tarde dessas feéricas, num crepúsculo, ou numa dessas auroras feéricas da
Suíça, em que a neve fica rosada, azul claro, em que no céu passam todas as
cores, e no meio disso um Anjo numa inocência daquela natureza…. Isso é uma
coisa absolutamente superior, absolutamente!
“Guardando o
rebanho viu, certa ocasião, um lírio maravilhoso que saía de sua própria boca e
elevava-se até às nuvens, mas caía sobre a terra e era devorado por um cavalo.
Compreendeu, então, que a contemplação das coisas celestes em sua vida, era
frequentemente absorvida pelos cuidados materiais”.
Coisa linda! Um
pastor que vê, de repente, uma haste delicadíssima e um lírio que vai até o
céu. É uma coisa maravilhosa! Um lírio brilhante! Depois, cai de novo e um
cavalo o come. Algo esquisito!... Eram seus pensamentos. Ele se elevava, às
vezes, a considerações muito altas, mas depois as preocupações com as coisas
terrenas faziam passar tais considerações. Se acontece algo assim a um dos
senhores - não digo que lhes saia um lírio da boca e vá até o céu; isso nunca
aconteceu a nenhum de nós - mas digo que se acontece a um de nós de às vezes
ter algum pensamento muito elevado e depois se voltar para as coisas da terra,
já não digo que os cavalos comam, mas os automóveis esmaguem, então seja devoto
de São Nicolau de Flue, que tinha o mesmo problema; sendo que ele tinha
visões... Entretanto, as coisas da terra às vezes prejudicavam a durabilidade
dessas visões.
Peçamos a graça que
ele obteve com certeza nessa ocasião, que era de não vulgarizar, na vida de
todos os dias, os favores celestes que recebia. É um alento para nós vermos os
santos como lutaram, como tiveram as mesmas dificuldades que temos, como Nossa
Senhora os socorreu maravilhosamente porque eram pessoas de oração e de amor de
Deus.
Peçamos, então, que
ele se apiede também de nós, que se debruce sobre nossa fraqueza e dê
estabilidade aos bons pensamentos que possam passar por nossa alma.
“Abandonou, então,
mulher e filhos e fez-se eremita”.
Eu não sei, mas a
mulher tem que ter concordado, porque senão ele não seria santo...
“Tornou-se um
extraordinário extático”.
“Extático” é aquele
que tem êxtases, quer dizer, que tem visões e que fica parado olhando a visão.
“Por anos,
alimentou-se somente da Santa Eucaristia, recebida uma vez por mês”.
Mais nada, hein!...
“Amado e venerado
por seus concidadãos, que muitas vezes o chamaram para apaziguar rixas entre os
cantões, ele sempre obteve êxito nessas missões”.
Os senhores
considerem o que era a vida política da Idade Média, já decadente...! Aqueles
cantões - já disse aos srs. - tinham rixas entre si, que chegavam a dar em
guerras. Nessas rixas, em que com certeza, no mais das vezes, uma das partes
não tinha razão - quando não acontecia que as duas partes estavam de má fé –
ambos lados, entretanto, para evitar o derramamento de sangue, vão procurar o
santo. E este nunca foi malsucedido na sua missão.
Qual foi a missão
em que a ONU foi bem-sucedida? Também, com que confiança se procura um santo, e
com que mil reservas se procura a ONU? É evidente! Do que adianta um aparato
jurídico, quando falta a santidade?...
“Pouco antes de
morrer, Nicolau foi atingido por dores violentas. Ah, como a morte é terrível,
dizia ele. Mas exalou o último suspiro com grande calma”.
Os senhores
encontram isso em certos santos. Há uma concepção “heresia branca”, segundo a
qual o santo nunca tem medo de morrer. Ele falece sempre dizendo: Ó morte,
vinde a mim etc., etc... Não é verdade. Há muitos santos que morreram no terror
da morte, mas Deus os sustentou e quase todos eles, no fim, tiveram uma morte
calma.
Ele também teve
dores violentíssimas e dizia: “como a morte é terrível”. Mas depois a morte foi
calma, e entregou a alma a Deus na tranquilidade.
“Seus restos
mortais foram depositados na igreja de Sachseln, aldeia natal do
bem-aventurado. Quem a visita hoje vê, sob o altar, o esqueleto do irmão
Klaus...”
Klaus é Nicolau, em
alemão.
“...como o chamam,
ornado de ouro e diamantes, trazendo ao pescoço condecorações de numerosas
ordens militares”.
Que coisa linda!
Como ele foi santo e militar, as grandes Ordens militares lhe mandam condecorações
com que se cobre o cadáver. De maneira que esse homem, que em vida teve apenas
uma lutazinha entre os cantões, está constelado de Ordens militares... O
respeito à santidade que isso significa!
Uma coisa muito
bonita aqui no Brasil: não sei se os senhores sabem, que Santo Antônio de Pádua
e de Lisboa é coronel do exército brasileiro e recebe ordenado…
“...Foram
conquistadas pelos seus descendentes ao servirem outros países”.
Ah! sim, senhores!
Isso é que é bonito! Seus descendentes, ao conquistarem insígnias, mandam para
o cadáver dele e o condecoram com elas. Vejam que respeito à tradição e que
amor ao passado isso significa! Como a Europa está repleta de coisas dessas
densas de ensinamentos. Os que negam qualquer valor à hereditariedade, levam
com isso um verdadeiro soco. O herói que tira a condecoração de seu peito para
honrar o santo, seu antepassado. Como quem dá a entender que é mais bonito
ainda ser descendente de São Nicolau do que estar coberto de todas as honras da
terra. Isso é um gesto denso, rico de significados. Europa sagrada!...
“Um contemporâneo
descreveu o beato Nicolau como um homem de estatura elevada; sua cela tinha
seis pés de altura, o que era o limite extremo para ele se manter de pé”.
Quanto será seis
pés de altura? Alguém tem ideia?
(1,82m)
Ah! Então vários
dos senhores competem com São Nicolau...
Isso é bem verdade!
Os homens eram bem menores naquele tempo. Fisicamente…
São Nicolau de Flüe
é o santo padroeiro da Suíça. “Magro, a ponto de parecer feito somente de pele
e ossos, sua pele era bronzeada. À medida que foi envelhecendo, o cabelo, no
alto de sua cabeça, adquiriu um tom cinza escuro. Duas mechas de barba desciam
de seu queixo. Tinha os olhos negros e serenos, o olhar enérgico e penetrante.
O som de sua voz era másculo, digno e imponente”.
Que beleza! Assim
deve ser um homem! Como isso é diferente de certas imagens que a gente vê em
igrejas, que a gente tem a impressão de que se a imagem falasse pronunciaria um
som roufenho qualquer: quam-quam-quam... voz como é a de caricatura de
sacristão. Se é para ser homem, está lá!
“Seus pés tocavam a
terra, mas seu espírito parecia pairar nas regiões celestes”.
Está feito o
comentário ao longo do texto e está feito nosso preito de admiração a São
Nicolau. Que ele dê a coragem, nos dias difíceis que esperam todo homem
contemporâneo, de se poder caminhar para o inimigo com uma arma na mão, um
rosário na outra e tendo visões e revelações. Isso é o guerreiro perfeito.
(Plínio Corrêa de Oliveira – Santo do Dia, 6 de abril de 1971)
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