- BONDADE: a busca da perfeição cristã ou da santidade;
- BENQUERENÇA: o exercício do bem querer, do desejo
de amar ao próximo por amor a Deus;
- BENFAZEJA ; fazer o bem, isto é, agir
conforme aquilo que desejou.
Definições
1.
BONDADE:
Segundo a filosofia tomista a Bondade reflete a
perfeição de cada coisa. Neste sentido
ela não seria bem uma qualidade, mas o reflexo de todas as qualidades em
conjunto. Seria a ação conjunta de todas as boas qualidades de uma pessoa. São
Tomás de Aquino diz que, embora o ente seja bom em si mesmo, ele o é por
participação na Bondade divina, a origem de todas as bondades. “Com efeito,
a bondade de qualquer coisa é a sua perfeição” [1]
Daí não haver nenhum tipo de bondade no homem
que não seja por participação, haja vista que somente Deus é a Bondade por
excelência. Bom só Deus. O homem pode participar da Bondade enquanto tal
através da Graça, que é a participação na vida divina. A Bondade do homem é
fazer-se perfeito. Ora, perfeito só Deus. No entanto, Nosso Senhor Jesus Cristo
disse: “Sede perfeito como o meu Pai que está no céu”.
Conceito revolucionário - No entanto, a Revolução[2] procurou explicitar um
conceito contrário, onde o homem poderia atingir a plenitude, a perfeição,
portanto a Bondade completa, sem a participação de Deus. A definição filosófica desta “bondade” natural
só foi explicitada completamente no século XVIII. Consiste ela em admitir que o
homem só vai atingir a plenitude de seu ser, portanto tornar-se perfeito, guiando-se por seus instintos e vivendo
conforme a natureza que o circunda.
O
que é a “bondade natural”
Rousseau imagina que houve uma época na
humanidade em que se vivia num estado natural perfeito, o “estado da natureza”
conforme define. Adão e Eva, quando viviam no Paraíso, só viviam neste “estado”
antes de receber de Deus as luzes e os preceitos. Foram os preceitos que lhes tiraram a
liberdade... Neste imaginado período, o
homem seguia apenas os ditames da Natureza e não a leis “impostas” por Deus. O
pretenso “filósofo” nem põe em questão que a Natureza existente no Paraíso
terrestre era diferente da que nos circunda atualmente.
A “Bondade Natural” consistiria, segundo ele,
em viver segundo a natureza que nos cerca, copiando-a, domando-a ou
assemelhando-se a ela, fazendo tudo o que ela nos ensina de uma maneira
“natural”. Assim, o homem pode ser bravo como um tigre, mas também manso como
um cordeiro, conforme imite “naturalmente” a um ou a outro animal.
Desta forma, o homem vivia no paraíso num
“estado natural”, com a plena perfeição de seu ser, o qual foi desvirtuado a
partir do momento em que Deus disse: “não podereis comer do fruto proibido”. As
normas, as regras, a lei, veio para tirar o homem de seu estado de “perfeição”
natural. Tirando-lhe a liberdade e também o “direito” de ser igual, Deus teria
implantado a desigualdade no ser humano. A conclusão desta teoria foi que
descambou na famosa trilogia da Revolução Francesa (liberdade, igualdade,
fraternidade), pois livre e igual o homem deveria viver numa copiosa e intensa
fraternidade.
Exemplo da prática de “bondade” natural
São Luís Grignion de Montfort define o possuidor de tal “bondade” como aquele que é “sábio segundo o mundo”:
“Sábio
segundo o mundo é quem sabe desenvolver-se em seus negócios e consegue tirar
vantagem de tudo, sem dar a impressão de
buscá-la; quem domina a arte de fingir e enganar astutamente, sem que ninguém
se dê conta; quem conhece perfeitamente os gostos e delicadezas do mundo; quem
sabe amoldar-se a todos para conseguir seus propósitos, sem preocupar-se nem
pouco nem muito com a honra e a glória de Deus; quem harmoniza secreta porém
funestamente a verdade com a mentira, o Evangelho com o mundo, a virtude com o
pecado e Jesus Cristo com Belial; quem deseja passar por honesto, porém não por
devoto; quem despreza, interpreta torcidamente ou condena com facilidade as
práticas piedosas que não se acomodem às suas.
Finalmente, sábio segundo o mundo é quem, guiando-se somente pela luz
dos sentidos e da razão humana, trata unicamente de salvar as aparências de
cristão e homem de bem, sem preocupar-se o mínimo possível de agradar a Deus e
expiar, pela penitência, os pecados cometidos contra a divina Majestade”[3]
Discorrendo sobre outros conceitos de Bondade
Vez por outra o Dr. Plínio Corrêa de Oliveira
dissertava sobre o tema da Bondade, como o fez ao escrever artigo para o
"Legionário":
"Ocupa lugar de destaque nessa triste
galeria de verdades diminuídas, de virtudes amesquinhadas, de sofismas
interiores mais ou menos conscientes e mais ou menos covardes, a noção que
habitualmente se tem de "bondade".
Segundo a opinião corrente, o que é uma pessoa
boa? Esse conceito é eminentemente variável. O que se exige de uma boa senhora
não se exige de um bom ancião; o que se exige de uma boa criança não se exige
de um bom moço. A moral, para a grande maioria de nossos contemporâneos, varia
quase completamente segundo a situação de cada qual, e, não raras vezes, o que
em uma pessoa, em uma senhora, por exemplo, seria tido como imperativo preceito
de moral, em um moço parecerá ridículo e desprezível defeito. A bondade, pois,
segundo esses censuráveis conceitos, varia conforme o sexo e a idade. Vejamos
rapidamente alguns perfis de pessoas habitualmente tidas por "muito e
muito boas”.
Antes de tudo, o conceito de "bom
rapaz". Não há, talvez, expressão
de que tão freqüentemente se abuse. Verificando-se a que série incontável de
indivíduos ela é dada, fazendo-se o levantamento dos defeitos que um rapaz pode
ter, sem por isto deixar de ser "bom" segundo a opinião corrente,
vê-se de imediato que, desde que ele não tenha matado, ferido ou espancado
gravemente alguém, desde que não tenha roubado pelo processo do arrombamento,
desde que não tome tóxicos, é qualificado de bom. Pode esse rapaz esbanjar
criminosamente sua mocidade arrastando-a
pelos mais miseráveis antros da cidade, são... rapaziadas. Pode ele ter os
vícios os mais lamentáveis, como por exemplo do jogo: se ele ainda não perdeu a
fortuna na roleta, ou a embriaguez ainda não lhe arruinou a saúde, tudo isto
não passará de aprazíveis "rapaziadas". Pode ele, ainda, praticar as
mais censuráveis leviandades no terreno sentimental, como seja de alimentar esperanças
e provocar decepções, movido apenas pela vaidade e pelo capricho; tudo isto
será muito engraçado, terá seu "inegável pitoresco", será típico de
um jovem que não queira passar por inteiramente desinteressante.
Evidentemente, segundo essas abomináveis regras
de moral, há restrições a estabelecer. Um moço que contraia imprudentemente um
noivado com o intuito de jamais cumprir sua promessa de casamento fará uma
coisa muito engraçada. Mas se a vítima da aventura, em vez de ser uma pessoa
estranha aos adeptos dessa singular moral, for pelo contrário uma filha, uma
irmã, uma parente, tudo isso passará a ser qualificado infalivelmente de
genuína crapulice. Um moço que, a título de "rapaziada", arme um
"rolo", fará algo de muito divertido.
Mas se, durante o "rolo" ferir alguém gravemente, o que em
qualquer "rolo" pode suceder, e com isto andar às voltas com a
polícia, deixará de ser tido como um "bom rapaz" para ser um
"indivíduo que até tem ficha na polícia". Em última análise, tudo isto reverte em uma
adoração do êxito. Tudo aquilo que não teve mau êxito será desculpável, por
pior que seja. Tudo aquilo que tem mau êxito será censurável. Tudo o que não
fere os interesses pessoais é jocoso e interessante. Tudo o que os fira será
censurável e digno de condenação.
Essa moral tem, evidentemente, também sob
outros pontos de vista, suas contradições. Um comerciante, ferido às vezes por
circunstâncias imprevistas e invencíveis, pede falência: foi um homem que não
pôde cumprir a palavra dada aos credores, e, por isto, em torno dele se
estabelece um ambiente de reprovação.
Um homem vai ao altar, jura manter uma
fidelidade plena a sua esposa, sabe perfeitamente que não obteria o
consentimento desta para o casamento se ela soubesse que tal juramente não é
sincero, e, tudo isto ponderado, casa-se. Depois, rompe o compromisso assumido,
e isto por um ato libérrimo de sua vontade. Mas contra esse só existe a
reprovação dos parentes de sua esposa, os quais acham muito natural que outros
façam o mesmo com pessoas que lhes são perfeitamente estranhas.
Na moral comercial, presenciam-se aberrações do
mesmo jaez. Um indivíduo pode impunemente ocultar os defeitos da mercadoria por
ele fornecida, elevar desmesuradamente ou abaixar injustamente os preços, armas
"trusts" e lançar ao desemprego centenas ou milhares de empregados:
tudo isto é lícito. Mas ai dele se roubasse um cigarro ou um charuto em casa de
algum amigo!
E assim por diante, vê-se como a moral mundana
é inteiramente vã, representando apenas a sobrevivência de alguns vagos
princípios de moral católica.
Em ocasião passada, vimos o que se deve pensar
do "carola". Por mais que esse tipo seja risível, como não o achar
admirável em comparação dos sacripantas que tão freqüentemente o mundo canoniza
como "bons"? [4]
Em outra oportunidade, escreveu o seguinte
artigo para o mensário “Catolicismo” (edição n.34, de outubro de 1953):
“Uma deformação romântica da caridade: “o bom coração”.
Odiar
é pecado? Sim, não? Por que? Se alguém se encarregasse de fazer entre os nossos
católicos um inquérito a este respeito, recolheria respostas muito curiosas,
revelando em geral uma pavorosa confusão de idéias, um ilogismo fundamental.
Para
muita gente, ainda intoxicada por restos do romantismo herdado do século XIX, o
ódio não é apenas um pecado, mas o pecado por excelência. A definição romântica
do homem mau é o que tem ódio no coração. A contrário sensu, a virtude
por excelência é a bondade, e por isto todos os pecados têm sua atenuante se
cometidos por uma pessoa de "bom coração". É freqüente ouvirem-se
frases como esta: "pobre X, teve a fraqueza de se ‘casar’ no Uruguai, mas
no fundo é muito boa pessoa, tem ótimo coração". Ou então: "pobre Y,
deixou roubar em sua repartição, mas foi por excesso de bondade: ele não sabe
dizer não, a ninguém".
O
que vem a ser "um bom coração"? Evidentemente, começa por não ser um
coração propriamente dito, mas um estado de espírito. Tem "bom
coração" quem experimenta em si, muito vivamente, o que sofrem os outros.
E que, por isto mesmo, nunca faz sofrer a ninguém. É por "bom
coração" que uma pessoa pode deixar sistematicamente impunes as más ações
de seus filhos, permitir que a anarquia invada a aula em que leciona, ou os
operários que dirige. Uma reprimenda faria sofrer, e a isto não se resolve o
homem de "bom coração", que sofre ele mesmo demais, em fazer os
outros sofrer. O "bom coração" sacrifica tudo a este objetivo
essencial, de poupar sofrimento. Se vê alguém queixar-se do rigor do Decálogo,
pensa imediatamente em reformas, abrandamentos, interpretações acomodatícias.
Se vê alguém sofrer de inveja por não ser nobre, ou milionário, pensa logo em
democratização. Juiz, sua "bondade" o levará a sofismar com a lei
para deixar impunes certos crimes. Delegado, fechará os olhos a fatos que seu dever
funcional lhe imporia que reprimisse. Diretor de prisão, quererá tratar o
sentenciado como uma vítima inocente dos defeitos da época e do ambiente; e, em
conseqüência, instaurará um regime penal que transformará a casa de correção em
ponto de encontro de todos os vícios, em que a livre comunicação entre
sentenciados exporá cada um ao contágio de todos os vírus que ainda não tem.
Professor, aprovará sonolenta e bonacheironamente alunos que no máximo
mereceriam 2 ou 3. Legislador, será sistematicamente propenso a todas as
reduções de horas de trabalho, e a todos os aumentos de salário. Na política
internacional, será a favor de todos os "Munique" de todas as
capitulações imprevidentes, preguiçosas, imediatistas desde que sem dispêndio
de energia salvem a paz por mais alguns dias.
Subjacente
a todas estas atitudes, está a idéia de que no mundo só há um mal, que é a dor
física ou moral: em conseqüência, bem é tudo quanto tende a evitar ou a
suprimir sofrimento, e mal é o que tende produzi-lo ou agrava-lo. O "bom
coração" tem uma forma especial de sensibilidade, pela qual se emociona à
vista de qualquer sofrimento, e defende todo e qualquer indivíduo que sofre,
como se ele fosse vítima de uma injusta agressão. Dentro desta concepção,
"amar ao próximo" é não querer que ele sofra. Fazer sofrer o próximo
é sempre e necessariamente ter-lhe ódio.
Daí
advém para o homem de "bom coração" uma psicologia muito especial.
Todos os que têm zelo pela ordem, pela hierarquia, pela integridade dos
princípios, pela defesa dos bons contra as investidas do mal, são desalmados,
pois "fazem sofrer" com sua energia os "pobres coitados"
que "tiveram a fraqueza" de cair em algum deslize.
E
se em relação a todos os pecadores da terra o homem de "bom coração"
tem tolerância, é muito explicável que odeie o homem de "mau coração"
que "faz sofrer os outros".
Estas
são as linhas gerais em que se pode sintetizar um estado de espírito muito
freqüente. Claro está que apontamos um caso em tese. Graças a Deus, só um
número relativamente pequeno de pessoas é que em todos os campos chega a estes
extremos. Mas é freqüente encontrar gente que em diversos pontos age
inteiramente assim.
E
constituem multidão aqueles em que se encontram pelo menos laivos deste estado
de espírito.
Ainda
aqui, alguns exemplos são esclarecedores. Para mostrar quanto este mal está
entranhado no brasileiro, escolhamos esses exemplos em maneiras de falar e de
sentir comuns entre católicos.
Para
que se entenda bem o que há de errado nos exemplos que vamos dar, comecemos por
lembrar rapidamente qual é neste assunto a autêntica doutrina católica.
Para
a Igreja, o grande mal neste mundo não é o sofrimento, mas o pecado. E o grande
bem não consiste em ter boa saúde, mesa farta, sono tranqüilo, em gozar honras,
em trabalhar pouco, mas em fazer a vontade de Deus. O sofrimento é certamente
um mal. Mas este mal pode em muitos casos transformar-se em bem, em meio de
expiação, de formação, de progresso espiritual. A Igreja é Mãe, a mais terna, a
mais solícita, a mais carinhosa das mães. Dela se pode dizer, como de Nossa
Senhora, que é Mater Amabilis, Mater Admirabilis, Mater Misericordiae. Assim,
ela procurou sempre, procura hoje, até o fim dos séculos procurará quanto possa
afastar de seus filhos, e de todos os homens, qualquer dor inútil. Mas nunca
deixará de lhes impor a dor, na medida em que a glória de Deus e a salvação das
almas o peçam. Ela exigiu dos mártires de todos os séculos que aceitassem os
tormentos mais atrozes, ela pediu aos cruzados que abandonassem o conforto do
lar para arrostar mil fadigas, combates sem conta, a própria morte em terra
estranha. E ainda em nossos dias ela pede aos missionários que se exponham a
todos os riscos, a todas as fadigas, nos rincões mais inóspitos e longínquos. A
todos os fiéis, pede ela uma luta incessante contra as paixões, um esforço
interior contínuo para reprimir tudo quanto é mau. Ora, tudo isto supõe
sofrimentos de tal monta, que a Igreja os considera insuportáveis para a
fraqueza humana, a ponto de ensinar que, sem a graça de Deus, ninguém pode
praticar na sua totalidade, e duravelmente, os Mandamentos.
Todos
estes sofrimentos, a Igreja os impõe com prudência e bondade, é certo, mas sem
vacilação, nem remorso, nem fraqueza. E isto, não apesar de ser boa mãe, mas
precisamente porque o é. A mãe que sentisse remorso, vacilasse, fraquejasse ao
obrigar seu filho a estudar, a se submeter a tratamentos médicos penosos mas
necessários, a aceitar punições merecidas, não seria boa mãe.
Este
procedimento, a Igreja o espera também de seus filhos, não só em relação a si
mesmos, mas ao próximo. É justo que nos dispensemos de dores inúteis e
evitáveis. Devemos ter para com o próximo entranhas de misericórdia,
condoendo-nos com seus padecimentos, e não poupando esforços para os aliviar.
Entretanto, devemos amar a mortificação, devemos castigar corajosamente nosso
corpo e, principalmente, combater com afinco, clarividência, meticulosidade os
defeitos de nossa alma. E como o amor do próximo nos leva a desejar para ele o
mesmo que para nós, não devemos hesitar em fazê-lo sofrer, desde que necessário
para sua santificação.
* * *
Ora,
na aplicação destes princípios é fácil apontar muitos desvios ocasionados pela
concepção romântica do "bom coração".
É
"bom coração" ter certa condescendência para com formas veladas de divórcio,
por pena dos cônjuges, ser pela abolição dos votos religiosos e do celibato
sacerdotal, por pena das pessoas consagradas a Deus, considerar com laxismo os
problemas ligados à limitação da prole por pena da mãe, etc. Em outros campos,
o "bom coração" consiste em ser contra as polêmicas ainda que justas
e temperantes, contra o Index, contra o Santo Ofício, contra a Inquisição (
ainda que sem os abusos a que deu ocasião em alguns lugares ), contra as
Cruzadas, porque tudo isto faz sofrer. Em outros campos ainda, o "bom
coração" consiste em não falar de demônio, nem de inferno ou de
purgatório, em não avisar aos doentes que a morte está próxima, em não dizer
aos pecadores a gravidade de seu estado moral, em não lhes falar de
mortificação, nem de penitência, nem de emenda, porque também isto faz sofrer.
Já vimos um educador católico se manifestar contra os prêmios escolares porque
fazem sofrer os alunos vadios! Como já vimos também associações religiosas
tolerando em seu grêmio elementos perigosos para os associados e desedificantes
para o público, porque a expulsão desses elementos os faria sofrer. Falar
contra as modas e danças imorais, preconizar uma censura cinematográfica sem
laxismo tudo isto em última análise parece descaridoso, porque "faz sofrer".
Soubemos a este respeito de alguém que desaconselhava uma campanha contra os
jornais imorais porque isto "faz sofrer" os editores cujas almas
cumpre salvar!
* * *
Fizemos
esta longa digressão para focalizar melhor o problema que de início
formulávamos. Para o "bom coração", todo ódio é necessariamente um
pecado. Dir-se-á o mesmo à luz da doutrina católica?
Pensando
no perigoso furor da avalanche de "bons corações" de que o Brasil
está cheio, quase não ousamos formular a pergunta. E certamente não responderemos
por nós. Mas falaremos pela grande e autorizada voz de S. Tomás.
É
o que faremos em próximo artigo”.
Escrevendo anos depois para a “Folha de São
Paulo”, Dr. Plínio assim se expressou a respeito do mesmo assunto, embora trate
de outros temas correlatos, mas que têm estreita ligação com a Bondade:
“- “Bondade”:
segundo o sofisma moderno, quem é bom jamais faz sofrer os outros. Ora, o
esforço faz sofrer. Logo, só é bom quem não pede esforço a outrem. A
civilização cristã, pelo contrário, modelou os povos do Ocidente conforme o
princípio de que o esforço é condição essencial para a dignidade, o decoro, a
boa ordem e a produtividade da vida. Se “bondade” é, em todos os campos, abolir
o esforço, não é implicitamente privar a vida de valores sem os quais ela não é
digna de ser vivida? E então, esta hipertrofiada “bondade” não constitui o pior
malefício?
- “Amor
à criança”: segundo essa
“bondade” adocicada e desfibrada, o amor à criança consiste em dispensá-la de
todo esforço. Isto se pretende conseguir por mil técnicas, cujo efeito seria
instruir e formar a criança sem nenhum sacrifício para esta. O aferramento a
esta idéia vai a ponto de condenar as punições escolares porque fazem sofrer os
culpados, e a condenar os prêmios porque podem dar complexos aos vagabundos.
Dado que, segundo a tradição cristã e o simples bom senso, um dos fins
essenciais da educação é formar para a luta da vida através do hábito do
esforço e do sacrifício, o que é esse “amor à criança” senão uma cruel
deseducação?
- “Simplicidade”,
“despretensão” : simples seria quem prefere as coisas que não exigem muito
gosto, nem muito esforço. Despretensiosa seria a pessoa que sente bem-estar em
ser vulgar. A “simplicidade” e a “despretensão”
vão invadindo mais e mais os costumes de jovens e adultos. As regras da
polidez e do trato, o modo de organizar uma casa, de receber, de se vestir, de
falar, vão ficando sempre mais “simples” e “despretensiosos”. Decoro, brilho, qualidade, classe,
prestígio, são valores do espírito dia a dia menos aceitos”. [5]
2.
BENQUERENÇA (BEM
QUERER)
Viver é estar juntos, olhar-se e querer-se bem:
- Viver,
quer dizer, cumprir os desígnios de Deus nesta terra e levar sua vida buscando
praticar as virtudes e o amor a Deus;
- Estar
juntos: para tanto é necessário conviver com seus semelhantes de uma
maneira unida, daí a palavra “estar juntos” no plural, quer dizer, unido a
todos os demais que estão em sua volta;
- Olhar-se: o ato de olhar um para o outro reflete o
julgamento que temos sobre nós mesmo e sobre aqueles com os quais convivemos;
da mesma forma, a palavra indica que os olhares são reflexivos, isto é, olhamos
esperando sermos olhados, ou julgados, ou analisados, pelos demais;
- Querer-se
bem: vem a parte principal desse pensamento, que é o amor. Não adiantaria
viver, estar juntos e nos olharmos recíprocamente sem a prática do amor, que é
o querer bem, é a benquerença, pois tanto a felicidade quanto o sofrimento,
mesmo passageiros, devem ser divididos com nossos semelhantes.
Nisso pode se resumir toda a benquerença.
3.
BENFAZEJA
Na benquerença está
explicitado o que é o desejar o bem,
mas de modo especial, fazer o bem não é somente querendo bem ao próximo, mas efetivamente o executando, pois a
palavra “querer” exprime apenas o desejo, enquanto que “fazer” já é o desejo em
ação. Desejar amar e fazer o bem é uma
coisa, e realmente fazê-lo de fato é pôr em prática aquilo que desejamos. Então
estas palavras se completam com a
expressão “benquerença benfazeja”. Não que possa existir alguma benquerença
malfazeja; não, de modo algum, mas apenas que o termo benfazeja completa a
outra e a faz mais efetiva e prática.
Bondade e intransigência
“Minha mãe
era de uma bondade que eu não saberia explicar. Inclusive na hora de perdoar,
ela manifestava sempre uma indulgência, uma suavidade, nunca uma reclamação
porque algo a tivesse atingido. Em suas repreensões não entrava a reivindicação
de um direito próprio, mas a defesa de um princípio do qual seu espírito estava
imbuído. E embora não soubesse explicitar os princípios, ela os possuía.
Por isso,
suas repreensões não resultavam de uma irritação pessoal, mas de um princípio
ofendido — inclusive o princípio da autoridade materna — mas sempre com tanta
bondade, tanta paciência tanto perdão no que dizia respeito a si, que mesmo que
se fizesse o pior contra ela, ela o suportava sem dizer palavra.
Por outro
lado, que severidade em suas repreensões! Que seriedade no olhar! Que
compenetração de que se tratava de fazer prevalecer um princípio! Que convicção
de que se não conformasse minha vida com aqueles princípios, eu valeria muito
menos para ela, porque em mim ela via mais o filho que deveria amar os
princípios do que alguém que lhe deveria querer bem!
Ademais,
quanta sabedoria no que dizia! Embora a voz fosse grave, a bondade nunca estava
ausente. Sua intransigência para comigo estava sempre mesclada com a bondade.
Certa vez,
no apogeu de minha vida escolar — eu nunca fui o primeiro de minha aula —
voltei do Colégio São Luiz, após a festa da distribuição de prêmios, com quatro
medalhas no peito. Naquele tempos ingênuos, os meninos vinham pela rua
ostentando as suas medalhas, e assim vinha eu com minha roupa à marinheira.
Quando mamãe me abriu a porta, afagou-me muito; foi uma alegria!
No ano
seguinte, eu voltei com três medalhas. Abrindo a porta, ela me viu e disse: “Só
três?” — E acrescentou intransigente: “Como é que você decaiu, o que aconteceu
para você decair?” Mas tudo isso misturado com tanto afeto, tanta bondade e
tanto carinho, que para mim foi uma preparação para compreender o que era a
misericórdia de Nossa Senhora. Outro tanto poderiam os senhores dizer de suas
mães”.
(Plinio
Corrêa de Oliveira
[1]
São
Tomás de Aquino – Suma Contra os Gentios
– tradução de D. Odilão Moura, OSB
- 1990 - liv I cap. XL, 1.
[2]
O termo “Revolução” aqui é empregado como o faz o Dr. Plínio Corrêa de Oliveira
no livro “Revolução e Contra-Revolução”. Ver início do capítulo 6.
[3]
San Luis Maria Grigênion de Montfort – Obras – BAC – pág. 152
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