sábado, 9 de abril de 2016

SANTA CATARINA DE ALEXANDRIA, DOUTORA ANTES DE SER MÁRTIR


Trata-se de uma das mais célebres mártires do cristianismo primitivo, tendo vivido no século IV em Alexandria. De condição nobiliárquica, era filha de um rei de Costes, talvez alguma possessão de Alexandria, Catarina foi educada entre os doutores e teve alta ciência profana.   Já aos 17 anos de idade, era considerada não só a mais sábia, mas a mais formosa e bonita jovem do Império do Oriente.
Como era costume, toda jovem tinha que se manifestar desde cedo por um casamento. Sabedora de que seus pais a iriam obrigar a um matrimônio, e tendo já princípios cristãos, manifestou desde cedo sua escolha: desejava casar-se, sim, contanto que fosse com um príncipe tão belo e tão sábio quanto ela.
Antes de tornar-se cristã ela foi instruída por um ermitão, chamado Ananias. Este disse a Santa Catarina que seria a Virgem Maria quem lhe proporcionaria o noivo que procurava. Certo dia, a Virgem Maria aparece a Catarina, portando o Menino Jesus em  seus braços. Nossa Senhora pergunta a Santa Catarina se gostaria de ser noiva do Menino Jesus. Ela responde imediatamente que sim, mas fica decepcionada porque o Menino Jesus responde que não a deseja porque era feia.  Catarina vai logo ter com o ermitão e contar o ocorrido.
Na presença do santo homem, ela se desmancha em lágrimas dizendo que o Menino Jesus a recusou como noiva por ser muito feia. Esclareceu-lhe, então, o santo homem que não era seu corpo, mas sua alma que era feia.  Tão logo fosse instruída na Religião e batizada, se tornaria bonita e agradável ao Menino Jesus. Após ser batizada e fazer propósitos de castidade, Nossa Senhora lhe apareceu novamente, juntamente com o Menino Jesus, colocando os anéis de noivado nos dedos dos dois...
Aqueles desponsórios espirituais alimentaram na Virgem o desejo do martírio, meio com o qual poderia ver seu esposo celestial. A oportunidade lhe surgiu quando passava por Alexandria o imperador romano Maxêncio, de cuja presença foi motivo para grande afluência de pagãos para prestarem culto aos ídolos. Vendo que muitos cristãos cediam, por respeito humano, e aderiam á multidão que adorava aos deuses pagãos, Catarina ficou indignada e pediu para falar com o imperador.
Na presença do César romano, a virgem empreendeu vigoroso embate filosófico e teológico. A certa altura, vendo que o tirano não tinha como refuta-la, disse:
- Na dissertação que acabo de fazer preferi empregar uma linguagem e alguns procedimentos científicos porque te honro e considero como homem inteligente e culto, familiarizado com a filosofia. Porém, agora vos pergunto de uma forma clara a precisa: que queres com a convocação feita ao povo? por que obrigas esta gente a adorar a uns estúpidos ídolos? Já que tanto te pasma o contemplar este suntuoso templo edificado por mãos humanas, e admirar a preciosidade das riquezas com que está decorado, pese que toda esta magnificência e pompa não é mais que pó que a qualquer momento pode ser varrido pelo vento. Por que não te enlevas em considerar o céu, a terra, o mar e as multidões das coisas  dignas de admiração que contêm estes elementos?
A certa altura da discussão o imperador quis se exaltar, ocasião em que a Virgem lhe disse:
- Não te irrites, César, eu vos rogo. O ânimo do varão prudente não deve deixar-se dominar pela turbação. Recorda o que disse um poeta: "Se segues os ditames da razão, te comportarás como um rei. Porém se te deixas dominar pelas paixões de teu corpo, acabarás como um escravo".
Chegando a este ponto, o imperador, cego pela paixão religiosa, imaginou que a virgem cristã estava usando de astúcia para dominá-lo. Achou, então, que havia necessidade de uma argumentação também astuciosa, feita pelos seus sábios filósofos, para fazê-la mudar de idéia.
Sua argumentação foi tão coerente e lógica que o imperador não a pôde refutar, senão pedir-lhe que voltasse no outro dia. Sentindo-se incapaz de responder aos argumentos de Catarina, Maxêncio pediu socorro aos sábios de Alexandria, os quais, em número de 50, tentaram refutar a jovem cristã. Foi tal a eloqüência dela que conseguiu não só calar seus contendores mas fazer com que todos eles se tornassem cristãos.  O imperador, cheio de ódio, mandou queimá-los nas fogueiras, tornando-os mártires cristãos.  Da mesma forma foram martirizados a esposa do Imperador do Oriente, Maximino, que reinava em Alexandria, juntamente com o general Porfírio e 200 soldados, todos convertidos pela Virgem cristã.
Catarina foi decapitada, provavelmente por ordem de Maximino, no ano 310 da Era Cristã.
Durante muitos anos a história de Santa Catarina ficou restrita aos anais dos primeiros mártires, mas o seu culto teve maior propagação a partir dos milagres que ocorreram no Monte Sinai, no fim do século XIII ou no começo do século XIV, comprovando a versão de que seus restos mortais foram para lá levados pelos anjos.
De tal sorte Santa Catarina de Alexandria praticou a pureza, que assim se refere a ela São João Maria Vianey, o Cura d'Ars: "Santa Catarina era pura; por isso passeava muitas vezes no Paraíso. Quando morreu, os anjos tiraram-lhe o corpo e levaram-no para o monte Sinai, lá onde Moisés recebera os mandamentos da Lei. Deus fez ver por esse prodígio que uma alma pura lhe é agradável, merece que mesmo seu corpo, que lhe participou da pureza, seja sepultado pelos anjos".

O milagre que fez renascer a devoção à Santa Catarina
Quem conta o caso é Pedro de Ravena na obra "Gestas Notáveis", publicada na Idade Média.
O bispo de Milão, Dom Sabino, muito devoto de Santa Catarina, fez uma viagem à Terra Santa em companhia do Abade de Montecassino, Dom Teodoro. Acompanhavam-nos na viagem dois capelães, dois soldados e 15 fâmulos.  Depois de visitar os lugares santos, resolverem ir até o Monte Sinai para venerar os restos mortais de Santa Catarina.
Mas logo tiveram desagradável surpresa: quando chegaram ao sopé do monte encontraram-se com ferocíssimo chefe de exército turco que, comandando vários soldados, voltava de uma visita que tinha feito a um sultão.  Quando o capitão turco viu o grupo de cristãos, de quem era acérrimo inimigo, mandou suas tropas arremeterem contra eles, assassinando de imediato os criados, os dois soldados e dois capelães. Percebendo que o bispo e o abade tinham alguma representação mandou que os trouxesse à sua presença e disse:
- Agora eu mesmo farei com vocês dois o que já fizeram com os outros membros de seu séquito.
O bispo e o abade vendo-se já perdidos, mas tentando conseguir ainda algum ato de bondade do capitão turco, pedem-lhe que os deixe pelo menos subir até o monte e lá venerar as relíquias de Santa Catarina, para depois então consumar o que queria fazer com eles.  Endiabrado, o turco disse-lhes que poderiam ir lá em cima, mas não da forma que queriam:
- Arrancai agora mesmo os dois olhos as línguas destes homens! - ordenou aos seus soldados.
Depois de arrancarem seus olhos e suas línguas, os turcos colocaram os dois peregrinos, assim mutilados, em cima de seus cavalos para serem conduzidos por guias, em tom de mofa, até o alto do monte. Em seguida, assim falou-lhes o capitão turco:
- Agora, se vos agrada, podereis continuar vossa peregrinação e assim teremos oportunidade de comprovar se vos serve para algo a vista daquele sepulcro. Vos dou minha palavra de que se renascerem em vossos corpos os membros que cortamos, coisa que considero impossível, eu me converterei para vossa religião sem duvidá-lo um momento.
O abade não conseguiu chegar ao cimo do monte, morrendo a caminho. O bispo, rezando e pedindo proteção à sua protetora, Santa Catarina, conseguiu que sua montaria o levasse até à entrada do sepulcro da santa.  Lá deixado, ele rezou contritamente. Quando deu meia-noite um terremoto sacudiu as profundezas do monte. Cheios de terror, o capitão turco e seus soldados quiseram sair correndo dali, porém paralisados pelo medo não puderam mover-se de onde estavam.
Logo em seguida surgiu grande clarão que iluminou o monte e foi visto a quilômetros de distância.  Enquanto isto, no alto do Sinai, Santa Catarina saía de sua tumba e se aproximava de seu devoto Dom Sabino, ungindo-lhe os olhos, a língua e todos os lugares de seu rosto que haviam sido mutilados.   De imediato,   o bispo viu-se completamente curado de suas mutilações, tendo de volta seus  olhos e sua língua.  Assim falou-lhe a santa:
- Quero que saibas que meu querido esposo Jesus Cristo está disposto a socorrer não só agora mas também no futuro a ti e a quantos veneram minha memória. Posto que, por amor a mim, perdeste a língua, com a qual só falavas teu próprio idioma, empresto-te a minha, que sabe expressar-se eloqüentemente em grego e latim. Comunico-te que as almas que vinham contigo já estão gozando no seio de Abraão da bem-aventurança.  Digo-te mais: amanhã, quando celebrares a missa, ao terminar de ler o Evangelho toma um pouco de óleo que brota de meu sepulcro e unge com ele uma por uma todas as feridas que estão no corpo do abade. Depois, continua a celebração do santo sacrifício, e antes que chegues ao  final o abade ressuscitará completamente são e com todos os membros de que foi despojado.
Ao amanhecer o dia seguinte, o capitão turco subiu o monte, entrou na igreja que guarda o corpo da santa, e, ao ver o bispo completamente são celebrando missa, com todos os membros recuperados, ficou estupefato.  Mais ainda quando, acabada a leitura do Evangelho, testemunhou quando o bispo aproximou-se do cadáver do abade ali estendido no solo, ungiu-o e o fez ressuscitar inteiramente completo de seus membros corporais.
Ante semelhante milagre, o capitão turco e todos os seus soldados pediram para serem batizados.  Este capitão, depois de tudo, renunciou ao mundo, vendeu  todos os seus bens e mandou construir, por inspiração de Sabino, um mosteiro ao  lado da igreja onde até hoje estão depositados os restos mortais de Santa Catarina, transportado para ali há mais de mil anos pelos próprios anjos.
São Sabino viveu ainda mais 10 anos depois do referido milagre, que nele era permanente. Quando lhe assistiam em seus últimos momentos e amortalhavam seu corpo já morto, verificaram estupefatos que em sua boca não havia língua alguma, daí se deduzindo que a língua que se tinha utilizado naqueles últimos dez anos não era a sua, mas a que Santa Catarina lhe emprestara.

(Relato extraído da obra “La Leyenda Dorada”, de Santiago de La Voragine, vol. II, Editora “Alianza Editorial”, Madri,  págs. 765/774)






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