(Jean Jaurés, cujo nome completo era Auguste Marie Joseph
Jean Léon Jaurés (Castres, França, 3 de setembro de 1859 – Paris, 31 de julho
de 1914), foi um político socialista ateu francês).
Carta que o socialista ateu francês Jean Jaurés, fundador
do periódico “L’Humanité”[1], escreveu a seu filho:
Nela ainda se vislumbra alguma sinceridade num homem completamente fanatizado
pela seita socialista, embora tal sinceridade seja oportunista em prol da boa
educação do filho.
“Querido Filho
Me pedes uma
justificativa que te eximas de estudar religião, um pouco por ter a glória de
proceder de diferente maneira que a maior parte dos condiscípulos e temo que
também um pouco para parecer digno filho de um homem que não tem convicções
religiosas. Esta justificativa, querido filho, não a te envio e nem a te
enviarei jamais.
Não é porque deseje que
sejas clerical, apesar de que não há nisto nenhum perigo, nem o há tampouco em que
professes as crenças que te exporá o professor. Quando tiveres a idade
suficiente para julgar, serás completamente livre, porém, tenho empenho
decidido em que tua instrução e tua educação sejam completas, e não o seriam
sem um estudo sério da religião.
Te parecerá estranho
esta linguagem depois de haver ouvido tão belas declarações sobre esta questão;
são, filho meu, declarações boas para arrastar a alguns que estão em pugna com
o mais elementar bom senso. Como seria completa tua instrução sem um
conhecimento suficiente das questões religiosas sobre as quais todo o mundo
discute? Gostarias, com tua ignorância voluntária, de não poder dizer uma
palavra sobre estes assuntos sem expor-te a soltar um disparate?
Deixemos de lado a
política e as discussões e vejamos o que se refere aos conhecimentos
indispensáveis que deve ter um homem de certa posição. Estudas mitologia para
compreender história e a civilização dos gregos e dos romanos, e que
compreenderás da história da Europa e do mundo inteiro depois de Jesus Cristo
sem conhecer a religião que mudou a face do mundo e produziu uma nova
civilização? Na arte, que serão para ti as obras mestras da Idade Média e dos
tempos modernos, se não conheces o motivo que as tem inspirado e as idéias
religiosas que elas contêm?
Nas letras, podes deixar
de conhecer não somente a Bossuet, Fenelón, Lacordaire, De Maistre, Veuillot e
tantos que se ocuparam exclusivamente de questões religiosas, senão também a
Corneille, Racine, Hugo, numa palavra a todos estes grandes mestres que deveram
ao Cristianismo suas mais belas inspirações? Se se trata do direito, da
filosofia e da moral, podes ignorar a expressão mais clara do Direito Natural,
a filosofia mais profunda, a moral mais sábia e mais universal? – este é o
pensamento de Juan Jacobo Rousseau.
Até nas ciências
naturais e matemáticas encontrarás a religião: Pascal e Newton eram cristãos
fervorosos; Ampere era piedoso; Pasteur provava a existência de Deus e dizia
haver recobrado pela ciência a fé de um bretão; Flammarion se entrega a
fantasias teológicas.
Quererás tu condenar-te
a saltar páginas em todas tuas leituras e em todos teus estudos? Há que
confessá-lo: a religião está intimamente unida a todas as manifestações da
inteligência humana; é a base da civilização e é pôr-se fora do mundo
intelectual e condenar-se a uma manifesta inferioridade o não querer conhecer
uma ciência que têm estudado e que possuem em nossos dias tantas inteligências
preclaras.
Já que falo de educação:
para ser um jovem bem educado é preciso conhecer e praticar as leis da Igreja?
Somente te direi o seguinte: nada há que reprovar aos que as praticam
fielmente, e com muita frequência há que chorar pelos que não as tomam em
conta. Não fixando-me senão na cortesia
no simples “savoir vivre”, há que convir na necessidade de conhecer as
convicções e os sentimentos das pessoas religiosas. Se não estamos obrigados a
imitá-las, devemos pelo menos compreendê-las para poder guardar-lhes o
respeito, as considerações e a tolerância que lhes são devidas. Ninguém será
jamais delicado, fino, nem sequer apresentável, sem noções religiosas.
Querido filho:
convence-te do que o digo: muitos têm interesses em que os demais desconheçam a
religião, mas todo mundo deseja conhece-la. Quanto à liberdade de consciência e
outras coisas análogas, isso é vão palavreado que rechaçam de ordinário os
fatos e o senso comum.
Muitos anti-católicos
conhecem pelo menos medianamente a religião; outros têm recebido educação
religiosa; sua conduta prova que têm conservado toda sua liberdade.
Ademais, não é preciso
ser um gênio para compreender que só são verdadeiramente livres de não ser
cristãos os que têm a faculdade de sê-lo, pois, caso contrário, a ignorância os
obriga para a irreligião. A coisa é muito clara: a liberdade exige a faculdade
de poder obrar em sentido contrário. Te surpreenderá esta carta, porém precisa,
filho meu, que um pai diga sempre a verdade a seu filho. Nenhum compromissos
poderia excusar-me dessa obrigação.
Recebe, querido filho, o
abraço de teu pai”.
Nascido em Castres, bolsista, integrou primeiramente o curso de filosofia da École normale supérieure em 1878, tornando-se professor concursado do ensino secundário em 1881. Professor da faculdade de Toulouse, passa a ser deputado de centro-esquerda do Tarn em 1885. Perde as eleições de 1889, e dedica-se plenamente a seu doutorado sobre "as origens do socialismo alemão". Trabalhando ao mesmo tempo como jornalista no periódico La Dépêche du midi a partir de 1887, sua experiência como vereador e em seguida como vice-prefeito encarregado do ensino público em Toulouse faz com que se aproxime cada vez mais do socialismo. Eleito, após a greve dos mineiros, deputado de Carmaux (1893), ele torna-se aderente do Partido operário francês. Defensor de Dreyfus em 1897 (As Provas), Jaurès é favorável à entrada do socialista Millerrand no gabinete de Waldeck-Rousseau.
Em 1902, participa da criação do Partido Socialista e apóia o Bloco das esquerdas. Seu próximo passo consiste na criação de L'Humanité (1904), "jornal diário socialista", que utiliza como ferramenta na aceleração da instituição da Seção francesa da Segunda Internacional (SFIO, 1905), condenando então, em nome da unidade socialista, todo e qualquer apoio ao governo. Sua luta durante dez anos pela reconciliação entre França e Alemanha, sua hostilidade ao serviço militar e seu mote de greve geral em caso de guerra fizeram com que os nacionalistas o detestassem. No dia 31 de julho de 1914, é assassinado por Raoul Villain, o que facilitará a adesão da esquerda ao movimento União sagrada
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