quinta-feira, 4 de abril de 2024

O CORAÇÃO MÍSTICO DE CRISTO

 



 

O mês de junho a Igreja o dedica ao Sagrado Coração de Jesus e comemoramos neste mês do ano de 2023 os 80 anos da publicação da Encíclica “Mystici Corporis”, do Papa Pio XII, datada de 29.06.1943. Nela a igreja define com precisão que Ela mesma é a continuidade de Cristo, a Cabeça deste Corpo, denominada assim de Corpo Místico de Cristo. Podemos destacar neste Corpo Místico seu Sagrado Coração, podendo ser chamado de Coração Místico de Cristo. Se todo o Corpo está representado por todos fiéis e pela Igreja, o Coração Místico se identificaria como o conjunto daqueles que mais representam o Coração de Cristo, aqueles que cumprem mais fielmente sua Vontade.

 

Origem da definição de corpo místico

A definição a respeito de corpo místico surgiu após a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo, quando se manifestou o Sagrado Corpo Místico d’Ele entre nós, que é a Santa Igreja Católica através de seus membros como continuadores da Sua Cabeça, que é o próprio Cristo. No Antigo Testamento não há nenhuma referência a respeito do assunto, como é óbvio, a não ser quando se fala sobre os reinos messiânicos nas antigas profecias. Quem primeiro falou sobre o Corpo Místico de Cristo foi o Apóstolo São Paulo. Quando Cristo lhe apareceu interrogando “Saulo, Saulo, por que me persegues”? (At 9. 4-5) ele deve ter tido esta dúvida: “como é que O persigo se estás morto”? De um modo sobrenatural, posteriormente passou a entender que estava perseguindo o Corpo Místico de Cristo. Notar que Quem o converteu foi o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo, mas quem o encaminhou para a Igreja, batizando-o e catequizando-o, foram os membros deste Corpo Místico, ao qual ele perseguia e tornou-se um de seus membros. Foi assim que a definição de Corpo Místico de Cristo ficou mais patente, sendo por ele defendida em seus escritos.

 

A conversão de São Paulo contada por ele mesmo

Estando em Jerusalém, já famoso por suas pregações, São Paulo foi acusado de profanar o templo ao trazer até ali gregos, ou seja, não judeus.  Ao ser preso, fez um discurso onde narra como ocorreu sua conversão, conforme consta nos Atos (At 21, 37-40 e 22,1-16). O fato é bastante conhecido por todos; assim narra ele: “Ora, aconteceu que, na viagem, estando já perto de Damasco, pelo meio-dia, de repente uma grande luz que vinha do céu brilhou ao redor de mim. Caí por terra e ouvi uma voz que me dizia: ‘Saulo, Saulo, por que me persegues?’ Eu perguntei: ‘Quem és tu, Senhor?’ Ele me respondeu: ‘Eu sou Jesus, o Nazareno, a quem tu estás perseguindo’. Meus companheiros viram a luz, mas não ouviram a voz que me falava. Então perguntei: ‘Que devo fazer, Senhor?’ O Senhor me respondeu: ‘Levanta-te e vai para Damasco. Ali te explicarão tudo o que deves fazer’. Como eu não podia enxergar, por causa do brilho daquela luz, cheguei a Damasco guiado pela mão dos meus companheiros.

Um certo Ananias, homem piedoso e fiel à Lei, com boa reputação junto de todos os judeus que aí moravam, veio encontrar-me e disse: ‘Saulo, meu irmão, recupera a vista!’ No mesmo instante, recuperei a vista e pude vê-lo. Ele, então, me disse: ‘O Deus de nossos antepassados escolheu-te para conheceres a sua vontade, veres o Justo e ouvires a sua própria voz. Porque tu serás a sua testemunha diante de todos os homens daquilo que viste e ouviste. E agora, o que estás esperando? Levanta-te, recebe o batismo e purifica-te dos teus pecados, invocando o nome dele!'”

Notemos que São Paulo é chamado de Apóstolo, mas não era um dos doze; no entanto, adquiriu e divulgou uma doutrina tão sólida que é tida como um quinto Evangelho, sendo leitura obrigatória nas santas Missas. Pode-se dizer que foi o primeiro Apóstolo do Corpo Místico de Cristo.

 

A doutrina de São Paulo sobre o Corpo Místico de Cristo

Quando Nosso Senhor Jesus Cristo apareceu a São Paulo e lhe disse: “Saulo, por que me persegues?” – deixou implícito que era Seu Corpo Místico que estava sendo perseguido. É claro que Saulo não entendeu, no momento, o que queriam dizer estas palavras, mas só algum tempo depois com as inspirações interiores recebidas do Espírito Santo. E compreendeu tão bem seus significados que procurou explicitá-los, deixando esparsa em algumas epístolas a sua doutrina sobre o Corpo Místico de Cristo, como os exemplos a seguir:

“Porventura não sabeis que os vossos membros são templo do Espírito Santo, que habita em vós, que vos foi dado por Deus e que não pertenceis a vós mesmos?” (I Cor 6, 19). “[Cristo] É a cabeça da Igreja, que é seu Corpo”  (Col 1, 18). “O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo que é a Igreja” (Cl 1, 24); “O constituiu chefe supremo da Igreja, que é o seu corpo” (Ef 1, 22-23); “A uns ele constituiu apóstolos; a outros, profetas; a outros, evangelistas, pastores, doutores, para o aperfeiçoamento dos cristãos, para o desempenho da tarefa que visa à construção do corpo de Cristo” (Ef 4, 11-12); “Cristo é o chefe da Igreja, seu corpo, da qual ele é o Salvador (Ef 5, 23); “como Cristo faz à sua Igreja, porque somos membros de seu corpo” (Ef 5, 29). "Pois, assim como num só corpo, temos muitos membros e os membros não têm a mesma função, de modo análogo, nós somos muitos e formamos um só corpo em Cristo, e todos e cada um membros uns dos outros" (Rm 12, 4-5). “Ora, vós sois o Corpo de Cristo e sois os seus membros, cada um por sua parte. E aqueles que Deus estabeleceu na Igreja são, em primeiro lugar, apóstolos; em segundo lugar, profetas; em terceiro lugar, doutores... Vêm a seguir os dons dos milagres, das curas, da assistência, do governo e o de falar diversas línguas " (l Cor 12, 12-28).

Em outro oportunidade, o Apóstolo chega a afirmar que um membro pode também contribuir para a formação de outros membros do Corpo Místico de Cristo, como ele próprio o fazia: “Quos iterum parturio, donec formetur Christus in vobis” (Gal 4, 19): Dou à luz todos os dias os filhos de Deus, até que Jesus Cristo seja nele formado em toda a plenitude de sua idade. Portanto como na verdadeira sociedade dos fiéis há um só corpo, um só Espírito, um só Senhor, um só batismo, assim não pode haver senão uma só fé: “Há um só Corpo e um só Espírito, assim como é uma só a esperança da vocação a que fostes chamados; há um só Senhor, uma só Fé, um só batismo; há um só Deus e Pai de todos, que está acima de todos, por meio de todos e em todos” (Ef 4, 5-6),

Todo cristão é um “outro Cristo”

Essa afirmação foi feita pelos antigos Padres da Igreja, “Christianus alter Christus”, isto é, o cristão é um outro Cristo. Isso corrobora a afirmação de São Paulo: “Eu vivo, mas já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gál. 2, 20). Quer dizer, enquanto fiéis cristãos nós nada mais somos do que o próprio Cristo através de seu Corpo Místico, que é a Igreja.

Santo Agostinho se referia a Ele como o “Christus totus”, o “Cristo total”, a Igreja una com Cristo. E dizia: “Alegremo-nos, portanto, e demos graças por nos termos tornado não somente cristãos, mas o próprio Cristo. Compreendeis, irmãos, a graça que Deus nos concedeu ao dar-nos Cristo como Cabeça? Admirai e rejubilai, nós nos tornamos Cristo. Com efeito, uma vez que Ele é a Cabeça e nós somos os membros, o homem inteiro é constituído por Ele e por nós. A plenitude de Cristo é, portanto, a Cabeça e os membros; que significa isto: a Cabeça e os membros? Cristo e a Igreja”.[1] 

O Sagrado Coração de Jesus, parte importante de Seu Corpo Místico

Dr. Plínio Corrêa de Oliveira, líder católico brasileiro de grande destaque no século passado que fundou uma grande família de almas católicas[2], escreveu o seguinte sobre a devoção ao Sagrado Coração de Jesus:

“...O que é, propriamente, a devoção ao Sagrado Coração? É a devoção ao órgão de Nosso Senhor, que é o Coração. Mas na Escritura, o coração não tem o significado sentimental que tomou no fim do século XVIII, mais ou menos, e certamente no século XIX. Não exprime o sentimento. Quando diz a Escritura: “A ti disse o meu coração: eu te procurei”, o coração aí é a vontade humana, é o propósito humano, é propriamente, a santidade humana. Aí quando Nosso Senhor diz isso, diz: "na minha vontade santíssima, Eu quero". O Evangelho diz: “Nossa Senhora guardou todas as coisas em seu coração e as meditava”. Os senhores percebem que não é o coração sentimental, mas a vontade d’Ela, a alma d’Ela que guardava aquelas coisas e pensava sobre elas. O coração é a vontade da pessoa, o seu elemento dinâmico que considera e pondera as coisas. O Sagrado Coração de Jesus é a consideração disso em Nosso Senhor, simbolizado pelo coração, porque todos os movimentos da vontade do homem podem ter no coração uma repercussão. Nesse sentido, então, é o órgão adequado para exprimir isso. E é nesse sentido, então, que se adora o Santíssimo Coração de Jesus.

Por correlação, por conexão, existe a devoção imensamente significativa, do Imaculado Coração de Maria. O Imaculado Coração de Maria é um escrínio dentro do qual encontramos o Sacratíssimo Coração de Jesus”. [3]

 

Sagrado Coração de Jesus, troca de afetos entre Deus e os homens

No decorrer de várias aparições à Santa Margarida Maria de Alacoque (século XVII), Nosso Senhor Jesus Cristo instituiu a devoção ao Seu Sagrado Coração. Uma devoção eminentemente reparadora, buscando no coração humano uma profunda empatia com Deus para que juntos (Jesus Cristo e o homem) possam reparar os pecados cometidos contra a Santíssima Trindade. Uma devoção que se espalhou rapidamente a partir do século XVII, mas que teve seu início quando o Apóstolo São João recostou sua cabeça ao Coração de Jesus durante a Santa Ceia, véspera da Paixão.

A intenção de Nosso Senhor ao instituir esta devoção foi de fomentar uma afetividade maior entre Ele e os homens, pois é através de Seu Sagrado Coração que podemos manifestar todos os nossos afetos para com Cristo, Senhor Nosso e Salvador de nossas almas.

  

O que se deve entender por “coração”

É Dr. Plínio quem o explica de uma forma claríssima:

Tomo os elementos que me parecem fundamentais nesse grande e misterioso assunto que é a devoção ao Sagrado Coração de Jesus.

Por “coração” os antigos entendiam não precisamente o que se entende hoje, mas algo que é ao mesmo tempo vasto e, em certo sentido, diferente.

Em nossos dias, o coração é quase o símbolo do sentimento desacompanhado da razão. Diz-se que o coração de uma pessoa vibra quando ela sente um certo enternecimento, quando é alvo de um ato de bondade, ou quando tem uma condescendência com algo.

Mas coração é só isso?

Para os antigos, não era assim. Eles tomavam o coração como o órgão que nós conhecemos, que pulsa, que tem aurículas, ventrículas, faz sístoles e diástoles, e em razão de cujo funcionamento – uns mais solidamente na sua jovem idade, outros mais precariamente nas idades avançadas – todos estamos vivos. Mas coração significa para eles algo mais. Era o conjunto das coisas que o homem vê, ama e guarda na sua mente, por assim dizer, como se fossem “slides”, porque lhe falaram mais.

A palavra coração representa esse conjunto de coisas enquanto amadas pelo homem com um amor que não é apenas uma conaturalidade ou uma simpatia, mas é um ato racional. As coisas que foram julgadas segundo certa doutrina verdadeira – que é o ponto de referência de tudo – e foram encontradas conformes a essa doutrina, e, por isso mesmo, amadas.

 

O coração do católico. O Coração de Jesus

Continua Dr. Plínio:

O coração do católico representa nesse sentido, a mentalidade dele, que inclui a sua sensibilidade, mas indica sobretudo aquilo que – estando de acordo com a doutrina católica, apostólica, romana – ele conhece pela Fé como verdadeiro. Aquilo que ele ama acima de tudo e toma como uma linha “rectrix” de todas as outras coisas, porque é conforme à verdade verdadeiríssima, à verdade soberana, à verdade padrão, segundo a qual todas as outras verdades são de fato verdades, e contra a qual todas as aparências de verdade não são senão erros enganosos.[4]

 

Definição mística do Sagrado Coração de Jesus, segundo Santa Margarida Maria Alacoque

Santa Margarida Maria Alacoque depois de procurar fazer conhecer o Sagrado Coração de Jesus por meio de numerosos símbolos, compreende que essas comparações são insuficientes, e dá-nos, então, do Coração de Jesus o que se pode chamar uma definição mística: “Nosso Senhor, diz ela, fez-me conhecer que o seu Sagrado Coração é o Santo dos Santos, o Santo do amor”.

“Qual é o duplo elemento constitutivo da perfeição do Sagrado Coração e da perfeição das almas?

“A Bem-aventurada tem em todos os seus escritos principalmente dois fins em vista: 1º. mostrar como o Sagrado Coração é santidade e amor; 2º. exortar com instância os servos deste divino Coração a reproduzirem em si mesmos esta santidade e este amor. Com efeito, este é o duplo elemento essencial da perfeição de todo o coração humano, especialmente do Coração de Jesus: a santidade que repele o mal e procura destruí-lo: o amor que atrai para o bem, principalmente para Deus, o soberano bem, e procura fazê-lo triunfar em toda a parte. .

Que diferença entre esta doutrina e a maneira como tantos cristãos encaram a devoção ao Sagrado Coração! Parece que esqueceram que, sendo este Sagrado Coração a própria santidade, a primeira qualidade que devem ter os seus servos é a santidade, e uma santidade perfeita, a que se não chega sem grandes esforços. A todos os que querem ser servos dedicados do seu Coração diz Nosso Senhor: “Sancti eritis” - quoniam ego sanctus sum; sede santos, porque eu sou santo. (I Ped 1, 16)”

Pelo fato do coração simbolicamente ser tido como o centro das cogitações da pessoa, onde reside a vontade humana e todas as nossas principais atenções, poderíamos imaginar que somente isso estaria representando o Sagrado Coração de Jesus. No entanto, Santa Margarida Maria Alacoque vai mais longe e nos diz que o Coração de Jesus, em seu sentido místico, representa Suas perfeições, Sua santidade.

 

“Em que consiste a santidade do Coração de Jesus?

“A santidade adorável deste divino Coração consiste no horror que tem ao pecado, e no zelo que emprega para o destruir”. 

A seguir, a Santa define uma dupla santidade do Coração de Jesus: uma de amor e outra de justiça. A do amor é exercida através da virtude da caridade, que é o próprio amor. Diz ela: “A santidade de amor abrasa o Coração de Jesus num zelo infinito pela gloria de seu Pai, e pela santificação das almas. Era ela que inspirava a Nosso Senhor Jesus Cristo um desejo ardentíssimo de se oferecer como vítima no Calvário, e o leva a tratar com santo rigor os seus maiores amigos, para os purificar das suas menores faltas, e torná-los assim mais perfeitos. É também esta santidade que alimenta o fogo do purgatório”.

Sobre a santidade de justiça, assim comenta:

Esta santidade inspira ao Coração de Jesus um ódio irreconciliável ao pecado, que deseja ardentemente destruir, e um afastamento absoluto do pecador impenitente, que, apesar de tudo, deseja salvar”.

“Tal santidade produz neste Coração Sagrado um combate misterioso entre o amor divino, que chama o pecador, e o ódio, que repele o impenitente endurecido. Foi esta justiça que, oprimindo dolorosamente o Coração de Jesus, o fez entrar em agonia, e derramar o seu sangue em suor copioso no jardim de Gethsemani . Há de ser diante desta terrível santidade que os réprobos hão de aparecer; à sua vista encher-se-ão de terror, exclamando: Montanhas caí sobre nós”.

Neste sentido, trata-se de uma santidade eminentemente reparadora, pois um dos principais objetivos da justiça é reparar o mal cometido.

 

Se formamos um Corpo Místico de Cristo, também poderemos nos constituir num Coração Místico d’Ele

Assim, vimos que o Coração Místico de Cristo se forma por duas santidades, a do amor e a da justiça. Mas, assim como Seu Corpo Místico, podem os cristãos também formar um Coração Místico ao participarmos desta dupla santidade? Ela responde que sim:

As almas justas são chamadas a ter parte durante a vida nesta dupla santidade do Coração de Jesus, e a sofrer os seus salutares rigores, não só para santificação própria, mas também para destruir o pecado no mundo, para salvação dos pecadores, e para livramento das almas do Purgatório. Esta participação é a origem das satisfações superabundantes da Santíssima Virgem e dos santos.

O meu divino mestre, diz a Bem-aventurada, mostrou-me que estas duas santidades se exerceriam continuamente em mim“.

Em seguida ela fala sobre os efeitos que a santidade de justiça produzirá nos pecadores:

 A santidade de justiça, diz a Bem-aventurada, é terrível e medonha: esmaga os pecadores impenitentes que desprezaram todos os meios de salvação que Deus lhes ofereceu. Esta santidade de justiça lança-os fora do Coração de Jesus para os entregar a si próprios e torná-los insensíveis à sua própria desgraça. Esta santidade não pode sofrer a mais pequena mancha numa alma que trata com Deus, e mil vezes aniquilaria o pecador, se a misericórdia se não opusesse. Um dia disse-me o meu divino Mestre: “Esta santidade de justiça mete-se de permeio entre o pecado e a minha misericórdia. E, uma vez que a minha santidade caia sobre o pecador, é impossível que se reconheça; a sua consciência fica privada do remorso, o entendimento sem luz, o coração sem contrição; por fim morre na sua cegueira”

E, depois, sobre os efeitos desta santidade de justiça sobre os justos, almas reparadoras, estes, nesse caso, aqueles que verdadeiramente refletem aqui na terra o Coração Místico de Cristo:

Nosso Senhor, diz a Bem-aventurada, deu-me a conhecer, que a santidade de justiça me faria sentir o peso dos seus justos castigos, fazendo-me sofrer pelos pecadores. Na verdade, coisa alguma me custava tanto como esta santidade de Nosso Senhor, sobretudo quando Ele queria abandonar alguma alma que lhe era consagrada. Fazia-me então sofrer tão dolorosamente, que não há suplicio nesta vida que se lhe possa comparar; para o evitar, ter-me-ia lançado sem dificuldades numa fornalha ardente”.

“Por mais que dissesse, nunca poderia dar uma idéia sequer do que sofri por causa desta santidade de justiça. Um dia o meu Salvador fez-me ouvir estas palavras: “A minha justiça está irritada e disposta a castigar os pecadores, se eles não fizerem penitência. Quero dar-te um sinal que te faça conhecer, quando a minha justiça estiver resolvida a dar os seus golpes sobre essas cabeças criminosas: sabê-lo-ás, quando te sentires esmagada pela minha santidade.

Será apenas uma pequena amostra de como as almas justas a suportam, com medo de que ela caia sobre os pecadores”.

Os justos devem ser especialmente almas reparadoras:  

A santidade de amor não é menos dolorosa que a santidade de justiça, diz a Bem-aventurada; mas os seus sofrimentos são para reparar de algum modo a ingratidão de tantos corações, que não pagam com amor o amor ardentíssimo do Coração de Jesus no Santíssimo Sacramento. Um dos sofrimentos que causa é não se poder sofrer mais; inspira desejos tão veementes de amar a Deus e de o ver amado, que para o conseguir não há tormento que a alma deixe de aceitar de boa vontade. Esta santidade de amor excitou quatro desejos no meu coração; desejo de amar, desejo de comungar, desejo de sofrer e desejo de morrer. Desta forma sentia eu sempre novas consolações no meio dos açoites e dos espinhos, com que o meu divino Salvador me tinha presa á cruz. Quanto mais eu sofria, maior era a satisfação que dava a esta santidade de amor.

Nosso Senhor deu-me também a conhecer que: para aliviar as almas santas, que estão detidas no purgatório esta santidade de amor me faria sofrer uma espécie de purgatório mui doloroso”.[5]

 

O Coração Místico de Cristo, parte importante de seu Corpo Místico

Como vimos, o Corpo Místico de Cristo é composto pelos fiéis da Santa Igreja Católica, composto pelos Cristãos verdadeiros, isto é, quem é batizado, crê e professa a doutrina de Cristo conforme diz o Catecismo. Como é um Corpo, há membros que se sobressaem neste organismo, destacando-se assim o Coração Místico de Cristo, composto por aqueles que são mais fiéis e cumprem rigorosamente a vontade de Deus. Segundo Santa Margarida Maria Alacoque, trata-se daqueles que seguem fielmente a santidade do Sagrado Coração de Jesus, que ela divide entre “santidade de amor e santidade de justiça”, conforme exposto acima.

Peçamos, pois, a Deus a graça de pertencer não somente ao Corpo Místico de Cristo, mas de Seu Coração Místico, imitando-o em Sua santidade. Escrevendo para o jornal “Legionário” Dr. Plínio Corrêa de Oliveira assim se exprimiu sucintamente sobre o significado de coração: “Quando diz a Escritura: “A ti disse o meu coração: eu te procurei”, o coração aí é a vontade humana, é o propósito humano, é propriamente, a santidade humana. Aí quando Nosso Senhor diz isso, diz: "na minha vontade santíssima, Eu quero".[6]

 



[1] Comentário aos Salmos, 85,5

[2] É preciso notar que Dr. Plínio fundou e dirigiu não somente grupos e instituições católicas, mas o que ele chamava de “família de almas”, isto é, uma instituição de família espiritual superior às instituições burocráticas.

[3] "Legionário" de 21-7-1940 e intitulado NOSSA SENHORA DO SAGRADO CORAÇÃO

[4] Revista “Dr. Plínio”, junho de 2003, págs. 16/21.

 

[5] Extraído de “O Coração de Jesus Segundo a Doutrina da Beata Margarida Maria Alacoque” – Por um Oblato de Maria Imaculada, Capelão de Montmarfe – Introdução do Pe. Joaquim dos Santos Abranches -  Editor Manuel Pedro dos Santos, 1907, Lisboa –págs. 41/51

[6] "Legionário" de 21-7-1940 e intitulado NOSSA SENHORA DO SAGRADO CORAÇÃO

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