A VISÃO DE DR. PLÍNIO SOBRE A QUESTÃO
Comentando a respeito da mentalidade do brasileiro, Dr. Plínio, a certa altura, ensina como enfrentar tal mentalidade no momento de ter que refutar o erro e pregar a verdade.
“Opção-chave para o Brasil
Quando
apresentamos as verdades até suas últimas consequências, recordamos aquelas que
as pessoas não gostam de lembrar, atacamos o erro que ninguém quer verberar,
dizendo contra ele tudo quanto deve ser denunciado, representamos a face
heroica da alma brasileira, por onde o Brasil pode ser uma grande nação
católica. Enquanto o liberalismo reproduz outra fisionomia de nossa nação: a
indiferença para com os princípios, certa dose de cinismo e espírito de
acomodação.
Por
exemplo, diante do problema sobre como nos portar perante os hereges, existe
uma opção da própria nação brasileira: fechar-se ao liberalismo e tomar uma
atitude radical ou se manter na postura liberal. Esta é uma opção-chave para o
nosso país, por detrás da qual se encontra outra questão: como tomar a Religião
Católica Apostólica Romana? Qual é nosso perfil moral em face das alternativas
energia ou moleza, coerência ou incoerência, integridade ou indiferença
doutrinária?
Há,
pois, um problema de alma: escolher entre nossa luz primordial ou nosso pecado
capital. Devemos ter um feitio definido porque o brasileiro ou é desse jeito,
ou cai no relativismo. Ou salvamos o brasileiro dessa forma de liberalismo ou
não temos a Religião Católica seriamente praticada.
Assim,
como muitas vezes acontece no Brasil, discute-se um problema em termos
expressos, mas de fato por detrás está sendo debatido outro mais profundo e
importante.
Energia e suavidade, justiça e misericórdia
Pergunta-se
até que ponto, diante de alguém que sustenta um erro, devemos evitar o conflito
ou ser combativos.
A
princípio, todo católico deve preferir os métodos mais cordiais e suaves.
Sempre que perceba que seu contato com um herege, cismático ou ateu pode
conduzir a um bom resultado por um trato suave, deve preferi-lo, em tese. Este
é um princípio do qual não se pode abrir mão. Teoricamente, o trato suave é
sempre preferível. E acrescento: quanto mais suave, mais preferível é.
Contudo,
em geral, deve-se ter um trato pelo qual sejam ditas, com polidez e educação,
todas as verdades necessárias para o interlocutor compreender que está errado.
E se algumas dessas verdades doerem, afirmamo-las do mesmo modo, embora cordial
e atenciosamente. Se ele se indignar, insistimos, e se travar uma discussão num
diapasão furioso, com dignidade o acompanhamos nesse diapasão. E não havendo
remédio, passamos para a polêmica. E não fazemos polêmicas de “Maria vai com as
outras”, mas o tratamos pelo menos de igual a igual, na energia. Porque tal
será que o defensor da Fé verdadeira seja menos ardoroso e mais mole do que o
defensor do erro!
Nunca
se dirão injúrias de caráter pessoal, a não ser em casos especialíssimos. Mas
se preferirá não as proferir.
Então,
diante da questão sobre se devemos tratar com energia ou compaixão, justiça ou
misericórdia, a resposta, a priori, é: nem só com justiça, nem só com misericórdia.
Deus é
justo e misericordioso, e o nosso trato deve conter a justiça e a misericórdia.
Mas, assim como Deus em certas horas mostra a justiça e em outras a
misericórdia, castiga ou contemporiza ou perdoa, assim também no nosso trato
deve haver algo que represente a energia bem como a suavidade e o perdão.
A
posição de não querer energia nunca seria tão errada quanto a de jamais desejar
suavidade ou perdão. Cada coisa deve entrar na hora adequada. O problema
consiste em saber quais são os momentos da misericórdia e quais os da justiça.
Hierarquia de valores
Há uma
hierarquia de valores a ser tomada em consideração. Quando discuto com alguém
que sustenta um erro, devo me lembrar de que, antes de tudo, está em jogo a
causa de Deus. Portanto, o primeiro direito a pairar acima de todos os outros é
o d’Ele, da Igreja Católica. Não devo pensar de imediato no contendor nem em
mim, mas na glória de Deus.
Em
segundo lugar, preciso cogitar nos direitos do defensor da verdade, porque este
tem mais direitos que o defensor do erro, é evidente.
Em
terceiro lugar, nos direitos do público que presencia essa discussão.
Só em
quarto lugar entra o interesse do contendor. Porque, como ele é o culpado, é o
último proveito a ser considerado.
Imaginem
um tribunal onde o júri está reunido e alguém pergunta:
- Qual
o maior direito a ser defendido nesta sala?
Levanta-se
um indivíduo que responde:
- É o
do réu.
Ora, o
primeiro direito é o de Nosso Senhor Jesus Cristo, regra suprema e ideal de
perfeição moral ali representado por um crucifixo. Em segundo lugar, é o
direito da vítima; em terceiro, o do público e em quarto lugar, o do criminoso.
Há uma
espécie de dodói, sobretudo no nosso ambiente brasileiro, que quando se fala de
crime, o primeiro ato não é ter pena da vítima, mas do criminoso: “Coitado, vai
para a cadeia...”
Tenhamos
um pingo de bom senso! Coitado é aquele em que ele meteu uma bala e vai ficar
estropiado a vida inteira, bem como as pessoas que precisarão carregar a vítima
e as consequências desse crime. Mas há uma tendência a pensar logo no
criminoso, fruto do liberalismo, que tem um complexo em favor do delinquente.
Aliar a inocência da pomba à astúcia da serpente e à
coragem do leão
Analisemos
com atenção a distinção entre os vários direitos.
Quais
são os direitos de Deus? Assim como nós velamos por nossa honra e glória, e não
aceitamos uma injúria com indiferença, a fortiori Deus Nosso Senhor deve ter
sua honra e sua glória defendidas por aqueles que, no terreno humano, são seus
aliados.
Quando
Clóvis, Rei dos francos, ouviu a pregação de São Remígio, Bispo de Reims,
contando a Paixão de Cristo, exclamou: “Ah, se eu estivesse lá com meus
francos!” Para fazer o quê? Marchar por cima daquele deicidas e dizimá-los.
Evidentemente,
porque a honra de Deus pede isso. De uma tendência sequiosa de Lhe prestar essa
honra nasceu a nação dos franceses, que durante tanto tempo foi o braço direito
da Igreja Católica. Portanto, há circunstâncias nas quais a glória de Deus
exige que se refute com energia.
Se
alguém, diante de mim, ofende a minha mãe, eu pulo em cima porque sou um homem
honrado. Mas se um indivíduo fala contra Nossa Senhora e eu respondo: “Essa é
uma questão de princípios...”, tomei a sério que a Santíssima Virgem é minha
Mãe e sua honra deve ser defendida? Por que não tomo a defesa d’Ela como faço
pela minha mãe terrena? Sou sério e consequente na minha adesão à Igreja
Católica?
Há
muitas ocasiões em que a resistência absolutamente se impõe. Vou dizer mais:
muita gente afirma que católico não é másculo, é carola, efeminado, por
constatar que os católicos, muitas vezes, não têm combatividade e varonilidade.
O
Profeta Oseias dá um conselho interessante: “Não sejais pombas imbecis, sem
inteligência” (Os 7, 11). E Nosso Senhor
diz que devemos aliar a astúcia da serpente à inocência da pomba. Poderíamos
acrescentar: e á coragem do leão. Por isso, Ele foi chamado o Leão de Judá. É
preciso ser combativo, saber vingar a glória de Deus.
A principal preocupação do combatente é vencer a guerra
Existem
os direitos daqueles que são os defensores da verdade. Certa ocasião tive uma
desavença com uma pessoa influente que – tenho inteira consciência e digo com
toda tranquilidade – agira muito mal comigo. Comentei a questão com um padre
para quem fui apresentando meus argumentos: “Eu tinha razão nisso, naquilo,
naquilo outro...” Muito sossegado, ele ouvia a narrativa e, à medida que eu
mencionava as injustiças e as injúrias por fim sofridas, ia meneando a
cabeça e dizendo: “Coitadinho dele...”
Para ele, o coitadinho não era a vítima, mas o agressor!
Menciono
esse fato apenas como exemplo do estado de espírito segundo o qual nunca se tem
compaixão da vítima que defende a verdade, mas sim do outro que sustenta o
erro. Mais ou menos como se Coliseu romano estivesse presente Nero, Calígula ou
Deocleciano, entrasse uma fera pulando em cima de uma virgem e alguém dissesse:
“Coitadinho do imperador! Olha o crime que ele está praticando!” Coitada é a
vítima em cima de quem vai saltar a fera!
Entenda-se
que quem defende a verdade tem direito à reputação, ao respeito, a ser ouvido;
o seu trabalho deve ser correspondido por aquele a quem se dirige, e este, não
fazendo isso, anda mal. Portanto, a principal preocupação na discussão não deve
ser se o católico exagera, mas considerar o mal que seu opositor pratica.
São Pio
X disse que, às vezes, no calor da peleja, pode sair um golpe forte demais.
Porém, para quem combate, a preocupação não é de poupar a cabeça do
adversário... E acrescento eu: é de quebrá-la.
Se ele a quebra em quatro pedaços em vez de dois... aconteceu. Mas a
principal preocupação do combatente é vencer a guerra.
Direito do público que assiste a uma discussão
doutrinária
Depois
vem o direito de quem assiste à discussão, e este ponto tem muita importância,
seja qual for o público: debate em televisão, conversa em casa na presença de
familiares, enfim, quaisquer pessoas que presenciem a contenda.
Suponhamos
que numa discussão com um protestante, um católico argumente do seguinte modo:
“Olhe,
meu caro, a sua religião em muito de bom, porque crê em Deus, em Jesus
Cristo... Mas há alguns pontinhos de exegese sobre os quais não estamos de
acordo. Temos um tal ou qual desacordo no que diz respeito à Presença Real. Na
hóstia em acredito que Nosso Senhor Jesus Cristo está presente; você acha que
aquilo é uma bolhava ou um pedaço de pão. É um pormenor. Mas como nós estamos
unidos no principal...”
Pergunto:
as pessoas que ouvirem essa conversa saem com sua Fé confirmada ou mais
propensos a aceitar o protestantismo? Evidentemente, verifica-se a segunda
hipótese.
Talvez
eu tenha captado a benevolência do protestante, mas perderam-se os outros que
merecem muito mais do que ele. Logo, para não contraria alguém imerso no erro,
perdem-se outros que estão dentro da verdade. Se todos os católicos discutissem
assim, não haveria nada melhor para os inimigos da Igreja.
(Extraído
de conferência de 3/3/1966)”
(Seção “Denuncia Profética”, revista “Dr.
Plínio”, edição n. 299, fevereiro de 2023, páginas 11 a 17)
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