“No ano de 1622, pois, era Superiora esta santa religiosa, a qual, ano a ano, como já se disse acima, ia acompanhando a Nosso Senhor Jesus Cristo em sua dolorosa Paixão.
Durante estes anos de governo recebia sempre muitos favores celestes na noite de Natal, que ela comemorava com indizível ternura e fervor. Dava gosto vê-la tão cheia dessa santa alegria, contagiante, pois, durante estes anos de dor, Nosso Senhor lhe dava trégua durante o santo Tempo do Advento, Natal e Epifania, para, depois, voltar a mergulhá-la no mar de suas dores.
Existe no convento uma sala grande e bem proporcionada, que foi destinada por Madre Mariana de Jesus para se montar o presépio. Todos os anos as monjas se esmeravam para nela compor um presépio vistoso, e ao mesmo tempo devoto. Para isso a Senhora Marquesa provia o necessário sem que lhe fosse necessário o pedir, porque desde os primeiros dias de dezembro ela já mandava ao Convento o que era preciso para este fim: cortinas, enfeites de Natal, musgos, flores e ramagens silvestres, bem como dinheiro para a compra do que mais se fizesse mister.
Possuíam também um gracioso Menino Jesus, que a Senhora Marquesa oferecera no ano de 1610 à Madre Mariana de Jesus, ao qual puseram o nome de “Niño de la Calenda”, porque para esta imagenzinha cantavam, com indizível solenidade, a “Calenda” de Natal.
A noite do dia 24 as monjas passavam junto ao presepe: exprimia cada uma o seu louvor ao Menino, cantavam bonitos motetes, diziam-se coisas graciosas, faziam-se festas e se riam com gosto. Elas também dançavam nas loas, como fazia nosso Pai São Francisco nessa noite tão verdadeiramente boa. Que ninguém se escandalize com isto, pois lemos na Sagrada Escritura que o Santo Rei Davi tocava harpa e dançava diante da Arca da Aliança. E minhas boas irmãs, as religiosas da Imaculada Conceição dançavam diante do presépio nesta noite – não com bailados profanos, mas como religiosas, esposas de Nosso Senhor Jesus Cristo, que, cheias de júbilo, festejavam o Nascimento temporal do Filho de Deus. Dançar de si não é pecado. É o mundo perverso que, em sua habitual torpeza, tudo corrompe e perverte, introduzindo sem-vergonhice e vomitando seu infernal veneno nos homens mundanos.[1]
Esta noite era, pois, de grande e celestial alegria no Convento. Absolutamente, ninguém dormia: enfermas e sãs, todas iam ao presépio para festejar o Natal com seus louvores, ações de graças, cantos e bailados.
Terminados os louvores e demais manifestações de afeto, Madre Mariana cantava a seguinte estrofezinha com sua maravilhosa voz, acompanhada de sua harpa “de falda”:
“Albrícias, albrícias!
A la media noche
La flor há nacido
Sin romper el broche!”
Tinha sequência então a procissão, em que se conduzia o Menino, muito composto e adornado com flores. Todos os anos, após a ceia no refeitório, eram designadas as religiosas que deveriam cantar a “Calenda”, aquela que deveria trazer o Menino na “Noche Buena” (Vigília de Natal), as ceroferárias, as turiferárias, as cantoras da procissão, as que deveriam prover a iluminação e as que fariam o papel de pastoras. E como cada uma desempenhava primorosamente sua função, a procissão desfilava muito formosa.
Os claustros eram um Céu. De cada arco pendiam ramos e musgos. Parecia que se caminhava por ásperas montanhas. O solo era recamado de flores, em cada esquina a procissão se detinha e as turiferárias faziam uma profunda reverência ao Menino e O incensavam. Depois entoavam cânticos de Natal em espanhol e a procissão seguia avante, cantando o hino da Vigília do Natal das Matinas e Laudes, enquanto as “musiquistas” e luminaristas, que ocupavam os últimos lugares, não cessavam de tocar apitos, flautas, “rondines” e outros instrumentos próprios a esta festa.
Como era belo tudo isto!
As almas das monjas se elevavam a regiões paradisíacas. Julgavam-se verdadeiramente na manjedoura de Belém, donde traziam nos braços de uma delas o Divino Infante para o coro de seu Convento, a fim de que não chorasse com o frio daquela noite.
(“Vida Admirável da Rev. Madre Mariana de Jesus Torres, espanhola, uma das Fundadoras do Monastério de La Limpia Concepcion de la Ciudad de Quito, escrito pelo Rev. Padre Manuel Sousa Pereira da Ordem Seráfica dos Menores do Convento Máximo de São Francisco de Quito, Equador” – Tomo II págs. 56/57).
[1]Observar que a maioria das danças do tempo de Davi era de cunho guerreiro, embora também houvesse essencialmente a nota religiosa nessas danças.
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