terça-feira, 11 de abril de 2023

MORTE DE SANTA GEMMA GALGANI

 




 

Nos estertores da morte, supremo combate contra o inferno

 

Sobre os momentos difíceis que se passa no momento da morte vejamos o que ocorreu com Santa Gemma Galgani, conforme seu biógrafo, Pe. Germano de Santo Estanislau, que assim se expressou comparando-a conosco: Que exemplo admirável de resignação e que motivo de salutar receio para nós, que não temos os méritos de Gemma,na hora terrível da morte! É bom lembrar que, embora o exemplo abaixo tenha se dado com uma santa, nada impede que algo disso, ou até mais, possa acontecer com qualquer cristão, desde que Deus o permita para sua santificação final:

“Diz-nos o Espírito Santo que Satanás, nos últimos momentos de nossa vida, sabendo que tem pouco tempo para fazer mal, nos assalta com pérfidas tentações, como um leão que vê a presa prestes a escapar-lhe.
Que supremos e furiosos ataques não devia dirigir contra a angélica donzela,
quem toda a vida tinha perseguido com ódio mortal, e procurado vencer, ou a menos desanimar com uma guerra sem tréguas.

De outros santos se lê que no fim de seus dias tiveram que suportar assaltos do demônio mais ou menos violentos e terríveis, mas passageiros.

Gemma, porém, suportou um ataque contínuo de sete meses, apenas interrompido por curtos intervalos de trégua. O fato é aterrador, mas absolutamente certo, porque é unanimemente atestado por todas as pessoas que acompanharam a angélica jovem durante sua última doença.
O espírito das trevas perturbava-lhe a imaginação com mil fantasmas próprios
para encher o seu coração de tristeza, de ansiedades, de temor. O seu fim era levá-la ao desespero. Representava-lhe, sob os mais tétricos aspectos, os quadros da sua vida tão cheia de angústias, as desgraças da sua família, as privações de toda a ordem. Fazia-lhe passar diante dos olhos os agentes da força pública indo, depois da morte de seu pai, acompanhados pelos credores, seqüestrar os bens da sua casa, e depois exclamava: “Aí tens o resultado de todas as tuas fadigas no serviço de Deus”.

Explorando o estado de extrema aridez espiritual em que, durante a maior parte do tempo, o Senhor a deixava para mais purificar a sua alma, o anjo das trevas empregava todos os artifícios para a persuadir de que estava irremediavelmente abandonada de Deus e que não havia meio de escapar à condenação. O tentador astucioso insinuava-lhe que as suas heróicas virtudes e até os mais insignes favores divinos eram apenas ilusão e hipocrisia.

Esta prova, a mais terrível e duradoura de todas, lançou a pobre donzela numa insuportável aflição. Sem cair no desespero, resolveu remediar, tanto quanto possível, oseu passado com uma confissão geral: tomou a pena e, nessa agitação de espírito e confusão de idéias, escreveu toda a história da sua vida, em que se declarava digna de mil infernos, por ter, com malícia diabólica, enganado os confessores, os diretores e a si própria.

Passando em seguida uma revista minuciosa aos mandamentos da lei de Deus e da Igreja, pecados capitais e deveres de estado, confessava-se culpada dos maiores crimes.

Estas páginas, febrilmente escritas, foram lidas a princípio por uma pessoa autorizada, depois levadas a um santo sacerdote, designado pela doente, com o pedido devir dar-lhe a absolvição de todos aqueles pecados. Veio, confessou-a e restituiu-lhe a serenidade, mas nem assim o inimigo se deu por vencido. Procurou uma vez mais insultar o pudor virginal da angélica menina. Sabia muito bem o tentador com que amor e cuidado a santa donzela tinha guardado, toda a vida, o inestimável tesouro da sua pureza, com que heroísmo tinha já sustentado, neste campo, lutas terríveis, sempre coroadas de triunfo. Mas que, se não alcançar uma vitória que julgava impossível, ao menos vingar-se das suas derrotas por meio de tentações, que sabia serem as mais próprias para amargurar os últimos dias da inocente menina.

O quarto da enferma pareceu converter-se então num prostíbulo do inferno. Não eram já pensamentos, imaginações, atitudes lascivas, às quais não podia ser sensível uma alma daquela têmpera. Eram aparições reais sob formas sempre novas duma lascívia cínica e brutal. “Padre. Padre, escrevia-me ela do seu leito de dor, este sofrimento é muito intenso para mim. Pedi a Jesus que o troque por outro qualquer. Enviai, mesmo de longe, maldições e conjuras para afastar o velhaco do demônio, ou ordenai ao vosso Anjo da Guarda que venha afastá-lo para longe daqui”.

Vencido em todos os campos, terminou por afligi-la com cruéis vexações exteriores. A enfermeira da angélica mártir escrevia-me por várias vezes: “Esta besta hedionda acaba-nos com a querida Gemma. – Saio sempre de junto dela a chorar: este horrível demônio  consome-a, e não vejo nenhum remédio a opor. – São pancadas ensurdecedoras, figuras espantosas de animais ferozes; mata-a com certeza. Corremos em seu auxílio, lançando água benta no quarto, o barulho cessa, mas para recomeçar depois com mais raiva”.

Ninguém imagina até onde chegou a crueldade do invisível inimigo para com a inocente vítima! Gemma sentiu algumas melhoras quanto à dificuldade de ingerir os alimentos.

Satanás, porém, estava de atalaia; logo que a comida era apresentada à doente, aparecia-lhe coberta de insetos repugnantes, de tudo quanto possa imaginar de nojento. Perante a repugnância do estômago, era forçoso retirar tudo. Bichos repelentes, reais ou imaginários, invadiam-lhe o leito, e torturavam-lhe o corpo de mil maneiras, sem que pudesse ver-se livre deles. Dizia muitas vezes à Irmã enfermeira com um tom de terror, que sentia uma serpente a envolvê-la da cabeça até aos pés e tentando sufocá-la. Muitas vezes pediu exorcismos, mas como não se desse importância aos seus pedidos, ela mesmo, voltando-se para o inimigo com o rosto inflamado, exclamou resolutamente: “Espíritos perversos, ordeno-vos que entreis no lugar que vos está destinado, aliás, desgraçados de vós! Acuso-vos ao meu Deus”. Depois, voltada para a Mãe celeste, começou a dizer: “Minha Mãe, encontro-me em poder do demônio que me fere, me flagela, trabalha por me arrancar das mãos de Jesus. Não, não, Jesus, não me abandoneis, ser-vos-ei fiel. Ó minha Mãe, pedi a Jesus por mim. De noite estou só, cheia de terror, oprimida e como que ligada em todas as potências da alma e em todos os sentidos do corpo, sem me poder mexer. Viva Jesus!

O divino Mestre vinha, de tempos a tempos, reanimar-lhe a coragem e sossegá-la, fazendo-lhe sentir a sua doce presença e dizendo-lhe algumas palavras. “Minha filha, porque é que, em vez de entristeceres com as perseguições do inimigo, não aumentas a tua esperança em mim? Humilha-te sob a minha poderosa mão, não te deixes abater pelas tentações. Resiste sempre, sem desânimo, e, se a tentação perseverar, persevera também na resistência; a luta levar-te-á à vitória”.

Outras vezes era o Anjo da Guarda que vinha confortá-la. Mas pouco duravam estes felizes momentos. Em breve a sua alma recaía nas trevas e o tentador aparecia de novo, mais furioso que nunca. Deste modo se passavam, para a pobre donzela, os dias, as semanas, os meses. Que exemplo admirável de resignação e que motivo de salutar receio para nós, que não temos os méritos de Gemma, na hora terrível da morte!

Na maior parte dos doentes, com o corpo extenuado pelo sofrimento e com o espírito esmagado pela consciência do próprio estado, o rosto manifesta tristeza e abatimento. Gemma, porém, conservava sempre o seu aspecto alegre e um angélico sorriso.

Nenhum abatimento moral se refletia nela, nunca lhe saíram do peito esses suspiros, esses gemidos que a força da dor arranca até aos mais corajosos. Nunca pedia alívio, nem mesmo uma simples mudança de posição no leito, embora fosse incômoda a posição em que estava. Nunca se queixou por causa dos cuidados que o seu estado exigia, ainda que, por algum equívoco, a deixassem só noites inteiras, quando mais necessidade tinha de ser assistida por alguém.

Para evitar este inconveniente, recorreu-se às religiosas enfermeiras, chamadas Barbantinas, que, movidas da sua bem conhecida caridade, se encarregavam de cuidar de Gemma até ao fim. Uma delas, maravilhada com a heróica paciência desta mártir, fez o seguinte depoimento:

“Durante todo o tempo que tive a consolação de assistir à querida Gemma nunca a ouvi queixar-se. Só no princípio a ouvia algumas vezes dizer: Meu Jesus, não posso mais! Mas quando lhe lembrei que tudo é possível com a graça de Deus, não repetiu mais aquelas palavras; e, quando alguma das pessoas presentes, movida pela piedade, dizia: Pobre menina, na verdade não pode mais, Gemma respondia imediatamente: Sim, sim, ainda posso um poucochinho. E, no entanto, continua a Irmã, vi-a suportar tais sofrimentos que me parece não os haver mais terríveis no Purgatório”

No meio de tantas dores, de tantas perseguições diabólicas, a virtuosa donzela não sentia a menor dificuldade em conversar familiarmente com o seu Deus, e com a mesma calma e suavidade de espírito que tinha no tempo das maiores consolações. Gemma não tinha mais que um sopro de vida. Todo o seu corpo é vítima do sofrimento e o rosto cobre-o já a palidez da morte. Jaz imóvel sobre o leito, numa atitude impressionante que recorda o Salvador expirando na cruz.

Quatro ou cinco dias antes de morrer tornou-se tão pesada que três pessoas robustas com dificuldade a podiam levantar. E no entanto a sua pequena estatura e extrema magreza deviam permitir que uma simples criança a movesse. “Temos tratado de tantos doentes, diziam as religiosas enfermeiras, e nunca vimos coisa igual”.

Aos que lhe notavam este fenômeno, Gemma respondia: “Não sou eu, estais certos, que peso assim”. E na verdade podemos crer que fosse uma intervenção divina, com o fim de aumentar os tormentos da pobre vítima, porque logo depois da morte, o corpo voltou ao peso normal”.[1]

Que bela coisa é morrer numa solenidade

Aos 25 anos, no Sábado Santo de 1903 (a 11 de abril, dia de sua festa), Gemma entregou sua alma ao Criador, devorada pelos sofrimentos, mas pedindo - até o último momento - mais dor. Revestida do hábito passionista - que lhe fora negado em vida por não ter condições de saúde compatíveis com os rigores do convívio comunitário - Gemma teve seu corpo velado por familiares e amigos. Sepultado no dia seguinte, o corpo foi exumado quinze dias após a morte, procedendo-se à retirada de seu coração (que não exibia sinais de decomposição). Foi ele posto em um relicário, sendo atualmente venerado no seu Santuário em Madrid, na Espanha.

Extraímos de uma hagiógrafa da Santa, Sóror Gesualda del Espíritu Santo, o relato de seus últimos momentos:

“Morrer num êxtase de luz e de amor não teria sido digno coroamento à vida de dor e de martírio constante levada por Gemma.  Jesus, à hora de morrer, sobre o Gólgota entregou sua alma nas mãos do Pai Eterno, banhada num mar de amarguras. Encontrava-se suspenso como criminoso, entre o céu e a terra, abandonado por Deus, desprezado pelos homens...

Com Gemma havia de suceder da mesma forma.

Numa ocasião havia dito à sua tia: “Tenho rogado a Jesus que me faça morrer numa grande solenidade. Que bela coisa é morrer numa solenidade!”  E morreu, efetivamente, solenemente. Porém, numa solenidade dolorosa.

A Igreja comemora a morte de Jesus e relaciona este fato com o terremoto que sacudiu a terra e rasgou o véu do templo de Jerusalém. E, ante a dor que que embarga os peitos cristãos por sua morte, faz emudecer todo instrumento músico e cessa o tangido das campainhas.

Jesus, ao ser deposto da Cruz, havia sido colocado num sepulcro novo, e precisamente o dia do repouso eterno de Cristo foi escolhido por Deus para tirar a cruz dos ombros de sua fiel amante Gemma, unindo-a consigo indissoluvelmente na glória da ressurreição.

A Eucaristia, que havia constituído sempre a verdadeira vida para nossa Santa, pode dizer-se que foi no leito de dor o único lenitivo de suas dores e abandonos.

Provocava lágrimas entre os circunstantes só o vê-la arrastar-se, com os joelhos vacilantes, sustentada nos braços de sua querida Eufemia, para a Igreja das Rosas. Os familiares não o teriam permitido. Porém, monsenhor Volpi dizia: “Deixai-a; deixai-a que faça a Comunhão. É o consolo que lhe fica já na terra”.

Quando, por seu estado, tornou-se-lhe impossível ir à igreja para receber a sagrada Comunhão, inclinou sua cabeça á vontade de Deus. Porém Monsenhor Volpi procurava que satisfizesse com certa frequência suas ânsias de comungar, mesmo estando acamada. Do contrário, como poderia suportar tantos sofrimentos sem possuir Jesus em seu coração?

No Sábado Santo, Sábado da Ressurreição, depois que seus membros virginais receberam a última purificação com o santo óleo, sua alma se abriu ao Amor, com o que, transcorridos alguns instantes, devia eternizar-se numa glória sem nome.

Já na Quarta-Feira Santa Deus Nosso Senhor Se havia dignado descobrir uma pequena parte do véu que ocultava seus esplendores. Santa Gemma foi arrebatada em êxtase. Ao tornar a si, a Irmã que a assistia perguntou-lhe o que havia visto: “Ah, irmã – respondeu -, se você pudesse ver um tantinho, nada mais que uma partezinha do que Jesus me há feito ver a mim, quanto gozo experimentaria!”

Em seguida recebeu por Viático o Corpo de Nosso Senhor. Voltou a comungar no dia seguinte, permanecendo para isso em jejum toda a noite.

“Tinha o aspecto de uma santa”, assegura uma testemunha. Deitada em seu leito, quanto tempo demorou estirada e rígida, com as mãos juntas, os olhos baixos e modestos, o rosto radiante, mostrando a todo momento os lábios sorridentes, apesar do grau de dor que a consumia.

No recolhimento extático que seguiu à Comunhão da Quinta-Feira Santa pela manhã, pareceu-lhe ver uma coroa de espinhos com esta inscrição: “Antes que termina tua carreira mortal ainda te resta que sofrer!”

Era o final do drama, e, pela forma em que este ia se desenrolando, o desenlace seria também doloroso. Na sexta-feira pela manhã, lá pelas dez horas, a senhora Cecília demonstrou desejos de sair, alegando que se encontrava arriada de cansaço e de insônia. Gemma disse-lhe: “Não me deixe de forma que não me veja cravada na cruz. Vou ser crucificada com Jesus. Jesus disse-me que seus filhos devem morrer crucificados”.

Pouco depois, entrando em profundo êxtase, Santa Gemma estende lentamente os braços em forma de cruz, postura que conserva até às doze e meia. Como sobre um límpido espelho, vão se refletindo sobre seu rosto os afetos e sentimentos mais diversos: de amor, de dor, de desolação e de calma. Gemma guarda um respeitoso silêncio. Porem sua atitude dizia suficientemente que se achava na agonia com seu doce Jesus.

Os olhos dos assistentes estão fixos nela, acreditando-se que de um momento para outro passaria os umbrais da eternidade. Porem o fato se prolonga. Ao cessar a agonia continua durante todo o dia, a noite e a manhã seguinte sofrendo muito. Tira forças da fraqueza para responder por sua própria boca às formosas orações que acompanham a cerimônia da Extrema-unção.

O sacerdote ministrante retirou-se em seguida e não voltou para a recomendação da alma. O que foi feito pelo que administrou o Viático. Entretanto, o confessor extraordinário, chamado por ela, a confessou num abrir e fechar dos olhos. Sua solidão era, pois, patente.

Desejava ter ao seu lado Monsenhor Volpi com o objetivo de que dirigisse exorcismos da Igreja contra o Demônio, que se lhe aparecia sob a forma de um horrível cão ameaçador. Porém Monsenhor encontrava-se ocupado nas largas funções próprias do dia, e não foi possível atender até à primeira hora da tarde.

“À sua chegada – disse a senhora Cecília – retirei-me da habitação que ocupava a enferma... Gemma disse que desejava os exorcismos. Monsenhor, dando-lhe a bênção, acrescentou: “Estás contente?”. Gemma insistiu que desejava na verdade receber os exorcismos da Igreja. A isto respondeu Monsenhor: “Vou dar a Páscoa ao excelentíssimo senhor Arcebispo, e logo voltarei para ver-te”. Porém já não voltou. Gemma expirava em pouco tempo.

Ouçamos a impressão de Monsenhor: “Quando a visitei pela última vez a encontrei em grave estado, atribulada de dores não somente físicos, mas também morais. A tudo estava muito resignada. Dei-lhe a santa absolvição, deixando-a em estado bastante penoso, mas com perfeita quietude de espírito.

Por sua vez, disse a senhora Cecília: “Quando, pela manhã, avisei a Monsenhor que Gemmao  esperava, respondeu-me: “Se é para confessá-la, irei; mas se é para assisti-la, me é absolutamente impossível. Para isso há curas”.

Há que se ter presente que naqueles dias para Monsenhor, como bispo auxiliar, eram de excepcionais ocupações, em razão das funções que tinham lugar na Catedral.

“Quando lhe transmiti as palavras de Monsenhor – segue falando a senhora Cecília -,Gemma tomou o santo Crucifixo em suas mãos, e pondo-o à altura de seus olhos, falou-lhe nestes termos: “Vês, oh Jesus? Verdadeiramente, já não posso mais... Se é vossa vontade, leva-me...”

Em seguida, levantou seus olhos para um quadro da Virgem que se achava dependurado na parede, e acrescentou: “Minha Mãe, a Vós recomendo minha alma... Diga a Jesus que tenha misericórdia de mim”.

Beijou o santo Crucifixo e o pôs sobre o coração, e tendo as mãos sobre ele, fechou os olhos, permanecendo esta postura, imóvel. À chegada de Monsenhor os abriu e falou como se há dito. Ao despedir-se de Monsenhor, tomou novamente a postura anterior.

A senhora Cecília mandou chamar a toda pressa o senhor Pároco, Abade Angeli, dos Canônicos Lateranenses, o qual chegou à casa estando a família à mesa. Ao ver a enferma, exclamou: “Gemma se nos vai; se morre...” A estas palavras, todos os circunstantes, até os pequeninos, levantaram-se rapidamente e correram para a habitação de Gemma.

A senhora Justina a levantou um pouco, pondo seu braço sobre as almofadas, de sorte que a cabeça de Gemma descansasse apoiada nela. Eufemia, ajoelhada a um lado do leito, sustentava entre suas mãos a direita da moribunda, descansando-a sobre sua fronte. Ao redor de ambas encontravam-se a senhora Cecília e os restantes da casa, de sorte que a habitação parecia cheia.

O Abade Angeli, que lia a recomendação da alma, interrompeu várias vezes a leitura para perguntar aos circunstantes: “Morreu?” De fato, ao pronunciar o sacerdote estas palavras, estava morta; porem, ninguém se havia apercebido disso.

Com referência a seu falecimento, acrescenta o Abade Angeli: “Tenho assistido a muitos moribundos... Não me tem ocorrido, sem embargo, presenciar uma morte desta natureza: sem sinal algum que a denunciasse, sem lágrimas nem assomo de respiração ofegante... Morreu desenhando um débil sorriso, e ficou com o sorriso suspendido nos lábios, tanto, que eu não podia persuadir-me de que houvesse falecido”.

O Padre Germán, seu diretor, não pôde assistir á agonia de Gemma. Apenas o mal começou a tomar sinais de gravidade, a senhora Cecília disse a Gemma: “Será conveniente telegrafar ao Padre Germán para que venha”.  Porém a enferma, havendo compreendido em seu coração que Jesus queria dela também este sacrifício, não fez indicação nenhuma neste sentido. A quem lhe falasse disso, respondia com doce resignação: “Tenho feito a Deus o sacrifício de tudo e de todos. Não peço nada. O Padre Germán chegará depois da Páscoa”.

E, efetivamente, chegou passadas as Páscoas.

Gemma havia suplicado ao Senhor a graça de morrer abandonada e sem consolo, por imitação de sua morte na Cruz. “Um sacerdote... um cristão... me bastam”, havia Lhe dito.

As últimas notas do duplo poema de dor e de amor que constituíam sua vida foram de um grande sofrimento e de grande abandono.

O santo Evangelho disse de Cristo: “Et inclinato capite, tradiditspiritum”. Ou seja, que inclinada a cabeça, entregou seu espírito.

Para que a semelhança fosse completa, Gemma dobrou silenciosamente a cabeça e expirou.

Logo vieram os preparativos de seu enterro. Vestiram-lhe o hábito passionista,  puseram-lhe o Rosário ao pescoço. Sobre o peito, a insígnia da Paixão, ou seja, o escudo distintivo dos Passionistas, e sobre a cabeça uma grinalda de flores. Juntaram suas mãos como as costumava ter nos êxtases. E asseguram as testemunhas oculares que não parecia morta, mas docemente adormecida ou submersa num êxtase de amor. Logo que a notícia se e espalhou, começou a afluir o público em grande quantidade. Homens e mulheres, sacerdotes e seculares, rodeavam com emoção o cadáver daquela jovenzinha, cuja vida transcorreu por inteiro na obscuridade, e possuídos desse secreto atrativo que a virtude engendra em nossos corações, ajoelhavam-se, beijavam suas mãos, tocavam-lhe com rosários e medalhas, a invocavam como santa, pediam relíquias dela...

Entre outros, chegou o santo sacerdote ao qual Gemma havia entregue por escrito sua confissão geral quando se viu tão  terrivelmente acossada pelo demônio. Caindo de joelhos, pela reverência que lhe inspirava aquele cadáver: “Gemma -exclamou -, a teus pés está um grande pecador. Roga a Jesus por mim”.

Ao cair da tarde do dia de Páscoa, os irmãos da Associação chamada “La Rosa” abriam passagem para o cortejo revestidos com seus hábitos amarelos. Dois destes irmãos e dois membros da família Giannini, que se reputaram felizes de prestar este último obséquio à que tanto tempo foi como o anjo tutelar de sua casa, levavam o féretro sobre suas costas.

Os sinos da cidade repicavam em festa, enquanto os anjos da Paixão e da Ressurreição, revoluteando ao redor do féretro, entoavam hosanas e aleluias àquela que, havendo seguido tão fielmente a Jesus desde o Getsêmani até o Calvário, seguia associada ao Esposo no triunfo da Ressurreição.”[2]




https://www.youtube.com/watch?v=oEiBan17eSw




[1]“Santa Gemma Galgani” – Pe. Germano de Santo Estanislau – Livraria Apostolado da Imprensa, Porto,
Portugal, págs. 439/451

[2]Traduzido do espanhol, da obra “Santa Gemma Galgani” – Sor Gesualda del Espiritu Santo – Tercera Edición – Ediciones Paulinas S.A – Mexico, 1964 – páginas. 342/349


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