Nos estertores da morte, supremo
combate contra o inferno
Sobre os momentos
difíceis que se passa no momento da morte vejamos o que ocorreu com Santa Gemma
Galgani, conforme seu biógrafo, Pe. Germano de Santo Estanislau, que assim se
expressou comparando-a conosco: Que exemplo admirável
de resignação e que motivo de salutar receio para nós, que não temos os méritos
de Gemma,na hora terrível da morte! É bom lembrar que,
embora o exemplo abaixo tenha se dado com uma santa, nada impede que algo disso,
ou até mais, possa acontecer com qualquer cristão, desde que Deus o permita para
sua santificação final:
“Diz-nos o Espírito
Santo que Satanás, nos últimos momentos de nossa vida, sabendo que tem pouco
tempo para fazer mal, nos assalta com pérfidas tentações, como um leão que vê a
presa prestes a escapar-lhe.
Que
supremos e furiosos ataques não devia dirigir contra a angélica donzela,
quem
toda a vida tinha perseguido com ódio mortal, e procurado vencer, ou a
menos desanimar com uma guerra sem tréguas.
De outros santos se
lê que no fim de seus dias tiveram que suportar assaltos do demônio mais ou
menos violentos e terríveis, mas passageiros.
Gemma, porém,
suportou um ataque contínuo de sete meses, apenas interrompido por curtos
intervalos de trégua. O fato é aterrador, mas absolutamente certo, porque é
unanimemente atestado por todas as pessoas que acompanharam a angélica jovem
durante sua última doença.
O
espírito das trevas perturbava-lhe a imaginação com mil fantasmas próprios
para
encher o seu coração de tristeza, de ansiedades, de temor. O seu fim era
levá-la ao desespero. Representava-lhe, sob os mais tétricos aspectos, os
quadros da sua vida tão cheia de angústias, as desgraças da sua família, as
privações de toda a ordem. Fazia-lhe passar diante dos olhos os agentes da
força pública indo, depois da morte de seu pai, acompanhados pelos credores,
seqüestrar os bens da sua casa, e depois exclamava: “Aí tens o resultado de todas
as tuas fadigas no serviço de Deus”.
Explorando o estado
de extrema aridez espiritual em que, durante a maior parte do tempo, o Senhor a
deixava para mais purificar a sua alma, o anjo das trevas empregava todos os
artifícios para a persuadir de que estava irremediavelmente abandonada de Deus e
que não havia meio de escapar à condenação. O tentador astucioso insinuava-lhe
que as suas heróicas virtudes e até os mais insignes favores divinos eram
apenas ilusão e hipocrisia.
Esta prova, a mais
terrível e duradoura de todas, lançou a pobre donzela numa insuportável aflição.
Sem cair no desespero, resolveu remediar, tanto quanto possível, oseu passado
com uma confissão geral: tomou a pena e, nessa agitação de espírito e confusão
de idéias, escreveu toda a história da sua vida, em que se declarava digna
de mil infernos, por ter, com malícia diabólica, enganado os confessores, os
diretores e a si própria.
Passando em seguida
uma revista minuciosa aos mandamentos da lei de Deus e da Igreja, pecados
capitais e deveres de estado, confessava-se culpada dos maiores crimes.
Estas páginas,
febrilmente escritas, foram lidas a princípio por uma pessoa autorizada, depois
levadas a um santo sacerdote, designado pela doente, com o pedido devir dar-lhe
a absolvição de todos aqueles pecados. Veio,
confessou-a e restituiu-lhe a serenidade, mas nem assim o inimigo se deu por
vencido. Procurou uma vez mais insultar o pudor virginal da angélica menina.
Sabia muito bem o tentador com que amor e cuidado a santa donzela tinha
guardado, toda a vida, o inestimável tesouro da sua pureza, com que heroísmo
tinha já sustentado, neste campo, lutas terríveis, sempre coroadas de triunfo. Mas que,
se não alcançar uma vitória que julgava impossível, ao menos vingar-se das suas
derrotas por meio de tentações, que sabia serem as mais próprias para amargurar
os últimos dias da inocente menina.
O quarto da enferma
pareceu converter-se então num prostíbulo do inferno. Não eram já pensamentos,
imaginações, atitudes lascivas, às quais não podia ser sensível uma alma
daquela têmpera. Eram aparições reais sob formas sempre novas duma lascívia
cínica e brutal. “Padre. Padre, escrevia-me ela do seu leito de dor, este
sofrimento é muito intenso para mim. Pedi a Jesus que o troque por outro
qualquer. Enviai, mesmo de longe, maldições e conjuras para afastar o velhaco do
demônio, ou ordenai ao vosso Anjo da Guarda que venha afastá-lo para longe
daqui”.
Vencido em todos os
campos, terminou por afligi-la com cruéis vexações exteriores. A enfermeira da
angélica mártir escrevia-me por várias vezes: “Esta besta hedionda acaba-nos
com a querida Gemma. – Saio sempre de junto dela a chorar: este horrível
demônio consome-a, e não vejo nenhum remédio a opor. – São pancadas
ensurdecedoras, figuras espantosas de animais ferozes; mata-a com certeza.
Corremos em seu auxílio, lançando água benta no quarto, o barulho cessa, mas
para recomeçar depois com mais raiva”.
Ninguém imagina até
onde chegou a crueldade do invisível inimigo para com a inocente vítima! Gemma
sentiu algumas melhoras quanto à dificuldade de ingerir os alimentos.
Satanás, porém,
estava de atalaia; logo que a comida era apresentada à doente, aparecia-lhe
coberta de insetos repugnantes, de tudo quanto possa imaginar de nojento.
Perante a repugnância do estômago, era forçoso retirar tudo. Bichos
repelentes, reais ou imaginários, invadiam-lhe o leito, e torturavam-lhe o corpo
de mil maneiras, sem que pudesse ver-se livre deles. Dizia
muitas vezes à Irmã enfermeira com um tom de terror, que sentia uma serpente
a envolvê-la da cabeça até aos pés e tentando sufocá-la. Muitas
vezes pediu exorcismos, mas como não se desse importância aos seus pedidos,
ela mesmo, voltando-se para o inimigo com o rosto inflamado, exclamou
resolutamente: “Espíritos perversos, ordeno-vos que entreis no lugar que vos
está destinado, aliás, desgraçados de vós! Acuso-vos ao meu Deus”. Depois,
voltada para a Mãe celeste, começou a dizer: “Minha Mãe, encontro-me em poder
do demônio que me fere, me flagela, trabalha por me arrancar das mãos de Jesus.
Não, não, Jesus, não me abandoneis, ser-vos-ei fiel. Ó minha Mãe, pedi a Jesus
por mim. De noite estou só, cheia de terror, oprimida e como que ligada em
todas as potências da alma e em todos os sentidos do corpo, sem me poder mexer.
Viva Jesus!
O divino Mestre vinha, de tempos a tempos, reanimar-lhe a coragem e sossegá-la, fazendo-lhe sentir a sua doce presença e dizendo-lhe algumas palavras. “Minha filha, porque é que, em vez de entristeceres com as perseguições do inimigo, não aumentas a tua esperança em mim? Humilha-te sob a minha poderosa mão, não te deixes abater pelas tentações. Resiste sempre, sem desânimo, e, se a tentação perseverar, persevera também na resistência; a luta levar-te-á à vitória”.
Outras vezes era o
Anjo da Guarda que vinha confortá-la. Mas pouco duravam estes felizes momentos.
Em breve a sua alma recaía nas trevas e o tentador aparecia de novo, mais
furioso que nunca. Deste modo se passavam, para a pobre donzela, os dias, as
semanas, os meses. Que exemplo admirável de resignação e que motivo de salutar
receio para nós, que não temos os méritos de Gemma, na hora terrível da morte!
Na maior parte dos
doentes, com o corpo extenuado pelo sofrimento e com o espírito esmagado pela
consciência do próprio estado, o rosto manifesta tristeza e abatimento. Gemma,
porém, conservava sempre o seu aspecto alegre e um angélico sorriso.
Nenhum abatimento
moral se refletia nela, nunca lhe saíram do peito esses suspiros, esses gemidos
que a força da dor arranca até aos mais corajosos. Nunca pedia alívio, nem mesmo
uma simples mudança de posição no leito, embora fosse incômoda a posição em que
estava. Nunca se queixou por causa dos cuidados que o seu estado exigia, ainda
que, por algum equívoco, a deixassem só noites inteiras, quando mais
necessidade tinha de ser assistida por alguém.
Para evitar este
inconveniente, recorreu-se às religiosas enfermeiras, chamadas Barbantinas, que,
movidas da sua bem conhecida caridade, se encarregavam de cuidar de Gemma até ao
fim. Uma delas, maravilhada com a heróica paciência desta mártir, fez o seguinte depoimento:
“Durante todo o tempo que tive a consolação de assistir à querida Gemma nunca a ouvi queixar-se. Só no princípio a ouvia algumas vezes dizer: Meu Jesus, não posso mais! Mas quando lhe lembrei que tudo é possível com a graça de Deus, não repetiu mais aquelas palavras; e, quando alguma das pessoas presentes, movida pela piedade, dizia: Pobre menina, na verdade não pode mais, Gemma respondia imediatamente: Sim, sim, ainda posso um poucochinho. E, no entanto, continua a Irmã, vi-a suportar tais sofrimentos que me parece não os haver mais terríveis no Purgatório”
No meio de tantas
dores, de tantas perseguições diabólicas, a virtuosa donzela não sentia a menor
dificuldade em conversar familiarmente com o seu Deus, e com a mesma calma e
suavidade de espírito que tinha no tempo das maiores consolações. Gemma não
tinha mais que um sopro de vida. Todo o seu corpo é vítima do sofrimento e o
rosto cobre-o já a palidez da morte. Jaz imóvel sobre o leito, numa
atitude impressionante que recorda o Salvador expirando na cruz.
Quatro ou cinco dias
antes de morrer tornou-se tão pesada que três pessoas robustas com dificuldade
a podiam levantar. E no entanto a sua pequena estatura e extrema magreza deviam
permitir que uma simples criança a movesse. “Temos tratado de tantos doentes,
diziam as religiosas enfermeiras, e nunca vimos coisa igual”.
Aos que lhe notavam
este fenômeno, Gemma respondia: “Não sou eu, estais certos, que peso assim”. E
na verdade podemos crer que fosse uma intervenção divina, com o fim de aumentar
os tormentos da pobre vítima, porque logo depois da morte, o corpo voltou ao
peso normal”.[1]
Que bela
coisa é morrer numa solenidade
Aos 25 anos, no Sábado Santo de 1903 (a 11 de abril, dia de sua festa), Gemma
entregou sua alma ao Criador, devorada pelos sofrimentos, mas pedindo - até o
último momento - mais dor. Revestida do hábito passionista - que lhe fora
negado em vida por não ter condições de saúde compatíveis com os rigores do
convívio comunitário - Gemma teve seu corpo velado por familiares e amigos.
Sepultado no dia seguinte, o corpo foi exumado quinze dias após a morte,
procedendo-se à retirada de seu coração (que não exibia sinais de
decomposição). Foi ele posto em um relicário, sendo atualmente venerado no seu
Santuário em Madrid, na Espanha.
Extraímos de uma hagiógrafa da Santa, Sóror Gesualda del Espíritu Santo, o relato de seus últimos momentos:
“Morrer num êxtase de luz e de
amor não teria sido digno coroamento à vida de dor e de martírio constante
levada por Gemma. Jesus, à hora de
morrer, sobre o Gólgota entregou sua alma nas mãos do Pai Eterno, banhada num
mar de amarguras. Encontrava-se suspenso como criminoso, entre o céu e a terra,
abandonado por Deus, desprezado pelos homens...
Com Gemma havia de suceder da
mesma forma.
Numa ocasião havia dito à sua
tia: “Tenho rogado a Jesus que me faça morrer numa grande solenidade. Que bela
coisa é morrer numa solenidade!” E
morreu, efetivamente, solenemente. Porém, numa solenidade dolorosa.
A Igreja comemora a morte de
Jesus e relaciona este fato com o terremoto que sacudiu a terra e rasgou o véu
do templo de Jerusalém. E, ante a dor que que embarga os peitos cristãos por
sua morte, faz emudecer todo instrumento músico e cessa o tangido das campainhas.
Jesus, ao ser deposto da Cruz,
havia sido colocado num sepulcro novo, e precisamente o dia do repouso eterno
de Cristo foi escolhido por Deus para tirar a cruz dos ombros de sua fiel
amante Gemma, unindo-a consigo indissoluvelmente na glória da ressurreição.
A Eucaristia, que havia
constituído sempre a verdadeira vida para nossa Santa, pode dizer-se que foi no
leito de dor o único lenitivo de suas dores e abandonos.
Provocava lágrimas entre os
circunstantes só o vê-la arrastar-se, com os joelhos vacilantes, sustentada nos
braços de sua querida Eufemia, para a Igreja das Rosas. Os familiares não o
teriam permitido. Porém, monsenhor Volpi dizia: “Deixai-a; deixai-a que faça a
Comunhão. É o consolo que lhe fica já na terra”.
Quando, por seu estado, tornou-se-lhe
impossível ir à igreja para receber a sagrada Comunhão, inclinou sua cabeça á
vontade de Deus. Porém Monsenhor Volpi procurava que satisfizesse com certa
frequência suas ânsias de comungar, mesmo estando acamada. Do contrário, como
poderia suportar tantos sofrimentos sem possuir Jesus em seu coração?
No Sábado Santo, Sábado da
Ressurreição, depois que seus membros virginais receberam a última purificação
com o santo óleo, sua alma se abriu ao Amor, com o que, transcorridos alguns
instantes, devia eternizar-se numa glória sem nome.
Já na Quarta-Feira Santa Deus
Nosso Senhor Se havia dignado descobrir uma pequena parte do véu que ocultava
seus esplendores. Santa Gemma foi arrebatada em êxtase. Ao tornar a si, a Irmã
que a assistia perguntou-lhe o que havia visto: “Ah, irmã – respondeu -, se
você pudesse ver um tantinho, nada mais que uma partezinha do que Jesus me há
feito ver a mim, quanto gozo experimentaria!”
Em seguida recebeu por Viático o
Corpo de Nosso Senhor. Voltou a comungar no dia seguinte, permanecendo para
isso em jejum toda a noite.
“Tinha o aspecto de uma santa”,
assegura uma testemunha. Deitada em seu leito, quanto tempo demorou estirada e
rígida, com as mãos juntas, os olhos baixos e modestos, o rosto radiante,
mostrando a todo momento os lábios sorridentes, apesar do grau de dor que a
consumia.
No recolhimento extático que
seguiu à Comunhão da Quinta-Feira Santa pela manhã, pareceu-lhe ver uma coroa
de espinhos com esta inscrição: “Antes que termina tua carreira mortal ainda te
resta que sofrer!”
Era o final do drama, e, pela
forma em que este ia se desenrolando, o desenlace seria também doloroso. Na
sexta-feira pela manhã, lá pelas dez horas, a senhora Cecília demonstrou
desejos de sair, alegando que se encontrava arriada de cansaço e de insônia. Gemma
disse-lhe: “Não me deixe de forma que não me veja cravada na cruz. Vou ser
crucificada com Jesus. Jesus disse-me que seus filhos devem morrer
crucificados”.
Pouco depois, entrando em
profundo êxtase, Santa Gemma estende lentamente os braços em forma de cruz,
postura que conserva até às doze e meia. Como sobre um límpido espelho, vão se
refletindo sobre seu rosto os afetos e sentimentos mais diversos: de amor, de
dor, de desolação e de calma. Gemma guarda um respeitoso silêncio. Porem sua
atitude dizia suficientemente que se achava na agonia com seu doce Jesus.
Os olhos dos assistentes estão
fixos nela, acreditando-se que de um momento para outro passaria os umbrais da
eternidade. Porem o fato se prolonga. Ao cessar a agonia continua durante todo
o dia, a noite e a manhã seguinte sofrendo muito. Tira forças da fraqueza para
responder por sua própria boca às formosas orações que acompanham a cerimônia
da Extrema-unção.
O sacerdote ministrante
retirou-se em seguida e não voltou para a recomendação da alma. O que foi feito
pelo que administrou o Viático. Entretanto, o confessor extraordinário, chamado
por ela, a confessou num abrir e fechar dos olhos. Sua solidão era, pois,
patente.
Desejava ter ao seu lado
Monsenhor Volpi com o objetivo de que dirigisse exorcismos da Igreja contra o
Demônio, que se lhe aparecia sob a forma de um horrível cão ameaçador. Porém
Monsenhor encontrava-se ocupado nas largas funções próprias do dia, e não foi
possível atender até à primeira hora da tarde.
“À sua chegada – disse a senhora
Cecília – retirei-me da habitação que ocupava a enferma... Gemma disse que
desejava os exorcismos. Monsenhor, dando-lhe a bênção, acrescentou: “Estás
contente?”. Gemma insistiu que desejava na verdade receber os exorcismos da
Igreja. A isto respondeu Monsenhor: “Vou dar a Páscoa ao excelentíssimo senhor
Arcebispo, e logo voltarei para ver-te”. Porém já não voltou. Gemma expirava em
pouco tempo.
Ouçamos a impressão de Monsenhor:
“Quando a visitei pela última vez a encontrei em grave estado, atribulada de
dores não somente físicos, mas também morais. A tudo estava muito resignada.
Dei-lhe a santa absolvição, deixando-a em estado bastante penoso, mas com
perfeita quietude de espírito.
Por sua vez, disse a senhora
Cecília: “Quando, pela manhã, avisei a Monsenhor que Gemmao esperava, respondeu-me: “Se é para
confessá-la, irei; mas se é para assisti-la, me é absolutamente impossível.
Para isso há curas”.
Há que se ter presente que
naqueles dias para Monsenhor, como bispo auxiliar, eram de excepcionais
ocupações, em razão das funções que tinham lugar na Catedral.
“Quando lhe transmiti as palavras
de Monsenhor – segue falando a senhora Cecília -,Gemma tomou o santo Crucifixo
em suas mãos, e pondo-o à altura de seus olhos, falou-lhe nestes termos: “Vês, oh
Jesus? Verdadeiramente, já não posso mais... Se é vossa vontade, leva-me...”
Em seguida, levantou seus olhos
para um quadro da Virgem que se achava dependurado na parede, e acrescentou:
“Minha Mãe, a Vós recomendo minha alma... Diga a Jesus que tenha misericórdia
de mim”.
Beijou o santo Crucifixo e o pôs
sobre o coração, e tendo as mãos sobre ele, fechou os olhos, permanecendo esta
postura, imóvel. À chegada de Monsenhor os abriu e falou como se há dito. Ao
despedir-se de Monsenhor, tomou novamente a postura anterior.
A senhora Cecília mandou chamar a
toda pressa o senhor Pároco, Abade Angeli, dos Canônicos Lateranenses, o qual
chegou à casa estando a família à mesa. Ao ver a enferma, exclamou: “Gemma se
nos vai; se morre...” A estas palavras, todos os circunstantes, até os
pequeninos, levantaram-se rapidamente e correram para a habitação de Gemma.
A senhora Justina a levantou um
pouco, pondo seu braço sobre as almofadas, de sorte que a cabeça de Gemma
descansasse apoiada nela. Eufemia, ajoelhada a um lado do leito, sustentava
entre suas mãos a direita da moribunda, descansando-a sobre sua fronte. Ao
redor de ambas encontravam-se a senhora Cecília e os restantes da casa, de
sorte que a habitação parecia cheia.
O Abade Angeli, que lia a
recomendação da alma, interrompeu várias vezes a leitura para perguntar aos
circunstantes: “Morreu?” De fato, ao pronunciar o sacerdote estas palavras,
estava morta; porem, ninguém se havia apercebido disso.
Com referência a seu falecimento,
acrescenta o Abade Angeli: “Tenho assistido a muitos moribundos... Não me tem
ocorrido, sem embargo, presenciar uma morte desta natureza: sem sinal algum que
a denunciasse, sem lágrimas nem assomo de respiração ofegante... Morreu
desenhando um débil sorriso, e ficou com o sorriso suspendido nos lábios,
tanto, que eu não podia persuadir-me de que houvesse falecido”.
O Padre Germán, seu diretor, não
pôde assistir á agonia de Gemma. Apenas o mal começou a tomar sinais de
gravidade, a senhora Cecília disse a Gemma: “Será conveniente telegrafar ao
Padre Germán para que venha”. Porém a
enferma, havendo compreendido em seu coração que Jesus queria dela também este
sacrifício, não fez indicação nenhuma neste sentido. A quem lhe falasse disso,
respondia com doce resignação: “Tenho feito a Deus o sacrifício de tudo e de
todos. Não peço nada. O Padre Germán chegará depois da Páscoa”.
E, efetivamente, chegou passadas
as Páscoas.
Gemma havia suplicado ao Senhor a
graça de morrer abandonada e sem consolo, por imitação de sua morte na Cruz.
“Um sacerdote... um cristão... me bastam”, havia Lhe dito.
As últimas notas do duplo poema
de dor e de amor que constituíam sua vida foram de um grande sofrimento e de
grande abandono.
O santo Evangelho disse de
Cristo: “Et inclinato capite, tradiditspiritum”. Ou seja, que inclinada a
cabeça, entregou seu espírito.
Para que a semelhança fosse
completa, Gemma dobrou silenciosamente a cabeça e expirou.
Logo vieram os preparativos de
seu enterro. Vestiram-lhe o hábito passionista, puseram-lhe o Rosário ao
pescoço. Sobre o peito, a insígnia da Paixão, ou seja, o escudo distintivo dos
Passionistas, e sobre a cabeça uma grinalda de flores. Juntaram suas mãos como
as costumava ter nos êxtases. E asseguram as testemunhas oculares que não
parecia morta, mas docemente adormecida ou submersa num êxtase de amor. Logo
que a notícia se e espalhou, começou a afluir o público em grande quantidade.
Homens e mulheres, sacerdotes e seculares, rodeavam com emoção o cadáver
daquela jovenzinha, cuja vida transcorreu por inteiro na obscuridade, e possuídos
desse secreto atrativo que a virtude engendra em nossos corações,
ajoelhavam-se, beijavam suas mãos, tocavam-lhe com rosários e medalhas, a
invocavam como santa, pediam relíquias dela...
Entre outros, chegou o santo
sacerdote ao qual Gemma havia entregue por escrito sua confissão geral quando
se viu tão terrivelmente acossada pelo
demônio. Caindo de joelhos, pela reverência que lhe inspirava aquele cadáver: “Gemma
-exclamou -, a teus pés está um grande pecador. Roga a Jesus por mim”.
Ao cair da tarde do dia de
Páscoa, os irmãos da Associação chamada “La Rosa” abriam passagem para o
cortejo revestidos com seus hábitos amarelos. Dois destes irmãos e dois membros
da família Giannini, que se reputaram felizes de prestar este último obséquio à
que tanto tempo foi como o anjo tutelar de sua casa, levavam o féretro sobre
suas costas.
Os sinos da cidade repicavam em festa, enquanto os anjos da Paixão e da Ressurreição, revoluteando ao redor do féretro, entoavam hosanas e aleluias àquela que, havendo seguido tão fielmente a Jesus desde o Getsêmani até o Calvário, seguia associada ao Esposo no triunfo da Ressurreição.”[2]
[1]“Santa Gemma Galgani”
– Pe. Germano de Santo Estanislau – Livraria Apostolado da Imprensa, Porto,
Portugal,
págs. 439/451
[2]Traduzido do espanhol, da
obra “Santa Gemma Galgani” – Sor Gesualda del Espiritu Santo – Tercera Edición
– Ediciones Paulinas S.A – Mexico, 1964 – páginas. 342/349
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