(Comentários de Dr. Plínio Corrêa de Oliveira sobre a Santíssima Virgem Maria)
E nós podemos perguntar se desta verdade se
pode tirar algo de aplicável para nós. Nós também somos poucos, também
representamos uma minoria muito pequena e de tal maneira comprimida que quando
nos sentimos muitos - mas muitos não no sentido de massa da população - mas
muitos apenas em relação ao âmbito normal das relações de um homem, nós já nos
sentimos espantados, de tal maneira é antinatural na época de hoje que sejamos
numerosos.
Entretanto, representamos o dever da
fidelidade; e aos pés da Igreja perseguida, aos pés da Igreja humilhada, aos
pés da Igreja lançada, na pior das confusões de sua história, Nossa Senhora
quis que representássemos a fidelidade, a pureza, a ortodoxia, a intrepidez, o
espírito de iniciativa, de ataque, de ação, no momento em que tudo deveria
falar em recuo, em transigência, em fuga.
O que representamos nós aí? Aos pés dessa
nova crucifixão de Nosso Senhor e da Igreja representamos todos os fiéis,
representamos a fidelidade de todos os que foram fiéis no passado, de todos
aqueles que dormiram na paz do Senhor e que nos antecederam. Se um São Gregório
VII, se um São Luiz, se um São Luiz de Montfort, se um São Fernando de Castela,
um Beato Nuno Álvares, pudesse de longe, ao morrer, saber que numa época assim
de crise haveria fiéis que representariam a fidelidade inteira à Igreja
Católica, eles nos teriam abençoado de longe, teriam se sentido nossos
congêneres, de longe teriam sentido uma espécie de desafogo: ao menos estes
estão fazendo o que eu quereria fazer se estivesse vivo naquele tempo.
Estamos, portanto, representando a todos
eles, estamos representando a todas as almas fiéis esparsas e esmagadas por
esse mundo e que não sabem aonde sequer pousar sua fidelidade, mas que
gostariam de fazer o que estamos fazendo. Estamos representando as almas que
vierem depois de nós, essas almas que, olhando para trás, vão ficar
entusiasmadas com aquilo que fazemos. Vão dizer: se estivéssemos vivos naquele
tempo, faríamos aquilo.
Há essas interpenetrações na história, em
virtude dessa doutrina da representação, algumas das quais são verdadeiramente
impressionantes. Os senhores sabem que quando São Remígio e se seus auxiliares
ensinavam a Clóvis e seus francos a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, eles
davam urros, levantavam suas lanças e diziam: “Por quê não estávamos lá na hora
da Paixão para defender Nosso Senhor?”
E eles estavam. Pois, na Paixão, Nosso Senhor
anteviu o que eles queriam, anteviu que eles diriam isso, eles O consolaram
naquela hora. Há, portanto, uma espécie de reversibilidade por cima do tempo,
dessas várias ações, e tudo isso se funde numa cena única e grandiosa; nessa
cena única e grandiosa, os poucos fiéis dessa época representam toda a
fidelidade passada, do presente e toda a fidelidade do futuro.
Devemos
ser para Nossa Senhora o que foi Verônica para Nosso Senhor
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Eu tive ocasião de dizer que a cena e a
projeção do Auto do Divino Infante acentuou muito essa impressão aqui em nosso
grupo, e a situação histórica dentro da qual nos encontramos é precisamente
essa: Nossa Senhora está como uma rainha sentada em seu trono, mas, pela
injúria dos homens - e de que homens! - já descoroada, já atada com cordas e
condenada a ser arrancada aos safanões de seu trono. Nessa sala onde esse crime
se prepara, uns poucos são fiéis e estão dispostos a tudo para que esse crime
não se consume. Esses fiéis, que estão lutando nessa hora, que tiveram a
felicidade incomparável de agüentar os sofrimentos, as incertezas, as torturas
espirituais dessa situação, esses fiéis representam todas as almas marianas do
passado, do presente e do futuro nesse momento de tanto sofrimento para Nossa
Senhora.
Elas
são para Nossa Senhora o que Verônica foi para Nosso Senhor. Enxugando a Divina
Face, Verônica representou o mundo inteiro, e não houve uma alma piedosa, desde
o momento da prática desse ato, que não se sentisse com inveja dela e não se
sentisse, por assim dizer, representada por ela. E a nós foi dada a felicidade
e a vocação de enxugarmos a santíssima face de Nossa Senhora, cheia de prantos,
como a lacrimação em Siracusa[1] nos fez sentir, nessa época dolorosa.
A
estrela para os Reis Magos foi Nosso Senhor, para nós será Fátima
E sentimos a necessidade dessa nossa
representação nesse ato, em face da representação dos Reis Magos diante
do Menino Jesus. A doutrina da representação nos deve alentar. Peçamos aos Reis
Magos que orem por nós - porque certamente estão no Céu junto a Deus - para que
tenhamos uma das muitas formas de coragem que nos são pedidas e que devemos
ter, a coragem de sermos sós como eles eram; sós no mundo pagão, mas à espera
da estrela, à espera da hora de Deus, para cumprir Sua vontade quando ela se
apresentasse, e cumpri-la com toda a fidelidade e pontualidade, na hora em que
se apresentar.
A hora, para eles, foi consoladora: foi a
hora em que o Menino Jesus nasceu. A hora, para nós, deve ser a hora da plena
realização dos acontecimentos previstos por Nossa Senhora em Fátima; mas, de
qualquer maneira, chegará para nós um momento muito preciso em que uma estrela
nos dirá que a hora esperada chegou. Não será uma estrela exterior, mas será
uma voz interior. Será uma convicção de que os tempos se consumaram, que a hora
felizmente chegou. Devemos nos preparar para essa hora, para sermos modelos de
exatidão e fidelidade como foram os Reis Magos, sendo agora modelos de
fidelidade no isolamento.
(Conferência, de 05 de janeiro de 1965)
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