DIA DOS ANJOS CUSTÓDIOS - 2 DE OUTUBRO
(Audiência geral de João Paulo II, de
quarta-feira, 6 de agosto de 1986, publicado pelo L’Ossevartore Romano)
1. Nas últimas
catequeses vimos como a Igreja, iluminada pela luz que provém da Sagrada
Escritura, tem professado ao longo dos séculos a verdade sobre a existência dos
anjos como seres puramente espirituais, criados por Deus. O tem feito desde o
começo com o Símbolo niceo-constantinopolitano e o tem confirmado no Concílio
Lateranense IV (1215), cuja formulação voltou no Concílio Vaticano I no
contexto da doutrina sobre a criação: Deus “criou do nada juntamente ao princípio
do tempo, a ambas classes de criaturas: as espirituais e as corporais, quer dizer, o mundo angélico
e o mundo terrestre; e depois, a criatura humana que, composta de espírito e
corpo, os abarca, de certo modo, aos dois”
(Const. De fide Cath... DS 3002).
Ou seja: Deus criou desde o princípio ambas realidades: a espiritual e a
corporal, o mundo terreno e o angélico. Tudo o que Ele criou juntamente
(“simul”) em ordem à criação do homem, constituído de espírito e de matéria e
colocado segundo a narração bíblica no quadro de um mundo já estabelecido segundo
suas leis e já medido pelo tempo (“deinde”).
2. Juntamente com a
existência, a fé da Igreja reconhece certos graus distintivos da natureza dos
anjos. Sua fé puramente espiritual
implica antes de tudo sua não materialidade e sua imortalidade. Os anjos não
têm “corpo” (se bem que em determinadas
circunstâncias se manifestam sob formas visíveis por causa de sua missão em
favor dos homens), e portanto não estão submetidos à lei da corruptibilidade
que une todo o mundo material Jesus
mesmo, referindo-se à condição angélica, dirá que na vida futura os
ressuscitados “não podem morrer e são semelhantes aos anjos” (Lc 20, 36).
3. Enquanto criaturas
de natureza espiritual, os anjos estão dotados de inteligência e de livre
vontade, como o homem, porém em grau superior a ele, se bem que sempre finito,
pelo limite que é inerente a todas as criaturas. Os anjos são, pois, seres
pessoais e, enquanto tais, são também eles “imagem e semelhança” de Deus. A Sagrada Escritura se refere aos anjos
utilizando sempre apelativos não só pessoais (como os nomes próprios de:
Rafael, Gabriel, Miguel), senão também “coletivos” (com as qualificações de: Serafins,
Querubins, Tronos, Potestades, Dominações, Principados), assim como realiza uma
distinção entre Anjos e Arcanjos. Ainda tendo em conta a linguagem analógica e
representativa do texto sacro, podemos deduzir que estes seres-pessoas, quase
agrupados em sociedade, se subdividem em ordens e graus, correspondentes à
medida de sua perfeição e às tarefas que se lhes confia. Os autores antigos e a
mesma liturgia falam também dos coros angélicos (nove, segundo Dionísio o
Areopagita). A teologia, a especialmente a patrística medieval, não tem
recusado estas representações, tratando em troca de dar-lhe uma explicação
doutrinária e mística, porém sem atribuir-lhes um valor absoluto. São Tomás
preferiu aprofundar as investigações sobre a elevação espiritual destas
criaturas puramente espirituais, tanto por sua dignidade na escala dos seres,
como porque nelas podia aprofundar melhor as capacidades e atividades próprias
do espírito no estado puro, tirando disso não pouca luz para iluminar os
problemas de fundo que desde sempre agitam a estimulam o pensamento
humano: o conhecimento, o amor, a
liberdade, a docilidade a Deus, a consecução de seu reino.
4. O tema a que temos
aludido poderá parecer “alheio” ou “menos vital’ à mentalidade do homem
moderno. E sem embargo a Igreja, propondo com franqueza toda a verdade sobre
Deus criador inclusive dos anjos, crê prestar um grande serviço ao homem. O
homem tem a convicção de que em Cristo, Homem-Deus, é ele (e não os anjos) que
se acha no centro da Divina Revelação. Pois bem, o encontro religioso com o
mundo dos seres puramente espirituais se converte em preciosa revelação de que
seu ser não é só corpo, mas também espírito, e de sua pertinência a um projeto
de salvação verdadeiramente grande e eficaz dentro de uma comunidade de seres
pessoais que para o homem e com o homem servem ao desígnio providencial de
Deus.
5. Notamos que a
Sagrada Escritura e a Tradição chamam propriamente anjos àqueles espíritos
puros que na prova fundamental de liberdade elegeram a Deus mediante o amor
consumado que brota da visão beatífica face a face, da Santíssima Trindade. O
diz o mesmo Jesus: ”Seus anjos vêem de contínuo no céu a face de meu Pai, que
está nos céus” (Mt 18, 10). Esse “ver de
contínuo a face do Pai” é a manifestação mais alta da adoração de Deus. Se pode
dizer que constitui essa “liturgia celeste”, realizada em nome de todo o
universo, à qual se associa incessantemente a liturgia terrena da Igreja,
especialmente em seus momentos culminantes. Baste recordar aqui o ato com que a
Igreja, cada dia e cada hora, no mundo inteiro, antes de dar início à prece
eucarística no coração da Santa Missa, se apela “aos Anjos e aos Arcanjos” para
cantar a glória de Deus três vezes Santo, unindo-se assim àqueles primeiros
adoradores de Deus, no culto e no amoroso conhecimento do mistério inefável de
sua santidade.
6. Também segundo a
Revelação, os anjos que participam na vida da Trindade na luz da glória, estão
também chamados a ter sua parte na história da salvação dos homens, nos
momentos estabelecidos pelo desígnio da Providência Divina. “Não são todos
esses espíritos ministros, enviados para serviço em favor dos que vão herdar a
salvação?”, pergunta o autor da Carta aos Hebreus (1, 14). E isto crê e ensina
a Igreja, baseando-se na Sagrada Escritura, pela qual sabemos que é tarefa dos
anjos bons a proteção dos homens e a solicitude por sua salvação.
Encontramos estas
expressões em diversas passagens da Sagrada Escritura, como por exemplo no
Salmo 90/91, citado já repetidas vezes: “Pois te encomendarás a seus anjos para
que te guardem em todos teus caminhos, e eles te carregarão em suas mãos para
que teus pés não tropecem nas pedras” (Sl 90/91, 11-12). Jesus mesmo, falando
dos meninos e admoestando a não escandalizá-los, apela a seus “anjos” (Mt 18, 10). Ademais, atribui aos anjos a
função de testemunhos no supremo juízo divino sobre a sorte de quem tiver
reconhecido ou renegado a Cristo: “A quem me confessar diante dos homens, o
Filho do homem o confessará diante dos anjos de Deus” (Lc 12, 8-9; cf Apoc 3, 5). Estas palavras
são significativas porque se os anjos tomam parte no juízo de Deus, estão
interessados na vida do homem. Interesse e participação que parecem receber uma
acentuação no discurso escatológico, em que Jesus faz intervir os anjos na parusia , ou
seja, na vinda definitiva de Cristo ao final da história (cf Mt 24, 31;
25,31-41).
7. Entre os livros do
Novo Testamento, os Atos dos Apóstolos nos fazem conhecer especialmente alguns
episódios que testemunham a solicitude dos anjos pelo homem e sua salvação.
Assim, quando o anjo de Deus liberta os Apóstolos da prisão (ct. At 5, 18-20),
e antes de todos a Pedro, que estava ameaçado de morte por mão de Herodes (cf
At 12, 5-10). Ou quando guia a atividade
de Pedro a respeito do centurião Cornélio, o primeiro pagão convertido (At 10,
3-8; 11, 12-13), e analogamente a atividade do diácono Felipe no caminho de
Jerusalém a Gaza (At 8, 26-29).
Destes poucos fatos
citados a título de exemplo, se compreende como na consciência da Igreja se
pode formar a persuasão sobre o ministério cofiado aos anjos em favor dos
homens. Por isso a Igreja confessa sua fé nos anjos custódios, venerando-os na
liturgia com uma festa especial, e recomendando
o recurso à sua proteção com uma oração freqüente, como na invocação do
“Anjo de Deus”. Esta oração parece enriquecer as belas palavras de São Basílio:
“Todo fiel tem junto a si um anjo como tutor e pastor para levá-lo à vida” (cf. São Basílio, Adv. Eunomium, III, 1;
veja-se também São Tomás, S. Th., I, q. 11, a .3).
8. Finalmente é
oportuno anotar que a Igreja honra com culto litúrgico a três figuras de anjos,
que na Sagrada Escritura se lhes chama com um nome. O primeiro é Miguel Arcanjo
( cf. Dan 10, 13-20; Apoc. 12, 7; Judas
1, 9). Seu nome expressa sinteticamente a atitude essencial dos espíritos bons.
“Mica-El significa com efeito: “Quem como Deus?”. Neste nome se acha expressa pois a eleição
salvífica graças à qual os anjos “vêem a face do Pai” que está nos céus. O segundo
é Gabriel: figura vinculada sobretudo ao mistério da Encarnação do Filho de
Deus (cf Lc 1, 19-26). Seu nome significa: “Meu poder é Deus” ou “Poder de
Deus”, como para dizer que o ápice da criação, a Encarnação, é o sinal supremo
do Pai Onipotente. Finalmente o terceiro arcanjo se chama Rafael. “Rafa-El’
significa: “Deus cura”. Ele se fez conhecer pela história de Tobias no Antigo
Testamento (cf Tob 12, 15-20), etc.). É muito significativo o fato de que Deus
confie aos anjos seus pequenos filhos, sempre necessitados de custódia, cuidado
e proteção. Refletindo bem se vê que cada uma destas três figuras: Mical-El,
Gabri-El e Rafa-El refletem de modo particular a verdade contida na pergunta
posta pelo autor da Carta aos Hebreus: “Não são todos esses espíritos
ministros, enviados para serviço em favor dos que vão herdar a salvação?” (Heb 1, 14).
(texto extraído do
livro “Juan Pablo II: Los Ângeles”, Secretariado del Opus Angelorum de Bogotá,
e adaptado pelas Servas dos Corações Traspassados de Jesus e Maria).
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