quinta-feira, 27 de junho de 2013

A FELICIDADE SOCIAL






Santo Agostinho

 
"Embora os que apreciam e adoram os deuses, cujos crimes e maldades se jactam de imitar, de nenhum modo procurem atender à conservação de uma República má e dissoluta, de tal forma que esta exista e floresça em abundância de bens e gloriosas vitórias; o que é a maior felicidade, com tal que goze de um a paz segura e estável, a qual importa para nós? Outrossim, o que interessa mais para cada um é que cada um aumente continuamente suas riquezas, com as quais possa sustentar os gastos do dia a dia; e, do mesmo modo, é que sendo mais poderoso possa sujeitar igualmente aos mais necessitados, ou que obedeçam aos mais ricos os mais pobres, somente para conseguir a comida e aliviar suas necessidades, e para que à sombra de seu amparo gozem do ócio e da tranqüilidade, e se sirvam os ricos dos indigentes para suas respectivas necessidades e para a ostentação de sua pompa e fausto;

que o povo aplauda , não aos que o persuadam o que lhe importa, mas aos que lhe proporcionam gostos e deleites; que não se lhe mande coisa dura nem se lhe proíba coisa torpe;

que os reis não atentem para si se são bons e virtuosos seus vassalos, mas apenas se obedecem suas ordens;

que as províncias sirvam aos reis, não como governadores ou primeiros diretores de seus costumes, mas como a senhores ou donos absolutos de seus bens e como provedores ou dispensadores de seus deleites e regalos, e ao mesmo tempo que o honrem e reverenciem, não sinceramente ou de coração, mas que o temam servilmente;

que castiguem severamente as leis primeiro o que ofende à vida alheia do que aquele que dana a própria vida; que ninguém leve à presença do juiz senão ao que seja prejudicial aos bens, casa ou saúde alheia, ou seja importuno ou nocivo por seus costumes relaxados;

que no mais, com seus afetos ou culpas, ou dos haveres destes, ou dos quais queira que condescendesse faça cada um o que mais lhe agrade;

que também haja abundância de mulheres públicas, para todos os que quiserem participar delas, ou particularmente para os que não possam tê-las em sua casa;

que se edifiquem grandes, magníficas e suntuosas casas onde se façam saraus e festejos, e onde, segundo o parecer de cada um, de dia e de noite, jogue, beba, se divirta, gaste e triunfe;

que continuem sem interrupção os bailes, fervam o teatro com os aplausos e vozes de alegria; que se comovam com a apresentação de atos desonestos e todo gênero de deleites tão abomináveis e torpes, e que seja tido por inimigo público o que não gostar desta felicidade;

que qualquer um que tentar alterá-la ou tirá-la possam todos, livremente, expulsá-lo para onde não o ouçam, o desterrem para onde não seja visto e o tirem do meio dos viventes; que sejam tidos por verdadeiros deuses aqueles que promoveram esta felicidade e, alcançada, souberam criar meios para conservá-la; que os reverenciem e honrem do modo que lhes seja mais agradável; que peçam os jogos e festas que sejam de sua vontade e possam alcançar de seus adoradores, contanto que procurem com todo seu esforço, que esta felicidade momentânea esteja segura das invasões do inimigo, dos funestos efeitos do contágio e de qualquer outra calamidade;

e quem em são juízo haverá quem queira comparar esta República, não digo eu com o Império romano, mas com a casa de Sardanápalo, o qual, sendo por algum tempo rei dos assírios, entregou-se com tanta demasia aos deleites que mandou se escrevesse em seu sepulcro que depois de morto somente conservava o que havia devorado e consumido em vida seu torpe apetite? Se a sorte houvesse dado aos romanos por rei a Sardanápalo, e contemporizasse e dissimulasse estas torpezas sem contradizê-las de modo algum, sem dúvida de boa vontade lhe consagrariam o templo e a chama que os antigos romanos deram a Rômulo”.

(Cidade de Deus – Capítulo XX do livro Primeiro)
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Segundo filósofos modernos, a felicidade ou o gozo da vida tem que ser desfrutado coletivamente: o fim do homem nesta terra é o gozo dos prazeres, e estes não podem ser individuais, mas socialmente desfrutados. Há neste princípio uma distorção da doutrina católica, que diz que a verdadeira felicidade (mesmo a passageira deste mundo) não pode ser desfrutada individualmente e sim socialmente, com a diferença de que a verdadeira felicidade não está no gozo e nos prazeres, mas na prática do amor a Deus e ao próximo, mesmo que para tanto tenha que se sofrer.

Há ou não há no relato de Santo Agostinho muita semelhança do que se gozava no império romano com os dias atuais? Vejamos algumas semelhanças:

que não se lhes mande dureza, nem se lhes proíba coisa torpe; que os reis não atentem a se são bons e virtuosos seus vassalos, mas se obedecem suas ordens;

Não há um só país do mundo de hoje em que os governantes se preocupem que seus cidadãos sejam bons ou ruins, mas apenas que cumpram suas ordens, suas leis. Porisso, ninguém suporta que o governo crie leis que lhes exijam sacrifícios, como ocorre agora na Europa com os protestos contra as duras leis de contenção de despesas dos governos em crise.


que o povo aplauda , não aos que o persuadam o que lhe importa, mas aos que lhe proporcionam gostos e deleites;


A tendência de todo governante do mundo moderno é alcançar os melhores níveis possíveis de popularidade e, para tanto, existem diversos institutos de pesquisas que medem constantemente o grau de aceitação de seu governo entre o povo. Mas, para conseguir esta sonhada popularidade nenhum deles se arrisca a editar leis que causem sofrimento á população, mesmo que possa ser benéfica ao bem comum. Como diz-se por aí: pão e circo alegre o povo. Basta dizer que é próprio das constituições de quase todos os países atuais falar quase somente dos “direitos” de seus concidadãos, mas nem sempre dão ênfase aos “deveres”, que deveriam ser correlatos e até mais importantes do que os direitos.

que também haja abundância de mulheres públicas, para todos os que quiserem participar delas, ou particularmente para os que não possam tê-las em sua casa;

Nem é necessário se deter muito para se constatar a avassaladora onda de promiscuidade sexual que toma conta do mundo moderno: tudo é permitido nessa matéria, sendo a perversão sexual o crime mais aviltante e cometido com a conivência da lei, do Estado e de toda a sociedade. Santo Agostinho falou de um mal de seu tempo, a prostituição pública, mas, hoje, há pior, que é a prostituição de crianças.

que se edifiquem grandes, magníficas e suntuosas casas onde se façam saraus e festejos, e onde, segundo o parecer de cada um, de dia e de noite, jogue, beba, se divirta, gaste e triunfe;

que continuem sem interrupção os bailes, fervam o teatro com os aplausos e vozes de alegria; que se comovam com a apresentação de atos desonestos e todo gênero de deleites tão abomináveis e torpes, e que seja tido por inimigo público o que não gostar desta felicidade;

Parece que o texto acima foi feito por autoridade religiosa de nosso tempo, censurando, por exemplo, as milhares casas de espetáculos espalhadas pelo mundo com o único fim de gozos e festas. E, em grande parte, compostas de espetáculos torpes, onde campeia a promiscuidade sexual e moral. Sem falar dos estádios e de outros lugares públicos dedicados exclusivamente às diversões, cujos gastos não são vistos por ninguém como supérfluos; ao contrário dos templos religiosos, a maioria em ruínas e ao abandono.


que qualquer um que tentar alterá-la ou tirá-la possam todos, livremente, expulsá-lo para onde não o ouçam, o desterrem para onde não seja visto e o tirem do meio dos viventes; que sejam tidos por verdadeiros deuses aqueles que promoveram esta felicidade e, alcançada, souberam criar meios para conservá-la; que os reverenciem e honrem do modo que lhes seja mais agradável; que peçam os jogos e festas que sejam de sua vontade e possam alcançar de seus adoradores, contanto que procurem com todo seu esforço, que esta felicidade momentânea esteja segura das invasões do inimigo, dos funestos efeitos do contágio e de qualquer outra calamidade;

É assim o mundo moderno: as personalidades mais honradas e festejadas são aquelas que trouxeram algo de proveito para o gozo da vida, para os deleites e sensações agradáveis. Todo e qualquer técnico, mesmo sem qualificação moral nenhuma, mas que produziu algum invento que tornou a vida mais gozosa, mais prazeirosa e fácil, torna-se um cara endeusado e badalado pela poderosa mídia. Em geral são mostrados como modelos de perfeição, como exemplos de homens inteligentes, espertos e audazes, embora seus inventos nada tenham feito senão tornar a vida gostosa e mais fácil.

No final, Santo Agostinho coloca como exemplo disso tudo a vida de um personagem da Antiguidade, Sardanápalo, o qual suicidou-se com toda sua família e pediu que junto de seus corpos fossem enterrados todos os objetos com que gozavam os prazeres da vida, não permitindo que outros também os desfrutassem.

Mas, pensando bem, será que a sociedade moderna desfruta realmente desta felicidade que alardeiam aos quatro ventos?


Situação moral do mundo moderno

Conforme explicitado na obra “Revolução e Contra-Revolução”, do Prof. Plínio Corrêa de Oliveira, o passo seguinte da Revolução, chamada 4ª. Revolução (v. pág. 303), se daria pelo processo do socialismo autogestionário rumo ao tribalismo. Neste caso, a autogestão seria uma transição para um regime ulterior, uma forma de sociedade inteiramente tribal, onde as pessoas levassem vida comum e promíscua, sem classes, sem ordem, sem hierarquia, toda igualitária.

Para se atingir tal objetivo, a sociedade se vê hoje infestada de vícios morais, como os abaixo:

1º. – A inveja – Estimulando a cobiça pelo bem do próximo, seja pela invasão de propriedades, desapropriação dos ricos ou pelo simples anseio de lutar para superar o outro em riqueza e poder; o grande desfrute dos prazeres modernos, através da tecnologia avançada, das viagens turísticas paradisíacas, cujo acesso é restrito a uma elite, desperta no geral da população inveja e cobiça, além, é claro, das riquezas ostentosas;

2º. – A preguiça – Fazendo com que o Governo tome conta de todas as atividades produtivas se consegue inibir o espírito de iniciativa da população: todos dependendo do Estado ninguém terá incentivo em se esforçar para produzir e crescer;

3º. – A Ira, ou então o desejo desordenado de vingança. Esta fase vem sempre depois, principalmente em alguns países ocidentais, mas tudo começou com a ênfase dada aos chamados “direitos humanos”, chegando-se hoje a se incentivar as guerrilhas e revoluções sangrentas ou atentados terroristas, com visível intuito de se eliminar as classes superiores ou causar desespero nas multidões;

4º. – Outras paixões desordenadas do homem são estimuladas, como por exemplo o orgulho e o apetite desordenado pelo próprio louvor; a gula ou o apetite desordenado pelo comer e pelo beber, através de folias, bacanais, farras, orgias,. etc. A luxúria, ou o apetite desordenado pelo prazer sexual é excitado através do cinema e da TV, assim como das revistas e das modas sensuais; a avareza ou o apetite desordenado pelo dinheiro é estimulado através de regras econômicas e financeiras impostas a todos, conseguindo-se também inveja pelo progresso do próximo, estímulo à cobiça pelo lucro fácil, enfim, a mera luta pelo dinheiro que se tornou uma espécie de deus. Tudo isso estimulado, é claro, sob o disfarce da procura da felicidade na terra.

Como resultado, predomina o orgulho pelos vícios correlatos da jactância, do afã pelas novidades, da hipocrisia, da pertinácia, das discórdias, e das disputas e desobediências às leis. Imperando a gula vemos o seu corolário, que é a torpeza ou estupidez do entendimento, a alegria desordenada tendendo para o êxtase da droga, a loquacidade excessiva, a baixeza nas palavras com uso de palavrões, gestos indecentes, luxúria e imundície. Pela luxúria o homem moderno adquiriu a predominância da cegueira de espírito, precipitação, inconsideração, inconstância na prática do bem, amor desordenado a si mesmo, ódio a Deus, principalmente através da indiferença para com as coisas da Religião, apego a esta vida e horror pela vida futura.

Dentre os avarentos (quantos são eles hoje!), predomina uma completa dureza de coração para com os pobres e necessitados, a solicitude desordenada pelos bens terrenos, a violência, o engodo, a fraude, o perjúrio e a traição. Dentre os preguiçosos impera a malícia, o rancor, a pusilanimidade, a desesperação, a torpeza, a indolência na guarda da Lei e divagação da mente para coisas ilícitas. Dentre os invejosos predomina o ódio, a murmuração, a difamação, o prazer pela adversidade do próximo. Um meio de estimular isto tudo é promover a tomada dos bens dos que os possuem, isto através das chamadas reformas agrária e urbana.

Finalmente, uma nota comum: em todos predomina a ira, a indignação por qualquer mal que sofra, o rancor, a blasfêmia, o insulto, a rixa e a sede constante de vingança a qualquer custo. Tudo isto pode gerar, ao final, o canibalismo, como já se observa em casos esporádicos.

Quatro vícios e crimes predominam hoje em toda a sociedade humana, em todo o orbe terrestre: o homicídio, a sodomia, a opressão dos pobres e viúvas e a defraudação do salário do trabalhador. Com estas quatro espécie de vícios e torpes crimes todos os outros advirão na sociedade.

Pode-se dizer que nesse mar de vícios e de selvagerias o mundo moderno desfruta de alguma felicidade?



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