O Papa sofre influência direta do Espírito
Santo, que guia a Igreja através de inspirações a seu Corpo Místico e ao
Vigário de Cristo na terra. No entanto, há influência externas de outras
naturezas, como as do mundo, dos próprios fieis, dos bispos e cardeais, etc.,
as quais podem induzir o Pontífice a corrigir falhas ou até a cometer erros. Mosenhor
Henri Delassus, em sua obra “La Conjuration Antichrétienne”, publicada em 1910,
relata episódios em que a vidente Catharina de Emmerich visitava misticamente o
Papa de seu tempo trazendo-lhe orientações sobre como proceder em casos
duvidosos. Houve outros casos em que simples fieis davam orientação aos Papas
através de visões místicas, como, por exemplo, o fez Santa Catarina de Siena no
caso do cisma do Ocidente.
Há casos, porém, em que surgem outras influências
más, oriundas de pessoas do mundo, mas que são próximas ao Papa. Nunca, porém, nenhum
Papa cometeu erro de doutrina, de moral, de fé, fazendo prevalecer sempre o
dogma da infalibilidade pontifícia nessas matérias.
Um pontificado cheio de erros foi
o do cardeal Roderic Llançol i de Borja, o famoso Alexandre VI (1492-1503).
Mas, erros mais na linha moral, dos costumes e administrativos. Seu pontificado
foi tido como um paradigma de corrupção moral, inclusive causando escândalos
contra a castidade, tendo filhos através de relacionamentos pecaminosos com
algumas damas. Provocou uma verdadeira invasão secular dentro da Igreja e muito
nepotismo: nomeou dezenas de parentes para altos cargos na Igreja. Foi acusado
até de cometer o pecado de simonia. No entanto, Alexandre VI protegeu as Ordens
Religiosas, aprovando Congregações recém-fundadas e a evangelização do Novo Mundo e
da Groenlândia. Não exarou
nenhum documento público com erros de fé e de moral.
Com relação a assuntos de outras naturezas,
como, por exemplo, de problemas políticos, de administração interna ou de ordem
disciplinar, houve diversos casos de erros cometidos pelos Papas. A começar
pelo próprio São Pedro, o qual foi advertido por São Paulo por acatar os erros
dos que exigiam que os novos cristãos não hebreus fossem circundados juntamente
com o batismo, conforme narra os Atos dos Apóstolos.
Tendo o primeiro
Papa, São Pedro, tomado medidas disciplinares referentes à permanência no culto
católico de práticas remanescentes da antiga sinagoga, São Paulo viu nisto um
grave fator de confusão doutrinária e de prejuízo para os fiéis. Levantou-se
então e "resistiu em face" a São Pedro (Gal. II, 11). Este não viu,
no lance fogoso e inesperado do Apóstolo das Gentes, um ato de rebeldia, mas de
união e amor fraterno. E, sabendo bem no que era infalível e no que não era,
cedeu ante os argumentos de São Paulo.
São Paulo dizia que apenas se exigisse que fossem batizados na religião
cristã. São Pedro era de opinião contrária, seguido por outros apóstolos que
desejavam ser fiéis à tradição mosaica. A questão causou controvérsias, havendo
intervenção divina do Espírito Santo, como o caso do centurião Cornélio (At 10,
34-48), e outros citados nos Atos (At 11, 1-9 e 10, 11-16). Quer
dizer, o divino Espírito Santo assiste a Igreja como um todo, inspirando não
somente os pastores mas também os fieis e apóstolos que formam o Corpo Místico
de Cristo.
Mesmo após os sonhos ou visões de São Pedro a questão ainda não ficou
completamente resolvida, conforme relata o próprio São Paulo em sua Epístola
aos Gálatas (2, 11-14), pois São Pedro e outros apóstolos tinham receio de
aparecer publicamente com os gentios convertidos e não circundados. Na
oportunidade, São Paulo chamou de hipócritas àqueles que procediam diferente a
respeito do tema da convivência com os gentios convertidos, batizados, mas não
circundados.
Vejamos dois casos de erros graves, mas que
assim mesmo não tiveram nenhum efeito sobre a
infalibilidade pontifícia. O que poderia fazer com que um Papa, por
exemplo, ordene o fechamento de ordens religiosas tão benéficas e úteis à
Igreja como foi o caso dos Templários e da Companhia de Jesus? Isso pode ter
sido causado pela forte influência do mundo, representado pela sociedade em que
vivia, e seus assessores, os bispos e cardeais da cúria romana, os quais também
sofrem influência do mundo. É como se um guerreiro envolvido numa luta
primordial quisesse amputar dois órgãos de seu corpo para enfrentar assim o
inimigo no combate.
SUPRESSÃO
DA ORDEM DOS TEMPLÁRIOS, FIM DA IDADE MÉDIA
De um modo natural o mundo influencia primordialmente os monarcas. O direito romano convenceu alguns reis a usar o poder estatal como se fosse uma forma suprema de soberania, impondo inclusive o seu poder absoluto sobre o resto da sociedade (chamaram-nos então de “reis absolutistas”), sem excluir um suposto direito de ser superior à própria Igreja. São os antecessores dos socialistas e comunistas modernos. Assim, Filipe IV, chamado “Filipe o Belo”, rei de França (de 1285 a 1314), neto do grande São Luís IX, tomou algumas atitudes ditatoriais para impor o poder estatal. Numa delas mandou esbofetear o Papa Bonifácio VIII em praça pública a fim de deixar patente a todos sua soberania até sobre o Papado. Em seu reinado houve o famoso cisma do Ocidente (em Avignon) e o início da “guerra dos cem anos” entre Inglaterra e França. Pode ter tido origem também ao apelido de “déspotas esclarecidos” dado a alguns monarcas, em virtude de pautar seus procedimentos com base nas ideias dos filósofos que então surgiam na época.
Naquele tempo a Ordem dos
Templários era um dos sustentáculos da ação apostólica da Igreja, detendo não
somente poder de influência religiosa mas também financeira. Com graves
problemas de dívidas e tendo de recorrer a empréstimos, Filipe “o Belo” julgou
que poderia se apoderar da suposta riqueza daquela Ordem para suprir suas
necessidades, e assim urdiu um plano. Não conseguindo junto dos Templários recursos
para financiar seus negócios reais, usou a sua influência sobre o papa Clemente V para
acabar com a Ordem e confiscar todos os seus bens. Para isso, colocou em prática
uma estratégia de descrédito, acusando os Templários de heresia, imoralidade,
sodomia e diversos outros crimes. Com base nisso pediu e conseguiu criar uma
inquisição contra eles. Uma ordem de
prisão foi redigida em 14 de setembro de 1307 (no dia da exaltação
da Santa Cruz), e no dia 13 de outubro de
1307 (uma sexta-feira), todos os cavaleiros que estavam em território francês
foram presos. Foi a partir daí que surgiu a superstição de se dizer que a sexta
feira quando cai no dia 13 dá azar.
Entre 19 de outubro e 24 de
novembro de 1307, 138 prisioneiros Templários foram interrogados em Paris sob
torturas, a fim de conseguir confissões que comprometessem a Ordem. Numa carta
do papa Clemente V ao rei, datada de 27 de outubro de 1307, deixa a entender os
protestos do Pontífice para com os meios pelos quais os cavaleiros eram
interrogados e as confissões lhe eram arrancadas.
Mas, o Papa não resiste e começa
a ceder. Alguns dias depois, em 22 de novembro de 1307, pela bula Pastoralis
præminentiæ o próprio Papa recomenda a prisão dos Templários em outros
países da Europa, dando a entender que estava cedendo completamente aos desejos
do rei ou de alguma sociedade secreta à qual o mesmo pertencia.
A partir de 1310, a Igreja
institui sua própria investigação sobre a Ordem, na qual chegaram a depor 573
cavaleiros. Todos em defesa da Ordem e afirmando que as confissões foram
arrancadas no tribunal inquisitorial francês por meios de tortura. Em 16 de
outubro de 1311, o papa Clemente V abre o Concílio de Vienne, no qual se concluiu que, com
base nos inquéritos eclesiásticos, bem como também nos civis, não havia fatos
palpáveis de culpabilidade.
Mesmo assim, a Ordem dos Templários
é suspensa em 22 de março de 1312, pela bula Vox in Excelso. Em seguida, o papa Clemente V, através bula Ad providam de
2 de maio de 1312, transfere todos os bens dos Templários para os Hospitalários, exceto os de Portugal, de
Castela, de Aragão e de Maiorca, os quais ficariam na posse interina dos
monarcas, até o Conselho decidir qual o seu destino. Essa transferência visava
proteger temporariamente os bens da Ordem que o rei tencionava desapropriar
como se fossem do reino.
No adro da Igreja de Notre-Dame,
em Paris, instalaram um cadafalso, para no dia 18 de março de 1314 anunciar a
sentença de prisão perpétua aos cavaleiros Tiago de Molay, Hughes de Pairaud,
Geoffroy de Charnay e Geoffroy de Gonneville. Em meio ao anúncio da sentença,
De Molay e Geoffroy de Charnay levantaram-se bradando sua inocência e a de
todos os Templários, que todos os crimes e heresias a eles atribuídos foram
inventados. No mesmo dia, armou-se uma fogueira próxima ao jardim do palácio
onde foram queimados Tiago de Molay e Geoffroy de Charnay. Registra-se no
episódio uma das ações que mancham o bom nome das inquisições que se faziam
contra hereges e cismáticos, desta vez usada contra bons religiosos e comprometendo
o próprio Papado e o nome da Igreja. O mesmo tipo de “inquisição” foi usado
também, um século depois, contra Santa Joana D’Arc, época também em que findou
a famosa “guerra dos cem anos”.
O chamado "Pergaminho de
Chinon" ao declarar que Clemente V pretendia absolver a ordem das
acusações de heresia, e que poderia ter dado eventualmente a absolvição ao
último grão-mestre, Jacques de Molay, e aos demais cavaleiros, suscitou a reação
da monarquia
francesa, de tal
forma que obrigou o papa Clemente V a uma decisão covarde, sancionada em 1312,
durante o Concílio de Vienne, através da bula Vox in excelso, a qual declarava que o processo não havia
comprovado a acusação de heresia, mesmo assim afirma que, “pelo bem da Igreja”,
a Ordem deveria ser suprimida.
Séculos depois, após a descoberta
nos arquivos do Vaticano da ata de Chinon, assinada por quatro cardeais,
declarando a vontade de dar a inocência dos Templários, o rumoroso processo foi
recordado em uma cerimônia realizada no Vaticano, a 25 de outubro de 2007, na Sala Vecchia do
Sínodo, na presença do monsenhor Raffaele Farina, arquivista bibliotecário da
Santa Igreja Romana, de monsenhor Sergio Pagano, prefeito do Arquivo Secreto do
Vaticano, de Marco Maiorino, oficial do arquivo, de Franco Cardini,
medievalista, de Valerio Manfred, arqueólogo e escritor, e da escritora Barbara
Frale, descobridora do pergaminho e autora do livro "Os Templários".
Os cavaleiros Templários,
enquanto ordem simultaneamente militar e monástica, ativa e contemplativa,
tinham como missão original levar a Terra Santa ao controle cristão.
Supressão da Companhia de Jesus
O clima criado pelo Humanismo e o Iluminismo, no século XVIII, era de completo ceticismo com relação à Religião e de apego ao racionalismo e à soberania do poder estatal. Tais correntes conseguiram juntar filosofia à politica. Era o clima que havia se iniciado já no tempo de Filipe “o Belo” e continuava a imperar entre os reinos europeus. A Revolução Francesa de 1789 foi um exemplo de explosão de uma elite burguesa contra a ordem sacral que provinha da Idade Média, deixando reflexos profundos em toda a Europa. Em Portugal não conseguiram usar o mesmo sistema utilizado na França, mas, perante uma monarquia eivada dos erros imperantes em toda a Europa, levaram a efeito a perseguição aos padres Jesuítas, prejudicando assim toda a Igreja: o principal ministro do rei, Marquês de Pombal, foi usado como o principal e ardoroso perseguidor da Ordem Religiosa que seguia mais a ortodoxia católica. Sob pretextos diversos, como um suposto regicídio e a guerra contra os povos das Missões no Brasil, acusou os Jesuítas de traição à pátria, levando muitos a serem sumariamente executados e outros para o desterro. Estava ali sendo iniciado um longo processo de perseguição à Companhia de Jesus que culminaria mais tarde com sua total supressão.
Vejamos, a seguir, como foi que o mundo
conseguiu influenciar até mesmo a decisão de um Papa. O Marquês de Pombal teve
tanto apoio de certo clero decadente que conseguiu que fosse nomeado seu irmão
para dirigir uma inquisição formada para julgar o missionário jesuíta Padre
Malagrida, o qual foi condenado e executado num processo espúrio e injusto.
Tinha ocorrido um terremoto em Lisboa e o padre Malagrida fez uma homilia
dizendo que tinha sido castigo por causa dos pecados cometidos, especialmente
pelo famoso Marquês de Pombal. Essa homilia foi impressa e distribuída pelos
católicos pela cidade, causando uma má impressão pública do governante. Este,
irritado contra o que disse o padre armou esta falsa inquisição, a qual
terminou por mandar executá-lo com torniquetes. O inquisidor, irmão do próprio
Marquês de Pombal, havia recebido tal poder diretamente de Roma.
Havia sido alimentado também dentro da própria
Igreja um clima de ciúmes e invejas contra os Jesuítas, já que a Ordem tinha
grande supremacia religiosa, intelectual e moral. Eles mantinham elementos da
fina flor da sociedade em suas fileiras, além de posições invejáveis nas cortes
com professores, pregadores e confessores,
assim como destaque por certo predomínio científico. E, acima de tudo,
suas missões perante os aborígenes obtinham sucesso enorme ainda naqueles tempos.
De outro lado, os padres da Companhia vinham realizando uma bem-sucedida luta
contra erros e desvios doutrinários, como o jansenismo, encontrando forte
oposição em alguns setores religiosos.
Tal era esse clima dentro da Igreja que, ao
serem presos os jesuítas da Ilha dos Açores, religiosos de outras ordens
aplaudiram a medida publicamente, conforme relata Eckart: “Nos Açores deu-se ainda uma vergonhosa particularidade: É que houve
Religiosos de diversas Ordens que, ao ver os Jesuítas levados cativos a
desfilar pelas ruas a caminho do cárcere, aplaudiram radiantes com graçolas
sarcásticas e dísticos satíricos. Houve mesmo quem do púlpito desse graças, e
explodisse em manifestações de regozijo pela desgraça dos Jesuítas”.
Assim, neste ambiente adverso até dentro da
própria Igreja o Papa Clemente XIV resolve suprimir a Ordem em 1773, colocando
o Superior Geral, Lorenzo Ricci, em prisão no Castelo de Sant’Angelo e exigindo
que os demais deixassem a Ordem. Não havia clima para se repetir o que fizeram
com a Ordem dos Templários, inquisições falsas e mortes, mas algumas prisões e
deportações, causando um dano irreparável em toda a Igreja, principalmente por
prejudicar as inúmeras missões jesuíticas espalhadas pelo mundo.
Na época havia 39 Províncias, 669 colégios, 237
casas de formação, 335 residências missionárias, 273 missões e mais de 22 mil
membros, entre irmãos leigos, seminaristas e sacerdotes. Por exemplo, havia no
Brasil um seminário jesuíta que continha cerca de 500 internos: ficava no lugar
chamado Belém de Cachoeira, na Bahia, onde hoje só há ruínas. Estudou nele um
Santo brasileiro, Santo Antonio de Santana Galvão, e foi lá que o Padre
Bartolomeu de Gusmão fez suas primeiras experiências com o balão, levando-o
depois para Lisboa. Apesar de um ato injusto nem por isso os sacerdotes se
revoltaram, mas simplesmente cumpriram todas as determinações emanadas do Papa.
O Padre Lorenzo Ricci, antes de falecer, deixou
a seguinte declaração:
“Na
certeza de que em breve Deus me vai chamar a Si, dada a minha avançada idade e
os longos trabalhos por que passei, muito superiores à minha fraqueza, entendo
que devo preventivamente cumprir um dever que me pesa, pois pode facilmente
acontecer que a doença me venha a impedir de o fazer “in articulo mortis”.
“Considerando-me,
portanto, prestes a comparecer perante o tribunal da Justiça e Verdade
infalível, que é o tribunal de Deus, depois de longa e madura consideração, e
depois de ter suplicado humildemente ao meu misericordiosíssimo Redentor e
terrível Juiz não permita que eu, num dos últimos atos da minha vida, me deixe
levar da paixão ou ressentimento da alma para um fim menos ordenado, mas só pelo sentimento do dever, para fazer
justiça á verdade e á inocência:
“I.
Declaro e protesto que a extinta Companhia de Jesus não deu motivo algum para a
sua supressão. Declaro-o e protesto com aquela certeza moral que pode ter um
Superior bem informado acerca das coisas de sua Ordem.
“II.
Declaro e protesto que eu não dei motivo algum, nem sequer leve, para a minha prisão.
Declaro-o com aquela plena certeza que cada um tem das próprias ações. Faço
este protesto somente porque ele é necessário à reputação da extinta Companhia
de Jesus, da qual fui Prepósito Geral.”
Restauração
No entanto, ao contrário dos Templários, a
Companhia de Jesus foi restaurada em 1814 através da Encíclica “Solicitudo omnium ecclesiarum” do Papa Pio VII. Antes disso, a partir de
1782, a Igreja já permitira que a Ordem permanecesse apenas na Rússia e na
Polônia.
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