terça-feira, 21 de outubro de 2025

A SAGRADA ESCRITURA ELOGIANDO A BOA ESPOSA

                        

"Quem encontrará a mulher de valor? Vale muito mais do que pérolas.  Nela confia seu marido, e a ele não faltam riquezas.                             .

Traz-lhe a felicidade, não a desgraça, todos os dias de sua vida. 

Adquire a lã e o linho, e trabalha com mãos hábeis. 

É como a nave mercante, que importa de longe o grão. 

Noite ainda, se levanta para alimentar os criados. E dá ordens às criadas.        .                    

Examina um terreno e o compra, com o que ganha com as mãos planta uma vinha.  

Cinge a cintura com firmeza, e emprega a força dos braços.  

Sabe que os negócios vão bem , e de noite sua lâmpada não se apaga.     Lança a mão ao fuso, e os dedos pegam a roca.     

Estende a mão ao pobre, e ajuda o indigente. Se neva,  não teme pela casa , porque todos os criados vestem roupas forradas.         

Tece roupas para o seu uso, e veste-se de linho e púrpura.          

Na praça o seu marido é respeitado, quando está entre os anciãos da cidade.       

Tece panos para vender, e negocia cinturões.         

Está vestida de força e dignidade, e sorri diante do futuro.              

Abre a boca com sabedoria e sua língua ensina com bondade.           Vigia o comportamento dos criados, e não come pão no ócio.             

Seus filhos, levantam-se para saudá-la, seu marido canta-lhe louvores.           

Muitas mulheres ajuntaram riquezas, tu, porém, ultrapassas a todas.

Enganosa é a graça, fugaz a formosura! A mulher que teme o Senhor merece louvor!

Dai-lhe parte do fruto de suas mãos, e nas portas louvem-na suas ordens.       

(Provérbios 31, 10-31)


terça-feira, 14 de outubro de 2025

A DEVOÇÃO DE SANTA TERESA D'ÁVILA AO MENINO JESUS


 


Até hoje, é muito comum vermos a imagem do Menino Jesus nos conventos carmelitas. Entre os grandes tesouros de valor espiritual que Santa Teresa deixou no Carmelo, há várias imagens do pequeno Jesus. Entre estas, uma chama a atenção: a imagem conhecida como “El Lloroncito” (O Chorãozinho).

A bela imagem, que recorda o Menino Jesus de Praga, – que com sua mão direita abençoa e com a esquerda sustenta um globo representando o universo – se encontra no Convento São José, em Toledo; uma das fundações de Teresa de Jesus. A pequena imagem, que mede apenas 20 centímetros de altura, foi talhada em madeira no século XVII. Teresa levou-a para Toledo quando fundou o Convento, em 1569.

De acordo com uma tradição carmelitana, a pequena imagem é chamada “El Lloroncito” por que quando Santa Teresa saía do Convento de Toledo, o rosto do Menino Jesus se transformava.

No dia 8 de Junho de 1580, Santa Teresa se despedia de suas irmãs religiosas de Toledo, para dirigir-se à Segóvia. O coração, naturalmente afetuoso de Teresa, sofria cruelmente nestas despedidas, principalmente quando pensava que não veria novamente suas filhas espirituais. Desta vez, nem ela nem suas queridas irmãs se enganavam, pois todas pressentiam que a Madre chegava ao fim de sua missão aqui na terra. Segundo uma piedosa tradição, até uma imagem do Menino Jesus se juntou às monjas, derramando lágrimas na despedida da Santa de seu querido convento de Toledo. Desde então, as carmelitas chamam esta imagem do Menino Jesus com o carinhoso nome do “Niño Lloroncito”.

Noutra tradição, conta-se que Santa Teresa encontrou-se com o Menino Jesus no Mosteiro da Encarnação, em Ávila. Certo dia, a Madre descia as escadas e tropeçou, enquanto um belo menino lhe sorria. Irmã Teresa, surpresa por ver uma criança dentro do Convento, lhe perguntou: “Quem sois?”. Por sua vez, o menino responde com outra pergunta: “E quem sois vós?”. A Madre lhe disse: “Eu sou Teresa de Jesus”. E o menino, com um amplo e luminoso sorriso, lhe diz: “Pois, eu sou Jesus de Teresa”.

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

PRECE A NOSSA SENHORA APARECIDA NO SESQUICENTENÁRIO DE NOSSA INDEPENDÊNCIA

 


Ó Senhora Aparecida.

Ao aproximar-se a data em que completamos um século e meio de existência independente, nossas almas se elevam até Vós, Rainha e Mãe do Brasil.

Cento e cinquenta anos de vida são, para um povo, o mesmo que quinze para uma pessoa: isto é, a transição da adolescência, com sua vitalidade, suas incertezas e suas esperanças, para a juventude, com seu idealismo, seu arrojo e sua capacidade de realizar.

Neste limiar entre duas eras históricas, vamos transpondo também outro marco. Pois estamos entrando no rol das nações que, por sua importância, determinam o rumo dos acontecimentos presentes, e têm em suas mãos os fios com que se tece o futuro dos povos.

 

AGRADECIMENTO

Neste momento rico em esperanças e glória, ó Senhora, vimos agradecer-Vos os benefícios que, Medianeira sempre ouvida, nos obtivestes de Deus onipotente.

Agradecemo-Vos o território de dimensões continentais, e as riquezas que nele pusestes.

Agradecemo-Vos a unidade do povo, cuja variegada composição racial tão bem se fundiu neste grande caudal étnico de origem lusa — e cujo ambiente cultural, inspirado pelo gênio latino, tão bem assimilou as contribuições trazidas por habitantes de todas as latitudes.

Agradecemo-Vos a Fé católica, com a qual fomos galardoados desde o momento bendito da Primeira Missa.

Agradecemo-Vos nossa História, serena e harmoniosa, tão mais cheia de cultura, de preces e de trabalho, do que desavenças e de guerras.

Agradecemo-Vos nossas guerras justas, iluminadas sempre pela auréola da vitória.

Agradecemo-Vos nosso presente, tão cheio de realizações e de esperanças de grandeza.

Agradecemo-Vos as nações deste Continente, que nos destes por vizinhas, e que, irmanadas conosco na Fé e na raça, na tradição e nas esperanças do porvir, percorrem ao nosso lado, numa convivência sempre mais íntima, o mesmo caminho de ascensão e de êxito.

Agradecemo-Vos nossa índole pacífica e desinteressada, que nos inclina a compreender que a primeira missão dos grandes é servir, e que nossa grandeza, que desponta, nos foi dada não só para nosso bem, mas para o de todos.

Agradecemo-Vos o nos terdes feito chegar a este estágio de nossa História, no momento em que pelo mundo sopram tempestades, se acumulam problemas,  terríveis opções espreitam, a cada passo, os indivíduos e os povos. Pois esta é, para nós, a hora de servir ao mundo, realizando a missão cristã das nações jovens deste hemisfério, chamadas a fazer brilhar, aos olhos do mundo, a verdadeira luz que as trevas jamais conseguirão apagar.

PRECE

Nossa oração, Senhora, não é, entretanto, a do fariseu orgulhoso e desleal, lembrado de suas qualidades, mas esquecido de suas faltas.

Pecamos. Em muitos aspectos, nosso Brasil de hoje não é o País profundamente cristão com que sonharam Nóbrega e Anchieta. Na vida pública como na dos indivíduos, terríveis germes de deterioração se fazem notar que mantêm em sobressalto todos os espíritos lúcidos e vigilantes.

Por tudo isto, Senhora, pedimo-Vos perdão.

E, além do perdão, Vos pedimos forças. Pois sem o auxílio vindo de Vós, nem os fracos conseguem vencer suas fraquezas, nem os bons alcançam conter a violência e as tramas dos maus.

Com o perdão, ó Mãe, pedimo-Vos também a bênção.

Quanto confiamos nela!

Sabemos que a bênção da Mãe é preciosa condição para que a prece do filho seja ouvida, sua alma seja rija e generosa, seu trabalho seja honesto e fecundo, seu lar seja puro e feliz, suas lutas sejam nobres e meritórias, suas venturas honradas, e seus infortúnios dignificantes.

Quanto é rica destes, e de todos os outros dons imagináveis, a Vossa bênção, ó Maria, que sois a Mãe das mães, a Mãe de todos os homens, a Mãe Virginal do Homem-Deus!

Sim, ó Maria, abençoai-nos, cumulai-nos de graças, e mais do que todas, concedei-nos a graça das graças. Ó Mãe, uni intimamente a Vós este Vosso Brasil.

Amai-o mais e mais.

Tornai sempre mais maternal o patrocínio tão generoso que nos outorgastes.

Tornai sempre mais largo e mais misericordioso o perdão que sempre nos concedestes.

Aumentai vossa largueza no que diz respeito aos bens da terra, mas, sobretudo, elevai nossas almas no desejo dos bens do Céu.

Fazei-nos sempre mais amantes da paz, e sempre mais fortes na luta pelo Príncipe da Paz, Jesus Cristo, Filho Vosso e Senhor nosso.

De sorte que, dispostos sempre a abandonar tudo para lhe sermos fiéis, em nós se cumpra a promessa divina, do cêntuplo nesta terra e da bem-aventurança eterna.

*    *    *

Ó Senhora Aparecida, Rainha do Brasil! Com que palavras de louvor e de afeto Vos saudar no fecho desta prece de ação de graças e súplica? Onde encontrá-las, senão nos próprios Livros Sagrados, já que sois superior a qualquer louvor humano?

De Vós exclamava, profeticamente, o povo eleito, palavras que amorosamente aqui repetimos:

— “Tu gloria Jerusalem, tu laeticia Israel, tu honorificentia populi nostro”.

Sois Vós a glória, Vós a alegria, Vós a honra deste povo que Vos ama.[1]

*    *    *

A perspectiva do sesquicentenário sugeriu esta prece a meu coração de brasileiro. Resolvi não adiar sua publicação. Espero retomar na próxima semana o assunto que começara a desenvolver no domingo passado.

(Oração de autoria de Dr. Plínio Corrêa de Oliveira, publicada no jornal “Folha de São Paulo”, 16 de janeiro de 1972)

 



[1] Publicado até aqui na revista “Dr. Plínio” n.25, abril de 2000, págs. 6/7



segunda-feira, 6 de outubro de 2025

MANIFESTAÇÃO DE UM CONDENADO PRODUZ CONVERSÃO DE GRANDE SANTO



(A propósito do dia de São Bruno, a 6 de outubro)

São Bruno de Hartenfaust, nasceu em 1032 na cidade de Colônia, na Alemanha. Sua conversão deveu-se a um caso extraordinário. Encontrava-se em Paris, para onde tinha ido para o enterro de um antigo professor, Raymond Diocres, célebre na Universidade parisiense, quando se deu o fato. O funeral de corpo presente foi soleníssimo devido ao peso de sua autoridade e de seu prestígio.

O fato é desta forma narrado pelo escritor Jacques Lefévre em sua obra "Les Ames du Purgatoire dans la vie des Saints", extraído da Vida daquele Santo:

"Com efeito, morreu em Paris, em 1082, o reputado professor da Sorbonne, Raymond Diocres. As cerimônias se realizaram na Catedral de Notre-Dame, e dela tomaram parte, além dos fiéis e de numerosos professores, também alunos do defunto, entre os quais São Bruno.

O caixão estava colocado no meio da nave central, recoberto, segundo o costume, de uma simples mortalha. Durante a cerimônia, quando o padre pronunciou as palavras rituais do salmo: "Respondei-me de quantos pecados e de quantas iniqüidades não estou eu culpado...", uma voz sepulcral fez-se ouvir, debaixo da mortalha, dizendo: "Por um justo julgamento de Deus, EU FUI ACUSADO".

Foi imediatamente levantada a mortalha, mas o defunto permanecia imóvel e frio. A cerimônia, por um momento interrompida, foi retomada, em meio a certa inquietação... Quando se chegou novamente ao versículo mencionado anteriormente, o cadáver levantou-se diante de todo o mundo, e gritou com uma voz ainda mais forte: "Por um justo julgamento de Deus, EU FUI JULGADO".

O pavor dos assistentes foi enorme. Alguns médicos aproximaram-se do defunto, recaído em sua imobilidade, e constataram que ele estava verdadeiramente morto. Contudo, não se teve a coragem de continuar a cerimônia neste dia, ela foi adiada para o dia seguinte.

Neste ínterim, as autoridades eclesiásticas não sabiam que medidas tomar para sair de tal impasse. Alguns diziam: "Nós não temos provas suficientes para concluir que Diocres esteja condenado. Ele apenas disse que havia sido ACUSADO e JULGADO". O próprio bispo compartilhou esta hipótese e, no dia seguinte, o ofício funeral foi retornado.

Mas no mesmo versículo, "Respondei-me...", de novo o cadáver levantou-se do caixão e gritou: "Não tenho necessidade de orações, pois, por um justo julgamento de Deus, FUI CONDENADO AO INFERNO, PARA SEMPRE".

Diante de tão terrível declaração a cerimônia foi suspensa e decidiu-se enterrar o cadáver em cemitério comum".

São Bruno, aterrado e impressionado em saber que seu antigo professor havia sido condenado ao inferno, mudou completamente de vida e se tornou num grande santo, tendo fundado depois a famosa Cartuxa.

sábado, 4 de outubro de 2025

O QUE FALTA AO BRASIL PARA SER UM COLOSSO?

 



  


 

 

Na segunda semana de agosto de 1995, recebeu Dr.  Plínio um pedido de seus discípulos, especialmente dos mais jovens, de que tecesse comentários ilustrativos da doutrina exposta em seu livro “Revolução e Contra-Revolução”, ou “R-CR”, como costumava chama-lo abreviadamente.

Dr. Plínio atendeu com afabilidade o pedido, começando por comentar os dizeres da página anterior, constantes na introdução da obra, escrita em 1959.

Falando especialmente de sua Pátria, para a qual sempre desejou a única verdadeira grandeza – a de professar unanimemente e com seriedade a religião Católica Apostólica Romana -, as palavras transcritas a seguir foram as últimas dirigidas a seus compatriotas nua reunião plenária, cerca de 20 dias antes de ser prostrado pela doença que o levaria à morte em 3 de outubro daquele ano.

 Notem a razão dessa afirmação (o período transcrito na página anterior) (*). Ela não é solta no ar. O Brasil possui uma extensão territorial imensa, equivalente, no conjunto latino-americano, às dimensões dos Estados Unidos na América do Norte, ou à vastidão russo-eslava na Europa e Ásia. Isso significa uma superfície colossal.

Além de senhores dessa magnitude geográfica, os brasileiros se dizem habitualmente católicos. Sê-lo-ão na realidade? Se o forem, então nosso país passa a ser uma potência enorme, à vista de todo o prestígio que ele terá no meio católico. E depois, em virtude deste prestígio, uma potência que tende ao mundial. Pois, quase que pelo simples fato de existir – quase, ou seja, não de maneira completa – o Brasil é um colosso.

Esta asserção entre pelos olhos, mas levanta uma outra indagação: “Por que o Brasil não é esse colosso? O que lhe falta para ser essa eminência?”

Surge então a pergunta essencial: “Qual é a grave lacuna do Brasil? Qual o seu grande problema?”

Eis a questão a respeito da qual, fundamentalmente, foi escrita a “R-CR”.

 

Tudo crescia no Brasil, menos o amor a Deus

Em alguns espíritos talvez se levante a seguinte interrogação: “Por que é tão importante se conhecer a causa desse não-colossismo do Brasil?”

Eu respondo: pela simples razão de que só se pode retificar o mal corrigindo as suas causas.

Assim, devemos considerar que é dado ao Brasil crescer muito em riqueza, e no tempo em que a “R-CR” foi escrita, de fato ele vinha dilatando suas riquezas. Por toda parte as estradas de ferro e de rodagem, as vias fluviais, as comunicações por transportes aéreos, etc., iam se expandindo, de modo a entusiasmar. Entretanto, esse gigante não se colossificava.

Por quê? Porque no Brasil tudo aparentemente crescia, menos o amor a Deus. E, não se desenvolvendo esse amor, tudo permanecia parado, à espera do único fator que é a verdadeira causa de todo progresso.

Podia a nação sorrir de contentamento diante dos mais variados sinais de avanço e modernidade. Novas cidades, novos centros comerciais e industriais desabrochavam aqui, lá e acolá. Entretanto, uma coisa é positiva: apesar de tudo isto, o florescimento das vias de piedade estava estancado. Sobretudo achavam-se estagnadas a virtude da Caridade, a devoção a Nossa Senhora, à causa católica no que ela tinha de mais profundo.

 

O declínio das Congregações Marianas

Com efeito, o que no Brasil havia de mais essencial, de mais vibrante e de mais cheio de seiva católica, não só não crescia, mas decrescia: era o movimento das Congregações Marianas.

Por uma misteriosa concatenação de causas – cuja análise suporia uma longa e inoportuna explicação – o Brasil conheceu uma imensa explosão de crescimento católico por ocasião das eleições para a Assembleia Constituinte de 1934.

Naquela época, existiam no país alguns partidos políticos inexpressivos, sem importância e sem verdadeiro peso no cenário nacional. O grosso da Nação desejava um Brasil Católico, Apostólico e Romano, em que as leis e doutrinas do Estado fossem todas conformes às doutrinas da Igreja, e no qual, de outro lado, os anseios da população se identificassem claramente com os anseios católicos.

Em suma, aparecera uma população sobretudo de jovens que queria um Brasil jovem, um Brasil onde tudo se pautasse pela Doutrina da Igreja, ativa e imperativamente, de maneira a ninguém ter a coragem de almejar o contrário. Esta grande aspiração coletiva se corporificou no movimento das Congregações Marianas, o qual, por sua vez, se corporificou de modo especial em algumas congregações de uma vitalidade particularmente intensa.

Quando vieram as eleições de 1934, esse desejo explodiu, e em todas as Congregações Marianas do país o que se pediu foi a marianização, a catolicização do Brasil. Antes de tudo, exigia-se a proibição do divórcio. Ainda não tínhamos essa iníqua lei, e os congregados batalhavam contra ela. A par dessa proibição, queriam eles também a imposição do ensino católico obrigatório.

Quer dizer, pelo que as leis do tempo estabeleciam, o Brasil deveria ter um ensino todo ele católico, seja no âmbito público como no particular. Por causa disso, nas escolas oficiais e extra-oficiais, a matéria ensinada deveria ser católica. Os professores dessas matérias deveriam ser católicos, e a medula do pensamento lecionado nessas matérias deveria ser o pensamento católico.

 

Penitenciárias de ontem e de hoje

O Brasil não se conformava, ainda, com a ideia de que nas suas penitenciárias públicas não houvesse o ensino oficial da doutrina católica para os prisioneiros, para aqueles que estavam assenhoreados pelo Estado. Se o tivessem, poderiam eles se capacitar da veracidade do Catolicismo. E então, a esses miseráveis prisioneiros, vítimas dos vícios da época e dos vícios da Nação, seria dada a oportunidade de se modificarem e de – pelo menos em grande número de casos concretos – passarem a praticar verdadeiramente a religião católica.

A esse propósito, lembro-me de uma ocasião em que visitei a penitenciária de São Paulo, na companhia de uma personalidade que era ali recebida oficialmente. Recordo que visitamos a penitenciária inteira, e depois fomos conduzidos pelo diretor a uma espécie de sala de concerto, na qual os prisioneiros se sentaram em cadeiras adequadas. Quando chegou o momento, o maestro da fanfarra da penitenciária começou a fazê-los cantar o arrependimento do mal que tinham feito, a tristeza que sentiam, a vontade de fazer o bem, e a pedir, por meio de orações a Nossa Senhora, que a Providência alterasse a eles no fundo do coração, regenerando-os. E que fizesse os filhos deles parecidos, não aos pais criminosos, mas ao contrário do mau exemplo que eles tinham dado, etc.

Enquanto se ouvia aquela música, impressionei-me vivamente, muito bem surpreendido com o que se cantava. Não tinha prestado atenção no visitante, nem no diretor da penitenciária. Quando olhei para os dois, eles choravam de emoção, de alegria e de vontade de que aqueles pedidos se realizassem, e que assim se remodelasse, até às suas profundidades, o nosso imenso Brasil.

Ora, quando se vai a uma penitenciária de hoje, o que se encontra?

Tráfico de drogas, defeitos de caráter moral de toda ordem, inclusive tendência de permitir a homossexualidade, alegando-se que dessa maneira a vida a dois se torna mais alegre para o homem. Sem mencionar a decadência do ensino religioso, quando há!

Mas, se fosse apenas isto, como seria feliz o Brasil!

Como o Brasil é infeliz... Hoje percebemos a degringolada e o tremendo desvio em que a estagnação de nosso amor a Deus lançou o país, impedindo-o de ser essa potência católica cuja ausência eu lamento logo nas primeiras páginas da “R-CR”.

 

“Tornamo-nos um colosso porque nos tornamos de Deus”

De tudo o acima dito, resta a conclusão de que devemos conhecer e combater o mal em virtude do qual o Brasil não é um colosso. Importa-nos saber que temos muitíssimos para sermos um colosso, mas que não o somos. E o que falta para sermos o que deveríamos ser, é aquilo que nós não temos, não possuímos, e que nos toca realizar em nós, dolorosa, esforçada e combativamente. Cumpre que, na vida de todos os dias, no modo de agir, de pensar, de progredir, todos os brasileiros entendam que devemos recolossificar-nos, por assim dizer. Devemos crescer, e crescer em  profundidade, em raízes, em sulco, em força, e não apenas em território, nem apenas em riqueza.

Assim, raiará para o Brasil o momento em que possamos dizer: “Tornamo-nos um colosso porque nos tornamos de Deus!”[1]

 

(*) – Eis o texto a que ele se refere:

“O estudo da Revolução e da Contra-Revolução excede de muito, em proveito, este objetivo limitado.

Para demonstrá-lo, basta lançar os olhos sobre o panorama religioso de nosso País. Estatisticamente, a situação dos católicos é excelente: segundo os últimos dados oficiais, constituímos 94% da população. Se todos os católicos fôssemos o que devemos ser, o Brasil seria hoje uma das mais admiráveis potências católicas nascidas ao longo dos vinte séculos de vida da igreja.

Por que, então, estamos tão longe deste ideal? Quem poderia afirmar que a causa principal de nossa presente situação é o espiritismo, o protestantismo, o ateísmo ou o comunismo? Não. Ela é outra, impalpável, sutil, penetrante como se fosse uma poderosa e temível radioatividade. Todos lhe sentem os efeitos, mas poucos saberiam dizer-lhe o nome e a essência”.

Mais adiante, ele, o próprio Autor, a define: “Esse inimigo tem um nome: ele se chama Revolução”.

(Extraído de “Revolução e Contra-Revolução”, Chevalerie Artes Gráficas e Editora Ltda, 1993, Introdução, págs. 4/5)

   

 



[1] Revista “Dr. Plínio”, n. 13, abril de 1999, págs. 22/26

domingo, 28 de setembro de 2025

TITANIC, SÍMBOLO DE UMA SOCIEDADE QUE AFUNDA CHEIA DE FALSOS OTIMISMOS

 


O NAVIO QUE “NÃO PODIA” AFUNDAR

 Nós temos analisado o estado de espírito próprio à nossa época, que consiste muitas vezes, dentro das catástrofes, das desgraças, em não querer ver de frente o que vai acontecer, mas, pelo contrário, se iludir a respeito da natureza dos acontecimentos. De maneira tal que as coisas vão afundando e as pessoas que estão, por exemplo, numa sociedade que desaba, num país que desaba, num lugar assolado por uma catástrofe, não querem olhar isso. E até o último momento vão se agarrando à ideia de que nada vai acontecer, até o momento final em que elas estouram junto com a coisa. Em geral, as sociedades até decaem por causa desse estado de espírito.

Esse otimismo à prova de fogo, que não se altera diante das mais evidentes manifestações de que as coisas vão mal, indica uma insensibilidade diante dos planos da Providencia, um divórcio entre os homens e Deus, lembrando aquelas palavras de Nosso Senhor aos Apóstolos: "As vossas cogitações não são as minhas cogitações, nem as vossas vias são as minhas vias. Eu cogito em coisas diversas das vossas. E caminho por rumos que não são os vossos, que vós não seguis". Isso disse Nosso Senhor aos apóstolos antes de eles prevaricarem durante a Paixão e isso mesmo é o que diz a Providencia aos homens que não sabem perceber o curso dos acontecimentos e para onde é que Deus quer conduzir as coisas.

Por causa disso, por exemplo, nas vésperas da queda do Império Romano do Ocidente, nós encontramos uma cegueira tremenda: os romanos não percebiam. Na véspera da queda do Império Romano do Oriente era a mesma coisa. Na véspera da Revolução Francesa a mesma coisa. O Papa Leão X, por ocasião do protestantismo, não viu o alcance dos acontecimentos e disse que era uma simples luta de frades. Até no fato semi-lendário e semi-verídico da guerra de Tróia, vemos a mesma atitude. Os gregos introduzem o cavalo com guerreiros em Tróia, Cassandra prediz as desgraças que devem decorrer daí, mas os troianos não acreditam. E de fato, com o cavalo, entraram em seu bojo os guerreiros e, com estes é o fim de Tróia.

Esse é um estado de cegueira que merece ser analisado por nós, para que sejamos sensíveis à voz de Deus, para que compreendamos bem o que significa essas ondas de terrorismo em torno de nós, e essas explosões quando atingem até uma de nossas sedes.

Então, eu resolvi trazer aqui, para conhecimento dos senhores, uma narração do naufrágio do navio Titanic:

Esse navio Titanic era, no tempo em que foi construído, o maior navio do mundo.

Ele inspirava a maior tranquilidade no ano de 1912, no fim da Belle Epoque, que era uma época de prazer, de alegria leve, de distensão que preparava a I Guerra Mundial. Era considerado um navio que não podia ser posto a pique. Era um navio inafundável, era o maior navio do mundo.

Ele pertencia à companhia White Star Line, a companhia "Linha Estrela Branca", e jamais tinha sido feito um navio daquele tamanho. Exatamente por isso ele chamava Titanic. Era um navio titânico.

No dia 10 de abril de 1912 ele iniciou a travessia da Inglaterra, no porto Southampton, para Nova York. E ele, além de ser considerado o maior navio do mundo, era considerado também o que oferecia a maior segurança. O engenheiro tinha estudado, para ele, uma configuração e um revestimento da parte de baixo do navio tal, que se considerava que aquilo nunca podia romper.

De maneira tal que ainda que rompesse, entre a primeira e a segunda casca do navio, havia uma zona com ar de maneira tal que rompendo, havia não sei que choque de vácuo que a água que entrasse era expulsa. De maneira que o navio continuava a navegar, mesmo depois do primeiro rombo. Era uma verdadeira obra-prima de segurança. E então se encheu de pessoas de alta categoria social, de milhardários norte-americanos, de nobres europeus, de artistas; havia uma segunda classe muito grande. Havia uma terceira classe de imigrantes, que iam para os Estados Unidos, como quem vai para o Eldorado fazer fortuna, abandonando a miséria da condição operária em que estavam na Europa. E foi num ambiente de alegria que o navio saiu dirigindo-se para os Estados Unidos.

Essa situação do navio criou, naturalmente, a bordo, uma atmosfera de festas contínuas, e o navio tinha 2201 passageiros.

Isso já em 1912. Dois mil passageiros, os senhores podem calcular, é uma pequena aldeia flutuante.

Além disso tinha uma carga muito grande, calculada mais ou menos em 420 mil dólares-ouro naquele tempo, que representava muito mais do que o dólar de nossos dias. A bordo, na primeira classe, festas continuamente. Um tempo magnífico. O céu muito sereno, o mar muito tranquilo. Na segunda classe também uma atmosfera muito animada. Na terceira classe diversões populares, danças populares. Estava todo mundo alegre dentro do navio.

Três dias de navegação, na aurora do domingo, quando o dia, mais uma vez tinha levantado muito belo e muito claro, outra coisa que tornava radiosa a viagem, da chaminé do navio escapava apenas um pouco de fumaça.

Porque se tinha conseguido um tipo de combustível que não deitava quase fumaça, de maneira que era uma fumacinha branca, ligeira apenas, para não entristecer a viagem com o longo sulco da fumaça preta. Era o estado de alma de todos aqueles elegantes. Era apenas um pouquinho de alegria que se exalava de lá; mais nada; não havia tristeza, nem agressão.

Estavam sendo realizados a bordo - era domingo - serviços religiosos. E haviam... ...e tocava pífaro perdidamente na terceira classe, fazendo se ouvir pelo navio inteiro.

As nove horas da manhã, o operador do rádio do navio recebeu um despacho de um navio chamado Caronia, que dizia o seguinte: Mensagem ao comandante do Titanic: "Navios fazendo o mesmo caminho que o vosso, em sentido inverso, assinalaram em tais locais importantes massas de gelo flutuante. Esse gelo parece vir da Terra Nova".

Mais adiante, outro navio que passa um telegrama, uma comunicação pelo rádio. Era o navio California chamando o Titanic. Como o operador de rádio de bordo participava do otimismo geral, ele não deu importância ao primeiro aviso e quando ele viu que era o Califórnia que estava chamando, pelos sinais, ele achou que era um navio de segunda classe que não teria nada de importante a comunicar.

E nem tomou nota do telegrama, nem ouviu. O telegrama bateu, e ele tocou a viagem... Os senhores estão vendo como o otimismo ia grosso. Também não podia ser afundado o navio: era insubmergível um navio tão grande, tão bonito, uma época de tanta alegria. Como é que ia afundar esse navio? Não é possível...

Às treze horas e quarenta e dois, novo aviso. Era o Valtic, era outro navio que anunciava também que estavam se deslocando massas de gelo, icebergs, na direção do Titanic. Então o telegrafista tomou nota da mensagem e mandou para a sala de comando. O oficial que estava de serviço no momento leu e mandou levar para o comandante. O comandante estava na hora do almoço. Ele almoçou, depois foi para o tombadilho e percebeu no tombadilho, andando de um lado para outro, o senhor diretor da Companhia, e parou diante dele para mostrar a mensagem.

Os senhores estão vendo o que é o próprio do subordinado indolente: vai empurrando as decisões para cima para continuar na moleza, com a intuição de que ele encontrará um mais mole em cima também, e que aquilo vai para cima e se perde na estratosfera... como a fumaça azulada do navio.

Lê o telegrama e o coloca no bolso; estava passeando com duas senhoras. Explicou a elas, de um modo muito amável, que era um pequeno incidente de viagem, eram icebergs que iam atravessar a rota, e continuou a passear com elas, não dando atenção nenhuma.

Os senhores estão vendo uma espécie de quase evidente fatalidade caminhando para o desenlace.

Mais tarde, às dezenove horas e quinze o comandante pediu de volta o telegrama, a fim de colocar no quadro de avisos dos oficiais. O jantar realizou-se normalmente na grande sala de jantar, estilo século XVII, estilo glorioso.

Os senhores podem imaginar.

Os senhores sabem que nos grandes navios daquele tempo, os homens e as senhoras jantavam em vestido de baile todas as noites. E os homens de casaca, os mais moços de smoking. Os senhores podem imaginar o que seria o jantar do Titanic esse dia.

O jantar foi muito alegre. Fazia frio no tombadilho, mas a noite estava muito bela, sem lua, mas cheia de estrelas. Depois da refeição, vários passageiros de segunda classe se reuniram no salão onde o reverendo Carter dava um concerto religioso.

Devia ser um concerto protestante.

Eram perto de 22 horas e os empregados já tinham preparado os biscoitos e cafés para toda a assistência, quando se ouviram na primeira classe os acordes de música da segunda classe. E era uma música religiosa: "Senhor, ouvi nossas orações para aqueles que estão no perigo do mar". Na ponte de comando, o primeiro tenente, um marinheiro consumado muito experimentado, foi acordado às vinte e duas horas pelo segundo capitão Murdock. Tinham discutido com os outros oficiais da vizinhança a respeito de gelos que pelo menos cinco telegramas tinham anunciado. As vigias tinham recebido ordem de trazer, de ver com atenção qualquer particularidade a esse respeito. Previa-se que o navio pudesse encontrar os icebergs a partir das nove horas e meia, portanto, a velocidade foi calculada para essa eventualidade..., o tal capitão, foi se deitar.

O navio era insubmergível, portanto eles não tinham tratado disso, a possibilidade de desviar a rota, nem nada. Fugir, que é o que se faz nesses casos, nada! Diminuir um pouco a velocidade para diminuir o impacto... e acabou!

O comandante do navio também foi para o quarto. A calma reinava há muito tempo na parte dos emigrantes. Nas cabines de primeira e de segunda classe as lâmpadas iam se extinguindo. Os icebergs iam chegando.

Os senhores vêm: é o símbolo de uma civilização, de uma ordem de coisas caminhando à deriva para o perigo.

No posto de rádio estavam Philips, que tinha substituído o tenente...

Novamente começaram as faíscas no aparelho telegráfico e era novamente o navio California. O California dizia para o Titanic: "Meu caro, é bom você saber que nós estamos bloqueados de gelo aqui". Resposta do Philips, do telegrafista do Titanic. Ele disse: "Fecha essa geringonça, meu caro. Eu estou aqui conversando com um cabo e você está atrapalhando todas as minhas emissões".

Quer dizer, estava conversando com outra pessoa no rádio... "eu estou de prosa com outro no telegrafo em outro lugar".

Eram vinte e três horas e quarenta. Nesse momento preciso, como se surgisse do vácuo, uma grande forma branca apareceu e foi direto para a proa do Titanic... que era um dos oficiais, durante um momento não pode acreditar em seus olhos. Estava anunciado longamente, mas ele não podia crer no que via. Mas como? Uma viagem com gente tão fina, um navio tão bonito e acontecer isso? Não tem perigo, é uma coisa que não acontece.

Mas ele teve que se dar conta da realidade sinistra. Freneticamente ele deu três sinais de alarme, assinalando que havia alguma coisa diante dele. Depois telefonou para o posto de comando e disse: "Um iceberg imediatamente diante de nós". O capitão, o sub-comandante não teve sequer tempo de dar a resposta regulamentar. Ele urrou: "À esquerda com toda velocidade!"

O timoneiro manobrou rapidamente o comando do navio e começou a desviar. Mas o iceberg estava de tal maneira próximo que foi impossível evitar o choque. O choque se deu.

Houve um grande choque, uma pequena inclinação num dos lados do navio. Pedações de gelo caíram sobre a proa, na parte da frente. O Titanic lentamente parou.

Quer dizer, o golpe foi tão forte que o navio perdeu a sua velocidade.

O navio estava mortalmente ferido. O comandante ferido. O comandante aí saiu correndo do quarto...

Só aí é que ele acordou! Quer dizer, nem acordaram o comandante...! ...perguntando: "Nós fomos abordar no que?" – "Abordar! Bem um iceberg, comandante, respondeu um dos homens".

Algumas lâmpadas se acenderam nas cabines de primeira e segunda classe. Começa novamente o arrepio.

Os senhores vão ver as reações...

Passageiros com olhos cheios de sono passaram as cabeças por aquelas janelinhas redondas, que davam sobre o tombadilho. "Por que é que nós paramos?", perguntou um deles ao maître d'hotel. "Eu ignoro, senhor, mas eu não penso que se trate de qualquer coisa de importância" – "Ah, está bem!"

Na sala de fumantes do navio, jogadores de pôquer ainda estavam jogando a essa hora. Eles sentiram um ligeiro abalo, viram desfilar uma montanha de gelo, alta de vinte metros pela janela da sala em que eles estavam, mas a noite era calma e bela. O Titanic era insubmergível. Eles nem sequer tomaram o trabalho de sair do lugar onde estavam. Continuaram a jogar. Por que? Porque o Titanic é insubmergível...

De cada estralo sai cada bombada, sai coisas do outro mundo! Mas a sociedade atual é insubmersível... Não se discute!

Entretanto, alguns da tripulação começaram a compreender a situação e já entreviam que o ferimento do navio era mortal. Nos porões notava-se, por algumas fendas, a água do mar que entrava aos borbotões. Praticamente a proa do navio estava aberta para o mar. Em dois minutos houve dois metros e meio de água na caldeira do navio....

Gravíssimos. Os sacos com correspondência começaram a boiar no porão. Nas instalações de aquecimento do navio um jorro de água de mar caiu em cima e apagou tudo. Os seis compartimentos da frente estavam completamente inundados.

Em dez segundos, o iceberg tinha aberto no navio insubmersível, um corte de noventa metros.... ... o diretor da Companhia, chegou, afinal, ao tombadilho do navio, enrolado num grande chambre e perguntou: "Afinal, o que é que está acontecendo?" O comandante... disse: "Aconteceu que nós esbarramos num iceberg" – "O senhor crerá que serão muito graves as avarias?"

Com um robe-de-chambre tão bom, com é que poderia ter graves avarias?...

"O senhor crerá que serão muito graves as avarias?" O comandante: "Eu receio bem".

Aos poucos a vida foi se reanimando no navio onde todo mundo dormira. Homens e mulheres e crianças que acordaram, puseram questões. A ordem foi dada de tirar as lonas dos barquinhos de salvamento. A água subiu cada vez mais e até alguns passageiros já subiam dos andares mais profundos com os pés molhados. Mas os passageiros, quase todos, ainda ignoravam que o navio estava afundando.

Quer dizer, o navio pára, o navio esbarra, alguns estão com os pés molhados, a pergunta é normal: "Não vai afundar isso?" – "É insubmersível". Se é insubmergível, não afunda! Diante das coisas mais evidentes, não tem perigo. É a mentalidade das épocas de decadência...

Afirma o historiador:

"O navio era grande demais para que simples icebergs, flutuando sem eira nem beira, pudessem lhe causar uma avaria grave. A noite era calma demais, bela demais para trazer a morte".

Esse era o estado de espírito dos passageiros, afirma esse historiador.

Lança o sinal de desespero, que naquele tempo não era SOS, mas CQB. Os operadores lançaram o sinal de salvamento para todos os navios da zona, e o navio Provence e o navio... responderam. Aos poucos foram descendo para baixo para os barquinhos de salvamento, mas não com a rapidez desejada, porque os marinheiros, eles mesmos relaxados, levaram muito tempo para cada um vir tomar conta do barquinho que devia ir. De maneira que o serviço de salvamento se efetuou com atraso. E alguns até nem sabiam para que barquinhos deviam ir.

Havia sido esquecido de indicar para eles para onde eles deviam ir em caso de naufrágio. Por que esqueceram? Razão muito simples: não haveria naufrágio. Quer dizer, o barquinho estava mais lá como enfeite do que como uma medida concreta.

Era preciso urrar as ordens para que os marinheiros obedecessem. De outro lado, o navio começou a apitar horrendamente, por efeitos acústicos da água que entrava por vários lados, de maneira tal que ao cabo de algum tempo ninguém mais se entendia.

Os senhores devem imaginar passageiros apavorados: "Não, o navio não pode afundar, está todo mudo mais ou menos calmo". Essa obstinação...

À meia-noite e meia a ordem foi lançada: "As mulheres e as crianças para os barquinhos". Separar-se do navio que não pode afundar, para tomar um barquinho afundável... E o medo deles era esse. Houve mesmo uma senhora que recusou e disse que do Titanic ela não saía.

Os empregados acabaram de acordar os passageiros que ainda estavam dormindo e puseram neles os salva-vidas. Alguns sorriam diante dessa precaução. Eles diziam: "Não, isso é um excesso de precaução". E ainda sorriam...

O sinal de desespero, o CQD, foi dado com tal potência, os aparelhos do navio eram tão bons, que em Nova York os jornais começaram a tirar edições extraordinárias, sensacionalistas, anunciando que o navio ia afundar, porque o sinal chegou até Nova York.

É um estado de espírito, que de um certo ponto de vista é otimismo, e de outro ponto de vista é o pânico do medroso, que não ousa olhar de frente a realidade, não quer se engajar na coisa.

O navio, de repente, começou a inclinar para frente. Na ponte de passeio começam a se notar sinais de pânico. Um músico, por exemplo, que corre de um lado para outro com seu instrumento. Preocupação fixa: salvar o instrumento.

À meia-noite e quarenta e cinco desce a primeira canoa, o primeiro barco de salvamento toca na água. As mulheres, que estavam numa espécie de escada para tomar aquilo em baixo, resistem. Elas ficam enloucadas de medo diante da ideia de deixar o Titanic e elas exclamam: "O Titanic não pode ir a pique, ora essa, eu não vou entrar nesse barquinho". Os homens encorajam as mulheres, dizendo para elas que se trata apenas de uma medida de precaução, mas que o navio vai ser salvo. E despedem-se, muitos deles assim, muitos homens às esposas: "Para o café da manhã nós nos encontramos aqui de novo no navio". E as mulheres vão, enquanto os homens ficam.

Apesar desse pânico das mulheres que descem, o resto dos passageiros se mostram calmos e todos vão subindo das cabines com toda tranquilidade, para o tombadilho.

Os emigrantes se divertem enormemente com o caso e conversam com animação. Para eles é novidade. Mais ainda: a orquestra de bordo se reúne no tombadilho e começa a executar danças.

Os senhores estão vendo até onde pode ir este estado de espírito...

Vejam isso. É incrível!

... aí foi posta fora a canoa número 6: continha apenas 28 pessoas, só 28 embarcaram quando podia receber 65.

Mas é a obstinação: "Nosso navio não vai afundar!"

A uma hora da manhã, a água continua a subir. As canoas de salvação descem uma a uma para o mar. Os acentos da orquestra chegam sempre através dos gritos de ordem dados da ponte de comando, para retardar a entrada da água etc. Afinal, chega a vez da canoa número 1, mais confortável e reservada para os milionários de bordo.

Isso é muito do tempo: uma canoa mais confortável para os milionários.

Ela tem uma capacidade de quarenta homens, mas contém somente Sir... e Lady... e dez outros passageiros. Os imigrantes, pelo contrário, percebem o perigo e começam então a lutar uns com outros pelas suas próprias canoas.

Quer dizer, esses menos apegados à vida, porque têm menos dinheiro, e quando percebem o perigo, querem escapar mais depressa. Os ricaços desdenham, por essa forma, a canoa de luxo, a salvação do luxo que estava proporcionado a eles.

Para por em ordem os emigrantes, um oficial desce entre eles e dá três tiros no ar. Quatro chineses, no meio do susto, por via das dúvidas, entram numa canoa escondidos e ficam lá no fundo. E, de fato, desceram.

A uma e vinte, começa-se a se notar na classe mais alta também um certo pânico e o pessoal começa a querer também salvar-se.

Mas olhem, leva tempo, hein!?

Algumas senhoras começam a se despedir umas das outras abraçando-se e beijando-se no choro. A água continua a subir, a orquestra continua a tocar. A uma e meia o oficial é obrigado a dar tiros no ar para segurar a classe de luxo que vai voando por cima das canoas também. Uma mulher faz questão de levar consigo o cachorro dinamarquês. Como não permitem que ela leve o cachorro, ela prefere não entrar dentro da canoa. O pintor Millet perdeu o pequeno sorrisinho que ele costumava conservar sempre. Seus lábios estão contraídos, ele traz cobertores para as mulheres e começa a fazer para todo mundo gestos de adeus.

Quem conhece o Angelus de Millet, tão tranquilo...  ...um judeu famoso, chamado Benjamin pelo contrário, está vestido de um modo impecável de casaca e diz ao Millet: "Eu subi de casaca para morrer como um gentleman".

O major.... ajudou as últimas mulheres a entrar nas suas embarcações. Uma judia riquíssima, madame... está no ponto de colocar o pé no barco quando ela se volta para o marido e diz o seguinte (o marido estava numa espécie de escaler): "Nós passamos a vida inteira juntos e havemos de morrer juntos". O marido topa a parada, ela volta para o navio.

O coronel John Jacob Astor, que é um sujeito muito importante da Inglaterra, e sua jovem esposa, embarca sua jovem esposa e quando ela parte vê-se que ele está batendo um cigarro numa cigarreira de luxo e dizendo para ela: "Querida, não se incomode, daqui a pouco nós estaremos juntos".

Um dito muito equivoco, não é?...

A orquestra continua a tocar. As duas horas da manhã o Titanic entra em agonia e começa a se inclinar cada vez mais no sentido longitudinal.

E aqui eles reproduzem o desenho que um passageiro fez, de dentro de um barquinho, das várias fases do Titanic afundando.

Mais ou menos 660 pessoas embarcaram. 1500 pessoas estão afundando junto com o navio. Com o rosto lívido, o comandante aparece numa das portas e diz para a tripulação: "Meus caros, vós fizestes vosso dever. Cada um agora trate de fazer o que puder, porque não há mais barcos e todo mundo é livre".

O comandante volta para o seu posto de comando, onde está o seu valet de chambre, o qual tranquilamente pergunta que ordem ele tem para dar. No meio da classe de luxo irrompe uma figura horrorosa: era um carvoeiro, todo sujo de carvão, louco de medo, que procura de todo lado um salva-vidas. Entretanto, na sala de ginástica, o professor de educação física está olhando dois gentleman que sobre bicicletas imóveis fazem exercícios e um outro que joga ....ball, durante o naufrágio.

Essa coincidência de pânico com a despreocupação completa são duas formas de pânico.

A orquestra afinal pára de tocar danças e começa hinos religiosos.

Aí que eles se lembram de Deus...

Então, ouvem-se cânticos de passageiros que então começam a rezar e acompanhar, e cantam todos juntos: "Perto de ti, meu Deus, perto de ti". Algumas mulheres se ajoelham. Muitos correm aloucadamente pela ponte. Quando o hino vai chegando ao fim o chefe da orquestra, o violinista.... bate com o arco do violino contra um objeto de madeira e encomenda a música "Outono" aos seus oito músicos, cujos pés já estão dentro d’água e que fazem força para não cair, não rolar no tombadilho já inundado. As pessoas começam a pular no mar gelado. Uma mulher urra: "Salvem-me, salvem-me." Um homem lhe responde: "Só Deus pode lhe salvar agora, minha boa senhora".

A orquestra começa a tocar o hino "Outono" cujos dizeres são: "Deus de piedade e misericórdia, inclina-te sobre as minhas dores".

São duas horas e dezessete da manhã; todas as luzes do navio estão extintas e reina a escuridão por toda parte. Às duas horas e dezoito começa-se a perceber homens que pulam de todos os lados no mar gelado.

Quer dizer, desespero completo.

O navio vai inclinando cada vez mais; a parte detrás está cada vez mais alta; ainda se ouvem hinos da orquestra tocando até o fim.

Às duas horas e vinte, o maior navio do mundo desapareceu. Ouvia-se só no mar um longo gemido contínuo, que saía de dentro, que era o ar que o navio levava consigo e que era expulso por essa forma. As embarcações para levar os passageiros começam a correr risco porque eram mal construídas, mal armadas mal equipadas, e mal carregadas.

Ninguém tinha pensado nas medidas de prudência, no maior navio do mundo. Por que? Porque o navio era insubmergível...

Em algumas havia por demais pouco marinheiros, de tal maneira que as mulheres tinham que remar para o barquinho poder andar. Houve uma lady, por exemplo, que tomou o leme do barco e guiou, porque os marinheiros não davam conta do recado. Um italiano, que estava com um pulso quebrado, se tinha oculto e se tinha disfarçado de mulher, com chapéu e capote de mulher e envergonhado diante das mulheres (porque estas viam que ele não era mulher e estava em uma embarcação destinada a mulheres).

Em algumas embarcações onde havia lugar de sobra, os passageiros recusavam aos náufragos a entrada, e davam com o remo em cima dos náufragos para ver se ao menos eles se salvavam. Em alguns lugares, as mulheres ficavam loucas e os homens tinham que desmaiá-las, desacordá-las a bofetadas, para elas não criarem dificuldades.

Afinal de contas apareceu um outro navio, pegou-os e eles foram para Nova York.

Aqui a gente vê os náufragos nesse navio. Os senhores sabem qual é o incrível? As poucas caras que a gente vê eram caras sossegadas. Esse novo navio não era afundável, eles não tinham afundado, não ia acontecer nada... Passou para outro. Provavelmente alguns pereceram depois da I Guerra Mundial.

Esse é o estado de otimismo desesperado das épocas de decadência.

Uma pessoa com esse estado de otimismo, se pertencesse à TFP cometeria um erro que nenhum de nós cometeu, depois da bomba que os terroristas colocaram na sede da (Rua) Martim Francisco, que seria dizer: "Foi apenas um meteoro; não aconteceu nada. A sede da Rua Pará é inatingível..." Isso seria esse estado de espírito.[1]

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Conferência de Dr. Plínio Corrêa de Oliveira, “Santo do Dia”, 25 de julho de 1969