Com seu atraente e
luminoso estilo, Louis Veuillot (*) escreveu o livro Parfum de Rome, onde reúne
notas sobre uma de suas viagens à Cidade Eterna, que até 1870 esteve sob o
poder temporal do Papado.
Diário de uma alma
em busca da virtude
Nessa obra lemos o
seguinte trecho, muito bonito, por diversas vezes objeto de meus comentários:
"Num
quarteirão deserto, nos muros de uma igreja, Enrico [é o próprio Veuillot],
copiou e traduziu para mim as inscrições seguintes, traçadas a lápis por uma
mão firme e exercitada [portanto, é um anônimo que escrevia isto]: 'No dia 14
de setembro eu me encontro com má saúde por minha culpa, pela inquietação e
pela desobediência. A partir deste momento, onze horas da manhã, decidi, com a
ajuda de Deus e de Maria Santíssima, não mais me atormentar e recuperar a
verdadeira paz. São José, rogai por nós. Um mês depois: 14 de outubro. Até este
momento ainda não consegui, ou melhor, não obtive o que escrevi no dia 14 de
setembro, mas agora decidi fazer tudo."
Sabemos que, nos
primórdios de nossa vida espiritual, geralmente sucede isto: tomamos uma
decisão e nos convertemos. Após um mês, fazemos exame de consciência e
verificamos que quase nada progredimos. Então resolvemos cumprir todos os
propósitos estabelecidos anteriormente, como manifestou a pessoa à qual o texto
se refere.
"Dia 15 de
novembro: renovo tudo aquilo que prometi, a fim de chegar a executá-lo. Dia 23
de novembro: falhei, mas prometi a mim mesmo, com toda a alma, de executar. Dia
28 de novembro: decidi ser bom. Dia 31 de dezembro: quero obedecer sempre, para
agradar Maria Santíssima até a morte. 28 de janeiro: não há mais inquietação,
por amor a Maria Santíssima e renovo hoje aquilo que tinha deliberado no dia 1º
de fevereiro. Dia 1º de março: Não. As inquietações cessaram. Dia 29 de março:
Não mais me atormentar, não mais pecar.
Nas duas últimas
datas, a inscrição está rodeada de um desenho que representa duas palmas
formando uma cruz. Devo confessar que estas declarações, feitas ingenuamente
por uma alma provada e enfim vitoriosa, não me tocaram menos do que se eu as
tivesse lido nas catacumbas, das quais elas parecem ter o perfume..."
O mesmo admirável perfume dos primeiros martírios
É deveras bonito o
comentário de Veuillot, cujo trecho nos leva a admirar o triunfo da graça. Pois
trata-se de uma alma que em diversas oportunidades firmou boas resoluções, sem
lograr mantê-las. Em seguida, renovava os bons propósitos e tinha novas quedas.
Afinal, à força de rezar – era uma pessoa piedosa, ciente de que sem o auxílio
divino, implorado com perseverança, nada alcançaria – obtém o que tanto
almejava. Depois de muito tempo e de vários insucessos, conquistou a vitória na
sua vida espiritual.
Era uma alma
perseguida por inquietações (talvez escrúpulos, ou alguma má inclinação à qual
ela dava consentimento) e até revoltada, porque não obedecia a uma certa
autoridade cujas determinações deveria acatar. Após as recaídas, e à custa de
orações, acabou chegando um determinado momento em que ela pôde dizer-se
obediente, pacífica e tranqüila. Então, com o senso artístico peculiar ao
italiano, adornou com duas palmas as datas que representavam a sua vitória.
Considerando que
essas notas traduzem uma situação comum em qualquer trajetória espiritual,
somos levados a perguntar porque a pessoa em questão resolveu gravá-las nos
muros de uma igreja. Certamente porque foi o lugar onde recebeu uma graça
particular, e onde, a horas furtivas, vinha inscrever na pedra do templo a sua
confissão a Deus. Essa alma traçou ali seu diário, por desígnios da
Providência, a fim de que fosse copiado e analisado por Louis Veuillot. E é
este comentário do grande literato que nos interessa.
Diz ele que o fato
era digno de estar escrito na parede de uma catacumba romana, pois tem o
perfume dela. Ora, isso nos mostra o caráter perene da Igreja; revela-nos como,
nas condições da vida hodierna, é possível repetir toda a glória do seu remoto
passado. Com efeito, uma alma fiel que luta contra suas próprias misérias e
que, apesar das infidelidades, roga constantemente o socorro de Nossa Senhora,
para se ver resgatada de suas faltas e livre do império delas – essa alma
realiza algo tão belo quanto o cristão que enfrentava no Coliseu, ou em outra
arena, os leões e os tormentos do martírio.
Realmente, para
quem conhece o valor das coisas espirituais, a seriedade e o desejo de cumprir
o dever, o saber se humilhar quando se cai, decidir levantar-se de novo e
confiar na misericórdia de Maria, possui um perfume admirável. É o bom odor do
sofrimento humano suportado com fé. No episódio descrito por Veuillot se
percebe a alma sofredora que se dilacerou para conseguir a fidelidade aos seus
propósitos. Ela teve uma fé que move as montanhas, e finalmente alcançou seu
objetivo.
Ora, esse torcer e
sangrar da alma para cumprir seu dever é uma forma de imolação que tem o aroma
de todos os martírios. Quiçá não ateste o heroísmo num grau análogo ao daqueles
cristãos sacrificados nos circos romanos. Porém, basta manifestar um certo
sentido de heroísmo para exalar algo do perfume das catacumbas, todo feito do
espírito de epopéia dos primitivos católicos que as freqüentavam.
Orar sempre, orar muito, sem desânimo
Cumpre colhermos
dessas considerações uma aplicação para a nossa vida espiritual. E será
compreendermos que jamais devemos desanimar quando não conseguimos cumprir os
bons propósitos que fazemos. Ainda que tenhamos insucessos, é necessário rezar,
confiar e orar ainda mais, porque à força de pedir, o Céu se abrirá para nós.
Os que imploram com insistência a graça de praticar a virtude, por débeis que
sejam, pertencem por excelência à categoria daqueles aos quais Nosso Senhor
recomendou: "Batei e abrir-se-vos-á; pedi e dar-se-vos-á". Quer
dizer, é uma glorificação da prece como meio eficaz para o homem obter aquilo
que, pelo seu próprio recurso, não alcançaria.
Alguém poderá
dizer: "As minhas orações valem pouco".
Eu respondo: então
reze muito. Pois se possuo apenas algumas moedas para adquirir uma jóia
bastante valiosa, é-me necessário reunir uma grande quantia para comprá-la.
Assim também, se julgo que minhas orações valem pouco, à força de acumulá-las,
seu peso há de crescer. Se considero meu rosário insuficiente, recitarei dois.
E se não tenho tempo para os dois, direi um rosário e uma Ave-maria. Como quer
que seja, rezarei o mais possível, e essa persistência acabará por me alcançar do
Céu a graça desejada.
A esse respeito,
não posso deixar de mencionar, uma vez mais, a célebre parábola de Nosso Senhor
no Evangelho. É noite, e um homem já se encontra deitado com seus filhos, para
dormir. Em certo momento, o vizinho lhe bate à porta, rogando-lhe um pedaço de
pão.
– Chegaram hóspedes
inesperados, e não tenho o que lhes servir – disse-lhe.
E o primeiro
respondeu:
– Não posso
atendê-lo, pois estou deitado com todos os meus filhos.
O vizinho continuou
a bater e a insistir, até que o dono da casa lhe gritou:
– Não é por
amizade, mas para me ver livre da sua amolação é que vou me levantar e lhe dar
o pão.
Com essa parábola
Nosso Senhor nos oferece o seguinte ensinamento:
"Sede assim em
vossas orações". É como se Deus acabasse dizendo a cada um de nós:
"Este é muito cacete. Vou atendê-lo". Tenhamos, pois, a excelsa
virtude da caceteação. Saibamos ser importunos e pedir, pedir e pedir outra
vez. No pedido mil e um obteremos mais do que suplicamos. Ganharemos uma paga
imensamente grande.
Essa circunstância
se dá de um modo ou de outro na vida de todos os homens, mesmo na daqueles que
se acham adiantados na prática da virtude. Para galgarem um patamar ainda mais
elevado nas vias do bem, é necessário rogar muito. Então peçamos, lembrando-nos
desse diário visto por Louis Veuillot em Roma. A oração acaba vencendo tudo.
Uma palavra final.
Se alguém estiver desanimado, desacoroçoado, julgando infrutíferas suas preces
porque nada conseguem, dou-lhe este conselho: tome o rosário, reze-o e nunca o
abandone. Quando não puder recitá-lo, segure-o na mão e este gesto valerá por
uma prece. Se possível, tenha em casa uma lamparina acesa constantemente junto
a uma imagem de Nossa Senhora, e diga à Santíssima Virgem:
"Minha mãe,
sou tão dissipado que não consigo rezar. Mas, quando olhardes para esta
lamparina, lembrai-Vos de que eu quereria estar rezando. Ao mesmo este desejo
subconsciente me acompanha a vida inteira".
Portanto,
dirijamo-nos a Maria Santíssima em todas as ocasiões. Certo estou de que, se
Ela demorar em nos atender, é porque nos reserva um dom imensamente valioso,
muito maior do que podemos imaginar.
(Plínio Corrêa de Oliveira)
(Fonte:http://www.tfp.org.br/dr-plinio/fidelidade-a-santa-igreja/a-oracao-tudo-vence/pagina-3)
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