Uma grande professora baiana do passado, Amélia Rodrigues, discorre sobre a necessidade da educação moral nas escolas:
Que bela coisa uma boa
escola, minhas caras leitorazinhas! Uma sala grande, arejada, clara, cheia de
carteiras, de mapas, de quadros, de tudo o que se torna preciso para facilitar
o ensino, e cheia também de crianças alegres, robustas, que querem aprender e
que aprendem... que bela coisa é!...
A mestra fala, as
crianças escutam, pendentes dos lábios dela, para recordar e repetir depois em
casa, às mamães, tudo ou quase tudo o que ela disse, o que ela ensinou... que
lindo espetáculo!
Felizes crianças, estas
que vão à escola e que aproveitam nela. As outras, as que ficam em casa sem
estudar, são infelizes, porque grande desgraça é não receber instruções nem
educação, viver no cativeiro medonho da ignorância. Merecem lástima essas
crianças.
- A instrução é a luz;
a ignorância é a treva, é a cegueira do espírito.
Entretanto, para que
essa luz seja um verdadeiro bem é preciso que a acompanhe, que a preceda mesmo,
uma sólida educação moral.
Homens e mulheres há,
infelizmente, que sabem muito, têm talentos, cultivam ciências e artes e
impõem-se até à admiração de todos, mas que praticam péssimas ações, abrigam
sentimentos vis e são a vergonha dos homens de bem. Por que?... Porque lhes
faltou uma boa educação moral.
Acima, muito acima
desses monstros com asas de águia, estão aqueles que, não brilhando embora
pelos preciosos dotes do saber ou da inteligência, possuem, contudo, o cabedal
de honradez, do caráter, da virtude. Os primeiros excitam somente a admiração;
os segundos inspiram estima e confiança.
Onde haurir, porém, a
verdadeira, a sólida, a pura educação moral?... Eu vo-lo responderei.
Prestai-me atenção.
Assim como o fruto vem
da flor, assim a verdadeira moral vem, necessariamente, logicamente, da vida
religiosa. Não pode haver moral sem religião; e vice-versa.
Nem demanda grandes
arrazoados a prova disso. Bastará um pequeno raciocínio.
O cumprimento do dever
é quase sempre um sacrifício; ora, a não haver uma força mais elevada que
obrigue o homem a vencer a sua natureza para cumprir o dever, ele nunca, nunca
o poderá fazer perfeitamente, sobretudo com desinteresse e com satisfação, se
alguma vez o fizer. A religião é essa forma imensa, miraculosa, sobrenatural.
Tem incentivos para os
fracos, doçura para os fortes, consolações para todos. É o laço vigoroso que
nos prende ao Bem. Quebrado esse laço, a alma facilmente foge ao sacrifício,
parecendo-lhe insuportável a cadeia do dever.
As provas disso abundam
e têm abundado sempre. Grandes criminosos têm confessado no cadafalso ou no
cárcere, que uma educação sem Deus é a que os levara à malvadez e à desgraça.
Em tese é isso o que se dá.
A ideia de Deus eleva
os pensamentos para o alto, para as santas ambições de uma vida melhor, de uma
vida eterna, arrancando-o à lama da terra. As mesmas desgraças, as misérias da
vida, perdem a sua foca destruidora quando batem no rochedo da fé. A fé traz a
esperança e traz a caridade, o amor!
Uma chamada “moral
utilitária” ou “independente” – moral
sem Deus, sem vistas largas para a eternidade – é falsa, absolutamente falsa,
porque não se baseia em fundamentos duráveis, e, estando sempre sujeita ao
vendaval das paixões, fica por isso
arriscada e exposta a interpretações errôneas, de acordo com o interesse
individual, para satisfação dos gozos, que a natureza animal está sempre a
exigir.
A base mais segura da
moral é, pois, o catecismo cristão, porque pregar os bons costumes sem apontar
para Deus é escrever na areia, falar de sacrifícios sem levantar os olhos para
Jesus Cristo, o divino Crucificado, é pretender gravar letras em pedra com a
ponta do dedo. Todo o piloto quer um rumo, todo o problema uma solução, e para
esta luta titânica do bem contra o mal não são armas seguras as ideias vagas,
indecisas, a flutuarem nas ondas da dúvida, a se abismarem no vazio da negação,
que nada resolvem e nada deixam em troca das esperanças e das consolações que
arrebatam.
Eis aqui, a respeito,
alguns trechos de um discurso que Vitor Hugo, o grande poeta francês,
pronunciou no Senado, defendendo a educação religiosa:
“Há uma desgraça em nossos tempos, e quase direi que é a
única desgraça: é a tendência a reduzir tudo a esta vida. Dando-se ao homem por
único e melhor destino a vida terrena e material, se agravam todas as suas
misérias com a negação do que é superior; à opressão dos desgraçados agrega-se
o peso insuportável do – nada; e nisto está a origem das profundas convulsões
sociais... Oh! Como a nossa miséria se diminui, quando nos consola uma esperança
sem fim – Deus!
Deus se mostra no fim de tudo.
Não o neguemos e ensinemo-lo a todos; não haveria dignidade
alguma em viver, toda a vida nada valeria, se nos devêssemos aniquilar para
sempre, se nos esperasse uma morte eterna.
O que alivia as nossas tristezas, o que santifica o
trabalho, o que torna o homem forte, sábio, paciente, benévolo, justo, a um
tempo humilde e grande, digno da inteligência, digno da liberdade, é conservar
em si, profunda e arraigada, a perpétua visão do mundo melhor, que brilha
através das trevas desta vida – o Céu!”
Que belíssimas
palavras!... Que grandes verdades
exprimem elas!... Sim, queridas leitoras, sem Deus não há, não pode haver
virtude nem verdadeira moralidade. Haverá cálculo, quando muito.
Ficai, pois, certas disso:
educação a que faltar a base sólida, incorruptível e poderosa da religião, será
uma educação manca, toda de aparências somente, mais ou menos como um bonito
palacete de papelão dourado, rendilhado, que um louco mandasse fabricar para
abrigar-se dentro. À primeira rajada de temporal, zás, palacete no chão.
Portanto, minhas boas
cidadãs, nada de aparências somente, nada de roupagens de ouro a encobrir
corações de lodo. Educação modelada pelas normas sublimes do Evangelho – normas
que nenhum sistema filosófico pôde jamais nem poderá igualar nem substituir -,
sentimentos morais a nutrir-se com a seiva vigorosa da fé – eis as raízes
inabaláveis do dever, eis aí a verdadeira educação mora, sem a qual a instrução
será mais prejudicial do que útil, sem a qual o homem não pode ser senão
desgraçado por mais que procure a felicidade neste mundo, quase sempre injusto
e cruel.
- E correu-me a pena
para esta disgressãozinha, ao falar de uma boa escola pelo seu lado material.
Haveis de perdoar-me. É que para mim o lado material das coisas é o menos
importante, e a melhor escola será, não a que mais provida for de apetrechos
pedagógicos, porém a que melhor cidadãos formar; não a que maior soma de
conhecimentos der, porém a que mais virtudes incutir.
(Extraído de “Mestra e
Mãe”, de Amélia Rodrigues, págs. 39/43)
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