quinta-feira, 16 de maio de 2024

O OLHAR DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO NA EXPUSÃO DOS VENDILHÕES DO TEMPLO

 


 A propósito de tanta Bondade que atraía e causava fascínio, comenta o padre Berthe: “Todos reconheceram ao homem de semblante grave, de olhos penetrantes, de longa cabeleira a flutuar sobre os ombros, de fisionomia meiga e subtriste, que inspirava, mesmo às crianças, respeito e afeição”. E mais adiante: “E ao mesmo tempo que aos ouvidos lhes ressoava aquela voz forte e meiga, não podiam os ouvintes deixar de contemplar o semblante celestial do profeta. E do seu rosto viam irradiar uma bondade sobre-humana que a todos lhes cativava e roubava os corações”.[1]

Procu­rou Ele conquistar o coração das pessoas. E uma vez fez um teste perguntando: o que dizem por aí do Filho do Homem?

Nosso Senhor nos ensina como enfrentar o entrechoque de opiniões

Depois que passou 40 dias no deserto jejuando, haver vencido o demônio e sido batizado por São João, Nosso Senhor fez o milagre das Bodas de Caná e, após percorrer toda a Palestina pregando e fazendo muitos milagres, dirigiu-se a Jerusalém preparado para enfrentar a opinião dominante e a seita judaica que mandava na Cidade Santa.  Que fez Ele? Procurou convivência pacífica com as correntes dominantes? Fez pactos, alianças? Nada disto! Dirigiu-se ao Templo, onde devia apresentar-se como o Messias tão esperado e já anunciado. Lá encontrou, no entanto, uma situação constrangedora. Os comentários são, novamente, do padre Berthe: “Graças à cumplicidade dos sacerdotes, certos costumes abusivos e verdadeiramente sacrílegos tinham convertido esse átrio num verdadeiro mercado. Aí vendiam vinho, azeite, sal, pombas, cordeiros, e todos os objetos exigidos para os sacrifícios. Os cambistas, instalados aos seus balcões, serviam aos estrangeiros moeda judaica; já que só ela corria no Templo. Conversavam e altercavam neste lugar santo como numa praça pública”. [2]

Todos sabem o que Ele fez.  Aceso de santa ira, chicoteou e expulsou os vendilhões do Templo. Talvez fosse para este momento que Nosso Senhor vinha mais se preparando, pois aí Ele enfrentou o teste mais duro com a opinião pública, antes de Sua Paixão e Morte na cruz. Não era conhecido ainda como Profeta pelo povo de Jerusalém; não tinha, portanto, autoridade popular para tal ato. A Autoridade que possuía era d’Ele mesmo, por ser Deus. No entanto Ele o fez como homem, embora arrojadamente. Que ocorreu? O povo aplaudiu calorosamente, pois todos sabiam que se devia respeitar o Templo e ninguém ousou contestar ou enfrentar Jesus Cristo nesta hora. Sua ação foi, pois, um ato de conquista de simpatia da opinião pública. O entrechoque foi sentido apenas pelos fariseus, sacerdotes e doutores que se perguntavam entre si com que direito vinha aquele audacioso Galileu mandar no Templo e condenar os usos autorizados pelo Sinédrio. E que Templo era aquele, dominado por gnósticos!

Para se ter uma idéia de como andavam as coisas no Templo de Jerusalém, vejamos como o descrevia William Thomas Walsh:

“...Num mercado, justamente ali dentro, ou bem à mão, podiam comprar pombos, cabritos ou cordeiros para o sacrifício, se antes já não o houvessem feito, mas tinham de pagar também uma pequena taxa de inspeção.

“Alguns dos peregrinos pobres e dos galileus reclamavam contra os preços. Na verdade, os bufarinheiros do templo tratavam por vezes de elevá-los desaforadamente. Certa vez, por exemplo, cobravam um denário de ouro romano por um casal de pombos, até que um membro da família de Hillei interveio e forçou-os a baixar o preço de novo para ¼ de um denário de prata. Caridade predileta dos judeus ricos era pagar o sacrifício dos pobres. Certa ocasião, quando os cúpidos comerciantes tinham deixado o pátio do Templo quase sem animais, Rabi Baba Bem Buta burlou-os, trazendo 3 mil carneiros, quebrando assim o mercado, de modo que os plebeus pudessem cumprir suas obrigações”.[3]

Mais adiante, William Thomas Walsh descreve o episódio do Templo como ele imagina que teria ocorrido conforme seus estudos:

“No dia seguinte, ainda cheio de grandiosas esperanças, estava Simão Pedro com o Senhor, junto à Porta Especiosa, observando as multidões de graves peregrinos que se apressavam em atravessar o Pátio dos Gentios para oferecer seus sacrifícios. Um levava duas pombas numa gaiola, outro um cordeiro, outro um cabrito, enquanto outros ainda compravam aves ou animais no bazar, ao longo de um dos maciços muros, ou levavam-nos para serem inspecionados e dados por bons. Uma multidão esperava em fila diante de algumas mesinhas postas sobre o chão de mármore polido por cambistas itinerantes. O tinido das moedas ressoava acima do chilrear dos pássaros, do balir dos carneiros, do mugir do gado e do murmúrio das vozes humanas.

“Contemplando tudo isso num relance, Jesus apanhou algumas cordas que jaziam ao lado dos engradados dos pombos, reuniu-as destramente em forma de chicote e passou por diante do atônito Simão, com uma serena e terrível determinação, dirigindo-se para as mesas e bazares.  Algo nEle fez que até mesmo os guardas do Templo se afastassem apressadamente para os lados. Um poeta cristão, de descendência judaica, um homem de não pequena visão interior[4]  afirma que, mesmo encolerizado, Seu rosto jamais se contorceu ou avermelhou, como o dos outros homens, porque não era paixão, mas justiça impessoal divina que O acionava.  Aos vendedores dos pombos disse Ele concisamente: “Tirai daqui isto e não façais da casa de Meu Pai casa de negócio!” Mas quando chegou aos bois e aos carneiros, descarregou-lhes nas costas o chicote de cordas, assestando-lhes grandes e vibrantes açoites com seus poderosos ombros e braços, até que eles semearem o pânico em todas as direções, entre os aterrorizados  espectadores e mercadores. Os cambistas ficaram sentados, paralisados de medo, à medida que Ele ia batendo de mesa em mesa. Moedas de todas as nações e siclos de prata do santuário tiniam sobre os blocos de mármore e rolavam sob os pés da multidão que fugia desatinada.

“Simão Pedro não havia esperado nada de semelhante. Mas observava tudo com certa altivez crescente. Quem, senão o Messias ousaria agir tão atrevidamente em tal lugar? Quem, senão Ele, poderia dizer naquele tom de real certeza: “A casa de Meu Pai?”  [5]

Na Suma Teológica, de São Tomás de Aquino, há o seguinte comentário de São Jerônimo sobre o episódio de expulsão dos vendilhões do Templo:

E sobre a frase: ‘Expulsou todos os que ali estavam vendendo e comprando’, comenta o mesmo Jerônimo: ‘Dentre todos os milagres que Cristo fez, este me parece o mais admirável: que um só homem, naquela época ainda desprezível, tenha podido, a golpes de um simples chicote, expulsar tão numerosa multidão. É que de seus olhos se irradiava como que um fogo celestial e em sua face brilhava a majestade da divindade’ (S. T. III, q. 44, a. 3, Ad I).

 



[1] “Jesus Christo, Sua Vida, Sua Paixão, Seu Triunfo” – Estabelecimentos Benziger & Co. S.A., Einsiedeln, Suíça 1925)

[2] “Jesus Christo, Sua Vida, Sua Paixão, Seu Triunfo” – Estabelecimentos Benziger & Co. S.A., Einsiedeln, Suíça 1925)

[3] O Apóstolo São Pedro”, pp. 28

[4] Trata-se de Fray Luís de Leon, em “Los Nombres de Cristo”

[5] “O Apóstolo São Pedro”, pp. 60/61

quinta-feira, 9 de maio de 2024

O profetismo no Novo Testamento

 




 

Quase todas as profecias do Antigo Testamento visavam o prenúncio da vinda do Messias e preparar o povo para tal eventualidade. Da mesma forma, alguns previram também o fim dos tempos, como Isaías e Daniel. Outros, porém, como Jonas, apenas previram acontecimentos próximos para determinado povo. Com o Novo Testamento, as profecias já passam a prenunciar o fim do mundo (Apocalipse, de São João Evangelista) ou mesmo o futuro da Igreja, Corpo Místico de Cristo, e assim preparar os católicos para os acontecimentos vindouros que ocorrerão com a Igreja.

O Apóstolo São Paulo foi o que mais incentivou o profetismo, tema por ele abordado na primeira Epístola aos Coríntios: “Segui a caridade, aspirai aos dons espirituais e, sobre todos, ao da profecia. A razão é que, o que fala uma língua (desconhecida), não fala aos homens, mas a Deus, porque ninguém o ouve, e pelo espírito fala coisas misteriosas, mas o que profetiza, fala aos homens para sua edificação, exortação e consolação. O que fala uma língua desconhecida, edifica-se a si mesmo; porém, o que profetiza, edifica a Igreja de Deus. Desejo que todos vós tenhais o Dom das línguas; porém, muito mais que profetizeis. De fato, é maior o que profetiza, que o que fala diversas línguas...”   No final, torna São Paulo a exortar o profetismo: “Se alguém crê ser profeta ou (pessoa) espiritual, reconheça que as coisas que eu escrevo são mandamentos do Senhor. Se algum, porém,  o ignorar, será ignorado. Por isso, irmãos, desejai ardentemente o Dom de profecia e não proibais o uso do Dom das línguas...”  (I Cor 14)

Com o surgimento da Igreja Católica, o novo profetismo consiste em coadjuvar o Magistério infalível da mesma Igreja na condução dos fiéis. Assim, o novo profetismo não nasceu na Hierarquia e nem dentro d’Ela. Nunca foi criada uma Ordem, tipo Carmelo, com tal finalidade.  A Providência, por exemplo, inspirou São Pio X a escrever as teses contrárias aos erros modernistas, enunciando-as numa Encíclica em forma de denúncia do tipo profético. Da mesma forma, outras denúncias proféticas foram feitas ao longo da História sem que tenha sido necessário que a Igreja lhes desse o título de “profecias”. As previsões de Fátima são tidas por muitos como profecias, mas não foram enunciadas por um ser humano mas pela própria Mãe de Deus.

São Paulo afirma que a profecia é um sinal para os católicos e não para os infiéis (I Cor. 14, 22). Trata-se de um Dom concedido a todos os fiéis (I Cor. 14, 5), Dom que entretanto é inferior à Caridade e à graça santificante  (I Cor. 13, 8-9). Nesta Epístola São Paulo distingue nove dons ou graças,  que ele chama de carismas, dadas pelo Espírito Santo a todos os fiéis, quais sejam: 1) a palavra de sabedoria, sermo sapientiae, que nos ajuda a tirar das verdades de fé, conclusões que enriquecem o dogma; 2) a palavra de ciência que nos faz utilizar as ciências humanas para explicar as verdades de fé; 3) o Dom da fé; 4) o Dom das curas; 5) o poder de operar milagres;  6) o Dom de profecia, ou o Dom de ensinar em nome de Deus e, se preciso for, confirmar o ensino com predições proféticas; 7) o discernimento dos espíritos; 8) o Dom das línguas, e, 9) o Dom da interpretação.

No início do Cristianismo existiam duas coisas com que os católicos se baseavam para suas condutas: o Símbolo dos Apóstolos (hoje, o Credo) e o “Didaquê”. Constituíam, o primeiro o conjunto de crenças de todo Cristão, e o segundo o conjunto de normas de procedimento. Dando normas para os cristãos assim se referia o “Didaquê” sobre os profetas: “Elegei, pois, inspetores e ministros dignos do Senhor, que sejam homens mansos, desinteressados, verdadeiros e provados, porque também eles administram o ministério dos profetas e mestres. Não os desprezeis, pois, porque eles são os honrados entre vós, juntamente com os profetas e doutores”.

Ágabo, por exemplo, foi um profeta que viveu entre os primeiros cristãos, no tempo dos Apóstolos, ocasião em que predisse uma grande fome (At 11, 28). No império de Cláudio, realmente, grandes fomes assolaram os romanos. Ágabo é um dos pontos de referência para se determinar a cronologia dos Atos dos Apóstolos. Quando, no ano 58, São Paulo andava no caminho entre Cesaréia e Jerusalém, Ágabo tomou-lhe o cinto, amarrou-se mãos e pés, profetizando em seguida que seria daquela forma que São Paulo seria entregue pelos judeus aos pagãos (At 21, 10-11). 

Assim, após a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo, o profetismo continuou, não como era no Antigo Testamento, pois agora já havia Ele fundado Sua Igreja para guiar os povos, mas como guia da própria Igreja. Desde que São João Evangelista fez o Apocalipse até nossos dias nunca deixou de existir na Igreja santos que previssem o futuro e alertassem as Autoridades eclesiásticas e o povo em geral. Assim, vários santos tiveram visões ou revelações proféticas, como Santo Agostinho, São Malaquias, São Jerônimo, Santa Catarina de Sena (que chegou a orientar o Papa), São Vicente Ferrer, Santo Odilon, e São Luís Grignion de Montfort . Mais atuais quanto ao tempo, tivemos as revelações proféticas do Beato espanhol Padre Francisco Palau e da polonesa Santa Faustina Kowalska, ambos sagrados por João Paulo II no final do século XX.


terça-feira, 7 de maio de 2024

ORAÇÃO ABRASADA PELA CONTRA-REVOLUÇÃO

 




"ESCRAVIDÃO A MARIA: CONDIÇÃO PARA A VITÓRIA DA CONTRA-REVOLUÇÃO

 

Ó Senhora de Fátima, nossa Rainha e nossa Mãe, vosso manto sagrado diante de nosso estandarte lembra a nós vossa augusta presença como Generalíssima à frente de sua falange escolhida, passando em revista as tropas, prestes a iniciar a batalha do grande e decisivo revide, que culminará na instauração de vosso Reino.

O que ordenais a nós, vossos escravos e paladinos, neste momento, Senhora? A Contra-Revolução.

A Contra-Revolução, sim, que forme no interior de cada um de nós um escravo vosso perfeito; professando com ardor a Fé Católica, especialmente as verdades em cuja negação ou em cujo olvido mais insiste agora a Revolução; praticando as virtudes cristãs, de modo especial aquelas que a Revolução atualmente mais execra; lutando contra todos os agentes da Revolução, em particular os mais ocultos e eficazes; desfazendo todas as tramas da Revolução, sobretudo as mais necessárias para que ela progrida.

“Agere contra”, eis a máxima de Santo Inácio e a constante da ação que desejais de nós. Contra, com todos os riscos e sacrifícios. Contra, apesar de todos os escárnios e calúnias. Contra, a despeito de todos os ataques e ciladas. Contra, sim, ó Mãe, os vossos adversários, quando rezamos e quando lutamos, quando falamos e quando nos calamos, quando imprecamos, argumentamos, atraímos, afugentamos ou golpeamos; contra, até, quando repousamos.

Contra, sim, no ponto mais certo, com a tática mais apropriada, o vigor mais intenso, a destreza mais exímia, a sutileza mais ágil, a delonga mais tenaz ou a serenidade mais fulminante.

Contra, com o desejo inabalável da vitória mais imediata, terrível e inteira; com a confiança mais inquebrantável e serena em Vós, até quando a vitória pareça afastar-se de nós.

Contra os adversários vossos que surgem em torno de nós e também, ó Mãe nossa, contra os que surgem dentro de nós: contra o orgulho, o apego à vontade própria, o igualitarismo, a inveja, a impureza, o sentimentalismo e os devaneios; contra o acanhamento dos horizontes, a trivialidade da alma, a vulgaridade da linguagem e das maneiras, a inconstância dos ideais.

Contra, mais do que tudo, aquele que, por trás e por cima de todos os poderes humanos, é o grande fautor da Revolução: Satanás. É ele que, nestes dias de supremo horror, vai levando a um paroxismo, só igualado quando da Paixão e Morte do Filho de Deus, todos os pecados e desordens do homem.

A ignomínia dos maus vai atingindo um grau superior às possibilidades de mal existentes na natureza humana. A curteza de vistas, a desprevenção, a moleza, a covardia e a contradição dos que hesitam entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas, chegaram a proporções que as limitações naturais dos intelectos apoucados e das vontades pusilânimes não bastam para explicar. Isso porque, presente em cada um desses aspectos da decadência contemporânea está Satanás, à testa dos anjos imundos, a comunicar aos homens a sua própria infâmia, a inspirá-los, a açulá-los, coligá-los e lança-los ao ataque final contra o pouco que no mundo ainda resta de fé, de grandeza sacral, de ordem, de pureza e de beleza.

Vós já nos prometestes, mas permiti-nos, Mãe querida, que insistamos em suplicar-Vos que intervenhais quanto antes, quebrando o poder do demônio e enxotando-o desta Terra para as prisões eternas criadas para seu merecido tormento. Mandai logo São Miguel Arcanjo e as legiões celestes para desfecharem contra as hostes infernais uma investida fulminante e irresistível.

E como nas lutas entre os homens costumais utilizar também homens, imploramo-Vos que nos deis a graça e a glória de sermos, também nós, batalhadores desta luta imensa. Quebrai em nós todo poder infernal, enchei nossas almas de uma perspicácia penetrante, de um ódio abrasado, de uma intransigência absoluta, de uma combatividade inexorável contra Satanás, suas pompas e suas obras. Tornai-nos terríveis e irresistíveis face a ele.

Uma Contra-Revolução assim só é possível se houver entre vossa e nossa alma uma consonância, uma união misteriosa, mística, que opere em nós uma transformação por onde não sejamos nós, mas Vós que vivais em nós. Sim, Vós, a Ipsa conteret, Aquela que esmaga a cabeça do demônio.

Para que possais realizar em nossas almas esse segredo de vosso Coração, queremos renovar solenemente o vínculo de escravidão com que já nos ligamos tantas vezes a Vós. Dignai-Vos aceitar, Mãe misericordiosa, o tributo de nossa inteira e incondicional dependência, e conceder-nos o que tão súplice pedimos, para a honra e a glória de vosso nome. Amém.(Composta em 13/5/1974)"

 

(Extraído da revista “Dr. Plinio”, edição n.313,de abril de 2024, pág. 5)

 

 


segunda-feira, 6 de maio de 2024

O PODER DE REGÊNCIA DADO A UM SANTO TRANSFORMA-O NUM ANJO?

 



A propósito da afirmação de que alguns Anjos do Apocalipse na realidade são Santos da Igreja, Dionísio, o Areopagita, põe a seguinte pergunta: por que a nosso hierarca humano nas Escrituras lhe chamam “anjo do Senhor onipotente? ”O Profeta Malaquias disse: “Porque os lábios dos sacerdotes serão os guardas da ciência; da sua boca se há de aprender a lei, porque ele é o anjo do Senhor dos exércitos”  (Mal 2, 7).  Mais adiante, o Profeta disserta mais longamente sobre isto: “Eis que mando eu o meu anjo, o qual preparará o caminho, etc.” Que anjo será este? Será aquele que “sentar-se-á como um homem que se senta para fundir e refinar a prata; purificará os filhos de Levi”, etc. (Mal 3, 1). São Paulo a si mesmo se compara com um Anjo de Deus: “...antes me recebestes como um anjo de Deus...” (Gál 4, 14).  Conclui o Areopagita: “...Não vejo nenhum inconveniente em que as Escrituras chamem “anjo” inclusive a nosso hierarca (bispo). Tem a propriedade de ser, dentro do possível, como os anjos, um mensageiro. Tem, ademais, a missão de imitar, segundo suas possibilidades, o poder revelador dos anjos”. [1]

Sentido e significado da palavra Anjo

O Catecismo da Igreja Católica assim se expressa sobre os anjos na questão 329:

“Santo Agostinho diz a respeito deles: “Angelus officii  nomen est, non nature. Quaeris nomen huius naturae, spiritus est; quaeris  officium, angelus est; quaeris officium, angelus est, ex eo quod est, spiritus est, ex eo quod agit, angelus” – Anjo (mensageiro) é designação de encargo, não de natureza. Se perguntares pela designação da natureza, é um espírito; se perguntares pelo encargo, é um anjo: é espírito por aquilo que é, é anjo por aquilo que faz. Por todo o seu ser, os anjos são servidores e mensageiros de Deus. Porque contemplam “constantemente a face de meu Pai que está nos céus” (Mt 18, 10), são “poderosos executores de sua palavra, obedientes ao som de sua palavra” (Sl 103, 20).

A doutrina de Santo Agostinho, que diz que anjo é encargo, baseia-se também no texto de São Paulo aos hebreus: “Acerca dos anjos diz: “Ele faz os seus anjos espíritos, e os seus ministros chamas de fogo”. (Hb 1, 7). Quer dizer, são criados como espíritos e investidos do encargo de ministros, e por isso são anjos. Deste modo, vários enviados divinos, sejam Profetas, sacerdotes ou os próprios espíritos celestes, que alguns tradutores designam com o título de mensageiros e outros de anjos, são anjos não só quanto á natureza mas quanto ao encargo. 

São Vicente Ferrer, o "Anjo do Apocalipse"

São Vicente Ferrer, cognominado de “Anjo do Apocalipse”, teve o seguinte comentário do Dr. Plínio:

“Tenho a impressão de que poucas coisas são tão bonitas na hagiografia quanto o nós situarmos a missão do santo no panorama proposto pela RCR (Revolução e Contra-Revolução). Segundo tal panorama, no século XIV, a Cristandade começava a decair. Era uma decadência eclesiástica tremenda que se atestava pelo fato de haver ao mesmo tempo papas exilados em Avinhão, que estavam sob a férula dos reis de França. E um cisma tremendo: três papas que se combatiam reciprocamente, dos quais, naturalmente, um só era válido. Mas estava de tal maneira a confusão na Cristandade, que para cada pseudo-papa ou papa, havia santos que estavam do seu lado. Os senhores compreendem o que significava, para isso ser possível, a putrefação toda do clero. Mas esta acarretava, por sua vez, como conseqüência, a degenerescência dos fiéis. E era toda a Idade Média que entrava em decomposição, de caráter mais moral do que intelectual; era uma explosão de orgulho e de sensualidade que começava, a qual devia depois gerar os desvios intelectuais que são os erros da Revolução.

Então a Providência manda, muito adequadamente, para essa época, um santo que foi grande na sua Ordem como, por exemplo, foi grande na sua esfera própria, São Tomás de Aquino. Porque se se pode dizer, de um lado, que São Tomás de Aquino foi Doutor Comum, o filósofo dos filósofos, o teólogo dos teólogos, pode-se dizer que como pregador popular – depois dos Apóstolos – ninguém excedeu provavelmente São Vicente Ferrer, nem mesmo, no século XIX, Santo Antônio Maria Claret, que foi um pregador assombroso.

São Vicente Ferrer dizia de si mesmo que era o “Anjo do Apocalipse”, que tinha vindo para anunciar a derrocada da Civilização Cristã e o começo do fim do mundo. E de fato ele lutou enormemente para a moralização dos costumes, lutou para que exatamente essa decadência moral se sustasse”. (Plínio Corrêa de Oliveira - Santo do Dia, 04 de abril de 1966)


O Grande ou Poderoso Monarca, também chamado de “Anjo”

É assim que o Padre Holzhauser se refere a esse personagem:

"Queira Deus que venha o mais cedo possível este poderoso Monarca[2] que deve eliminar as repúblicas, abater as brechas das cidades imperiais e marítimas que não são outra coisa senão ninho de víboras, sufocar os gritos e os sopros desses pregadores e dessas serpentes, que depois de serem humilhados os hereges e os cismáticos, fará cessar todo erro”

Baseia-se no que diz o Apocalipse:

"Depois vi outro anjo forte, que descia do céu, vestido de uma nuvem e com o arco-iris sobre a cabeça, e o seu rosto era como um sol, e os seus pés eram como colunas de fogo; e tinha na sua mão um livrinho aberto; e pôs o pé direito sobre o mar, e o esquerdo sobre a terra, e gritou em alta voz, como um leão que ruge, e depois que gritou, sete trovões fizeram ouvir as vozes (Apoc. 10, 1-3)".

"Este anjo representa o grande monarca que está por vir.

"...São João atribui a este anjo a qualidade especial de ser forte e poderoso. "Eu vi outro anjo pleno de força". Ele será poderoso na guerra e quebrará tudo como um leão. Ele se tornará grandíssimo por suas vitórias e não haverá nada que esteja mais solidamente estabelecido do que o que está baseado sob o trono do seu império. Ele reinará muitos anos, e durante o curso do seu reinado, ele humilhará os hereges e as repúblicas e submeterá todas as nações a seu império e o da Igreja latina. Mais ainda, após ter relegado ao inferno a seita de Maomé, ele destruirá o império turco, e não deixará subsistir senão um pequeno estado sem poder e sem força o qual se manterá, entretanto, até a vinda do filho da perdição, que não temerá o Deus de seus pais, e não dará satisfação a nenhum Deus (Dan. 11,37).

"Eu vi um outro anjo cheio de força e descendo do céu". O profeta diz que esse anjo descerá do céu porque ele nascerá no seio da Igreja católica[3], tomada aqui no sentido do céu, e ele será especialmente enviado de Deus, segundo os decretos da Divina Providência que terá escolhido para consolação e exaltação da Igreja latina, no meio mesmo de sua grande aflição e sua humilhação profunda.

"...Ele terá na mão um livro aberto".  Este pequeno livro simboliza um Concílio geral, que será o maior e mais célebre de todos. O profeta diz: "Este anjo tem este pequeno livro na mão", porque é pela obra e poder deste Monarca que este Concílio será reunido, protegido e chegará a bom termo; e também porque ele empregará todo o seu poder para fazer executar as sentenças e decretos (deste concílio). O Deus do céu o abençoará e colocará todas as coisas em suas mãos e sob seu poder. E está dito que este pequeno livro será aberto, por causa da clareza com a qual este concílio explicará o sentido da Sagrada Escritura e por causa da pureza dos dogmas da Fé que então se proclamará.

“...E ele gritará em alta voz como um leão que ruge”. Este estrondo de voz comparado com o do leão, nos faz compreender o terror imenso que ele inspirará a todos os povos da terra e aos habitantes das ilhas[4].  Pois, quando o leão ruge ele manifesta sua força e todos os outros animais ficam tomados de terror. É por isto que está dito nos provérbios: “Como o rugido do leão, assim o terror do rei” (Prov 20,2).

“Os gritos de sua voz serão também seus editos imperiais, pelos quais ele ordenará de executar em todo o rigor em favor da fé ortodoxa as ordens do Concílio; e seus editos chegarão a todas as nações da terra e às ilhas.

“E após ter gritado, sete trovões fizeram ecoar suas vozes”.  Esses trovões que se farão ouvir a voz deste anjo, serão os murmúrios e os gritos de todos aqueles que quererão resistir à vontade deste Monarca e quererão fulminá-lo, pois levantar-se-á neste tempo uma grande tempestade. Mas porque eles não poderão resistir-lhe e ainda menos fazer-lhe mal, está ordenado a São João de não escrever aquilo que viu nesta circunstância; porque toda esta tempestade será sem efeito. Jesus Cristo quer unicamente prevenir São João em sua qualidade de representante da Igreja, para nos fazer saber que o império deste Monarca e a propagação da verdadeira Fé sobre a Terra, não se obterão sem muito trabalho e sem muita tempestade.  Por isso porque está disto: “E depois que ele gritou, sete trovões ecoaram suas vozes”.  Somente quando o trovão faz ouvir sua voz, é que a faísca não ferirá mais porque a nuvem terá iluminado o ar. Mas a tempestade produzirá um efeito, algumas vezes tão nocivo, segundo as faíscas caiam sobre os homens, sobre os animais, sobre as árvores ou sobre os edifícios. Ora, a tempestade que foi mostrada a São João sob a figura de uma trovoada, era uma tempestade sem outro efeito senão aquele da voz do trovão.

“Sete trovões farão estalar suas vozes”.  Quer dizer que os príncipes e os grandes se insurgirão contra este Monarca e murmurarão. Eles farão ouvir suas vozes na ocasião deste Concílio, para lhe resistir e para fulminar seus decretos; mas porque este Monarca estará sob a proteção de Deus, todos os seus esforços serão vãos e inúteis.

Isto se conforma com São Boaventura, ao comentar outra passagem do Apocalipse, quando diz: “Desta forma, se pode crer com fundamento que Francisco foi prefigurado naquele Anjo que subia do oriente levando impresso o selo de Deus vivo, segundo se descreve na verídica profecia do outro amigo do Esposo: São João, Apóstolo e evangelista. Com efeito, ao abrir-se o sexto selo – disse São João no Apocalipse - ”vi outro Anjo que subia do oriente levando o selo de Deus vivo”. Como São Francisco recebeu os estigmas da Paixão de Cristo, estaria “levando o selo de Deus vivo”.

Há também um simbolismo com relação à nuvem, ao arco-íris, ao rosto como o sol, aos pés como colunas de fogo e ao livrinho na sua mão. O Anjo, ou Varão angélico, estava vestido por uma nuvem, isto é, vinha trazendo aos homens o que as nuvens trazem, chuvas ou tempestades; mas também o estar vestido numa nuvem pode significar que sua presença estava um pouco esmaecida e não percebida pelos homens por causa da nuvem, sua vestimenta. O arco-íris sobre sua cabeça quer dizer que ele é um intercessor entre Deus e os homens, pois o arco-íris significa os armistícios entre Deus e os homens feitos com Noé e outros Patriarcas.  Seu rosto brilha como o sol, querendo significar sua pureza e esplendor como reflexo de Deus. Seus pés são como colunas de fogo porque por onde ele andou pregou a guerra contra o pecado, os demônios e os vícios. Finalmente, o Anjo “que desceu do céu” está trazendo um livrinho na mão, aberto, significando a Doutrina que o Santo andou pregando aos homens, sem nada haver de oculto.[5]

Abandonando o texto da sexta trombeta o Venerável Holzhauser passa a comentar o capítulo 14 do Apocalipse, aquele do sexto sinal, que corresponde, segundo ele, a Sexta Igreja:

“Isto que acaba de ser dito de Jesus Cristo, nesta profecia, pode-se aplicar, de algum modo, por analogia, a este Monarca poderoso do qual São João diz que será semelhante ao Filho do Homem, tendo sobre a cabeça uma coroa de ouro (Apoc. 14,14)”.

Conforme já vimos, São Tomás de Aquino afirma que o termo “Filho do Homem”, como o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo se autoproclamava, significa que era nesta qualidade que Ele julgaria os homens, trata-se portanto de um título de Juiz. Assim, será também com a missão de Juiz dos povos que o Grande Monarca aparecerá, já que ele será “semelhante ao Filho do Homem”.

“Quer dizer que ele será um Grande Monarca, rico e poderoso, e o dominador dos dominadores. Ele vencerá os reis das nações e será cheio da caridade de Deus.

“E tinha em sua mão uma foice cortante”.  (Apoc 14,14). Esta foice que o Grande Monarca terá em sua mão é o grande e forte exército com o qual ele atravessará os reinos e as nações, e as repúblicas e as praças fortes, que ele perpassará de ponta a ponta. Está dito que esta foice é cortante porque ele não empreenderá nenhum combate que não resulte em vitória para suas armas, ou de grandes perdas e grandes carnificinas para o inimigo.

“...E um outro anjo saído do Templo, gritava em alta voz àquele que estava sentado sobre a nuvem: Lançai vossa foice e segai, porque é chegada a hora de segar” (Apoc. 14, 15).  Esta voz é aquela de alguém que exorta com a guerra, veementemente, à colheita da cizânia dos hereges e dos Turcos. Este anjo que sairá do Templo e dirá assim, é o Grande e Santo Pontífice do qual já falei, que Deus suscitará nestes dias. E este Pontífice exortará e engajará este Monarca de empreender esta guerra sagrada. “Jetez votre faulx” (lançai vossa foice), lhe dirá ele, quer dizer, vosso exército poderoso, e cortai, arrasai, erradicai os hereges e os bárbaros.

“E Deus disporá os corações dos soldados de maneira que eles adiram de espírito e de coração à empresa de seu Monarca poderoso...

“E aquele que estava sentado sobre a nuvem lançou sua foice sobre a terra e foi feita a colheita” (Apoc 14, 16).  Todas estas palavras exprimem o feliz sucesso obtido segundo as palavras do Santo Pontífice: “E a Terra foi ceifada”,porque o Grande Monarca exterminará e submeterá a seu poder as nações dos Turcos e dos hereges, e ocupará suas terras.

E um outro anjo saído do templo que está no céu, tendo também ele mesmo uma aguda foice... ( Apoc. 14, 17).

“Esta foice é um grande exército que os Estados da Igreja e seus aliados, estreita e fortemente unidos reunirão em torno do Grande Monarca. Por isso está dito que este outro anjo sairá de dentro do templo, quer dizer, dos estados da Igreja, cujo templo é figura. “Que está no céu”, quer dizer na Igreja militante, representada aqui pela palavra céu. Aquilo do qual está escrito: “E um outro anjo sairá do templo”, será um grande general em chefe que este Santo Pontífice, do qual já falei, constituirá e designará para comandar este forte exército que empregará em arruinar e aniquilar o poderio dos Turcos e dos hereges. [6]

Segundo o entendimento do Venerável Holzhauser, três grandes personagens surgirão no final do quinto período da Igreja e começo do sexto: o Grande Monarca, o Santo Pontífice e um grande general. Lembremo-nos de que, na regência perfeita, três são aqueles que transmitem o poder régio: um pontífice, um magistrado e um general. O Pontífice para como que selar a aliança entre Deus e os homens; o Magistrado para interpretar o cumprimento das leis divinas e, finalmente, o general para a conquista e adesão dos que vão ser regidos doravante. É natural, pois, que sejam eles, também no mundo atual, os restauradores da regência divina e da Igreja sobre os homens. No Antigo Testamento era mais ou menos assim, havia o cumprimento de um ritual de entronização da regência, às vezes com quatro personagens como os que foram escolhidos para transmitir o trono a Salomão, um rei (Davi que ainda vivia, fazendo o papel de magistrado), um pontífice (Sadoc), um profeta (Natan) e um general (Bananias) (ver I Rs 1, 36-37). 

Então, esse “Grande Monarca” poderia ser uma espécie de “magistrado” das leis divinas, da regência universal, que confunde-se também com a de Juiz, elemento que exerce principal função na regência, que é o ato de julgar.

Alguns Santos e Profetas também chamados de “Anjos”

São João Batista, por exemplo, pode ter sido antevisto nas profecias de São Malaquias como um “Anjo do Senhor” (Mal 3. 1), chamado de mensageiro por São Mateus (Mt 11.10), ou, se desejar, de anjo mensageiro, conforme essa terminologia de Santo Agostinho. Alguns estudiosos dizem o termo “anjo” era utilizado antigamente apenas para designar qualquer mensageiro de Deus, passando a também significar os de natureza espiritual por causa de suas constantes presenças como mensageiros ou enviados.

De onde virá o Grande Monarca?

Nosso Senhor Jesus Cristo apareceu a Afonso Henriques, antes da batalha de Ourique, quando profetizou sobre o futuro de Portugal e de “terras muito remotas”, fato atestado pelo próprio rei numa escritura que se encontra no cartório real do mosteiro de Alcobaça, e cujo teor é o seguinte:

“Eu, Afonso, Rei de Portugal, juro em esta cruz de metal e neste livro dos Santos Evangelhos, em que ponho minhas mãos, que eu, miserável pecador, vi com estes olhos indignos a Nosso Senhor Jesus Cristo estendido na cruz, no modo seguinte: Eu estava com meu exército nas terras de Alentejo, no campo de Ourique, para dar batalha a Ismael e a outros quatro reis mouros que tinham consigo infinitos milhares de homens. E minha gente, temerosa de sua multidão, estava atribulada e triste sobremaneira. Em tanto que publicamente, diziam alguns ser temeridade acometer tal jornada. E eu, enfadado do que ouvia, comecei a cuidar comigo o que faria. E como estivesse na minha tenda um livro em que estava escrito o Testamento Velho e o de Jesus Cristo, abri-o e li nele a vitória de Gedeão, e disse entre mim mesmo: mui bem sabeis Vós, Senhor Jesus Cristo, que por amor vosso tomei sobre mim essa guerra contra vossos adversários. Em vossa mão estás dar a mim e aos meus a fortaleza para vencer esses blasfemadores de vosso nome.

“Ditas essas palavras, adormeci sobre o livro e comecei a sonhar que via um homem velho vir para onde eu estava e que me dizia: Afonso, tem confiança porque vencerás e destruirás esses reis infiéis e desfarás sua potência e o Senhor se te mostrará. Estando nesta visão, chegou João Fernandes de Souza, meu camareiro, dizendo: acordai, senhor meu, porque está aqui um homem velho que vos quer falar. Entre, lhe respondi, se é católico. E tanto que entrou, conheci ser aquele que no sonho vira, o qual me disse: senhor, tende bom coração, vencereis e não sereis vencido. Sois amado do Senhor, porque sem dúvida pôs sobre vós, e sobre vossa geração depois de vossos dias, os olhos de sua misericórdia, até a décima sexta descendência, na qual se diminuirá a sucessão, mas nela assim diminuída, Ele tornará a pôr os olhos e verá.  Ele manda dizer-vos que quando na seguinte noite ouvirdes a campainha de minha ermida, na qual vivo a sessenta e seis anos guardado no meio dos infiéis com o favor do mui alto, saiais fora do real, sem nenhum criado, porque vos quer mostrar sua grande piedade.

“Obedeci e, prostrado em terra, com muita reverência, venerei o embaixador e Quem o mandava. E como posto em oração, aguardo o som, na segunda vela da noite ouvi a campainha, e armado de espada e rodela saí fora dos reais, e subitamente vi à parte direita, contra o nascente, um raio resplandecente indo-se pouco a pouco clareando, cada hora se fazia maior. E pondo de propósito os olhos para aquela parte, vi de repente, no próprio raio, o sinal da Cruz, mais resplandecente que o sol, e um grupo grande de mancebos resplandecentes, os quais creio que seriam os santos anjos. Vendo esta visão, pondo à parte o escudo e a espada, me lancei de bruços e desfeito em lágrimas comecei a rogar pela consolação de meus vassalos, e disse sem nenhum temor:

“A que fim me apareceis, Senhor? Quereis porventura acrescentar fé a quem tem tanta? Melhor é por certo que Vos vejam os inimigos e creiam em Vós que eu, que desde a fonte do batismo Vos conheci por meu Deus verdadeiro, filho da Virgem e do Padre Eterno e assim Vos conheço agora.

“A cruz era de maravilhosa grandeza, levantada da terra quase dez côvados. O Senhor, com tom de voz suave que minhas orelhas indignas ouviram, me disse: Não te apareci deste modo para acrescentar tua fé, mas para fortalecer teu coração neste conflito, e fundar os princípios de teu reino sobre pedra firme. Confia, Afonso, porque não só vencerás esta batalha mas todas as outras em que pelejares contra os inimigos de minha cruz[7]. Acharás tua gente alegre e esforçada para a peleja, e te pedirá que entre na batalha com o título de rei. Não ponhas dúvida, mas tudo quanto te pedirem lhes concede facilmente. Eu sou o fundador e destruidor de reinos e impérios, e quero em ti e em teus descendentes fundar para Mim um império, por cujo meio seja Meu nome publicado entre as nações mais estranhas. E para que teus descendentes conheçam Quem lhes dá o reino, comporás o escudo de tuas armas do preço com que Eu remi o gênero humano, e daquele por que Fui comprado pelos judeus, e ser-Me-á reino santificado, puro na fé e amado da minha piedade.

“Eu, tanto que ouvi estas coisas, prostrado em terra, O adorei dizendo: Por que méritos, Senhor, me mostrais tão grande misericórdia? Ponde, pois, vossos benignos olhos nos sucessores que me prometeis e guardais salva a gente portuguesa. E se acontecer que tenhais contra ela algum castigo aparelhado, executai-o antes em mim e livrai este povo que amo como a um único filho.

“Consentindo nisso, o Senhor me disse:  Não se apartará deles nem de ti, nunca, minha misericórdia, porque por sua vinha tenho aparelhado grandes searas, e a eles escolhidos por meus segadores em terras muito remotas.

“Ditas estas palavras, desapareceu. E eu, cheio de confiança e suavidade, me tornei para o real. E para que isso ficasse na verdade, juro eu, Dom Afonso, pelos Santos Evangelhos de Jesus Cristo tocados com estas mãos. E, portanto, mando aos meus descendentes que para sempre sucederem, que em honra da Cruz e cinco chagas de Jesus Cristo, tragam em seu escudo os cinco escudos partidos em cruz[8], e em cada um deles os trinta dinheiros, e por timbre a serpente de Moisés, por ser figura de Cristo, e este seja o troféu de nossa geração. E se alguém intentar o contrário, seja maldito do Senhor e atormentado no inferno com judas, o traidor.

“Foi feita a presente carta em Coimbra, aos vinte e nove de outubro, era de 1152, eu, el-rei Dom Afonso”. [9]

Nossas origens podem ter sido faladas na Sagrada Escritura

Portugal foi o país que catequizou, cristianizou o nosso Brasil, que fica realmente em “terras muito remotas”. Vejamos abaixo outros textos do Pe. Vieira onde se fala sobre o Brasil como terras profetizadas para um grande futuro da Igreja:

“Destes mesmos fins da terra diz Isaías que há de vir um glorioso restaurador das ruínas do Mundo (por sobrenome o justo) e que seus companheiros e soldados hão de levantar a voz e que seus cavalos (que devem ser os de madeira) hão de rinchar no mar; e conclui o Profeta com dizer que isto é um grande segredo, que ele guarda só para si. As palavras de todo o texto, no capítulo 24, são estas: “Hi levabunt vocem suam, atque laudabunt, cum glorificatus fuerit Dominus hinnient de mari. Propter hoc in doctrinis glorificante Dominum in insulis maris nomen Domini Dei Israel. A finibus terrae laudes audivimus gloriam justi, et dixi: Secretum meum mihi; secretum meum mihi”.[10]  E note-se que convida e convoca o Profeta as doutrinas e as ilhas do mar, para que louvem e glorifiquem a Deus, pelo que há de obrar o justo nos fins da terra. Porque as terras ultramarinas chamam-se propriamente ilhas, ainda que sejam continentes, e os lugares onde se convertem, ensinam e catequizam os gentios (como então se há de fazer geralmente) chamam-se com a mesma propriedade doutrinas: Propter hoc in doctrinis glorificate Dominum in insulis maris nomen Dei Israel. [11]

No livro “História do Futuro” o padre Vieira discorre mais demoradamente sobre a importância do Brasil nas Profecias.  A respeito do texto de Isaías, que diz: “Ai da terra em que ressoa o ruído de asas, que está além dos rios da Etiópia, a qual envia embaixadores por mar e em barcos de junco sobre as águas, de mensageiros velozes, a uma nação dividida e despedaçada; a um povo terrível, o mais terrível de todos, a uma nação que está esperando, e que é calcada aos pés, cuja terra é cortada pelos rios”  (Is 18, 1-2), comenta o padre Vieira:

“Trabalharam sempre muito os intérpretes antigos por acharem a verdadeira explicação e aplicação deste texto; mas não atinaram nem podiam atinar com ela, porque não tiveram notícia nem da terra, nem das gentes de que falava o Profeta.  Os comentadores modernos acertaram em comum com o entendimento da profecia, dizendo que se entende da nova conversão à Fé daquelas terras e gentes também novas, que ultimamente se conheceram no Mundo com o descobrimento dos Antípodas; e notaram alguns com agudeza e propriedade, que isso quer dizer a energia da palavra: ad gentem conculcatam”: “gente pisada dos pés”,  porque os antípodas, que ficaram debaixo de nós, parece que os trazemos debaixo dos pés e que os pisamos; mas chegando mais de perto à gente e terra ou província de que se tende a profecia, também os modernos não acertaram até agora com o sentido próprio, germano e natural dela, e este é o que nós havemos  de descobrir ou escrever aqui, pelo havermos recebido de pessoa douta e versada nas Escrituras, que, havendo visto as gentes, pisado as terras e navegado as águas de que fala este texto, acabou de o entender, e verdadeiramente o entendeu, como veremos e verão melhor os que tiverem lido as exposições antigas e modernas dele.

“Cornélio [a Lápide] teve para si que fala o profeta de Etiópia e do Preste João; mas Etiópia não está além de Etiópia, como diz o texto. Malvenda, com os outros que cita, o entende dos Chinas e Japões...

“Mas esta exposição e a de Mendonça e Rebelo (que entendem o texto geralmente da Índia Oriental), têm contra si tudo o que logo diremos. José da Costa, tão versado nas Escrituras como na geografia e na história natural das Índias Ocidentais, Ludovico Legionense, Tomás Bózio, Árias Montano, Frederico Lúmnio, Martim del Rio e outros dizem (e bem), que falou Isaías da América e Novo Mundo, e se prova fácil e claramente. Porque esta terra que descreve o Profeta está além da Etiópia: trans flumina Aetiopiae: e é terra depois da qual não há outra: ad populum post quem non est alius.  Estes dois sinais tão manifestos só se podem verificar nas Américas, que é a terra que fica da outra banda da Etiópia, e que não tem depois de si outra terra senão o vastíssimo mar do Sul.   Mas porque Isaías nesta sua descrição põe tantos sinais particulares e tantas diferenças individuantes, que claramente estão mostrando que não fala de toda a América ou Mundo Novo em comum, senão de alguma província particular dele; e os autores alegados nos não dizem que província este seja, será necessário que nós o digamos, e isto é o que agora hei de mostrar.

“Digo, primeiramente, que o texto de Isaías se entende do Brasil, porque o Brasil é a terra que diretamente está além da outra banda da Etiópia, como diz o Profeta: quae est trans flumina Aethiopiae, ou como verte e comenta Vatablo: terra, quae est sita ultra Aethiopiae quae Aethiopiae scatet fluminibus, e o hebreu ao pé da letra tem de trans flumina Aethiopiae.  A qual palavra – de trans – como notou Malvenda, é hebraísmo, semelhante ao de nossa língua. Os Hebreus dizem – de trans – e nós dizemos, detrás; e assim é na geografia destas terras, que em respeito de Jerusalém, considerado o círculo que faz o globo terrestre, o Brasil fica imediatamente detrás da Etiópia.

“Diz mais o Profeta que a gente desta terra é terrível: ad populum terribilem; e não pode haver gente mais terrível entre todas as que têm figura humana, que aquela (quais são os Brasis) que não só matam seus inimigos, mas depois de mortos os despedaçam e os comem e os assam, e os cozem a este fim, sendo as próprias mulheres as que guisam e convidam hóspedes a se regalarem com estas inumanas iguarias... Em lugar de gentem conculcatam, lê o Sírio – gentem depilatam: gente sem pêlo; e tais são também os Brasis, que pela maior parte não têm barba, e no peito e pelo corpo têm a pele lisa e sem cabelo, com grande diferença dos Europeus.

“Diz pois o Profeta, que são estes homens uma gente a quem os rios lhe roubaram a sua terra: Cujus diripuerunt flumina terram ejus.  E é admirável a propriedade desta diferença, porque em toda aquela terra, em que todos os rios são infinitos e os maiores e mais caudalosos do Mundo, quase todos os campos estão alagados e cobertos de água doce, não se vendo em muitas jornadas mais que bosques, palmares e arvoredos altíssimos, todos com as raízes e troncos metidos na água, sendo raríssimos os lugares por espaço de cento, duzentas e mais léguas, em que se possa tomar porto, navegando-se sempre por entre árvores espessíssimas de uma e outra parte...

“Continua Isaías a sua descrição, e diz que os habitantes desta província são gente arrancada e despedaçada; e só o Espírito Santo poderá recopilar em duas palavras a história e última fortuna daquela gente.

“...Diz pois Isaías que esta gente de que fala é um povo; Quae mittit in mare legatos et in vasis papyri super aquas: “Que manda de uma parte para outra seus negociantes em vasos de cascas de árvores sobre as águas”.

“Do que temos dito até aqui ficará mais fácil de entender aquele grande enigma do Profeta, que está nas primeiras palavras deste texto: Vae terrae cymbalo alarum;  o qual foi sempre o que maior trabalho deu aos intérpretes e os obrigou a dizerem cousas mui violentas e impróprias, como aqueles que falavam a adivinhar, e não adivinhavam nem podiam. Os Setenta Intérpretes, em lugar de terrae cymbalo alarum, leram terrae navium alis e uma e outra cousa significam as palavras de Isaías; porque os nomes hebreus de que estas versões foram tiradas, têm ambas as significações e querem dizer: Ai da terra que tem navios com asas; ou, ai da terra que tem sinos com asas. Se são sinos, como são navios? E se são navios, como são sinos?

“...Isto suposto, o expositor que mais foi rastejando o sentido verdadeiro que podia ter este enigma, foi Gabriel Palácio, o qual, no comentário literal deste lugar de Isaías, diz assim: Fortasse indicus usus nominis cymbali antiquitas inolevit apud Hebraeos tempore Isaiae:  “Porventura – diz ele – que no tempo de Isaías as embarcações dos Índios se chamariam entre os hebreus sinos”.  E porque não seria antes, digo eu, que se chamassem sinos, ou tomassem nome de sinos as embarcações dos Índios, de que Isaías falava, não porque este nome fosse usado entre os Hebreus, senão entre os mesmos Índios? [12]

Vê-se pelo texto acima que o Grande Monarca, o Restaurador, o Moisés da Lei da Graça, viria de “terras ultramarinas”, isto é, do Brasil. 



[1]  “Obras Completas del Seudo Dionísio Areopagita” – BAC – Madri, 1990 – págs. 167/168.

[2] Como vimos anteriormente, este “poderoso monarca” não será um rei ou soberano de alguma nação, mas um santo com poderes para reger as leis do Universo.

[3] Mais uma imagem simbólica: o anjo é um mensageiro, podendo ser também um homem, um santo, pois somente um ser humano poderá ter nascido no seio da Igreja. A visão pode, também, se referir ao anjo custódio deste santo, mas, geralmente o termo “anjo” nestas profecias refere-se também a algum homem com poderes proféticos e enviado por Deus.

[4] Ilhas, ou habitantes das ilhas, foi uma expressão usada por alguns profetas, como Isaías, sem definir que povos eram estes.  Alguns estudiosos, segundo o Padre Vieira, julgam que se tratava dos povos americanos que, desconhecidos dos povos em geral naquele tempo, no entanto eram conhecidos misteriosamente pelos profetas.

[5] Essa imagem de um “livrinho” pode nos levar à obra mestra de Dr. Plínio, “Revolução e Contra-Revolução”.

[6] “Bénédictions et malédictions – Prophéties de la révelation privée”, de Jean Vaquié, Paris, 3a. Edição revista e ampliada, págs. 47 a 76).

[7] Importante notar que Portugal conseguiu expulsar os mouros de seus territórios (séc. XII) muitos anos do que a Espanha (final do séc. XV).

[8] A partir de então o Rei Afonso mandou colocar nos escudos e bandeira de Portugal as cinco chagas de Cristo, símbolos que até hoje permanecem naquele país, apesar dos governos republicanos e maçons de nossos tempos.

[9] O texto desta escritura acha-se transcrito no livro “A Batalha de Ourique”, de Frei Antonio Brandão, Livraria Civilização Editora, Porto, 1945

[10] Estes levantarão a sua voz e cantarão louvores; soltarão gritos de alegria do lado do mar, quando o Senhor for glorificado. Por esta causa, com as verdadeiras máximas de doutrina, glorificai ao Senhor; nas ilhas do mar (celebrai) o nome do Senhor Deus de Israel. Desde as extremidades da terra nós ouvimos os louvores, a glória do justo. E eu disse: O meu segredo para mim, o meu segredo para mim. (Isaías 24, 14-16)

[11]  “Defesa Perante o Tribunal do Santo Ofício” – Pe. Antonio Vieira – Liv. Progresso Editora – tomo II – pág. 266

[12] “História do Futuro”, - Biblioteca de Autores Portugueses - págs. 215/222).