sábado, 25 de maio de 2024

FINALMENTE, O POVO SE MANIFESTA DE UMA FORMA MAIS AUTÊNTICA

 


Verifica-se, hoje, uma tendência geral de descaracterizar o poder estatal, mas com vistas a outra ideia revolucionária, que é o caos. Vê-se em várias partes do mundo uma grande quantidade de governos ilegítimos e sem pulso, deixando alguns países a deriva, como ocorre no Brasil.

A partir de certa época, as ideias constitucionalistas conseguiram impor suas concepções utópicas nas leis, especialmente nas constituições dos povos do Ocidente. Dentre as principais utopias propagadas está a de que o Estado é soberano sobre tudo e sobre todos. E tais princípios vêem de longa data, tendo se iniciado com o tempo dos chamados reis absolutistas, algum dos quais dizia que ele era o próprio Estado.

E assim, hoje vemos toda uma sociedade acreditando e apoiando tais ideias. Segundo elas, o Estado é responsável por toda a vida social, é o tutor de todos os direitos e obrigações sociais. Deste modo está dito, por exemplo, em nossa Constituição que compete ao Estado dar saúde, educação e emprego a todos. Não só isso: chegaram a alguns absurdos, em certos países, de dotar o Estado de supremos poderes sobre as famílias, as instituições sociais, etc. Tudo passa a depender do governo, fazendo com que aquele que deve gerir e administrar seja o mesmo que detenha todas as obrigações, inclusive as mais simples possível.

Ora, não é correto dizer que compete ao Estado cuidar de minha saúde; compete, em primeiro lugar, a mim mesmo cuidar de minha saúde e de minha educação; se, por acaso, eu não o puder, aí devo recorrer à minha família; e se esta não dispor de recursos suficientes, devo recorrer aos amigos, aos parentes, aos que me cercam mais de perto, aquela sociedade que nos aproxima do Estado, mas não é ele ainda. Somente quando todos recursos forem insuficientes, numa ação chamada de subsidiariedade, o Estado deve intervir. Ele não é senhor absoluto de tudo. É uma utopia e grande mentira afirmar isso.

Esta panaceia do poder absoluto do Estado está sendo desmascarada pelo próprio povo. E isso ocorre agora no Rio Grande do Sul. Perante uma grande catástrofe o próprio povo está procurando superar seu drama, ora procurando ajuda dos familiares, dos amigos e vizinhos próximos, ora de empresários ou de pessoas abnegadas que se oferecem voluntariamente para socorrer as vítimas. E onde está o governo? Cadê o Estado para socorrer a tais necessitados? É claro que ele está presente, mas incapaz de solucionar todos os problemas como pretendem alguns republicanos constitucionalistas.

Se aquele povo acreditasse no poder absoluto do Estado e simplesmente estivesse esperando o socorro deste, não imagino em que situação estaria hoje!

Monsenhor Henri Delassus o denunciou em célebre obra, as origens de tais ideias do poder absoluto do Estado:

“A teoria de J. J. Rousseau sobre as origens da sociedade, sua constituição racional, o que ela será quando o contrato social tiver produzido suas consequências, não permaneceu em estado especulativo. Faz um século que nós nos aproximamos a cada dia do termo que ele designou para nós, no qual não haverá mais propriedade, nem família, nem Estado independente, nem Igreja autônoma. Sobre o lugar que as ruínas produzidas pela Revolução deixaram livre, Napoleão I construiu, “com areia e cal, diz Taine, a nova sociedade, segundo o plano traçado por J. J. Rousseau. Todas as massas da grande obra, Código Civil, universidade, Concordata, administração municipal e centralizada, todos os detalhes da arrumação e da distribuição concorrem para um efeito de conjunto que é a onipresença do governo, a abolição da iniciativa local e privada, a supressão da associação voluntária e livre, a dispersão gradual dos pequenos grupos espontâneos, a interdição preventiva das longas obras hereditárias, a extinção dos sentimentos pelos quais o homem vive além dele mesmo, no passado e no futuro”.

Mais adiante, escreveu:

“Se o curso das coisas atuais não tivesse suas fontes no passado longínquo, poderíamos apavorar-nos menos, acreditar que não há em tudo isso senão fatos acidentais. Mas não é assim. O estado atual, repleto do futuro que acabamos de descrever, é o produto natural de uma ideia, lançada como um grão sobre nosso solo há cinco séculos. Ela germinou. Vimos seus primeiros rebentos sair da terra; eles foram cultivados secreta e cuidadosamente por uma sociedade que, já por várias vezes, serviu ao mundo seus frutos prematuramente colhidos; hoje ela os vê chegar à maturação: frutos de morte que carregam a corrupção para os próprios fundamentos da ordem social.

A França revolucionária recebeu do Poder das Trevas a missão de manifestar ao mundo aquilo que a Renascença concebeu, aquilo que a franco-maçonaria criou. Parece que se quis simbolizá-lo nas moedas. Essa mulher desgrenhada, com o barrete frígio à cabeça, que, sob os auspícios da República, lança a todos os ventos os grãos da liberdade, da igualdade e da fraternidade, sob os raios de um sol levante chamado para aclarar o mundo com um dia novo, bem representa a maçonaria que confia a todos os sopros da opinião as idéias que preparam os espíritos para a aceitação da nova ordem, ordem que há tanto tempo ela projeta estabelecer no mundo”.

 

(Tradução extraída da obra “La Conjuration Antichrétienne – Le Temple Maçonique voulant s’élever sur les ruines de l’Église Catholique” – Mons. Henri Delassus – tomo 2   págs. 551/564)

 

Vejam texto completo de minha postagem sobre o assunto: “O ESTADO, SENHOR SOBERANO DE TODAS AS COISAS?”

https://quodlibeta.blogspot.com/2019/05/o-estado-senhor-soberano-de-todas-as.html

 

 


sexta-feira, 24 de maio de 2024

ASSOMBROSOS MILAGRES QUE IMPULSIONARAM A DEVOÇÃO A NOSSA SENHORA AUXILIADORA

 


No dia 24 de maio, celebramos a dedicação de Maria Auxiliadora e durante toda a semana a novena é rezada. Você conhece os incríveis milagres que ajudaram São João Bosco a promover essa devoção? Aqui nós dizemos.

Era o ano de 1862, e as Memórias de São João Bosco nos dizem que esse santo decidiu que ele deveria construir uma igreja em homenagem à Virgem e que deveria ter o título de Maria Auxiliadora.

Dom Bosco diz a uma pessoa próxima: "Nossa Senhora quer que a honremos com o título de Maria Auxiliadora: os tempos são tão tristes que certamente precisamos da Santíssima Virgem para nos ajudar a preservar e defender a fé cristã".

No entanto, faltavam fundos para a construção e o santo reconheceu: “Não tenho um centavo, não sei onde vou conseguir o dinheiro, mas isso não importa. Se Deus quiser, será feito. Vou tentar e, se não for feito, deixarei a vergonha do fracasso para Dom Bosco. ”  (Memorias de san Juan Bosco, Tomo  VII, p. 288).

O primeiro dos incontáveis milagres de Maria Auxiliadora

Bem, o primeiro problema do santo foi encontrar o dinheiro para construir a igreja. No começo, havia várias pessoas ricas que queriam colaborar com a construção do templo, mas com o tempo elas mudaram de idéia. Com o trabalho de escavação já iniciado, Dom Bosco começou a ter problemas.

“De repente, por ocasião do ministério sagrado, Dom Bosco foi chamado para a cama de uma pessoa gravemente enferma. Ela estava de cama por três meses, sofrendo de tosse e febre, com uma séria fraqueza no estômago.

-Se pudesse, ela começou a dizer, se recuperar um pouco, estaria disposto a qualquer oração ou sacrifício; Seria uma graça notável para mim se eu pudesse sair da cama.

- O que você gostaria de fazer ?, perguntou Dom Bosco.

- O que você me diz.

- Faça uma novena a Maria Auxiliadora.

- O que devo rezar?

- Durante nove dias, ore três Nossos Pais, Ave Maria e glórias ao Santíssimo Sacramento com três saudações à Bem-aventurada Virgem Maria.

- Eu vou e que caridade?

- Se lhe parece bom e se você obtiver uma melhoria real, faça uma oferta para a Igreja de Maria Auxiliadora, que está sendo construída em Valdocco.

Sim, sim, com prazer. Se durante esta novena eu conseguir sair da cama e dar alguns passos neste quarto, farei uma doação à igreja da qual ele fala.

A novena começou e já estávamos no último dia. Dom Bosco devia dar naquela tarde nada menos que mil liras aos trabalhadores. Ele foi visitar a mulher doente. A criada abriu e com grande alegria anunciou que sua patroa estava perfeitamente curada; Ele já havia dado dois passeios e ido à igreja para agradecer ao Senhor.

Enquanto a empregada rapidamente lhe disse tudo isso, a mesma senhora saiu alegremente, exclamando:

- Estou curada, já fui agradecer à Santíssima Virgem; receba o pacote que eu preparei para você. Este é a primeira doação, mas certamente não será a última. ” (Memórias de São João Bosco, volume VII, p. 402-403)


Uma cura assombrosa

As obras do templo para Maria Auxiliadora continuaram, mas também as dificuldades para financiá-lo. No meio-dia, quando Dom Bosco passeava pelo município, pensava em como conseguir o dinheiro que precisava urgentemente para pagar uma obra.

Logo, logo uma mulher se aproximou dele, disse que precisava da ajuda dele e apontou para um palácio. O santo a seguiu rapidamente. Ao chegar ao palácio, ele foi recebido por uma senhora angustiada e chorando, pedindo a saúde do marido. A mulher enfatizou: “Gostaria que a cura de meu marido fosse obtida com Maria Auxiliadora; ele teria feito qualquer coisa por sua igreja, mas é tarde demais; está nas últimas ”.

Resignada com sua morte prematura, ela lhe disse que os médicos o haviam visto e não encontraram solução. E o seguinte diálogo ocorreu:

- A Virgem também compareceu ?, perguntou Dom Bosco. Se ela não estivesse lá, a consulta estava incompleta, porque o médico estava ausente. Que doença você tem?

-A doença apresentou várias formas, até que, por vários meses, degenerou em hidropisia [acúmulo anormal de líquidos, provável sintoma de outra doença]; eles o operaram várias vezes e novamente ele está tão inchado que sente muito; mas os médicos não se atrevem a tocá-lo, porque, segundo eles dizem, não apoiaria nenhuma operação.

-Bem, se você estiver determinada a ajudar a Virgem em um assunto, tentarei ver se a Virgem cura o marido dela.

-Com muito prazer; o que seja! Poucos minutos depois, Dom Bosco entrou em um quarto, onde encontrou na cama um senhor de idade um tanto avançada que, ao vê-lo, exclamou contente:

-Don Bosco! Se você soubesse o quanto eu preciso de suas orações. Só você pode me tirar desta cama.

- Você está neste estado há muito tempo?

–Três anos, três longos anos em que sofro horrivelmente; Não posso fazer o menor movimento e os médicos não me dão mais esperança de cura.

-Quer passear?

-Pobre de mim! Eu não vou mais fazer isso, mas eles vão me poder fazer isso ...

-Se você concorda com a sua dama, você o dará hoje com as pernas e no carro.

-Se eu pudesse obter um pouco de alívio, pelo menos, faria qualquer coisa por suas obras.

-Veja senhor; o momento seria realmente propício: preciso de três mil liras agora.

"Bem, apenas me dê um pouco de alívio dos meus males, e tentarei agradá-lo até o final do ano."

-Mas eu preciso deles esta tarde.

-Esta tarde, esta tarde. . . e onde encontrá-los? Três mil liras nem sempre estão à mão. Você tem que ir ao Banco Nacional. . . mudar o papel do Estado ...

-E por que não ir ao banco?

-Quem?

-Vocês!

-É impossível para mim! Está brincando! Não me movo há três anos.

- Impossível: impossível para nós, mas não para Deus onipotente. Ei, bem! Dê glória a Deus e Maria Auxiliadora, vamos fazer o teste.

Dom Bosco tinha todas as pessoas da casa, cerca de trinta, incluídas na sala, compreendeu o culto e convidou-as a recitar orações especiais a Jesus Sacramento e Maria Auxiliadora.

Assim que terminaram de orar, o Venerável abençoou o doente e ele imediatamente começou a evacuar, de tal maneira que a dama, assustada, começou a gritar:

-Ele está morrendo! Que morre!

E Dom Bosco a acalmou:

- Fique calma que ele não morre; seu corpo voltou ao normal ". (Memórias de São João Bosco, volume VIII, p. 434-436).

Estas são apenas duas histórias extraordinárias de curas milagrosas realizadas através da novena de Maria Auxiliadora. Mas através das inúmeras maravilhas que Deus concedeu com essa dedicação mariana, São João Bosco conseguiu terminar o templo em seu nome. Hoje é a imponente Basílica de Maria Auxiliadora em Turim.

Tão generoso foi o Senhor, através de Maria Auxiliadora, que Dom Bosco costumava dizer "cada tijolo do edifício sagrado lembra uma graça obtida da rainha do céu agostiniana".

Maria Auxiliadora, rogai por nós!


Traduzido de 

https://es.churchpop.com/2020/05/21/los-asombrosos-milagros-que-impulsaron-la-devocion-a-maria-auxiliadora/?fbclid=IwAR05SeTA7jXZ4beIm3W1QPzwLsSPfDzBkSWqB8sFJ1X2z2aoHT_0I2pZ7Es

segunda-feira, 20 de maio de 2024

A GRANDEZA DO SOFRIMENTO VISTA SOB O PRISMA DA NAVEGAÇÃO



 Costumamos ver esta vida  apenas sob aspectos dos prazeres que ela pode nos oferecer; poucos a analisam também sob o prisma do sofrimento, capaz de engrandecer todo o nosso viver nesta terra.  Vejam como Dr. Plínio Corrêa de Oliveira sabe conjugar os dois fatores comparando-os com a navegação náutica:   "As velas de um navio só deixam ver a sua beleza inteira quando o vento sopra e elas se enchem. O "pulchrum" de um navio só se deixa ver inteiro quando ele desencanta do cais. Se ele navega assim mesmo, quando está dentro do porto, dentro do golfo, ainda em circunstâncias onde se vê terra firme, ele não aparece no seu isolamento grandioso. É preciso que o barco seja imaginado num mar onde não se vê nada, onde de todos lados os confins do horizonte e do mar se fecham em torno dele, e ali se começa a perceber como ele é pequeno diante do mar que singra e como ele é grande, porque ousa singrar o mar. Que vitória singrar o mar!

Quando se inventou a fotografia, mil recursos foram empregados para fotografar navios em todas as posições e ações possíveis. Na época do avião, o homem ainda não cessa, a muito justo título, de se encantar e de se surpreender com a navegação. Ele se encanta, reproduz os navios de todas as ordens em toda espécie de mares. Isso vai para os álbuns, para os museus, por toda a parte. O homem canta a beleza dessa situação: um navio sozinho no mar e que navega.

Se fosse só isso. Quantos literatos, pintores, se têm esmerado em mostrar o navio na tempestade. Ou sob céu aberto, quando o mar está refulgente, espelhando o Sol, tranquilo ou com ondas belas que o fazem apenas balouçar, brincam com ele sem ter vontade de tragá-lo quando passa. É muito bonito!

Quando há tempestade, o navio continua; o infortúnio se abate, ele continua e resiste, ameaça naufragar, a tragédia... Até o seu soçobro é belo! A agonia e a morte de um navio são bonitas de tal maneira é bela a navegação.

Na realidade, todo o infortúnio da navegação faz ver aspectos da realidade náutica que dão a glória do navio até nos dias de bonança. Porque se não houvesse o perigo do soçobro, ninguém acharia tão bonito que o navio estivesse atravessando o mar. A verve da travessia que o navio faz é que por detrás está o perigo, e ele o vence.

Realmente o perigo é a condição da glória do navio. Por assim dizer, o perigo espreme, deita o melhor de sua beleza nesse sulco da dor.

As coisas se apresentam aos nossos olhos assim. Na tragédia da situação em que estamos, ao homem de hoje é dado ver uma desolação como igual o homem não conheceu. Ver tudo soçobrar  é terrível.

(Extraído da revista "Dr. Plinio"  edição 312  de março de 2024, pag. 11/12)


domingo, 19 de maio de 2024

O SOCORRO DIVINO NOS ÚLTIMOS MOMENTOS DA MORTE

 


 (Imagem de Nossa Senhora do Bom Sucesso, a que apareceu à Madre Mariana de Jesus Torres)

 

Caridade e amor de Madre Mariana de Jesus Torres para com as famílias de suas religiosas – Ela livra do inferno o parente de uma delas – Dom da bilocação que Deus Nosso Senhor lhe concede

 Certa ocasião morreu o irmão de uma religiosa do Mosteiro da Imaculada Conceição de Quito, assassinado por ladrões quando retornava de uma viagem pelo sul. Era um jovem, chamado Roberto, um tanto dissipado e descuidado no cumprimento de seus deveres de católico.

Sua irmã, bem como Madre Mariana, trabalhavam com vivo interesse pela conversão daquela alma, que, entretanto, exigia muita paciência.

Quando ele veio despedir-se para a viagem, Madre Mariana dirigiu-lhe estas palavras:

- “Vê, Roberto, que Deus Nosso Senhor muito em breve vai chamar-te em juízo e se tu não te emendas, pões em risco tua salvação. Que amargura para os teus se no estado atual a morte te surpreender!”

Estas palavras penetraram tão fundo no coração do jovem que, santamente impressionado, respondeu:

- “Certamente, Madre, devo voltar atrás e emendar minha vida, segundo a norma do Evangelho. Se eu pudesse adiar minha viagem um só dia, eu o faria prontamente, mas já está tudo acertado e fixado. Sobretudo com os meus companheiros, pois é impossível viajar sozinho por esses caminhos infestados de ladrões.

“De regresso, os cuidados da alma serão a minha primeira ocupação. Para isso, recomendo-me às orações de V. Revda., da minha querida irmã e da santa Comunidade, à qual trarei uma lembrança de minha viagem”.

“Asseguro-te que te ajudarei em tua maior aflição – respondeu Madre Mariana – porque és uma das almas escolhidas de Deus para o Céu. Durante tua viagem não deixes um só dia de rezar o rosário nas contas que vou te dar. Reza com teus companheiros, rogando a Deus uma boa morte e a salvação de tua alma. Não deixes de examina tua consciência, para confessar-te oportunamente”.

O jovem despediu-se de sua irmã e do Convento muito impressionado. Fez tudo o que Madre Mariana lhe aconselhou. Na viagem, portou-se como católico praticante. Seus companheiros relataram que ele ia pensativo. Quando procuravam distraí-lo, ele explicava:

- “Viajo apenas impelido por necessidades urgentes e para aproveitar vossa companhia. Parece que minha morte está próxima. Nada me agrada e a única coisa que anseio é reconciliar-me com deus”.

 

Uma monja da Imaculada Conceição me ampara

Chegado ao lugar de destino, agenciou todas as coisas com grande cuidado, preparou um pacote avisando que era para as “monjitas” da Imaculada Conceição, às quais queria com toda alma.

“Quando tudo tínhamos arranjado para o retorno, dois companheiros nossos adoecerem.[1]

Éramos cinco os que viajávamos, sem contar os criados e pagens. Resolvemos, então, adiar a volta até que eles sarassem.

Roberto ficou inquieto, dizendo que precisava voltar logo, e que iria na frente. Deixou conosco suas mercadorias, os criados e um pagem, fazendo-se acompanhar apenas por um destes. Nós nos opusemos a que ele viajasse só, mas não conseguimos retê-lo. Partiu, pois, após despedir-se com afetuosa cortesia e fina educação.

Ficamos impressionados pelo fundo de tristeza que havia em seu semblante. Desejávamos ardentemente que nossos companheiros recuperassem logo a saúde para apressarmos o passo e alcançar Roberto, porque ele não possuía muita agilidade em grandes travessias.

Dois dias após sua partida, ouvimos ao longe, ao anoitecer, alguém gritar por nós com grande aflição. Não sabíamos quem poderia ser, mas veio-nos à mente nosso caro Roberto.

Incontinenti, dois companheiros, três pagens e cinco criados montamos e – por assim dizer – voamos na direção dos gritos.

Quando nos aproximamos, ouvimos e reconhecemos que era Roberto. Esporeamos desesperadamente as mulas. Qual foi nossa surpresa quando vimos uns três mulatos altos e fortes, que armados, o perseguiam a pé. Roberto, a cavalo, gritava por nós pedindo socorro, dizendo que estava ferido e as forças lhe faltavam, e que somente o sustentava uma monja da Imaculada Conceição.

(Convém esclarecer que Deus concedeu à Revda Madre Mariana de Jesus Torres, em várias ocasiões, a graça da bilocação. Ela foi vista, ora favorecendo ao Sr. Bispo; ou em São Francisco e em outros lugares que necessitavam de auxílio).

Então começamos a gritar: “Socorro, socorro”, e outras coisas para ajudar Roberto. Os mulatos fugiram. Encontramos Roberto agonizante, que dizia: “Uma monja da Imaculada Conceição me ampara”.

(O piedoso leitor se lembrará que, quando Roberto se despediu de Madre Mariana de Jesus, esta boa religiosa anunciou-lhe a morte, dizendo-lhe que rezasse todos os dias o rosário que lhe daria, pedindo à Santíssima Virgem uma boa morte, e acrescentou: “Eu te ajudarei em tua maior aflição”. Eis que aparece aqui a monja espanhola, sustentando a vida de Roberto até que se confessasse, pois ele já deveria ter morrido exangue apenas com os primeiros ferimentos. Mas, oh poder da oração! Como Deus Nosso Senhor atende as súplicas de Sua amada esposa!)

Grande foi a surpresa ao encontrar Roberto agonizante e a mula completamente despedaçada, com os intestinos fora do ventre, caídos pelo chão. Vendo-a neste miserável estado, admiramo-nos como o pobre animal pode caminhar tanto tempo carregando Roberto. Todos nós nos convencemos de que fora um milagre estupendo, operado em virtude de alguma devoção de Roberto ou de orações feitas em favor dele.

Como sabíamos que ele tinha uma irmã religiosa e que amava desmedidamente o Convento da Imaculada Conceição, demos por certo que as monjas o mantiveram vivo a fim de que ele se pudesse confessar, e também comunicaram misteriosa força à mula para que o trouxesse até pô-lo a salvo.

Com profundo pesar conduzimos os cadáveres de Roberto, de seu pagem e também de um dos ladrões, a um povoado próximo para as devidas comprovações. Nossos companheiros já estavam sãos, mas tivemos de dilatar o tempo da viagem até estarem concluídos os assuntos mortuários e trazer todos os certificados, com testemunhos, para apresenta-los aos parentes, amigos, bem como à Real Audiência.

 

De como se deu a morte de Roberto

Agora, explicaremos como foi a morte.

Apressamos o passo e, reunindo ao todo vinte e cinco pessoas, cercamos os ladrões para apanhá-los. Um dos caminhantes a quem pedimos auxílio matou com tiro certeiro um dos ladrões.  Os outros dois fugiram feridos,  conforme as marcas de sangue      que deixaram pelo caminho.

Aproximamo-nos de Roberto e ele nos estendeu a mão. Com cansaço mortal, deixou-se cair esmorecido sobre a mansa mula que cavalgava. Deitamo-lo no solo. Nosso pobre amigo, com olhos vidrados, olhava-nos, queria falar mas não conseguia, apertava-nos a mão. Estava banhado de sangue.

Logo que o descemos da mula, esta caiu em terra, toda ensanguentada. Julgamos a princípio que era também sangue de Roberto, a quem atendíamos com dedicação. Conseguimos que ele tomasse alguns goles de vinho. Pôde, então, dizer com muita dificuldade e pausadamente estas palavras:

- “Meus amigos, vou morrer. Tragam-me um Sacerdote para ouvir-me em confissão e me absolver”.

Neste ínterim passavam vários grupos de transeuntes, entre eles alguns frades franciscanos, a quem rogamos que atendessem nosso pobre amigo. Pressurosos foram até ele.

Ao vê-los, nosso Roberto estendeu-lhes os braços e copiosas lágrimas rolaram-lhe pelas faces. Nós nos retiramos, ficando os dois Padres a sós com ele. Um o ouvia em confissão, enquanto o outro o sustentava nos braços, pois suas forças se esvaíam. Falou meia hora.

Terminada a confissão, os padres nos chamaram. Aproximamo-nos e ele nos disse:

“Meus amigos, sou feliz. Morro reconciliado com Deus, morro tranquilo. Nada me inquieta. Todas as minhas mercadorias rogo que entreguem à minha família. Mas, um dos pacotes – sabeis qual é – destinai às monjas da Imaculada Conceição. Dizei a todos que não me esqueçam em suas orações, pois necessito de sufrágios para minha alma. Ide procurar o pagem que levava comigo, para que, se estiver vivo aproveite a ocasião para se confessar”.

Dez caminhantes, três criados e um pagem saíram em seguida, e bem longe encontraram o pagem morto e completamente despido. E morta também a mula que montava. Cobriram-nos com um poncho e trouxeram até onde estávamos, mas não deixamos que Roberto o visse nem soubesse do seu triste fim. Os Padres examinaram-no e, na opinião de todos, estava morto havia algumas horas.

Roberto ia se consumindo lentamente. Os Padres começaram a recitação da Ladainha dos Agonizantes.

Após o ósculo do crucifixo apresentado pelos missionário franciscanos, deu um profundo suspiro e morreu nos braços dos Sacerdotes, sem convulsões nem trejeitos.

Estávamos nesta aflição e nos aproximamos da mula para levantá-la do chão e nela levar o cadáver de Roberto ao lugarejo próximo onde os nossos nos esperavam. Qual não foi nossa surpresa ao vê-la inteiramente dilacerada. E vimos que fora milagre o pobre animal ter conseguido carregar Roberto e percorrer um tão longo trecho.[2]

 

Enquanto isso no Mosteiro da Imaculada Conceição...

Na tarde de uma sexta-feira do mês de dezembro, Madre Mariana de Jesus Torres chamou Madre Manuela, antiga noviça sua e lhe disse:

-“Minha filha, sabes que meu coração é inteiramente de minhas filhas. Minhas são suas dores e meus são seus prazeres. Vou preparar teu coração, para que recebas tranquila o dom da tribulação com que o Esposo Divino te quer presentear

“Oh! Quanto me interessei por Roberto! E hoje ele está necessitado. Reza, clama e chora ao Divino Prisioneiro para que o ajude. Ele é uma alma querida por Deus, e por esta razão, desde que ele se despediu de nós não deixei de rezar muito por ele.

“Saibas, minha filha, que ao amanhecer deste dia cairá nas mãos dos salteadores, que procurarão acabar com sua vida, mas eu e tu não haveremos de o permitir até que possa confessar-se e reconciliar-se com Deus, porque ele já tem preparada a confissão e está bem pronto para passar à eternidade. Além disso, estarão com ele alguns dos nossos irmãos Menores[3], que o assistirão em sua última hora. Mas para se conseguir isto é preciso muita oração de nossa parte.”

A religiosa ficou trêmula ao receber tal notícia. Lançando-se aos braços de Madre Mariana, começou a chorar consternada e com palavras entrecortadas dizia:

- “Minha Madre, fazei violência à bondade de Deus para que meu pobre irmão não caia nas mãos dos cruéis salteadores, e ele possa regressar são e salvo ao seio da família. Bem sabeis que ele é o único filho varão e tem sido tudo para meus pais e irmãos. Sabendo que ele será assaltado, obtende de Deus que não o seja”.

-“Filha de minha alma – ponderou Madre Mariana – os desígnios insondáveis de Deus não podemos compreendê-los. Está decretado este gênero de morte para nosso caro Roberto. Ânimo e muita generosidade para com Deus. Não há que perder tempo chorando, mas sim rezar a Deus para que favoreça aquela alma querida”.

E, abraçando-a contra o seu peito, cumulou-a de carícias e disse tantas palavras de alento, que acalmaram o primeiro impacto da dor e recobraram-lhe o ânimo para rezar fervorosamente. Madre Mariana ordenou que não revelasse o assunto a ninguém e que o conservasse em segredo.

A religiosa, triste e chorosa, assistiu a todos os atos da Comunidade. Em sua amargura era doce lenitivo olhar para Madre Mariana, que procurava não separar-se dela.

Após a ação de graças do jantar, Madre Mariana disse em alta voz no refeitório:

- “Madres e irmãs minhas, soubemos que um parente muito chegado de uma de nossas irmãs está em grande angústia. Peço que vos esqueçais de vós mesmas, para rogar ao Senhor que favoreça e salve esta alma. Vamos aplicar nesta intenção tudo quanto fizermos até o dia de amanhã”.

As religiosas amavam desmesuradamente a única Fundadora que ainda lhes ficava e como, por outro lado, possuíam largos conhecimentos das virtudes e dons extraordinários que ele recebia de Deus, as palavras de Madre Mariana de Jesus causaram forte impressão no coração das religiosas. Cada uma oferecia tudo quanto fazia para a salvação dessa alma querida, interrogando-se se não seria um dos seus próprios familiares. Mas como não era menor que a medida de afeto, o respeito que tinham pela sua Superiora, ninguém ousava perguntar-lhe, esperando que Madre Mariana tomasse a iniciativa de chamar a religiosa cujo parente estava em grande perigo. Vendo, contudo, que ela não o fazia, redobravam todas e cada uma suas súplicas e penitências por aquela alma necessitada.

Soada a hora do silêncio, todas se recolheram ao dormitório. Madre Mariana costumava zelar pelo silêncio toda as noites em companhia da Vice-Superiora a quem isto compete. Entrava na cela de cada doente para lhe dar a bênção, depois fazia o mesmo com a Comunidade do dormitório. Isto, mesmo quando não ocupava o cargo de Superiora, na sua condição de Fundadora. Era respeitada e obedecida, a começar pela Superiora, que contava com ela nas menores coisas. Ou seja, ela dirigiu o convento até sua morte, seja diretamente, seja por meio das outras abadessas que se sucediam. A estas ela facilitava o exercício de encargo tão delicado, de forma que somente após a morte das Madres Fundadoras é que as Superioras deram-se conta de quão era este múnus, tão cheio de responsabilidades, do qual dependiam a existência e a conservação da vida em comum. É por esta razão que, alguns anos depois da morte das Madres Fundadoras, introduziu-se a vida particular.

 

Visão de Madre Mariana do assalto contra Roberto

À meia-noite, quando estava em meditação, Madre Mariana teve a visão de dez mulatos altos e fortes que se acometiam sobre o pobre Roberto e seu pagem, procurando dar-lhes morte cruel e instantânea, a fim de apoderar-se, segundo diziam, da vultuosa soma de dinheiro que aqueles serranos deveriam levar.

Ao ver esta cena, Madre Mariana clamou a seu Divino Esposo e à Sua Mãe Santíssima do Bom Sucesso pedindo que não permitissem tamanha crueldade da parte daqueles homens sem Deus e sem consciência.

Neste momento foi-lhe descoberto o estado das almas daqueles salteadores. Horrorizou-se por vê-las tão negras e degradadas. Viu que o pior dos criminosos havia, horas antes, assassinado a sua própria mãe e os irmãos por não participarem de suas ideias, e que ele desceria ao Inferno antes mesmo de Roberto morrer.

Viu que o pagem era muito católico e temeroso de Deus. No dia da partida de Quito havia se confessado e comungado em San Agustin, cuja igreja frequentava e durante a viagem não perdera o estado de graça. Caindo nas mãos dos salteadores, ao tentar libertar seu amo, elevou o coração a Deus, perdoando os agressores, encomendou sua alma a Deus e a Nossa Senhora, pedindo-lhes que o salvassem. Quando ele morreu, Madre Mariana assistiu ao seu juízo favorável e viu o pouco tempo de Purgatório que lhe foi imposto.

Na hora em que os salteadores iam apoderar-se de Roberto viram todos uma luz muito clara e no meio uma pessoa vestida de branco e azul, que os aterrou por um momento. Isto foi visto também por Roberto, que o relatou a seus amigos.

Os ladrões avançaram contra esta pessoa, descuidando-se de Roberto, que se aproveitou da ocasião para esporear a mula e afastar-se deles. Instantes depois eles saíram ao encalce de Roberto e de longe o feriram. Contudo, por mais que corressem não conseguiam alcança-lo. Quando ele começou a gritar para seus companheiros, fugiram todos, com exceção do miserável mulato morto pelos caminhantes que foram em auxílio de Roberto e o salvaram.

Madre Mariana viu como aquela alma tão celerada desceu ao fundo do Inferno com a velocidade do raio.

 

Madre Mariana tranquiliza a irmã de Roberto

Quando a Comunidade se reuniu pela manhã, às quatro horas, para a recitação do Ofício Parvo, já se encontrava lá Madre Mariana. As religiosas cravaram nela os olhos, à espera de alguma aviso, mas ela baixou a vista com sua gravidade religiosa de costume.

Deu início ao Ofício com a devoção de sempre e todas rezaram com extraordinário fervor. Seguiram-se demais atos da Comunidade.

No meio da meditação, Madre Manuela não pôde resistir; lenta e timidamente aproximou-se de Madre Mariana chamando-a. Esta, com a bondade e doçura própria de uma alma santa, afagou-a, dizendo:

- “Minha filha, tranquiliza teu coração. Dá graças ao Senhor e comunga fervorosamente pela alma de Roberto. Ele é feliz: morreu bem e se salvou. Deixa de chorar perdendo o mérito, pois o Esposo Divino se ressentiria. Não nos compete senão agradecer-Lhe. Continua tranquila tua oração”.

A religiosa voltou ao seu lugar, sofrida sim, mas com o coração em paz, porque sabia que seu irmão estava salvo. Chorava em silêncio, resignada com a vontade de Deus.

 

Madre Mariana recebe instruções de como se portar com a família

Chegada a hora em que se podiam receber as visitas, a família de Madre Manuela veio vê-la, manifestando-lhe que seus corações estavam abatidos e profundamente entristecidos por causa de Roberto. Havia dia não recebiam notícias dele, quando já era tempo de chegar algumas cartas. E a apreensão era tanto maior porque vários mercadores recém chegados informaram estar o caminho infestado de ladrões, dos quais só se livraram por viajarem em grande comitiva.

Antes de falar com a família, Madre Manuela foi aconselhada por Madre Mariana:

-“Minha filha, vem visitar-te a tua família, com o coração sobressaltado por causa de Roberto. Não fales a menor palavra a respeito. Consola-os e dize-lhes que, sendo Deus nosso absoluto Senhor e Criador, e amando-nos como nos ama, devemos esperar de sua amorosa bondade tudo de bom e de melhor”.

Madre Mariana acompanhou-a até ao parlatório e, antes de entrar, disse-lhe:

- “Ouve, filha de minha alma, Roberto te pede hoje um grande sufrágio, com que espera aliviar-se muitíssimo: é que não chores na presença de tua família demonstrando conhecer o seu triste fim.  Esta mortificação será muito agradável ao Senhor e de muito proveito para a alma de teu irmão”.

A boa religiosa obedeceu à ordem e conselho de Sua Madre, Mestra e Fundadora. Cumprimentou a família, a qual lhe manifestou amargura, como foi dito anteriormente. Madre Manuela, dominando-se heroicamente, animava aos seus com as palavras que Madre Mariana lhe recomendara. Compartilhou das dores da família, derramando algumas lágrimas em segredo e na paz.

Madre Mariana viu quanto Deus se comprouve com aquela alma realmente boa e o grande alívio que obteve para a alma de seu irmão. E louvou ao Senhor, Autor de toda a virtude.

Madre Mariana dirigiu também à família palavras de alento e consolo, dizendo que, em todo caso, devemos estar preparados para aceitar a santíssima vontade de Deus, que nunca envia às suas criaturas provações superiores ao que elas podem resistir.

A família saiu do Convento sofrida, mas cheia de paz; e diziam uns para os outros:

-“Que se opera em nossos corações quando falamos e tratamos com Madre Marianita? Que palavras tão cheias de unção divina, que tocam o coração e o tranquiliza mesmo em meio às dores! É verdadeiramente uma monja santa, feliz criatura e felizes os que vivem com ela”.

 

Palavras de confiança à mãe de Roberto

Transcorridas algumas semanas, a mãe de Madre Manuela voltou ao Convento chorando desesperadamente. Contou que os companheiros de viagem de seu filho havia chegado e narraram o triste fim de Roberto, assaltado pelos ladrões. E pediu com insistência para falar com a filha e com Madre Mariana.

Esta instruiu Madre Manuela sobre como deveria portar-se naquela circunstância tão dolorosa, na condição de esposa fiel de Nosso Senhor Jesus Cristo. Dirigiram-se, então, ao parlatório.

Quando ouviu a voz da filha, a triste senhora irrompeu em lágrimas, dizendo entre soluços:

- “Querida filha, teu irmão morreu, atacado por salteadores. Ai! Meu filho morreu longe dos seus! E sua alma? Isto é que me faz desesperar! Que será de meu Roberto? Salvou-se ou condenou-se? Ele foi bom católico, mas nos últimos anos dissipou-se muito e afastou-se dos sacramentos. Isto me mata e me consome. Minha dor se amainaria se soubesse que ele se salvou.

“Madre Marianita – prosseguiu – console o coração atribulado desta mãe desconsolada. Peça V. Rvda a seu Esposo que lhe dê a conhecer se meu Roberto se salvou. As esposas de meu Senhor Jesus Cristo são as pessoas que podem tratar com Ele e dar lenitivo aos corações angustiados dos que vivem no mundo. Deus tira o meu filho e com ele todo o meu apoio. Mas, se soubesse que ele está salvo, atenuada ficaria minha dor”.

Madre Mariana abriu os lábios e de tal modo falou à consternada senhora, que suas palavras, cheias de unção divina caíram naquele coração destroçado pela dor como o orvalho em planta ressequida. Entre outras coisas, exortou-a a que tivesse fé na infinita misericórdia de Deus, de que Roberto tinha se salvo, pois as mortes repentinas e imprevistas dependem de desígnios da Providência Divina.

Disse ainda que se fixasse nesta consoladora ideia, sem desesperar-se em nenhum momento. E não deixasse de sufragar  quanto possível a alma do filho, a fim de que saísse quanto antes do Purgatório e voasse para o Céu, para goza a Deus eternamente. E que ela se oferecia, por seu turno, para fazer o que estivesse ao seu alcance, com vistas ao descanso daquela alma querida.

 

Sobre a futura morte de Manuela – A alma de Roberto sai do Purgatório

Madre Manuela, como fiel discípula de Madre Mariana, disse à mãe palavras animadoras e alentou seu coração abatido, de sorte que a pobre senhora voltou muito confortada para casa, onde consolou os seus.

Madre Mariana viu com suma complacência a bela alma de Madre Manuela, e o quanto aproveitava para si e para o sufrágio da alma de seu irmão o sofrimento suportado com paciência e com uma resignação não apenas cristã, mas também religiosa. Madre Mariana louvava ao Senhor por isto, e todos os dias abençoava sua filha espiritual com amorosa ternura. Falava-lhe a respeito do Céu e lhe ensinava a ter a alma preparada para morrer a qualquer momento que aprouvesse a Deus chama-la para prestar contas.

É que Deus Nosso Senhor havia revelado a Madre Mariana que aquela sua filha devia morrer de morte súbita, porque temia a hora da morte, por causa das tentações com que o demônio costuma assaltar no último transe, até mesmo as almas justas.

Após a morte do jovem Roberto, Madre Mariana encarregou-se de livrar logo do cárcere da expiação aquela alma querida, tanto mais que era irmão de sua Manuela. Penitências, orações, padecimentos interiores, e todos os méritos de sua heroica vida, tudo aplicava, exigindo do Senhor que levasse quanto antes ao Céu aquela alma por quem ela se empenhava.

Tanto fez até que um dia, depois da Comunhão, Nosso Senhor lhe mostrou que a alma de Roberto se elevava ao Céu como uma branca nuvem. E este lhe dizia:

- “Deus a recompense, Madre, vossa caridade e o afã de libertar-me do cárcere da expiação. A vós devo minha rápida libertação. Esperar-vos-ei no Céu”.

Madre Mariana, com seu tino e cautela característicos, comunicou a Madre Manuela que seu irmão estava no Céu. O amor e a gratidão a Deus aumentaram nesta alma religiosa, formada pelo santa monja espanhola e admirável mestra de almas”

 

(“Vida Admirável da Rev. Madre Mariana de Jesus Torres, espanhola, uma das Fundadoras do Monastério de La Limpia Concepcion de la Ciudad de Quito, escrito pelo Rev. Padre Manuel Sousa Pereira da Ordem Seráfica dos Menores do Convento Máximo de São Francisco de Quito, Equador” – Tomo II - páginas 125/131 – capítulo XIII - . – edição extraída de crônica feita por este padre, na época dos fatos, e publicada em 1934)

 



[1] A partir deste ponto até o 11º parágrafo da página 127, a narração passa, bruscamente, a ser feita na primeira pessoa do plural, dando a entender que todo este trecho  foi emprestado do testemunho de algum dos companheiros de viagem de Roberto. Há também, de entremeio, alguns parágrafos de comentários, cuja autoria parece ser do padre Manuel S. Pereira. (para facilitar o colocamos em negrito)

[2] Até aqui o testemunho dos companheiros de Roberto

[3] Ordem dos Frades Menores (OFM)


sábado, 18 de maio de 2024

IMAGEM DO AUTÊNTICO ANTONIO CONSELHEIRO

 

O líder católico da guerra de Canudos, Antonio Vicente Mendes Maciel, conhecido como “Antonio Conselheiro” teve, finalmente, seu nome honrado com o governo federal, que, na época, foi o protagonista do desumano massacre sofrido por ele e pelos humildes católicos da localidade.

O presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), sancionou lei que inclui Antônio Vicente Mendes Maciel, conhecido como “Antônio Conselheiro, no livro dos heróis e heroínas do Brasil. A lei foi publicada no dia 14 de maio de 2019 no Diário Oficial da União.

“Antônio Conselheiro” nasceu em Nova Vila de Campo Maior, atualmente Quixeramobim, no Ceará, em 13 de março de 1830. E morreu em Canudos, no dia 22 de setembro de 1897, aos 67 anos, de diarreia e desidratação após vários dias de sofrimento com o cerco e a guerra. Esteve em várias cidades dos sertões nordestinos, onde fazia pregações religiosas como verdadeiro missionário. Atraiu multidões com suas pregações, indo finalmente estabelecer-se na cidade de Canudos, Bahia, cuja população cresceu tanto que, dizem alguns, quase supera a da capital, em Salvador. Na guerra, calcula-se que foram dizimados mais de 30 mil sertanejos, muitos deles degolados barbaramente por ordem do general que ocupou o lugar já destruído pelos canhões e as bombas. Segundo dizem, houve uma ordem do chefe da república para “não deixar vestígio nenhum” daquele lugar ou de seus habitantes, devendo todos ser mortos. Como havia testemunhas, mataram apenas os prisioneiros de guerra, um crime horrendo, pois já haviam se rendido. Posteriormente, no governo de Getúlio, mandaram construir um açude com objetivo de inundar a cidade palco da guerra a fim de não deixar vestígios da mesma. Não adiantou, o povo construiu uma outra cidade que passou a ser chamada de “Nova Canudos”. Pouco tempo depois, o açude secou e começou a aparecer a velha cidade afundada dando mostras a todos o crime ali cometido pelo governo.

Vejamos, agora, as fotos que andam divulgando dele. Numa delas, a mais conhecida, vemos apenas seu cadáver como foi encontrado após a guerra, desenterrado pelos militares para confirmar sua identidade, conforme era praxe naqueles tempos. Em outras fotos pode-se ver um elemento bárbaro ou semi-bárbaro, parecendo mais um guerrilheiro muçulmano ou um huno invasor do império romano. Numa delas aparece como se fosse um espantalho, esquálido e odiável, completamente ultrajante à personalidade real do grande herói. Mas, a melhor foto, a mais real, é essa que foi tirada quando o mesmo era advogado. Que diferença! Esta última é o retrato verdadeiro da personalidade do grande herói agora reconhecido.

sexta-feira, 17 de maio de 2024

O VALOR DA ADMIRAÇÃO

 






 

Em várias oportunidades, Dr. Plínio Corrêa de Oliveira comentou sobre a importância da admiração para a prática das virtudes. Numa delas assim falou sobre a admiração:

 

“ADMIRAÇÃO DESINTERESSADA E INOCENTE

Precisamos admirar o que é superior a nós para sermos contrarrevolucionários. Se tivermos uma admiração verdadeiramente desinteressada, do fundo de nossas almas seremos solidários com a ordem reta das coisas e, portanto, com a homenagem que se deve a Deus. Ver alguém ser contrário a isso nos afeta mais do que se nos tivermos dito um desaforo. O suprassumo de nós mesmos é aquilo que amamos sem interesse mesquinho.[1]

“Se prestarmos atenção no mundo de hoje, veremos o quanto ele é feito quase exclusivamente de interesse individual. Quando se trata de ser elogiada, a pessoa gosta; mas já não lhe agrada ouvir elogios dirigidos a outro. O mesmo se aplica a ganhar dinheiro, ter saúde, conforto, enfim qualquer vantagem: o indivíduo fica muito contente desde que seja ele o beneficiado.

 

A inversão de valores no mundo atual

Ora, por vezes, quando nos reunimos, embora sejamos de nações, formação cultural e educação tão diversas, vibramos de alegria ao celebrarmos as glórias alheias, considerando a vida e os feitos de diversos personagens históricos. Qual é a razão dessa alegria?

O ser humano foi feito para crescer, tanto na alma quanto no corpo. De maneira tal que do próprio Menino Jesus diz o Evangelho que Ele “crescia e Se fortalecia, enchia-Se de sabedoria”  (Lc 2, 40). Ao ler isto, tem-se a impressão do Divino Infante crescendo, florescendo, da infância delicada e sacrossanta do presépio para a adolescência e a força da idade madura, em que Ele irá carregar o lenho.

Essa transformação gradual, dia a dia, em que Ele cada vez mais se transformava de flor em cruz, de encanto em esplendor de sacrifício, era uma coisa que aumentava a formosura varonil d’Ele cada vez mais; dava-Lhe aquela forma superior de beleza que é o charme, mas o charme do varão forte, varonil, empreendedor, sério, seguro, porém tão delicado, meigo, paterno, de tanta ternura, que quase não se sabia como conciliar uma qualidade com a outra. Isso era no Corpo, mas sobretudo na Alma.

A maior parte das pessoas pensa que a alma é uma espécie de radar feito para captar as necessidades do corpo e atendê-las, que ela existe para o corpo. Segundo esta concepção, o homem vive para fazer negócios bons a fim de comer. Então, a inteligência tem como função encontrar comida.

Ora, esse faro até cachorro ou um bicho pastando tem também. Para isso não é preciso possuir alma. Entretanto, a grande maioria das pessoas concebe as coisas assim. Formou-se e vai seguir tal carreira para quê? Ganhar dinheiro para poder comer, beber e dormir.

Então o homem não é senão um bicho mais complicado do que os demais e, enquanto tal, inferior aos outros animais. Porque se um boi, sem diplomas, encontra comida, o homem é apenas um bicho mais complicado do que o boi.

Nós vemos, então, como é absurdo admitir que o animal é mais do que o homem e a vida do animal mais perfeito do que a humana. O intelecto não pode ter como finalidade principal a manutenção do corpo. Contudo, se analisarmos o papel dado à alma no mundo contemporâneo, qual o interesse da maioria das pessoas pelos bens do espírito e pelas solicitações do corpo, notaremos uma desproporção arrasadora, simplesmente. As pessoas cuidam do corpo e a alma fica completamente do lado. É uma inversão de valores, por onde aquele que deverá ser rei é servo.

 

Alegria do relacionamento entre almas com qualidades diversas

Pois bem, há um instinto na alma humana profundo, chamado instinto de sociabilidade, que faz com que os semelhantes se procurem. Este instinto também leva o homem a alegrar-se e a relacionar-se quando nota em alguém qualidades aparentemente opostas às dele, mas que o completam harmoniosamente.

Imaginem Carlos Magno preparando os planos para uma invasão em terra de infiéis.

Sozinho na sua sala, caminhando de um lado para o outro com passos firmes e cadenciados, sobre um chão de mármore ou de granito polido, está o monarca de barba florida. O recinto, ainda com influência românica, possui arcadas que dão para um pátio interno onde há um pequeno chafariz sobre o qual pousa um pássaro que começa a saltitar. O Imperador interrompe seu caminhar, olha o passarinho e sorri amavelmente.

O passarinho é tão diferente dele! Entretanto Carlos Magno não olhou apenas para a ave, mas sentiu suas próprias vastidões interiores e compreendeu melhor a si mesmo.

O Imperador senta-se, manda vir um pouquinho de vinho e diz:

- Chame Alcuíno, meu ministro e conselheiro. Quero expor-lhe os planos de uma universidade e de uma batalha, porque as duas coisas eu resolvi agora.

O homem se completou.

Entra Alcuíno, monge famoso que organizou a renovação da cultura católica ocidental como ela se desenvolveu na Idade Média; foi o Carlos Magno da cultura. Podemos imaginá-lo como um homem venerável, de rosto comprido, fino, olhar que fita do fundo de arcadas oculares onde olhos pequenos e pretos dardejam, ou olhos azuis e inocentes sonham.

Alcuíno se inclina ante Carlos Magno, que faz um gesto e diz:

- Sentai-vos!

O sábio Monge pede licença para ficar ajoelhado, ao que o Monarca responde:

- Sois clérigo. Não é bom que um clérigo se ajoelhe diante um leigo. Sentai-vos!

Alcuíno afirma:

- Por vossa ordem e em obediência a Deus, que deseja que o clero seja reverenciado, senhor, eu me sento.

Começa a conversa durante a qual Carlos Magno apresenta as metas gerais para uma universidade. Alcuino ouve embevecido e pensa: “Que largueza de pensamento, que homem! Vejo todo um continente formando-se atrás da fronte desse Imperador. Que felicidade ter conhecido Carlos Magno!”

Dali a pouco o Monarca vai falando menos e o Monge toma a palavra. Enquanto a voz de Carlos Magno lembra espadas e escudos que se entrechocam, a de Alcuíno remonta a sinos que tocam. Diz o douto conselheiro:

- Senhor, para realizar as vossas imperiais e cristianíssimas intenções, que julgo ter bem apreendido, tenho o intuito de vos propor tais matérias, e tal outra tem tal riqueza...

De repente é Carlos Magno quem está entrando pelo mundo da cultura e do saber, e pergunta algo a respeito de Aristóteles, Santo Agostinho, São Jerônimo. Depois quer saber alguma coisa sobre o Concílio de Nicéia, tal pormenor concernente à virgindade da Mãe de Deus, e tal outro detalhe a propósito da união hipostática. Nesse momento Carlos Magno está longe... Não pensa mais no passarinho, nem na batalha contra os germanos ou os árabes. Ele tem apenas diante de si o mundo da cultura e a alma de Alcuíno que desdobra imensa diante dele, sabendo tudo, explicando tudo. Carlos Magno virou passarinho e saltita na cultura de Alcuíno, encantado!

É natural que isso tenha acontecido desse modo, porque assim é a alma humana. Carlos está diante de quem tem mais cultura do que ele. O passarinho o encantava por ser pequenino, e despertava na alma dele todas as afinidades harmonicamente opostas que o grande tem com o pequeno. Agora é o grande que tem alegria de sentir-se pequeno ao considerar alguém maior do que ele, não absolutamente falando, mas num ponto.

O grande Monarca tem a alegria de admirar e de crescer à medida que admira, saindo dessa conversa mais elevado de espírito e pensamento: “Agora sei tal coisa e tal outra. Hoje não conquistei nenhuma província, mas fiquei conhecendo Santo Agostinho. Quando morrer não conduzirei comigo uma província, mas levarei para o Céu o que eu soube e admirei da “Águia de Hipona”. Que grande dia este em que conversei com o Monge Alcuíno!”

 

Ao admirar os que lhe são iguais o homem tende à sua plenitude

Imaginemos agora outra cena que historicamente não se deu, mas poderia ter-se dado: o encontro dos dois imperadores, do Oriente e do Ocidente, em Constantinopla.

Vendo a cidade maravilhosa na praia do Bósforo, parado num cais o Imperador do Oriente espera a chegada de Carlos Magno.

Chega a hora em que desce do navio uma passarela com um tapete sobre o qual Carlos Magno caminha. Ambos de coroa na cabeça se cumprimentam, com ar de um rei que saúda outro rei. Nesse aperto de mãos os dois monarcas cristãos, Oriente e Ocidente, eles sentem a presença de Jesus Cristo e estreitam a amizade. Carlos Magno vê seu igual como seu irmão. Sua alma cresceu numa outra dimensão. De igual a igual, cada um deles é mais ele mesmo.

Houve interesse nisso? Não, mas houve vantagem. Essa alma tinha necessidade disso para crescer inteiramente. Todo ser vivo tende à sua plenitude, e Carlos Magno ganhou plenitude no que ele tinha de mais essencial nesses três episódios de sua vida. Ele ficou mais pleno, mais ele mesmo.

Voltando de Constantinopla, algum escudeiro do grande Carlos poderia dizer a alguém que não viu a cena: “Vós não sabeis o que é glória! Vós conheceis um imperador só – Carlos, o Grande – tratando com os que são inferiores a ele. Mas não vistes a glória de nosso Imperador quando ele tratou com um igual. Tinha-se a impressão de um arco-íris que ia de um ponto a outro! Aquilo é glória, quando se viu a soma dessas duas majestades altivas e cordiais entre si. Como é grande isso!”

Sem dúvida, houve vantagem para quem presenciou isso porque cresceu. Mas é preciso ter um espírito tal que se queira isso ainda que não houvesse vantagem; pela homenagem desinteressada e encantada em relação àquilo que é maior, igual ou menor em relação a nós.

 

Quando admiramos algo superior a nós, prestamos um ato de culto a Deus

Para o mundo contemporâneo esta posição é uma aberração, pois o princípio no qual se baseiam os pressupostos de quase todo mundo hoje em dia é: o que não diz respeito a mim, não me move.

Ora, o princípio que apresento é o contrário: movo-me para conhecer e admirar algo que não sou eu, mas um outro em relação ao qual me coloco numa posição de alegria porque ele é quem é, independente de pensar em mim.

Se isso parece absurdo para a mentalidade hodierna, existiu um ser mais inteligente do que todos os homens que houve, há e haverá até o fim do mundo, que também pensou do mesmo modo que a maioria das pessoas de hoje: Lúcifer.

Com efeito, é próprio à criatura, por não ser ela a fonte de seu próprio ser, viver para quem a fez. Logo, o centro de nosso ser está fora de nós,  é o nosso Criador.

Imaginem que um escultor esculpisse uma estátua e, miraculosamente, desse-lhe a vida. E tão logo ela acabasse de ser esculpida, dissesse para seu autor:

- Até logo, vou embora.

O escultor lhe passava um laço e dizia:

- Sem-vergonha! Eu te fiz, tudo o que há em ti foi dado por mim, e vais embora? Vou te liquidar, não existirás mais.

Sendo o autor da estátua, o artista tem o direito de servir-se dela. Pois bem, se isso é assim do escultor com a estátua, quanto mais de Deus para conosco. Eu nada era quando Deus resolveu que existisse Plínio. Ele criou a minha alma; devo, portanto, submeter-me a Ele.

De fato, quando admiramos algo superior a nós, estamos, no fundo, prestando um ato de culto a Deus. Admirar é a postura normal de nossa alma.

 

Os contrarrevolucionários vivem da admiração

Quando o homem está na postura normal ele sente bem-estar. Mas o bem-estar é um reflexo muito apreciável, porém colateral da ordem que está nele. Por exemplo, um auditório precisa ter cadeiras confortáveis para que os ouvintes se esqueçam do corpo e possa prestar atenção na conferência. Os acolchoados, os braços da cadeira postos a uma altura adequada, o apoio e a distensão que o corpo recebe evidentemente produzem um certo bem-estar. Entretanto, ninguém diria: “Eu vou agora ao auditório para sentar numa cadeira”. A pessoa vai para participar de uma reunião. A posição adequada produz, colateralmente, um bem-estar.

Assim também a própria felicidade que o entusiasmo produz é, ainda ela, secundária em relação a essa admiração desinteressada e cheia de amor que devemos ter para com Deus.

Santa Teresa de Jesus exprimia isso de um modo magnífico, quando disse que queria amar a Deus de tal maneira que “ainda que não houvesse Céu, eu Vos amaria, e ainda que não houvesse inferno, eu Vos temeria”. Quer dizer, “independente de tudo, por serdes Quem sois, eu Vos amo quanto posso e lamento não ter capacidade de adorar ainda mais”.

No Gloria in excelsis Deo, que se reza na missa, há um momento em que se diz Gratias agimus tibi propter magnam gloriam tuam: nós vos damos graças, ó Deus, por vossa grande glória. Não é minha glória, mas a d’Ele.

Consequentemente, quando vemos que alguém não dá a Deus a glória devida, não apenas porque não O admira, mas inclusive blasfema contra Ele, nossa alma é atingida no seu cerne. Se tivermos uma admiração verdadeiramente desinteressada, é do próprio fundo de nossa alma que seremos solidários com a ordem reta das coisas e, portanto, com a homenagem que se deve a Deus. Por isso, ver alguém ser contrário a isso é m\ais do que se nos tivesse dito um desaforo, roubado de nós um objeto ou lançado contra nós uma calúnia. O que foi atingido vale, para nós, muito mais. Não por ser interesse nosso, mas porque o suprassumo de nós mesmos é aquilo que amamos sem interesse mesquinho.

Há, pois, um entrechoque de revolucionários que se negam a admirar e contrarrevolucionários que vivem da admiração. Entretanto por detrás dessa luta há outra que se trava no interior de cada um de nós entre Deus e o demônio, entre a Virgem e a serpente, de maneira que somos um campo de batalha.

Para atuarmos nesses combates, tanto o externo quanto o interno, a Divina Providência nos concede auxílios maravilhosos. Um deles é a graça, participação que o homem tem na própria vida de Deus. A graça é uma criatura, mas ela nos faz participar da vida do Criador e confere à alma forças que estão na linha da sabedoria, da energia, da sagacidade e de todo o esplendor divinos. E isso nós aplicamos na luta também. Não é, portanto, a força natural.

 

Dentro de nosso campo de batalha interior os Anjos da Guarda são o auxílio poderoso

Outro auxílio poderoso são os nossos Anjos da Guarda. Embora sejam tão superiores a nós que constituam os nossos arquétipos, nessas batalhas eles estão para nós como os escudeiros em relação aos cavaleiros.

Por vezes, os Anjos da Guarda são representados naqueles quadrinhos encantadores, onde aparece um Anjo ajudando uma criança a não cair da bicicleta, por exemplo. É verdade, respeito enormemente, mas não é a função primordial do Anjo da Guarda. Sua principal missão é ajudar-nos a vencer a Revolução dentro e fora de nós, e sermos inteiramente contrarrevolucionários. Somos os combatentes, e ele nos dá conselhos e forças enquanto lutamos.

Quando somos fiéis à graça e à ação angélica, no meio dessa batalha há algo em nossa alma que entra como um coro, uma orquestra de guerra. Por outro lado, se pecamos começa a coaxar um sapo ou grunhir um porco É o demônio que faz a sua casa naquele que caiu no pecado. E nós, só pelo fato de estarmos em pecado, já passamos a lutar em favor do demônio. Embora nada façamos, o nosso existir em estado de pecado nos inscreve no lado do adversário. Donde a necessidade de, o mais cedo possível, sair dessa situação e voltar ao estado magnífico e diáfano da graça, onde nos transpomos de um exército para outro, e de anjos malditos passamos a ser novamente Anjos benditos.

Quiçá algumas pessoas colocadas diante das verdades acima expostas terão suas almas divididas em duas zonas opostas. Uma, luminosa, clara, alegre, porque ouvir alguém falar daquilo que merece todo o entusiasmo, ou seja, de Deus, de Nossa Senhora, da Santa Igreja Católica torna a alma límpida, leve, satisfeita.

A outra zona é obscurecida por interesses mesquinhos: vontade de fazer carreira, de ganhar dinheiro, de aparecer, de ser importante. Isso deixa a alma escura, pesada, abatida, arfando e pensando: “Quando me virão o dinheiro e o prazer que eu quero?” Se vierem, essas pessoas farão o mesmo que realizam todos aqueles que possuem essas coisas: quando a mão está bem cheia, deixam cair no chão porque de nada servia aquilo tudo. Essa é a realidade.

Peçamos a Nossa Senhora a admiração desinteressada e inocente, ponto de partida invencível de todo o ódio necessariamente fulminante, esmagador e vitorioso contra a Revolução”.    (Extraído de conferência de 27/10/1979)

 

 



[1] Todo o texto a seguir extraímos da revista  “Dr. Plínio”, junho de 2020, páginas 18/20