Feiticeiro
ou mago? A expressão “mago” serve para definir os que praticam magias,
encantos, ou, feitiçaria. São, portanto, feiticeiros. Mas, também é utilizada
em outro sentido, como é comum chamar aos Santos Reis de “Magos”, mas, neste
último caso, magos no sentido de sabedoria e especialistas nos estudos dos
astros, da área de conhecimento e não na prática de magias. Nos casos que
abordamos a seguir estamos nos referindo àqueles que praticam magias, que são
os feiticeiros ou bruxos. Nos casos a seguir se iniciava a doutrinação cristã dos mesmos, mas, perante a pertinácia no erro não havia outra saída a não ser a maldição ou excomunhão (dados por São Pedro e São Paulo), com exceção do caso de Cipriano que se converteu e transformou-se num santo.
“Simão Mago” nos Atos dos Apóstolos
Bruxos e
feiticeiros eram muito influentes no paganismo antigo, e muitos deles se
destacavam na população por causa de seus admiráveis poderes de magia. E muitos
deles, por influência diabólica, tentavam combater o Cristianismo, conforme
relatos antigos como dos Atos dos Apóstolos:
“Ora, vivia a tempo na cidade, um
homem chamado Simão, o qual, praticando a magia, excitava a admiração do povo
de Samaria e pretendia ser alguém importante. Todos, do menor ao maior, lhe
davam atenção, dizendo: “Este homem é o
Poder de Deus, que se chama o Grande”
Davam-lhe atenção porque ele, por
muito tempo, os fascinara com suas artes mágicas. Quando, porém, acreditaram em
Felipe, que lhes anunciara a Boa Nova do Reino de Deus e do nome de Jesus
Cristo, homens e mulheres faziam-se batizar. O próprio Simão, também,
acreditou. E, tendo recebido o batismo, estava constantemente com Felipe, admirando-se ao observar os sinais e grandes
atos de poder que se realizavam.
Os apóstolos que estavam em
Jerusalém, tendo ouvido que a Samaria acolhera a palavra de Deus, enviaram-lhes
Pedro e João. Estes, descendo até lá, oraram por eles, a fim de que recebessem
o Espírito Santo. Pois não tinha descido ainda sobre nenhum deles, mas somente
haviam sido batizados em nome do Senhor Jesus. Então começaram a impor-lhes as
mãos, e eles receberam o Espírito Santo.
Quando Simão viu que o Espírito
era dado pela imposição das mãos dos apóstolos, ofereceu-lhes dinheiro, dizendo:
“Dai também a mim este poder, para que receba o Espírito Santo todo aquele a
quem eu impuser as mãos”. Pedro, porém, replicou: Pereça o teu dinheiro, e tu
com ele, porque julgaste poder comprar com dinheiro o dom de Deus!” Não terás
parte nem herança neste ministério, porque o teu coração não é reto diante de
Deus. Arrepende-te, pois, dessa tua maldade e ora ao Senhor, para que te possa
ser perdoado este pensamento do teu coração, pois eu te vejo na amargura do fel
e nos laços da iniqüidade”. Simão respondeu: “Rogai vós por mim ao Senhor, para
que não me sobrevenha nada do que acabaste de dizer” (At 8, 9-24).
Impor as
mãos para que se recebesse o Espírito Santo significava no início do
Cristianismo a concessão da Ordem Sacerdotal, não era dado aos simples
batizados mas àqueles que comprovassem possuir missão especial para propagar a
doutrina cristã.
Foi a
partir deste episódio que ficou conhecido o pecado de “simonia” na Igreja, que define o erro dos clérigos que
recebem dinheiro para exercer suas funções sacerdotais. No entanto, nos Atos dos Apóstolos não há
nenhuma referência aos fatos futuros que falam da triste morte do “Mago Simão”,
narrado segundo a tradição e crônicas antigas. Em tais crônicas constam que o
mago quis dar uma demonstração de poder ao voar, mas São Pedro o fez despencar
do céu no solo e morrer em seguida coma uma simples maldição papal seguida do
sinal da cruz. Foi assim feito um exorcismo diferente da fórmula clássica,
ocasionando a expulsão e perca dos poderes demoníacos sobre as pessoas.
Lenda da Morte de “Simão
Mago”, fato não relatado nos Atos dos
Apóstolos segundo a Crônica de Nuremberg[1]
Segundo
a lenda, Simão viajou para Roma, onde impressionou as pessoas com sua
habilidade ocultista, e depois para o Egito, onde supostamente aprendeu magia
como invisibilidade, levitação e mudança de forma em um animal. Dizem que ele
criou um homem a partir do nada e se vangloriava de ser parte da Santíssima
Trindade.
Em
Roma novamente, Simão impressionou Nero e foi nomeado mago da corte.
Então, no dia em que ele se estabeleceu,
subiu a uma torre alta que estava no Capitólio, e lá foi coroada de louros.
Depois chamou seus deuses, que eram demônios, e começou a voar no ar.
Então
disse São Paulo a São Pedro: "Cabe a mim orar, e a ti comandar."
Então
disse Nero: "Este homem é muito Deus, e vocês são dois traidores."
Então
disse São Pedro a São Paulo: "Paulo, meu irmão, levanta a cabeça e vê como
Simão voa."
Então
São Paulo disse a São Pedro quando viu Simão, o Mago, erguendo-se bem alto no
ar: "Pedro, por que te demoras porque Deus agora nos chama a agir?"
Então
disse Pedro: "Conjuro e conjuro a vocês anjos de Satanás, que carregam
Simão, o mago, no ar, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, que não o suportem
mais, mas o deixem cair por terra".
E
logo o deixaram cair no chão. Com grande velocidade ele desceu e quebrou o
pescoço e a cabeça, e morreu ali imediatamente.
E quando Nero soube que Simão estava morto e que ele havia perdido um homem assim, ficou triste e disse aos apóstolos: "Vocês fizeram isso com desprezo por mim, e por isso eu os destruirei". E então o enfurecido Nero prendeu Pedro e Paulo e os jogou na prisão mamertina antes de sua execução
São Paulo e o Mago Elimas
No
entanto, quando São Paulo teve que enfrentar o poder de um mago, o fato foi
literalmente narrado nos Atos dos Apóstolos:
“Enviados, pois, pelo Espírito
Santo, eles desceram até Selèucia, de onde navegaram para Chipre. Chegados a
Salaminas, puseram-se a anunciar a palavra de Deus nas sinagogas dos judeus.
Tinham também João como auxiliar.
Tendo atravessado toda a ilhar
até Pafos, aí encontraram um mago, falso profeta, que era judeu e se chamava
Bar-Jesus. Ele estava com o procônsul Sérgio Paulo, homem prudente, o qual
mandara chamar Barnabé e Saulo, desejoso de ouvir a palavra de Deus. Elimas,
porém, o mago- assim se traduz o seu nome – começou a opor-se a eles,
procurando afastar o procônsul da fé. Então, Saulo, que também se chamava Paulo,
repleto do Espírito Santo, fixando nele os olhos, disse: “Homem cheio de toda
falsidade e de toda malícia, filho do diabo e inimigo de toda justiça, não
cessarás de perverter os caminhos do Senhor, que são retos? Pois agora a mão do
Senhor está sobre ti: ficarás cego,e por um tempo não verás mais o sol!” No mesmo instante, escuridão e trevas caíram
sobre ele, de tal sorte que, andando à roda, procurava a quem o levasse pela
mão. Então, vendo o que aconteceu, o procônsul abraçou a fé, maravilhado com a
doutrina do Senhor” (At 13, 4-13).
Outro exemplo de ação exorcística por intermédio de uma simples maldição.
Perseverança
na castidade converte até um bruxo e o faz santo
A virgem Justina (Santa Justina de Pádua,
Mártir, festejada a 26 de setembro), natural de Antioquia e filha de um
sacerdote pagão, todos os dias, postada numa janela, ouvia a leitura do
Evangelho que o diácono, São Proclo, fazia. Convertida e batizada, logo os pais
de Justina souberam que tornara-se cristã. Quando dormiam, apareceu-lhes Jesus
Cristo rodeado de anjos e dizendo: "Vinde a mim e lhes darei o reino dos
céus". Logo ao amanhecer, os dois esposos foram pedir o batismo e também
se tornaram cristãos.
Havia na cidade um tal de Cipriano que
praticava a bruxaria desde sua infância. Quando tinha apenas sete anos de idade
seus pais o haviam consagrado a Satanás. Por causa disso, e havendo se dedicado
com afinco à bruxaria, detinha grande poder diabólico. Era tão hábil em suas mágicas e bruxedos que
conseguia realizar coisas extraordinárias, como transformar pessoas em animais.
O bruxo Cipriano e um companheiro seu chamado
Acladio apaixonaram-se perdidamente por Justina. Cipriano recorreu a diversos
artifícios de bruxaria para ver se a donzela aceitava ter relações torpes com
ele, ou ao menos com seu companheiro Acladio, mas em vão. Acladio, desesperado,
resolveu chamar o próprio demônio para ajudar a cumprir seus desígnios.
Convenceu o bruxo Cipriano a pedir ajuda a Satanás. Usando de seus recursos
mefistofélicos, Cipriano conseguiu fazer com que o demônio aparecesse.
Perguntado o que queria, disse que estava apaixonado por uma donzela que
praticava a religião dos galileus e perguntou se o demônio não poderia fazer
com que ela concordasse em saciar sua concupiscência.
O demônio respondeu:
- Claro que sim! Se pude expulsar o homem do
Paraíso e fazer com que Caim matasse seu irmão Abel, e que os judeus
crucificassem a Jesus Cristo e que as pessoas andem revoltadas, como não
poderei obter que uma simples donzela caia em teus braços e possas fazer o que
quiser com ela? Toma este ungüento, espalha-o pelo chão da rua em frente à sua
casa; logo passarei por ali, inflamarei o coração da jovem de amor por ti e a
inquietarei de tal modo que ela mesma te buscará e se lançará em teus braços.
A partir do momento em que Cipriano fez o que
Satanás ordenara, Justina começou a sentir em seu interior desejos ilícitos.
Porém ao sentir a tentação se recomendou ao Senhor e traçou o sinal da Cruz em
todo os sentidos de seu corpo. O diabo, ao ver que a jovem se persignava fugiu
rapidamente dali cheio de terror e apareceu perante Cipriano, o qual lhe
interroga:
- Como?
Não vens trazendo contigo Justina?
Ao que o diabo respondeu:
- Tentei trazê-la, porém quando o estava
conseguindo ela fez sobre seu corpo um sinal e eu me fiquei de repente sem
força e tremendo de medo.
Cipriano, irritado, despediu aquele demônio e
invocou ansiosamente a ajuda de outro que fosse mais poderoso que o que acabava
de despedir. Apresentou-se outro ante ele e lhe disse:
- Já sei do que se trata. Ouvi o encargo que
fizeste a meu companheiro e vi que não foi capaz de realizar sua missão. Porém
não te preocupes; eu farei o que ele não fez e conseguirei que se cumpram seus
desejos. Me apresentarei ante a jovem e desencadearei em seu coração uma paixão
tão violenta que ela se entregará a ti e tu desfrutará dela quanto queiras.
Este segundo diabo aproximou-se de Justina e
tratou de acender em seu corpo o fogo da concupiscência e de despertar em sua
alma amores impuros; porém Justina novamente se encomendou ao Senhor,
persignou-se, rechaçou a tentação, soprou sobre o espírito do mal, e este, da
mesma forma que o outro, fugiu dali confuso e envergonhado; e, como seu
companheiro, apresentou-se a Cipriano, que lhe perguntou:
- Onde está a donzela que prometeste
trazer-me?
- Reconheço, respondeu o demônio, que fui
vencido, e até medo me dá dizer-te como me venceu: traçou sobre seu corpo um
sinal terrível e quando fez isso me deixou sem forças.,
Cipriano, mofando do segundo diabo, o
despediu, e em seguida chamou ao próprio chefe dos demônios, que logo atendeu a
seu chamado. Ao vê-lo, Cipriano lhe disse:
- Como é que tua gente é tão pusilânime e
covarde que se deixa vencer por uma jovenzinha?
O recém chegado lhe respondeu:
- Deixa este assunto por minha conta. Eu irei
pessoalmente resolvê-lo. Me apresentarei ante ela, a atormentarei com
altíssimas febres, provocarei em seu ânimo uma violentíssima paixão, acenderei
em seu corpo um ardente fogo de irreprimíveis desejos, a farei ver visões
lúbricas, conseguirei que se excite freneticamente e à meia-noite te a trarei até aqui.
Logo em seguida o príncipe dos demônios
começou a executar seu plano. Adotou a aparência de uma donzela, apareceu
perante Justina e lhe disse:
- Venho ver-te porque quero que me ajudes a
viver em perfeita castidade. Sinto vivíssimos desejos de praticar
fidelissimamente esta virtude, porém às vezes me assaltam dúvidas deste teor:
em troca do muito que é preciso lutar para conservar a pureza que recompensa
receberemos?
Justina declarou:
- Não são tão grandes estas lutas; eu não
vejo que custe tanto conservar a virgindade;
por outro lado, estou segura de que o prêmio que receberemos por isto
será muito valioso.
- A mim me preocupa muito - continuou o
demônio - esse mandamento divino que diz: "Crescei e multiplicai e enchei
a terra", e a miúdo penso, minha boa amiga, que nós, ao apegarmo-nos ao
propósito de viver virginalmente, estamos desprezando este preceito, obrando
contra a vontade de Deus, desobedecendo a Ele e enganando-nos a nós mesmas. Às
vezes me assalta o temor de que quando chegue a hora do Juízo vamos nos
encontrar com a terrível surpresa de que, em lugar dos prêmios em que
confiamos, receberemos o castigo da eterna condenação por haver negligenciado
um mandamento divino tão claro.
Estas considerações turbaram a paz interior
de Justina. A jovem, atormentada pelo demônio, começou a sentir maus
pensamentos e torpes desejos cada vez mais fortes e mais desonestos, até o
ponto de que em determinado momento esteve prestes a abandonar seus propósitos
de castidade; porém naquele crítico
instante caiu em si de que estava sendo tentada pelo espírito maligno,
persignou-se, soprou sobre a visitante e ficou atônita ao ver que a que parecia
virtuosa donzela se derretia repentinamente como se fosse de cera, e que ela,
livre já de maus pensamentos e de desejos impuros, recobrava plenamente a paz
interior e o sossego de seu corpo e de sua alma.
Mas, em poucos instantes, o mesmo demônio
apareceu-lhe novamente, desta vez em forma de um formosíssimo mancebo que se
aproximava de seu leito, se lançava sobre ela e tentava abraçá-la. Justina
recorreu a seu poderoso remédio, persignou-se novamente e, enquanto o fez, o
jovem galhardo, como se fosse de cera, derreteu-se da mesma forma que a antes
fingida amiga. Mesmo com este segundo fracasso, Satanás ainda não se rendeu.
Deus permitiu-o seguir tentando a donzela, que o fez desta forma: o espírito
maligno desencadeou uma terrível epidemia na cidade de Antioquia. Justina caiu
enferma com altíssima febre. A peste propagou-se pela comarca e causou a morte
de muitas pessoas e de infinidade de animais domésticos. A região ficou quase
sem ovelhas e sem vacas. Os demônios fizeram correr a voz entre a gente de que,
se Justina não se casasse, viriam sobre a cidade e o país outras calamidades
maiores. Os moradores de Antioquia, sobretudo os doentes, começaram a acudir em
massa à porta da casa dos pais de Justina e pedir a eles, aos gritos, que
casassem sua filha o quanto antes e livrassem as pessoas dos grandes males que
estavam padecendo.
Justina suportou com firmeza a pressão a que
estava submetida, e se negou a aceitar o que se lhe propunham. Em vista de sua
negativa, o povo, sublevado e irritado, apinhava-se em frente de sua casa
proferindo constantemente ameaças de morte contra ela.
Sete anos durou a peste. Ao final, um dia Justina
rezou fervorosamente por seus perseguidores e obteve do Senhor a graça de que a
epidemia terminasse. Porém não terminou a obstinação de Satanás, o qual,
irritado ao comprovar que não avançava nem um só passo no que se havia
proposto, elaborou um novo plano: foi até Cipriano e com manifesta jactância
lhe assegurou que logo teria ante ele a donzela rendida de amor. Depois disto,
tanto para manchar o bom nome de Justina quanto para enganar ao libidinoso
enamorado, assumiu a aparência da jovem e, disfarçado de modo que parecia ser
exatamente ela, apareceu na casa de Cipriano e qual sem languidez de paixão
arrojou-se em seus braços e deu-lhe a tender que queria beijá-lo. Cipriano,
acreditando que era efetivamente sua amada quem lhe abraçava tão ternamente,
louco de alegria exclamou:
- Oh,
Justina, a mais formosa das mulheres! Bem-vinda sejas a esta casa!
Porém, tão logo Cipriano pronunciou a palavra
"Justina", o diabo, incapaz de resistir à virtude que emanava da mera
articulação daquele nome, repentinamente perdeu a aparência que havia assumido
e desapareceu, deixando em seu lugar uma espessa nuvem de fumo. Com isto
Cipriano caiu na conta de que havia sido objeto de uma burla enganosa por parte
de Satanás; sua alegria se converteu em tristeza e caiu num estado de profunda
melancolia; porém a melancolia por sua
vez reavivou ainda mais as chamas do amor que sentia por Justina, e, para ver
se podia lograr seus desejos de desfrutar de sua amada, decidiu vigiar
constantemente a casa em que ela vivia; e como era exímio em feitiçaria,
recorrendo a suas artes mágicas conseguiu adotar diferentes aparências, umas
vezes de mulher, outras de ave, e sob estas e outras formas permaneceu perto da
jovem, constantemente, porém a certa distância, porque, tão logo tentava se
aproximar suas artimanhas falhavam e recobrava seu verdadeiro aspecto de Cipriano.
Acladio, seu amigo, se uniu a ele nestas
tarefas de vigilância permanente; com tal efeito, mediante artes diabólicas, se
converteu em pássaro e andava continuamente sobrevoando em volta da casa da
virtuosa jovem. Em certa ocasião, o falso pássaro pousou na janela da casa de
Justina. No entanto, tão logo ela olhou para o pássaro, este perdeu sua forma
de ave e voltou à de Acladio, o qual, ao ver-se em seu verdadeiro ser, começou
a tremer de medo e de angústia porque não podia fugir dali voando, nem sem
perigo de cair ao solo e morrer.
Justina, ao notar a comprometida situação em
que Acladio se encontrava e temendo que de um momento a outro pudesse cair e
estatelar-se contra o pavimento da rua, acudiu em seu socorro: mandou colocar
uma escada por fora a fim de que pudesse descer seguramente. Estando o mesmo a
salvo, fez-lhe ver que largasse semelhantes loucuras e que, se voltasse a
cometer alguma impertinência, o denunciaria às autoridades e exigiria que de
acordo com as leis fosse castigado pelo delito de praticar a magia.
Satanás, no final, convenceu-se de que jamais
conseguiria o que se propunha e de que quanto tentasse neste sentido estava
condenado ao fracasso; por isso, confuso e envergonhado, se apresentou na casa
de Cipriano. Este, logo ao vê-lo, lhe dirigiu a palavra:
- Olhando o semblante que trazes acredito
adivinhar que te dás por vencido. Tu e todos os de tua corja sois uns
desgraçados. A que vem tanto alardear de força se logo resulta que não podeis
nada contra uma menina que inclusive os vence com suma facilidade e os deixa
miseravelmente humilhados? De todos os
modos quero que me digas uma coisa: de onde tira esta jovem a enorme fortaleza
que demonstra ter?
O demônio lhe respondeu:
- Se me juras que nunca nem por nada te
apartarás de mim, responderei a tua pergunta e te descobrirei de onde provêm
sua valentia e as vitórias que sobre nós tem conseguido.
- Por quem ou por quais coisas queres que eu
te jure? - diz Cipriano.
- Por meus poderes. Jura por meus poderes que
jamais te separarás de mim.
- Por teus extraordinários poderes prometo
com juramento que nunca me separarei de ti.
Então o diabo, fiando na promessa que seu
aliado acabava de fazer, diz:
- Esta jovem, quando me apresentei perante
ela, fez o sinal da Cruz, e, tão logo traçou sobre seu corpo esse sinal, eu
fiquei sem forças, como se estivesse acorrentado, e naquele mesmo momento me
derreti como se derrete a cera diante do fogo.
- Significa isso acaso que o Crucificado é
mais poderoso que tu?
- Por suposto que sim. Ele é o maior que
existe no universo; tão grande e poderoso que em virtude de seu infinito poder
nos mantém aos demônios em estado de perpétua condenação e lança ao fogo eterno
que nós padecemos a quantos conseguimos enganar com nossas trapaças.
- Do que acabas de dizer se segue que, se eu
não quero incorrer nesses horríveis tormentos, devo fazer-me amigo do
Crucificado.
- Não
esqueças que há pouco juraste que por meus extraordinários poderes jamais
te separarás de mim, e não esqueças que
uma coisa assim não se jura em vão.
- Sabes o que te digo? Que me rio desse
juramento e me rio de ti, e me rio de teus poderes, porque esses poderes que tu
chamas extraordinários, não são mais que fumo. Escuta o que segue: renuncio a
ti, e renuncio a todos os diabos, teus companheiros, e em prova disto agora
mesmo vou fazer eu também sobre meu corpo o sinal da Cruz.
Em seguida, Cipriano persignou-se e, enquanto
o fazia, Satanás, confuso e aterrado, fugiu precipitadamente.
Depois disto Cipriano foi ver o bispo. Este,
ao vê-lo entrar, pensou que vinha seduzir com suas artes mágicas aos cristãos
e, antes que o visitante pronunciasse uma só palavra, disse:
- Cipriano, contenta-te em enganar aos
infiéis e deixa em paz aos nossos. Ademais, advirto-te que quanto trates de
fazer contra a Igreja de Deus será completamente inútil, porque o poder de
Cristo é invencível.
- Por suposto que o poder de Cristo é
invencível; disso tenho provas.
Dizendo isto contou ao bispo tudo o que
acabara de lhe ocorrer. Terminada sua narração pediu o batismo. E a partir de
sua conversão fez tais progressos nas virtudes e ciências que, anos depois,
tornou-se também bispo. Nos primeiros dias de seu episcopado instalou a virgem
Justina num mosteiro com várias outras donzelas, nomeando-a abadessa da
comunidade.
São Cipriano abjurou a bruxaria e tornou-se
não só um grande animador dos mártires, mas um deles, pois morreu decapitado em
defesa da Fé. [2]
[1] Crônicas de Nuremberg foi publicada em 12 de julho de 1493. Trata-se de uma enciclopédia ilustrada composta de relatos da história mundial, contados através da paráfrase de passagens bíblicas. Os assuntos incluem a história humana em relação à Bíblia, criaturas mitológicas ilustradas e as histórias de importantes cidades cristãs e seculares da Idade Média.
[2]Relato extraído da “La Leyenda Dorada" – Edição española, Alianza Forma - vol. 2 - págs. 611/614
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