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sábado, 12 de fevereiro de 2011

Mulheres guerreiras de ontem e de hoje

Em artigo assinado para a Folha de São Paulo (11.02.2011), o parlamentar comunista Aldo Rebelo tece elogios ao heroísmo de várias mulheres brasileiras do passado. Ele se aproveita da posse de nossa presidente para abordar o tema da presença da mulher nas chamadas “lutas sociais”, um tema tão caro aos comunistas, petistas e assemelhados. Cita como exemplo, dentre outras, Clara Camarão, mulher de Felipe Camarão, hoje um falso símbolo feminista muito mal usado pelo PT (a ponto de terem colocado o nome dela em uma refinaria no RN), pois ela foi exatamente o contrário destas feministas “abortistas” e de passeatas ...
Segundo certa legenda, Clara Camarão foi uma índia brasileira casada com o famoso herói da resistência aos holandeses do século XVII, o índio Felipe Camarão. Combateu varonilmente ao lado do marido contra os hereges invasores, “armada de espada e broquel, montada a cavalo, foi vista nos conflitos mais arriscados (...) com admiração dos holandeses e aplausos dos nossos”, na expressão de Domingos Lorete, conforme consta no site “Bolsa de Mulher
” . Em seguida, formou um grupo de valorosas mulheres, que ficaram conhecidas como “heroínas de Tejecupapo”, nome de sua tribo.
Uma prova de que a motivação de Clara Camarão foi sua fé religiosa: nas guerras indígenas as mulheres nunca combatiam, pois os homens não lhes reconheciam nenhum valor guerreiro. No entanto, Clara foi catequizada pelos jesuítas juntamente com o marido, partindo para a guerra quando viu sua religião ser ameaçada pelo herege invasor. Se não fossem cristãos, Felipe Camarão teria dado ordens que ela ficasse em casa enquanto ele iria ao combate, pois guerreiros entre os índios são somente os homens...
É preciso que se frise que a valentia, a varonilidade e heroísmo de certas mulheres do passado não deveu-se, como hoje, a alguma paixão pelo social ou por alguma doutrina de massa, para defender política socialista, etc. Não se pode comparar Anita Garibaldi (apenas uma aventureira que se amigou com um bandido), Olga Benares (uma simples espiã), Isidora Dolores (la “Pasionária” espanhola, cheia de ódio), Maria Bonita (também uma aventureira que se uniu a um bandido) e tantas outras festejadas pela mídia, com, por exemplo, Judite e Susana do Antigo Testamento, ou com a maior heroína dos tempos modernos, Joana D’Arc, ou até mesmo com a citada Clara Camarão. Estas últimas tiveram motivações mais autênticas, pois defendiam não só seu povo mas uma Fé verdadeira, e eram inspiradas por Deus.
Ao valer-se do exemplo de Clara Camarão, o articulista omitiu tantas outras mulheres mais valorosas e aguerridas do que esta, como conta o Padre Manuel Calado em sua famosa obra “O Valeroso Lucideno”.

Valente resistência aos holandeses no Nordeste
Para fugir da terrível perseguição e das crueldades que os holandeses vinham praticando no litoral do Nordeste, a população se sujeitava a tudo. De Alagoas, da Bahia ou de Pernambuco corriam pelos matagais e serranias multidões de trânsfugas, algumas vezes protegidas pelos nossos guerreiros, com grandes sofrimentos, como relata o Padre Manoel Calado:

"Aqui os tristes ais dos meninos, os suspiros das mães, o desamparo das donzelas descalças, e metidas por a lamas, e passarem os rios com pouca compostura de seus corpos, alheios da honestidade, e recolhimento em que haviam sido criadas (o que sentiam mais que perder as vidas) aqui umas desmaiadas, outras com os pés abertos, porque o descostume de andar não as deixava dar um passo adiante; as pragas que rogavam ao Conde de Banholo (o qual depois que entrou em Pernambuco tudo foi de mal a pior) o ver os amancebados levar a cavalo as mancebas brancas, mulatas e negras, e deixarem ir suas mulheres a pé, e sem saberem parte delas, a fome que todos iam padecendo, o dormirem por os pés das árvores, sem amparo, nem abrigo; não é coisa que se pode escrever, porque muitos dos que o viram com os olhos, como eu, tendo os corações férreos, não se podiam refrear sem derramar grande cópia de lágrimas" (*)

Em outro episódio, D. Jerônima de Almeida, esposa de Rodrigo de Barros Pimentel (o qual fugira para a Bahia), foi presa em Porto Calvo e levada para Recife por haver agasalhado em sua casa e dado comida a uma tropa de soldados brasileiros que vinham da Bahia em direção de Pernambuco para combater os invasores. Colocaram-na em uma prisão juntamente com seus nove filhos, incomunicável com quem quer que fosse, e, depois de iníquo julgamento, foi condenada a morrer degolada. Sabedoras da notícia, várias mulheres de homens nobres foram até Maurício de Nassau pedir que lhe poupasse a vida. Fazendo-se passar por compassivo, o conde atendeu o pedido das mulheres e deu ordens que D. Jerônima fosse indultada
Quando a situação dos hereges invasores holandeses era quase insustentável, utilizaram-se de mais um artifício diabólico para sobrepujar os nossos. Publicaram um edital, pelo qual ordenavam que "todas as mulheres dos moradores que se haviam retirado com João Fernandes Vieira para os matos, fossem em cinco dias naturais próximo seguintes em busca de seus maridos com seus filhos, e filhas, sob pena de morte, a fogo, e sangue, e perdimento de seus bens, e que passado este termo de cinco dias, senão usaria de clemência, nem piedade com aquelas que tendo seus maridos, irmãos, ou filhos ausentes, se achassem em suas casas".
Houve grande clamor entre as moradoras de Recife: "Umas se prostravam de joelhos, e com as mãos levantadas ao Céu, e os olhos arrasados em lágrimas, pediam a Deus perdão, e misericórdia, outras com os Rosários da Virgem Maria nas mãos, os passavam uma a uma, e muitas vezes, outras se abraçavam com os inocentes filhinhos, e com soluços, e gemidos se despediam deles, outras caiam desmaiadas em terra sem dar acordo de si, outras que nunca haviam saído de suas casas, se não era no tempo da Quaresma, ou nos dias das festas principais à Igreja, e ainda então arrimadas em pajens, por não caírem; vendo-se neste aperto, e estreitura arremetiam com súbito temor a entrar por entre os matos, e ali se punham aos pés das primeiras árvores que achavam, pedindo a misericórdia a Deus, e a proteção, e amparo à Virgem Maria, e aos Santos, de quem eram mais devotas; porque de outra parte não esperavam que lhes pudesse vir socorro, nem remédio".
Mais tarde, os holandeses começaram a cumprir suas ameaças. Estavam os insurrectos aquartelados pelas matas do interior pernambucano, sob o comando de João Fernandes Vieira, quando lhes chegou o aviso: já tinham sido levadas prisioneiras a mulher de Francisco Berenguer, D. Antonia Bezerra, a de Antonio Bezerra, D. Isabel de Góis e a de Amaro Lopes de Madeira, D. Luzia de Oliveira. E a notícia dizia que os inimigos estavam em busca de prender outras mulheres. Sabedor disto, levantou-se Fernandes Vieira e gritou para seus homens: "Vamos acudir por nossa honra, e por nossas mulheres, e filhos, morramos na demanda, pois mais vale uma morte honrada, que mil vidas com afronta. Porventura não somos nós Portugueses, filhos, e netos de nossos pais, e avós, que em outro tempo foram assombros do mundo? Que fazemos? Como não caminhamos? ". Tal foi o entusiasmo de sua tropa que, ao grito de "vamos! Vamos!" todos partiram com seu general para dar combate ao inimigo.
Quando estavam a caminho, resolveu Fernandes Vieira descansar numa fazenda, porque chovia muito e estavam todos enlameados. Quando dormia, teve um sonho, no qual lhe aparecia Santo Antonio repreendendo-o de descuidado, "e pouco zeloso do serviço de Deus, e das necessidades, e aflições de seus próximos, e que lhe mandava que se levantasse com pressa, e fosse a buscar o inimigo, porque lhe daria seu favor, e adjutório em paga dos serviços que nas suas confrarias havia feito".
Ao se acordar, vendo naquele sonho alguma inspiração divina, o comandante mandou acordar toda a tropa e partir imediatamente. Quando chegaram ao acampamento holandês onde as mulheres estavam cativas, que era apenas uma fazenda, as sentinelas que lá restavam disseram que o inimigo já havia saído em direção de Recife com suas presas. Alguns quilômetros adiante o grupo de Fernandes Vieira se encontra com dois sentinelas inimigos, com os quais trocam tiros, matando um deles. Mais adiante estavam os holandeses aquartelados numa fazenda, já prestes a montar de novo, quando ouvem os tiros e voltam para dentro da casa. Neste local houve uma renhida batalha.
Desesperados, colocaram os hereges as três mulheres prisioneiras numa das janelas da casa da fazenda, juntamente com uma criança de quatro meses de nascida nos braços de uma delas, ameaçando matá-las se os portugueses não parassem de atirar. João Fernandes Vieira, sensatamente, mandou suspender o fogo. Teria que haver negociações. Mandou uma pessoa negociar, com a bandeira branca em sinal de paz, mas os holandeses traiçoeiramente mataram o emissário. Cheios de ódio por causa desta traição covarde, os nossos invadem a casa da fazenda, atirando e matando, livrando da morte as três mulheres e a criança e ainda matando todos os holandeses que estavam ali aquartelados.
Bem diferente era o tratamento que as mulheres prisioneiras tinham nas mãos de João Fernandes Vieira ou dos portugueses, brasileiros ou negros de modo geral. Logo após o episódio acima, tiveram outro entrechoque no lugar chamado Afogados, onde fizeram prisioneiros dois holandeses e uma mulher que andava com eles. Os dois homens foram postos na prisão para serem interrogados, mas a mulher foi remetida a Recife, com um recado de Fernandes Vieira: que estava devolvendo a mulher para a liberdade e de volta para seus amigos, os holandeses, para demonstrar o cavalheirismo e cortesia com que os portugueses sabiam lidar com as mulheres, tratadas com respeito e sem lhes fazer qualquer agravo como os holandeses costumavam fazer com as nossas mulheres.
João Fernandes Vieira era um rico comerciante de Recife, outrora amigo dos holandeses, que resolveu apoiar o levante popular para expulsar os invasores. Soube este que dois grandes senhores de engenho haviam perdido quase toda sua riqueza na guerra contra os batavos: os senhores Antonio Cavalcanti e Francisco Berenguer de Andrada, que já pensavam em desertar de tão nobre causa. Chamou-os João Fernandes Vieira para um acordo. Tanto Antonio Cavalcanti quanto Francisco Berenguer tinham dois filhos, um casal de cada um. Que fez Fernandes Vieira? Tratou que se casassem os dois filhos homens com as duas filhas mulheres, sendo que ele, Fernandes Vieira, seria o padrinho e lhes daria como dote engenhos e bens que possuía. Com este presente de padrinho os filhos de ambos os senhores de engenho (quase falidos) ficariam ricos. Perante tal oferta, os dois comandantes voltaram com redobrada coragem para o campo de batalha...

Destaque de mulheres brasileiras na “Belle Époque”
Nossas mulheres do passado também tiveram algum destaque no campo social.
É natural que sejam poucas as mulheres brasileiras de destaque na Europa, por ser o Brasil uma nação jovem, de cultura recente, e que somente a partir do século XIX começou a mostrar uma elite emergente. Oriundas das famílias aristocráticas bafejadas pela monarquia, destacamos aqui duas somente: a condessa Maria Eugênia Monteiro de Barros e a Fundadora religiosa Francisca Carvalho do Rio Negro, filha do Barão do Rio Negro, cujo nome religioso era Madre Francisca de Jesus.
O Brasil, país jovem e governado por uma família imperial muitas vezes aliada matrimonialmente à casa real francesa, não podia escapar à regra geral. Na corte brasileira falava-se freqüentemente o francês, os convites e menus eram feitos nesse idioma, o que acabou tornando moda entre a aristocracia brasileira enviar os filhos a Paris em busca de cultura, educação e status social. Alguns voltaram ao Brasil, procurando trazer para cá o melhor que podiam da cultura francesa; outros, porém, de lá mesmo envidavam esforços no mesmo sentido.
Foi o caso da Condessa Romana Maria Eugênia (título agraciado pela Santa Sé), nascida a 13 de novembro de 1848, no Rio de janeiro, casada com um dos chamados “barões do café”, Carlos Monteiro de Barros. Seguindo o exemplo de seus irmãos e parentes, seu esposo rumou para as terras roxas do Oeste paulista, explorando a fazenda São Carlos, no município de Pirassununga. Logo, porém, D. Eugênia ficou viúva e resolveu transferir sua residência para Paris. Tornou-se uma pessoa muito bem relacionada na França – onde posou para o fotógrafo “Nadar” – alcunha do maior retratista do século XIX, Gaspar Félix Toumachon. No estúdio particular daquele fotógrafo também passaram figuras ilustres do calibre dos compositores eruditos Listz, Rossini e Berliotz, da atriz Sara Bernadete, do escritor Victor Hugo, do ilustrador Gustave Doré, entre outros. D. Maria Eugênia já era amiga intima da Condessa D’Eu, a Princesa
Isabel.
Embora morando na França, a Condessa Monteiro de Barros projetou a construção de uma igreja dedicada ao Sagrado Coração de Jesus num povoado brasileiro que ainda estava nascendo. Financiou inteiramente o projeto de construção da igreja, que somente foi concluída em 29 de dezembro de 1922, quando não era mais viva. Em 9 outubro de 1888, convidadas pela Condessa em nome da sociedade carioca, aportaram no Brasil as primeiras religiosas do Colégio Nossa Senhora do Sion, fundado na França pelos sacerdotes católicos Teodoro e Afonso Ratisbonne (convertidos por intercessão de Nossa Senhora das Graças), irmãos e filhos de uma rica família de judeus de Estrasburgo. Inicialmente, abriram um pequeno e modesto catecumenato para meninas judias, de famílias pobres, com o intuito de instruí-las e educá-las na fé cristã. Para viabilizar o projeto, eles contaram com a ajuda de duas senhoras que tinham acabado de fechar uma instituição de ensino conhecida pela educação esmerada de meninas da alta sociedade francesa. Mais tarde, por influencia de um padre, surge a idéia de fundar um colégio. Várias famílias da aristocracia insistiam para que suas filhas estudassem no lugar. E foi assim que se fundou o Colégio Sion de Paris (que D. Maria Eugênia conhecia muito bem), primeiro de uma longa série que acabou se espalhando pelo mundo. Coube à Condessa Monteiro de Barros entabular negociações com aquelas freiras para abrir um colégio no Brasil, obtendo completo êxito.

Quanto à Fundadora, Madre Francisca de Jesus, é bem verdade que viveu grande parte da sua vida já no início do século XX. No entanto, toda a sua educação é oriunda ainda dos reflexos da “Belle Époque”. Nasceu a 27 de março de 1877, também no Rio de Janeiro. Era a penúltima dos dez filhos do barão e baronesa do Rio Negro. Desde criança, alimentou uma religiosidade profunda e mesmo mística. Era muito jovem quando seus pais se estabeleceram em Paris, onde aprimorou mais ainda sua já refinada educação. Tinha pouco mais de quinze anos de idade quando foi inspirada por Deus a fazer, de uma forma particular, votos de perpétua virgindade. Isto lhe custou lutas ingentes, tanto com sua família como até mesmo com seu confessor, pois todos desejavam ardentemente que ela aceitasse um vantajoso casamento. Esta luta durou mais de 14 anos, quando então seu pai a dispensou para seguir a vida religiosa.
No entanto, não lhe era propício o ingresso numa ordem religiosa. Madre Francisca tinha sonhos mais altos de uma vocação maior, a de ser uma fundadora. E esta graça brilhou para ela quando fez uma viagem ao Brasil, em 1909: em seu retorno, procurou ousadamente uma audiência com o Papa (São Pio X), pedindo-o conselho sobre seu plano de fundar uma congregação religiosa dedicada exclusivamente à prece e imolação pelo Santo Padre. Apesar de todos os pareceres contrários, tanto de familiares quanto de seu confessor, conseguiu a sonhada audiência com o Papa, realizada no dia 13 de dezembro de 1910.
Para surpresa de todos, o Papa recebeu-a benignamente em audiência particular, assistida pelo Cardeal espanhol Vives y Tuto. Mais uma surpresa esperava a todos: o Papa não só aprovou seu plano como a encorajou e exprimiu-lhe o desejo de que sua congregação fosse instalada ali mesmo em Roma, e que as intenções de suas imolações e orações fossem não só pelo Santo Padre mas por todos os sacerdotes da Igreja.
Obtida a anuência do Papa, Madre Francisca deu início à sua congregação, que teve o nome de “Companhia da Virgem”. Ela pretendia fundar uma Ordem que fosse como que o ramo feminino da Companhia de Jesus. Após anos de ingentes esforços, finalmente em 1918 seu pequeno grupo de religiosas adquire a primeira casa de recolhimento e a 12 de junho de 1921 era fundado o primeiro mosteiro da nova Congregação, situado em Roma como pediu o Papa. Seguiu a Regra de São Bento. Atualmente, tem um mosteiro no Brasil, em Petrópoles.
Tal foi a grandeza da Obra realizada por Madre Francisca de Jesus que sua vida mereceu uma hagiografia escrita pelo grande teólogo Reginaldo Garrigou-Lagrange, um dos expoentes da luta contra o Modernismo e seu último diretor espiritual, onde também o Autor transcreve os escritos místicos da Madre, considerada uma vítima expiatória pelo papado. (**)


P. S. - Peço ao nobre deputado que corrija sua opinião sobre as mulheres do passado, patriotas autênticas e não guerrilheiras de aluguel... como muitas hoje se jactam de ser.

Fontes:
(*) - "O Valeroso Lucideno" - Pe. Manoel Calado - 1648 - "Edições Cultura" - São Paulo, 1943 - vol. I. Os relatos a seguir também foram extraídos da mesma obra.
(**) - Vide “Madre Francisca de Jesus”, de Reginaldo Garrigou-Lagrange, Editora “Santa Maria”, 1932

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