Estamos comemorando
no início do próximo mês o quarto centenário da expulsão dos holandeses na Bahia,
ocorrido em maio de 1625. Data tão significativa era para ser comemorada
festivamente por nosso povo, memória importantíssima de nossa história.
A propósito dessa
data, publicamos a seguir o texto de nosso artigo estampado na revista “Catolicismo” (setembro de 1995), comentando sobre a invasão de 1624 e
demais investidas dos holandeses, expulsos do território baiano por aguerridos
defensores da Fé católica
“Catolicismo publicou três estudos
(julho/ 86, janeiro e fevereiro) sobre as invasões holandesas ocorridas no
Brasil no século XVII. Durante 30 anos tentaram os hereges criar um enclave,
usando então Pernambuco como cabeça-de-ponte para implantar a religião "reformada"
protestante.
No
presente artigo poremos em realce apenas as investidas calvinistas contra a
cidade de São Salvador da Bahia de Todos os Santos, sede do Governo-Geral do
Brasil e importante ponto estratégico.
Será
preciso lembrar que, desde 1580, Portugal havia sido anexado ao reino da
Espanha. Desta forma, o território brasileiros e demais colônias lusas ficaram
sob domínio da coroa espanhola até 1640, quando Portugal recobrou sua
independência.
A resistência contra a tomada de Salvador
Uma
armada invasora holandesa, composta de 26 naus grandes e 13 mercantes,
postou-se diante da capital baiana em abril de 1624.
Subjugada
a cidade, os invasores entregaram-se a saques, profanações e sacrílegos[1].
Os desterrados, que constituíam a maioria da população, calculando-se dez mil
só de portugueses, refugiaram-se pelas cercanias. Os fazendeiros e donos de
engenhos acolhiam a todos com caridade, não faltando comida e abrigo aos que os
procuravam.
Dispersos
pelos matos, resolveram os luso-brasileiros assentar arraial na aldeia indígena
do Espírito Santo.
Diogo de
Mendonça Furtado, Governador-Geral do Brasil, havia sido preso e enviado à
Holanda. Assim, o governador de Pernambuco, Matias de Albuquerque, em consequência
do sistema de sucessão adotado na época, passou a ser a maior autoridade
encarregada de coordenar a resistência armada. Contudo, devido à grande
distância e difícil comunicação com Recife, O' povo baiano aclamou capitão-mor
o Bispo Dom Marcos Teixeira, posteriormente denominado Bispo Guerreiro.
Imediatamente
Dom Marcos transformou a aldeia do Espírito Santo em acampamento de retirantes
e Quartel General da resistência anticalvinista. Não obstante ser o local muito
acanhado, ergueram-se uma capela e algumas frutificações.
As
táticas denominadas de assaltos, sob o comando do Bispo, serviram de modelo
para a formação do que mais tarde se denominou companhias de emboscadas (guerrilhas,
em termos atuais), por ocasião da expulsão definitiva dos holandeses de
Pernambuco, em 1654, cognominada Insurreição Pernambucana.
Entendendo
que a tomada da cidade fora castigo do Céu, devido aos vícios e pecados de seus
habitantes, Dom Marcos passou a fazer rigorosas penitências, com vigílias e
jejuns, de modo a se tomar exemplo para todas as classes sociais de seu
bispado.
O milagre da cruz
Certa
ocasião, os hereges atacaram a Ilha de Itaparica em busca de mantimentos,
desembarcando num engenho em cuja entrada havia um cruzeiro de madeira. Vendo a
cruz, odiada por todo herege, os invasores nela aplicaram algumas cutiladas. A
cruz milagrosamente se torceu, virando-se para um lado, parecendo indicar o
caminho a seguir pelos batavos. Estes depararam-se então com um dos nossos
comandantes, chamado Afonso Rodrigues da Cachoeira, o qual, com a ajuda de
alguns índios, matou oito dos hereges. O fato milagroso ocasionou tanta
veneração votada àquela cruz, que dela fizeram-se relíquias responsáveis por
muitas curas.
A brava
resistência aos invasores criou condições propícias para o enfraquecimento do
inimigo e a grandiosa vitória da armada espanhola-lusitana, que veio libertar a
Bahia no ano seguinte.
A resposta da nobreza
Ao chegar
a Portugal e Espanha, a notícia da invasão holandesa causou profunda comoção.
Parecendo sair de um letargo, portugueses e espanhóis aprestaram-se logo a
organizar uma expedição para libertar a Bahia. Determinou o rei de Espanha a
todos os sacerdotes que celebrassem missas, rezassem uma novena e ladainhas
nessa intenção. Em Lisboa, o Santíssimo Sacramento ficou exposto à adoração
pública, em súplica pela concretização da expedição.
Dirigiu o
rei da Espanha, com data de 7 de agosto de 1624, carta a seus governadores
espalhados pelo vasto império, convocando todas as naus disponíveis para
dirigir-se ao Brasil, já a 20 do mesmo mês, para expulsar os invasores.
A
campanha pela libertação da Bahia empolgou nobres e plebeus, lusos e espanhóis.
Dom
Afonso de Noronha, do Conselho do Estado e antigo Vice-Rei da Índia, foi o
primeiro a se alistar. Em seguida, inscreveram-se mais de 100 fidalgos.
A reconquista da cidade do Salvador
As
notícias sobre a vinda da armada para libertar a Bahia já tinham chegado aos
ouvidos dos holandeses, que com muito afã se prepararam para o confronto.
Também eles aguardavam a chegada de uma armada de socorro mandada por Amsterdã.
Ao
contrário da invasão de 1624, a reconquista da Bahia, um ano depois, deparou
com uma praça bem fortificada pelos holandeses e disposta a tudo para não se
entregar. Foi construído um forte novo com uma fornalha de três bocas, onde se
esquentavam pelouros e se faziam outros fogos para o combate; foram assestadas
92 peças de artilharia, e ainda diversas trincheiras disseminadas pela cidade,
algumas das quais muito bem fortificadas. Na praia firam erguidos sete
baluartes, alguns capazes de conter 100 mosqueteiros. Além do mais, possuíam os
batavos 22 navios de guerra bem equipados.
Anteriormente
à chegada da armada, os católicos mantinham os holandeses sob intenso cerco,
não os deixando sair da cidade "nem para pegar um limão". A 29 de
março de 1625, dia da fundação da cidade, véspera do Domingo da Ressurreição,
chegou a expedição espanhola-lusa a Salvador, sendo o desembarque efetuado
imediatamente.
Já em
terra, os combatentes distribuíram-se com suas companhias pelos montes
principais que circundavam a cidade, recolhendo-se em casas ou barracos de
palha. Nobres e soldados, todos trabalhavam na preparação do assédio à cidade.
Os
capitães das mais nobres estirpes luso-espanholas estavam ali presentes, porque
o ideal da nobreza exige uma vida inteiramente dedicada ao sacrifício pela Fé
católica e pelo Rei.
Rendição holandesa e desagravo pelas profanações
No início
de maio de 1625, um ano após a invasão batava em território baiano, entravam os
católicos triunfantes na cidade de São Salvador. Arriada a bandeira dos
holandeses, hastearam as de Portugal e Espanha.
A
rendição dos holandeses ficou para sempre marcada na memória de nosso povo. Até
hoje se conserva a mesa onde foi assinada a rendição, no mesmo lugar, que é a
magnífica sacristia do Convento do Carmo, em Salvador. Na contra-capa da
presente edição, apresentamos foto desse local, ora transformado em Museu.
Haviam
sido profanados vários lugares dedicados à prática da Religião: o Colégio dos
jesuítas transformado em mercado, a igreja contígua, em adega, e outras igrejas
utilizadas como armazéns de pólvoras etc. Haviam também sido enterrados nas
igrejas, principalmente na Catedral, os corpos dos comandantes holandeses
mortos em combate. Após o desfile de vitória, esses restos mortais foram dali
removidos, sendo as igrejas re-consagradas ao culto divino.
Resolvem os holandeses invadir a Bahia novamente
Depois
dessa primeira invasão da Bahia, terminada em 1625, voltaram os calvinistas a
atacá-la, em março de 1627, quando o almirante Piet Heyn, praticando pirataria
na costa e burlando-se dos canhonaços disparados da cidade, conseguiu atacar
uma frota de 26 navios mercantes e roubar grande parte da mercadoria,
principalmente açúcar.
Os
holandeses haviam se apoderado de Olinda e Recife desde 1630. Ao saber das
desavenças existentes entre o Conde de Bagnuolo e o novo Governador-Geral,
Pedro da Silva, Maurício de Nassau decidiu atacar Salvador. O conde de Bagnuolo
era um nobre napolitano que havia tomado parte na expedição contra os
holandeses, em 1625.
Mais uma tentativa frustra de tomar a Bahia
Assim,
vindo de Pernambuco com 35 navios bem armados e seis mil homens, em abril de
1638 chegava Nassau a Salvador. Porém, foi ele sucessivamente repelido, pois as
forças luso-brasileiras da Bahia estavam não só melhor preparadas, como também
com espírito mais aguerrido.
Os
combates duraram aproximadamente um mês, e já no dia 25 de maio, após
sucessivas derrotas, resolveu Nassau fugir vergonhosamente, sem ter obtido uma
vitória sequer. Pela firmeza da resistência, o governardor Pedra da Silva
recebeu o título de o "Duro".
Tendo
perdido boa parte de seu exército nessa expedição, ficou o chefe holandês com
seu prestígio irremediavelmente comprometido.
País dividido e protestante?
E assim,
mais uma vez, o território brasileiro foi salvo da dominação dos hereges.
Primeiramente devido à proteção especial da Divina Providência. Depois, em
virtude da atuação de homens que manifestaram possuir um espírito
característico da mais alta nobreza: nobres pelo sangue e nobres por sua
bravura.
A esses
valorosos deve o Brasil haver-se mantido fiel à Religião verdadeira e forjado
sua nacionalidade, como também preservado sua unidade territorial, sem as
divisões ocorridas em tantos outros países.
É nosso
dever agradecer tais dádivas providenciais e pedir a Deus e à Padroeira
nacional, Nossa Senhora da Conceição Aparecida, que nossa Pátria continue a se
manter fiel àqueles princípios pelos quais lutaram tantos heróis do passado,
cuja firmeza na luta e fortaleza na Fé tornaram possível perpetuar no Brasil o
verdadeiro espírito católico”.
_________________________
FONTES DE REFERÊNCIA:
I Francisco Adolpho Varnhagen, História Geral
do Brasil, Ed. e & Laemmert, Rio, 1874.
2. Robert Southey, História do Brasil. Ed.
Garnier, Rio, 1862.
3. Gaspar Barleus, História dos feitos (de
Maurício de Nassau) praticados durante oito anos no Brasil. Ed "Fundação
de Cultura Cidade do Recife, 1980.
[1]
Segundo testemunho dos próprios holandeses, que diziam isso para se vangloriar,
os invasores levaram para a Holanda 7 navios carregados de riquezas – objetos
de ouro e prata, além sedas e outros tecidos de luxo – demonstrando assim que Salvador
era a maior e mais rica cidade das Américas, sendo que toda essa riqueza tinha
vindo de Portugal.