(Museu do Padre Cícero, em Juazeiro do Norte-CE)
Fala-se muito no padre Cícero e sobre os milagres eucarísticos ocorridos em sua cidade, Juazeiro do Norte(CE), mas quase nada sobre as protagonistas destes milagres, as beatas que o acompanhavam. Vejamos algo sobre o tema.
O texto a seguir foi extraído de reportagem do
jornal “Diário do Nordeste” (Fortaleza-CE), divulgado pela internet em 2010:
“Pesquisa revela papel de outras beatas,
reunidas em torno de Apostolado fundado por Padre Cícero
Fortaleza.
Um
padre, uma beata e uma hóstia transmutada em sangue. Tanto na "história
oficial" como nas narrativas populares, estes são os protagonistas do
fenômeno que transformou uma pequena comunidade em um espaço sagrado e alçou o
padre local à categoria de santo, mesmo à margem da Igreja Católica. Mas ao se
debruçar no processo episcopal que investigou o chamado "milagre de
Juazeiro", encontram-se não apenas os relatos de Maria de Araújo, como
também a descrição de "fenômenos extraordinários" experimentados por
outras beatas que faziam parte do Apostolado do Sagrado Coração, fundado pelo
Padre Cícero um ano antes do episódio da hóstia. As experiências místicas
dessas mulheres e a construção, a partir de seus relatos, de Juazeiro como um
lugar sagrado são o tema da dissertação da historiadora Edianne dos Santos
Nobre, mestre em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN). Intitulado "O Teatro de Deus: a construção do espaço sagrado de
Juazeiro a partir de narrativas femininas (Ceará, 1889-1898)", o trabalho
ressalta a participação dessas mulheres no meio social e religioso, bem como o
silêncio imposto pela Diocese do Crato ao darem testemunho de suas vivências
místicas.
Sagrado
feminino. Ao
cruzar informações do processo episcopal que investigou o suposto milagre da
hóstia e da correspondência dos vários personagens envolvidos no caso, Edianne
Nobre percebeu um envolvimento maior e bem mais relevante de outras beatas do
que até então se conhecia. Em seus depoimentos, as mulheres descreviam viagens
ao Purgatório, Céu e Inferno, aparecimento de hóstias ensanguentadas, estigmas
de crucificação em seus corpos, sangramento de crucifixos de metal maciço,
relatos de visões, profecias, êxtases e comunhões espirituais.
Foi durante a pesquisa que a historiadora se
deparou com relatos até então ausentes do que se sabia sobre o milagre.
"Na memória local e na historiografia não havia lugar para as beatas, a
não ser para considerá-las fanáticas e histéricas, isto quando apareciam de
alguma forma. A beata Maria de Araújo era praticamente a única no cenário e
mesmo assim apresentada, ora como coadjuvante do evento, ora como embusteira.
Parti do pressuposto de que os milagres que foram narrados no processo
episcopal pelas beatas são os eventos fundadores de um dos maiores espaços
devocionais do Brasil".
Novas
personagens. Na
investigação, a historiadora localizou o nome de oito beatas que assumiram ter
experiências místicas: Ângela Merícia do Nascimento, Antonia Maria da
Conceição, Anna Leopoldina Aguiar de Melo, Jahel Wanderley Cabral, Maria das
Dores da Conceição de Jesus, Maria Joanna de Jesus, Maria Leopoldina Ferreira
da Soledade e Rachel Sisnando de Lima.
Muitas dessas mulheres viviam em casas de
caridade, criadas pelo Padre Ibiapina para abrigar órfãs, viúvas e outras
mulheres que não tivessem o amparo masculino. "No final do século XIX, os
espaços de atuação social eram bastante limitados para as mulheres. Minha
hipótese é que elas se reuniam em torno do Apostolado do Sagrado Coração,
criado em 1888 e que congregava mulheres leigas no povoado de Juazeiro do
Norte", aponta.
A historiadora explica que, naquele período,
havia um esforço da Igreja Católica em promover a romanização dos espaços
religiosos, afastando os fiéis de práticas devocionais populares. Instituições
como o Apostolado do Sagrado Coração faziam parte das práticas de controle da
atividade pastoral. Mas apesar de sua formação romanizada, Padre Cícero
defenderá a ocorrência do fenômeno místico, pagando um alto preço.
Ironicamente, a primeira manifestação mística
ocorreu após uma vigília do Apostolado do Sagrado Coração, realizada na Igreja
de Nossa Senhora das Dores na madrugada da primeira Sexta-Feira da Quaresma de
1889. Foi quando, após receber a comunhão do Padre Cícero, a beata Maria de Araújo
foi tomada por uma "veemente dor, unida ao mesmo tempo a uma grande
consolação da alma". "O interessante é que a hóstia se transformava
em sangue mesmo quando o Padre Cícero não ministrava a comunhão, e isso se
repetiu por dois anos". Já em 1889, iniciam-se as primeiras romarias à
Juazeiro, porém "o objeto de culto não era o Padre Cícero ou as beatas, e
sim o sangue precioso".
Devoção. "Inicialmente, o
objeto de culto não era o Padre Cícero ou as beatas, e sim o sangue
precioso"
Edianne
dos Santos Nobre,
Historiadora
REPRESSÃO
- Almas unitivas, mulheres silenciadas
Fortaleza.
O
processo episcopal, instaurado pela Diocese do Crato, foi dividido em dois
inquéritos. No primeiro, os investigadores se convencem que as beatas eram
almas unitivas, ou seja, pessoas que poderiam manifestar milagres por sua
pureza e devoção. No entanto, este primeiro inquérito foi rejeitado pelo então
bispo do Crato, dom Joaquim José Vieira, que decide formar uma segunda comissão
de inquérito.
"O que se percebe é que há uma determinação
da Diocese do Crato em provar que os milagres eram um embuste, imbuída pela
orientação da Santa Sé de suprimir a prática do catolicismo
luso-brasileiro", coloca Edianne Nobre. De acordo com a historiadora, o
perfil das beatas era bem variado, mas a maioria era de origem humilde. Dos
nomes localizados durante a pesquisa, a mais nova tinha 15 anos e a mais velha,
50 anos. No grupo, apenas duas sabiam ler, e uma delas chegou a escrever um
memorial descrevendo as visões e revelações que teve.
Apesar do caráter simples e do respeito à
autoridade dos padres, houve momentos em que as beatas tomaram atitudes de
transgressão para defender o que testemunharam. "Quando um dos padres da
comissão de inquérito ministrou a hóstia para Maria de Araújo e não houve o sangramento,
ele logo colocou que estava ali a prova de que era uma fraude. Ao que a beata
retrucou que a hóstia não sangrou por ele estar em pecado, porque já
pressupunha que aquilo era condenável". A Diocese do Crato logo tomou
medidas severas para sufocar as alegações de que houve um milagre em Juazeiro.
A ordem era para que as beatas silenciassem sobre tais fenômenos e ficassem
recolhidas sob pena de excomunhão, sendo também proibidas de receber visitas.
Além do Padre Cícero, outros 40 sacerdotes que acreditavam no milagre foram
destituídos de suas ordens. "Só que estes pediram perdão a Dom Joaquim e
foram reabilitados. Padre Cícero foi o único que nunca se retratou. Numa das
cartas ao bispo do Crato, ele afirma ser obediente à Igreja, mas que não poderia
trair a fé dele". Pessoas que declarassem acreditar nos milagres não
podiam se confessar ou casar. "Muitos casais iam casar em cidades vizinhas
para não terem que negar sua crença", reforça Edianne.
Como a menção ao sangue precioso foi proibida,
opera-se uma ressignificação dos milagres que leva à organização de Juazeiro do
Norte como cidade, no início do século XX. "Para justificar a devoção e
impedir medidas extremadas da Diocese contra as romarias que chegavam a
Juazeiro, Padre Cícero justifica o movimento como uma devoção não mais ao
sangue precioso, mas à Mãe das Dores, padroeira do povoado. Destituído de
ordens, Padre Cícero entra no campo da política e da organização urbana,
articulando a transformação de Juazeiro do Norte em cidade, cuja independência
do Crato será obtida em 1911".
Karoline Viana - Repórter - Diário do Nordeste
– Fortaleza (CE), 18.4.2010
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=769986
Um jornalista veio de Fortaleza (Alan Neto, se não me engano), leu a documentação e publicou um livro sobre o Padre Cícero, onde esclareceu muitas questões até então obscuras ou controversas. A volta dos debates sobre o caso do padre Cícero fez com que o bispo autorizasse a abertura de processo para sua beatificação. Tal jornalista, no entanto, não publicou quase nada sobre as beatas (ou não teve acesso aos documentos ou omitiu-se de falar sobre o assunto), sabendo-se que há muito mais para se dizer sobre tais mulheres. Até mesmo o túmulo de uma delas foi retirado do cemitério para se evitar peregrinações dos devotos. Eram devotas simples e sinceras (a devoção ao Sagrado Coração de Jesus estava em franco progresso na época), as quais foram objeto de predileção divina com os milagres ocorridos. Um relato mais detalhado sobre elas foi feito pela historiadora Edianne dos Santos Nobre, acima citada, ao publicar em 2011 o livro “O Teatro de Deus”. Por sinal, Dom Fernando Panico pertence à ordem dos Missionários do Sagrado Coração (MSC). Sim, comprovadamente houve milagres eucarísticos, os quais alguns padres e bispos (pelo menos o bispo de Crato e o de Fortaleza são suspeitos de terem agido assim) quiseram abafar com perseguições odiosas e sem sentido. Isso motivou o Pe. Gabriel Vila Verde a publicar um interessante vídeo no youtube contando a verdade sobre o padre Cícero; eis o link https://www.youtube.com/watch?v=xUpWhhXLeZE&t=37s O vídeo em questão foi retirado do YouTube. Mas o padre Gabriel Vila Verde publicou um livro sobre a matéria em 2020 sob o título de CORAÇÕES SACERDOTAIS - O padre Cícero na visão de outro padre.
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