Neste século da confusão, rogai por nós ó Mãe do Bom
Conselho
Plínio Corrêa de Oliveira
A síntese da bela história da devoção a Nossa Senhora de Genazzano, que "Catolicismo" hoje apresenta, é esta:
Numa pequena localidade da Itália a graça faz germinar,
em substituição a um velho culto pagão, uma terna devoção a Nossa Senhora sob o
título do Bom Conselho.
Séculos mais tarde, um reino valoroso se
encontra em triste declínio. Declínio político e militar, por certo, mas também
e principalmente declínio religioso. Os católicos albaneses oferecem ao Islã a
resistência ineficaz de um povo tornado tíbio. Com isto, a vitória das hostes
de Mafoma resulta inevitável. Dois homens fiéis à Virgem se sentem perplexos, e
vão ao santuário nacional da Albânia, em Scútari, a fim de implorar à imagem d’Ela
que ali se venera um bom conselho: o que fazer, permanecer na nação dominada
pelos turcos, a fim de ali servir à Santíssima Virgem, ou deixar a pátria rumo
a plagas em que possam viver sem grave perigo para a fé?
O bom conselho implorado lhes foi concedido sob
a forma mais estupenda e inesperada. A imagem deixa Scútari, e em pós d’Ela
partem os nossos dois albaneses.
A confirmar a autenticidade e o acerto deste
conselho, a sagrada Efígie baixa maravilhosamente no local de Genazzano onde se
cultuava a Mãe do Bom Conselho.
Daí para diante, a história da Madona
transladada de Scútari não foi senão uma sucessão de triunfos. Quer em
Genazzano, quer em outras cidades onde reproduções do quadro albanês foram
expostas à veneração dos fiéis, as graças de toda ordem se multiplicaram
incontáveis. E entre elas o atendimento freqüente das pessoas que, desejosas de
um bom conselho, acorrem à Virgem, implorando a graça de uma luz para sua
perplexidade.
Entre essas imagens, importa lembrar a que se
encontra na cidade de São Paulo, na imponente Capela do Colégio São Luís, dos
RR. PP. Jesuítas, pois o modo pelo qual chegou a nosso País - como se narra em
outro local desta edição - é verdadeiramente digno de especial atenção.
Antes de prosseguir convém salientar uma
peculiaridade da devoção a Nossa Senhora de Genazzano.
Não é possível, com efeito, tratar d’Ela sem
pôr em realce uma de suas peculiaridades mais importantes. Muitas das pessoas
que recorrem à Virgem diante da Imagem de Genazzano ou de réplicas desta, têm
afirmado que o semblante da Senhora lhes "responde" às orações. Não
que o faça falando ou movendo-se, o que constituiria manifesto milagre. Mas,
sem nenhuma alteração propriamente miraculosa, algo do olhar e da expressão da
Divina Mãe toma caráter particularmente vivo e impregnado de maternal alegria
quando o fiel é atendido. E é à multiplicação deste favor que em boa parte se
deve a expansão universal da devoção a Nossa Senhora do Bom Conselho de
Genazzano.
Qual a atualidade desta devoção? Sem dúvida, em
nossa época tão aflita e conturbada, incontáveis são as almas que precisam, a
este ou aquele título, de um bom conselho. Nada de melhor podem elas fazer do
que implorar o auxílio d’Aquela que a Santa Igreja, na Ladainha lauretana,
invoca como Mater Boni Consilii.
Entretanto, cumpre ponderar que um conselho é
de tanto maior valia quanto maior for a importância do assunto sobre o qual
versa.
Por isto, supremamente importantes são para
cada um os conselhos necessários para conhecer a respeito de si mesmo - dentro
da tempestade de trevas do século XX - os desígnios de Nossa Senhora e os meios
aptos para os realizar.
Aqui está um primeiro título para se afirmar a
particular atualidade da devoção a Nossa Senhora de Genazzano neste século que
poderá passar para a História como o século da confusão.
Todavia, se alargarmos nossos horizontes para
além da esfera individual, e considerarmos numa perspectiva histórica a crise
pela qual hoje passa a Igreja de Deus, não poderemos deixar de ponderar que
ainda aqui a humanidade precisa como nunca de um bom conselho da Virgem das
Virgens.
Encontramo-nos no ápice de um processo
histórico oriundo, na Idade Média, de uma explosão de orgulho e de
sensualidade. Desta explosão nasceram nos séculos XV e XVI o Humanismo, a
Renascença e a Pseudo-Reforma protestante.
Os vagalhões produzidos por esses movimentos se
projetaram da esfera filosófica, cultural e religiosa para a esfera política e
social, ocasionando, no século XVIII, a Revolução Francesa ímpia e igualitária.
Esta por sua vez se desdobrou ao longo do século XIX em movimentos de índole
atéia, laicista e revolucionária, que culminaram na eclosão do comunismo,
revolução social e econômica que por sua vez ameaça tragar o mundo inteiro.
No vértice deste processo, a alternativa se
impõe: ou sucumbimos ao comunismo como outrora a Albânia ao islamismo, ou
renunciamos inteiramente ao orgulho e à sensualidade, extirpando-lhes todos os
efeitos quer na vida religiosa, quer na vida temporal, efeitos estes dos quais
o comunismo não é senão a conseqüência supremamente lógica e supremamente
maligna. Mas a rejeição efetiva e completa de um imenso pecado supõe uma imensa
contrição. E uma imensa contrição supõe uma imensa apetência da perfeição na
virtude contra a qual se pecou.
Assim, a opção para o mundo moderno é entre um
porvir tenebroso, feito das últimas capitulações ante os extremos do erro e do
mal, e o abraçar entusiástico da plenitude da verdade e do bem.
Como mover a humanidade - de tal maneira
atolada no processo histórico que a vem impelindo há tantos séculos - a
empreender a trajetória do filho pródigo rumo à casa paterna?
Sem um possante auxílio da graça, a falar no
interior de incontáveis almas, isto não se pode conseguir. Esse bom conselho a
ser proferido no íntimo de cada coração para a salvação da humanidade, que
melhor modo há de obtê-lo senão implorando à Mãe do Bom Conselho para que, por
uma graça nova, converta o bárbaro super-civilizado do século XX? Só assim
poderá este, à maneira do bárbaro sub-civilizado do século V, "queimar o
que adorou e adorar o que queimou". E só assim poderá ter origem uma nova
e ainda mais esplendorosa era de fé.
Esse é o bom conselho por excelência que os
devotos de Maria devem pedir para si e para todos os homens nos dias que
correm.
Parecerá talvez excessivo, a alguns leitores,
que afirmemos ser este o século mais confuso da História. No entanto, entre as
múltiplas provas que a asserção comporta, é mister sobrelevar uma, a qual por
si só justifica nossa afirmação.
Com efeito, seria difícil contestar que em
algum tempo a confusão tenha sido maior nos meios católicos, do que no nosso.
Por certo, houve épocas em que a Igreja pareceu
afetada por uma confusão mais grave. Assim, as crises ao longo das quais os
antipapas dilaceravam o Corpo Místico de Cristo, ou a luta das Investiduras que
cindiu durante muito tempo o Ocidente cristão, lançando o Sacro Império contra
o Papado. Mas essas crises, ou eram mais de rivalidades pessoais que de
princípios, ou punham em jogo apenas alguns princípios, se bem que básicos, da
doutrina católica.
Presentemente, pelo contrário, não há erro, por
mais crasso e rotundo, que não procure revestir-se de uma roupagem mais ou
menos nova para obter livre trânsito nos ambientes católicos. Pode-se dizer que
assistimos em nosso próprio meio ao desfile de todos os erros, faceiramente
disfarçados com pele de ovelha, a solicitar a adesão de católicos incautos,
superficiais, ou pouco amorosos de nossa Fé.
E, ante essas manobras quantas concessões,
quanta falsa prudência, quanto criminoso namoriscar com a heterodoxia! Nesta
atmosfera, que já sugeriu a Paulo VI algumas graves advertências, a confusão é
tão grande, que em não poucos círculos os católicos zelosos da ortodoxia são
mal vistos e suspeitos, enquanto a turbamulta das vítimas dos erros embuçados
se porta com a desenvoltura de quem fosse dono da casa! Traçado este quadro,
pensamos com afeto e com apreensão nas muitas almas modestas a quem as
circunstâncias da vida não permitem maiores estudos religiosos. Quão necessário
lhes é o bom conselho de Nossa Senhora, para vencer a confusão! A Igreja pode
dizer de Si, analogicamente, as palavras de Nosso Senhor: "Eu sou o
Caminho, a Verdade e a Vida" (Jo.14,6). Se nos ambientes católicos sopra a
confusão, é inevitável que esta se estenda por todos os outros domínios da
existência. E na Igreja não pode haver confusão pior do que a dos princípios.
É natural, pois, que afirmemos ser nosso século
o século da confusão, e que de nossos lábios se evole para a Mãe de Deus uma
súplica: Nossa Senhora do Bom Conselho, rogai por nós, e ajudai-nos a
permanecer fiéis ao Caminho, à Verdade e à Vida, em meio a tanto extravio, a
tanto embuste e a tanta morte.
("Catolicismo"
Nº 208-209 - Abril-Maio de 1968)
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