(22 de agosto, festa de Nossa Senhora, Rainha, expomos a seguir comentários de Dr., Plínio sobre a realeza de Nossa Senhora e sua mediação universal)
Dentre os diversos títulos de Nossa Senhora
estão dois que me parecem ser de especial importância, sobre os quais gostaria
de fazer alguns comentários: Nossa Senhora Rainha e Medianeira de todas as
Graças. Procurarei analisá-los juntos,
pois, como se verá, ambos têm uma íntima relação.
Medianeira
necessária, por livre vontade de Deus
Pelo título de Medianeira de todas as Graças
reconhece-se ser Nossa Senhora o canal das graças distribuídas por Deus, bem
como o fato de ser através d’Ela que todas as súplicas sobem a Deus.
Antes de tudo, é importante frisar que Ela
não é um canal necessário em sentido absoluto. Ou seja, absolutamente falando,
Deus não precisa ter Nossa Senhora como medianeira.
Nosso Senhor Jesus Cristo é o único Mediador
necessário e absoluto, entre os homens e Deus. Tendo Se encarnado, Ele Se fez
Homem, tornando-Se o elo indispensável entre a humanidade e a divindade.
Ora, se a ordem das coisas determina que
todas as graças dispensadas aos homens devem vir através de Deus Filho, a
vontade de Deus dispôs que essas mesmas graças deveriam passar por Maria, sua
criatura eleita. Então, Nossa Senhora é Medianeira por livre vontade de Deus.
Rainha porque
medianeira
Do fato de Nossa Senhora ser Medianeira
provém seu título de Rainha.
Deus, sendo Rei do universo, ao constituir
Maria como Medianeira de todas as Graças e de todas as súplicas, outorgou-lhe o
poder de governar. De tal modo que os desígnios e o governo de Deus sobre o
universo podem ser alterados pelos pedidos e orações d’Ela. Ou seja, o reinado
de Maria se torna efetivo através de sua Mediação Universal.
A mais excelsa dentre as criaturas
Nisso se vê o papel incomparável de Nossa
Senhora no conjunto da Criação. Das meras criaturas Nossa Senhora é a mais
alta, pois tudo o que existe, exceto Deus, está abaixo d’Ela.
Por sua vez, do fato de Nossa Senhora ser
Rainha do Universo, decorre que Ela é também Rainha do gênero humano, uma vez
que o gênero humano é, dentro do universo sensível, a realidade mais alta. Ora,
sendo a alma do homem aquilo que ele tem de mais elevado, a realeza de Maria se
exerce especialmente nas almas. Pois, a realeza sempre se exerce mais
plenamente no que há de mais nobre num reino.
Por isso, bem caberia a Nossa Senhora o
título de Rainha das Almas, ou então, o de Rainha dos Corações – o qual é
especialmente considerado por São Luís Grignion de Montfort – e que equivale a dizer
Rainha das Vontades.
Estes títulos de Nossa Senhora afirmam, em
primeiro lugar, seu direito de possuir, de ser conhecida, amada e obedecida por
todos os homens; em segundo lugar, seu poder de fazer valer tais direitos, de
maneira a poder recompensar os que o reconhecem e punir os que o negam.
Assim, a direção das almas depende
essencialmente de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas também de Nossa Senhora, por
vontade de Deus.
Uma Rainha
destronada?
Alguém poderia pensar o seguinte: No mundo de
hoje, Nossa Senhora está como uma rainha exilada, ou como uma ex-rainha;
completamente rejeitada pelos homens, Ela tornou-se uma rainha destronada.
Este modo de pensar é um grande equívoco,
pois Maria Santíssima é indestronável, e quando Ela aparenta ter sido destronada,
no fundo, trata-se de uma punição. Portanto, até nessa circunstância Ela está
reinando.
Explico-me: Nossa Senhora obtém de Deus
graças suficientes em abundância para
que as almas se salvem. Mas, a essas graças as almas têm possibilidade de
rejeitar.
Porém, Nossa Senhora pode também obter-nos
graças eficazes - as quais não se podem
recusar –, e assim fixar as almas nas virtudes.
Um clássico exemplo disso é o de São Paulo ao
ser derrubado do cavalo, na via de Damasco. Ele foi objeto de uma ação de fulminante
graça, que é a graça própria à conversão, a qual os teólogos afirmam ser
irresistível.
Isso, em última análise, equivale a dizer que
se Nossa Senhora quiser Se fazer obedecer por todos os homens, Ela o poderia. E
se não o faz é porque está agindo por desígnios superiores, em plena harmonia
com os desígnios de Deus.
Ora, o fato de Ela não obter essa graça
irresistível para os homens constitui da parte d’Ela uma punição, que no fundo
é o exercício efetivo de seu poder de Rainha. Daí decorre que ainda quando os
homens A abandonam, Ela não deixa de ser Rainha.
O “Segredo de Maria”
Portanto, ainda que por vezes não o faça, Ela
pode determinar que os homens não A abandonem. Essa graça especialíssima, que
age por cima da vontade humana, fazendo a alma progredir e se converter, é o
que São Luís Grignion de Montfort chama de “Segredo de Maria”. Pela ação de tal
graça a pessoa não deixa de ser inteiramente livre, mas, sendo tão prodigamente
iluminada e auxiliada, torna-se incapaz de escolher o erro e o pecado. Pois a
verdadeira liberdade é a possibilidade de escolher o bem; pelo contrário, a
possibilidade de escolher o mal se chama libertinagem.
Quando Nossa Senhora, por razões misteriosas,
obtém para alguém esta graça que trabalha a alma, transformando-a e fazendo-a
florescer, dá-se com ela algo análogo ao que se deu com a água que, por sua
intervenção, transmutou-se em vinho nas bodas de Caná.
Nossa Senhora intercede junto a Nosso Senhor,
o Qual, impossibilitado de recusar um pedido de sua Mãe, pronuncia sobre nossas
almas uma palavra que as transforma no mais saboroso dos vinhos.
Tais são as extraordinárias graças que
podemos receber de Deus se o pedirmos por intermédio de Maria.
Simbolizar
materialmente realidades espirituais
Há um modo de manifestar os desejos a Nossa
Senhora que muito especialmente me atrai, mas que infelizmente tem se tornado
cada vez mais raro. Ele me agrada, sobretudo, por atender a uma necessidade
natural do homem, o qual, por ser composto de corpo e alma, tende a procurar
expressar através de formas sensíveis e materiais os movimentos de seu
espírito. Normalmente isto se realiza através de gestos do corpo, mas pode
também ser praticado de outras formas.
Uma delas encontramos no costume de acender
velas aos pés de uma imagem. Elas ardem até consumirem-se por inteiro em louvor
a Nossa Senhora, simbolizando assim a pessoa que durante toda a sua vida se
imola para louvar Maria Santíssima.
A vela quando acesa com este intuito torna-se
um símbolo material da oração. O mesmo pode-se dizer a respeito da lamparina
junto ao Santíssimo Sacramento, e do incenso, bem como de muitas outras coisas.
Lembro-me, por exemplo, de um ato de piedade
que eu vi por primeira vez no Colégio São Luís, quando eu ainda era muito
menino: em determinadas ocasiões, geralmente numa festa mariana, as pessoas
escreviam num bilhete um ou mais pedidos, os quais eram depois reunidos e
queimados de modo que a fumaça que deles se desprendia simbolizava as preces
que sobem aos Céus, chegando a Nossa Senhora.
Isso, evidentemente, é um mero símbolo, pois
não há de se imaginar que a fumaça em sua materialidade suba realmente até o
trono de Nossa Senhora; porem, tal gesto representa de modo palpável algo de
imaterial que são os desejos que temos na alma. Deste modo, de certa forma,
contribui para tornar mais plena a nossa oração.
Por outro lado, isso certamente ajuda a que a
oração seja mais bem recebida por Nossa Senhora, pois, apesar de simbólica, tal
prática tem um valor efetivo.
O efetivo valor de um
símbolo
Este valor é análogo ao da oração de uma
pessoa que, contrita aos pés de um Crucifixo, chorasse seus pecados e com suas lágrimas
umedecesse aos pés do Crucificado. Evidentemente, o pranto vertido sobre a
imagem não molha os pés de Nosso Senhor no Céu; entretanto, pelo fato de as
lágrimas molharem os pés da imagem de Cristo, de certa forma, se torna efetivo
o gesto de banhar com lágrimas os pés adoráveis de Nosso Senhor.
Da mesma forma, o ato de apresentar os
pedidos a Maria Santíssima escritos num bilhete para ser queimado e oferecido a
Ela, quando feito com espírito de piedade, tem realmente muita profundidade e
por isso mereceria ser perpetuado.
Muitas são as formas que temos para oferecer
nossos pedidos a Maria. Seja qual for a que adotamos, o essencial é recorrermos
sempre a Nossa Senhora Medianeira Universal, pedindo que Ela nos alcance de
Deus a especialíssima graça de termos nossa alma inteira, irresistível e
misteriosamente transformada, tal como a água nas bodas de Caná, para assim
sermos verdadeiros súditos da Rainha do Universo e inteiramente conformes aos
seus sapienciais desígnios.
(Dr. Plínio Corrêa de Oliveira - Conferência de 31/5/1971)
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