Os episódios e comentários a seguir foram extraídos de uma
biografia de São Paulo, de autoria do alemão Joseh Holzner:
“Lídia, a comerciante de púrpura de Filipo (Act 16, 11-15)
Foi um grande dia da história do gênero humano, quando São
Paulo e seus três companheiros puseram seus pés pela primeira vez ns Macedônia,
em solo europeu. Noutros tempos viveu aqui um valente, são e nobre povo, que pela
atrevida empresa de um jovem rei não somente foi célebre no mundo, mas também,
no pensamento da Providência, já séculos antes havia de preparar ao Evangelho o
caminho sobre a terra. Com uma simplicidade e grandeza admiráveis, disse a
Sagrada Escritura no início do Livro dos Macabeus: “E sucedeu que depois que
Alexandre da Maceônia derrotou Dario, rei dos persas e medos, tomou por assalto
todas as fortalezas, vencendo todos os reis da terra e penetrado até nos
últimos termos do orbe, emudeceu o mundo diante dele... Depois caiu enfermo e
conheceu que havia de morrer”. (I Mac 1, 1-8). Mesmo os maiores homens,
chamados Alexandre ou César, são somente preparadores do caminho e criados de
Deus. Eles haveriam de abrir os sulcos em que o divino Semeador pudesse
espalhar sua semente. Entre todos os povos da antiguidade os macedônios foram
os que mais assemelharam-se aos romanos. Desde o ano 167 antes de Cristo os
romanos foram senhores do país e o dividiram em quatro distritos de governo,
dos quais os mais importantes foram Tessalônica e Filipos.
Ao longe já se via o templo de Diana da pequena cidade
marítima de Neápolis (hoje Kawalla), a qual está situada em forma de teatro
sobre um saliente rochedo banhado pelo mar. Um círculo, no pavimento da igreja
de São Nicolau assinala hoje o lugar onde São Paulo desembarcou. Junto à pequena cidade, nossos viajantes, ora
pela famosa estrada romana Via Egnacia, ora por um caminho escavado na rocha,
subiram ao monte costeiro Pangeo até à altura do desfiladeiro, onde se abriu ante
seus olhos uma vista admirável até o norte. Viram sob a planície do vale, rico
em fruteiras, na qual se levantava defronte, sobre o último prolongamento da
montanha, Filipos com sua acrópole. Era uma paisagem cheia da antiga poesia
bucólica. Agora estava ali os mensageiros de uma nova liberdade, os arautos de
um novo conquistador do mundo, que sem espada havia feito mais pela liberdade
do mundo que todos os campeões da liberdade juntos. O imperador Augusto havia
elevado Filipos à categoria de colônia militar romana com direito municipal
itálico e isenção de tributos. Os veteranos se julgavam romanos genuínos e
haviam levado consigo, com suas divindades romanas, Minerva, Diana, Mercúrio e
Hércules, a honradez e conduta romanas. Pela estrada militar romana que
atravessava toda Macedônia de leste a oeste e à outra parte do Adriático ia por
Brindis até Roma, sentiam-se unidos com a capital do mundo e o Júpiter
Capitolino. Desta forma, Filipos veio a ser uma cidade provincial típica
romana, uma Roma pequena com foro, teatro, acrópole e muralhas fortificadas. Os
cidadãos estavam orgulhosos de sua constituição favorável à liberdade e à
maneira dos cônsules elegiam cada ano dois prefeitos ou “arcontes”, chamados
também pelo povo de “estrategas”. Quando estes iam ao foro para pronunciar
sentença, precediam-lhes como em Roma dois litores.
Mas em meio a estes romanos viviam ainda os descendentes dos
nativos da Macedônia e Trácia que o rei Filipo havia estabelecido aqui noutro
tempo para cavar em busca de ouro no Pangeo. Eram todavia intratáveis. Os
homens, ásperos, soberbos e teimosos; as mulheres, livres e ansiosas por
independência, falavam retamente sobre política e tinham parte nas eleições e
turbulências políticas. Se aqui as mulheres se faziam cristãs, podiam exercer
grande influência. Sobretudo as almas
das mulheres, tão sensíveis para o celestial, facilmente se lhes comunicava
fervor religioso, porque estavam em parte imbuídas em doutrinas orientais
misteriosas com seus hinos sublimes e ideias de imortalidade. São Paulo
encontrou aqui, sobretudo entre as mulheres, adeptos entusiastas. Filipos
prometia ser um proveitoso campo de missão.
Nos dias seguintes indagaram as perspectivas e pontos de
contato para a pregação do Evangelho. Assim chegou o sábado. Viviam poucos
judeus em Filipos. Não havia nenhuma sinagoga, porque faltava o número dos
escribas requeridos segundo a lei rabínica para formar um tribunal. Mas, se não
conseguiram possuir uma sinagoga pelo menos havia de ter um lugar fechado,
rodeado de um muro ou cercado de sebe como lugar de oração. Os rabinos sabiam
que o povo sem o exercício público de religião logo haviam de cair na
indiferença ou no ateísmo. São Lucas teve conhecimento de dito lugar, e
conduziu seus compatriotas para a porta da cidade, ao longo do curso do rio
Gangas. Ali viram logo o lugar rodeado de uma parede baixa de jardim. Com
admiração sua encontraram dentro do cercado somente algumas mulheres, parte
judias, parte gentias tementes a Deus, que rezavam suas devoções da manhã.
Majestosamente ao fundo o Pangeo alçava seu cume nevado e ao lado o arroio
murmurava sua melodia. Estas mulheres não sabiam muito seguramente, mas tinham
um vivo interesse religioso; e àquele que tem isso Deus o leva mais adiante.
Aqui ante estas mulheres conseguiu São Paulo dar livre curso a seu coração.
Poucas vezes terá tido um público tão agradecido. Neste grupo de mulheres causa
maravilha ver a uma senhora bem vestida, especialmente interessada no que toca
a religião, a qual não era de Filipos, mas uma piedosa pagã vinda de Tiatira,
na Lídia. Por isso era chamada de Lídia. Era uma rica comerciante, que, sem
dúvida, depois da morte de seu esposo, do qual nada sabemos, continuou na
cidade seu negócio com telas de púrpura. Sua pátria, Tiatira, era conhecida
desde os tempos de Homero (Ilíada 4, 141) pelo comércio de púrpura. A púrpura
era um tecido precioso e o comércio com ele exigia grande capital. Lídia era
uma daquelas almas cristãs por natureza, que, logo ao ouvir falar de Jesus, o
reconhecem ao ponto como o caminho, a verdade e a vida. É uma representação
encantadora saber que a este ato religioso da manhã assistiram também, além de
Lídia, Evodia e Sintique, que mais tarde rivalizaram entre si, e às quais São
Paulo em sua carta aos filipenses exortou tão afetuosamente à paz. Assim, pois,
temos já várias pessoas conhecidas nesta cidade.
Temos de ser muito reconhecidos a São Lucas pela formosa
palavra com que introduz a conversação de Lídia, e que nos descobre sua
compreensão do coração da mulher e da obra da graça: “O Senhor lhe abriu o
coração para que escutasse atentamente as palavras de São Paulo”. Era uma
mulher prudente e refletida. Uma hábil mulher de negócios analisa tudo
detalhadamente. Mas aqui não há para ela nenhuma demora. Com extraordinária
rapidez se resolve receber o batismo. Talvez tenha sido no mesmo dia, na noite
de sábado para o domingo, quando São Paulo e seus companheiros com as mulheres
recém convertidas desceram o sussurrante Gangas, onde se efetuou a solenidade
do batismo. A resoluta comerciante Lídia, com seu jeito enérgico e vigoroso voz
de dona de casa, logo também dispôs que todos seus criados recebessem o
batismo. Mais ainda, dada sua energia é de suspeitar que não somente em
Filipos, mas também em sua terra Tiatira foi uma apóstola de Cristo, e teve
parte no louvor que São João no Apocalipse escreve por ordem de Jesus ao anjo
da comunidade de Tiatira: “Conheço tuas obras, tua caridade, tua fé, teus
serviços e tua paciência” (Apoc 2, 19).
Sua segunda ação como cristã foi convidar todos os missionários
a deixar seu albergue e alojar-se em sua espaçosa casa de comércio: “Se me
tendes por fiel ao Senhor”, disse. Isto estava cordialmente falado. Lídia tinha
realmente boas razões: Sua casa era o único lugar adequado para as reuniões de
culto da futura comunidade cristã. O que também seu pundonor cristão, sua
necessidade material, sua ambição
feminina encontrassem certa satisfação em abrigar a primeira igreja cristã e
favorecer os missionários, quem poderia vituperá-la por isso? “Assim nos
obrigou!”, acrescenta São Lucas, risonho. Era uma honra para Lídia que São
Paulo aceitasse o convite. Ela foi uma coluna para a igreja apostólica, uma
amiga maternal do Apóstolo, de todos os mensageiros da fé e da recente
comunidade. Quando São Paulo escreve depois : “Vós o sabeis, filipenses meus:
quando comecei a pregar o Evangelho entre vós, e depois saí da Macedônia,
nenhuma comunidade entrou comigo numa relação do mútuo dar e recebe senão
somente a vossa... Também à Tessalônica me haveis enviado mais de uma vez algo
para socorrer minha necessidade” (Filipenses 4, 15-16), sem dúvida muitas
destas dádivas passaram pelas mãos de Lídia.
Quem haveria de pensar que o Evangelho faria sua entrada na
Europa tão calada e ocultamente? Não solenemente como no Areópago ante os
filósofos, não dramaticamente como em Chipre ante o homem de Estado, mas em
forma de idílio como uma manhã de verão fresca pelo rocio ou como uma deliciosa
aurora no Oriente. Estes suaves e contudo vigorosos tons de sentimento
introduziu a mulher no Evangelho já no tempo de Jesus. E em Filipos continua
ecoando. Quando o Evangelho veio para a Europa, chegou primeiramente para as
mulheres, porque os homens não estava presentes, como também entre os
samaritanos foi uma mulher a que Jesus iniciou no mistério do reino de Deus. As
mulheres foram as últimas ao pé da cruz, na sepultura, assim as primeiras junto
ao sepulcro vazio. Nas tristes histórias de hipocrisias, ódios, perseguições,
injúrias, deserções e covardes fugas não encontramos no Evangelho mulher alguma.
Os homens, como mensageiros da fé,e missionários e defensores dos interesses
religiosos estão, na verdade, mais na luz do reverbero; porém, onde estaria a
Europa cristã sem a mulher cristã em casa como mãe, esposa, irmã, como
auxiliadora virginal-maternal da miséria de todas as classes? São Paulo teve
para este lado da feminilidade uma profunda compreensão e foi o primeiro em
empregar a mulher ativamente na missão. Ele aprecia a mulher dotada de gênio,
como Priscila que instrui ao douto Apolo. Em qualquer de suas cartas dispensa
saudações e reconhecimento para as mulheres. Reconhece os serviços de Cloe em
Corinto, de Febe em Cencreas, a quem confia sua carta aos romanos, e o ser
pequena mulher a mãe Rufo que foi também para ele uma mãe. Quando escreve ao
rico comerciante Filemon não esquece de saudar sua esposa Apfia. Aprecia
especialmente o trabalho da mulher de família e a educação dos filhos, pela
qual a mulher adquire o céu; aprecia as filhas virgens de Filipe de Cesarea,
dotadas de profecia; seu cuidado se dirige também às boas viúvas, que se
destacavam no campo da caridade e por isso eram mantidas pela comunidade (I Tim
5, 3-16). Como profundo conhecedor do gênero humano tem uma olhada para todos
os bons lados do caráter feminino. As nobres mulheres de Filipos como santas
figuras estão às portas da Europa, como se quisessem recordar a todas suas
irmãs desta parte do mundo que as mulheres da Europa têm na Igreja cristã um
santo destino, de ser sacerdotisas, às quais se confiou em primeiro lugar o sagrado
fogo que fez feliz e grande a nossa parte do mundo.
Mas tampouco devemos esquecer àqueles nobres varões, como
Epafrodito, a quem São Paulo chama seu “companheiro de armas, co-militante e
colaborador”, que visita o Apóstolo preso em Roma e lhe traz presentes. Também
Clemente e Sicigo (se realmente esta última palavra é um nobre mesmo) e muitos
outros.estão ao lado daquelas mulheres, e em verdade com tal constância que São
Paulo sabe estar escritos seus nomes no livro da vida (Fil. 4, 3)
Nenhuma comunidade foi tão amada por São Paulo como Filipos.
Ela foi em solo europeu seu primeiro amor, “seu gozo e sua coroa” (Fil. 4, 1).
“Deus é testemunho de como os amo a todos vós do fundo do coração” (Fil. 1, 8).
Reportamo-nos à nossa postagem a seguir com maiores detalhes sobre a vida de Santa Lídia:
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