Em 22 de maio de 1702, assumiu o cargo de Arcebispo
da Bahia D. Sebastião Monteiro da Vide, insigne prelado português que trouxe
para nossa pátria excelentes frutos para a formação moral e cultural de nosso
povo. Foi ele responsável pela publicação da biografia de alguns místicos que
se sobressaíam, como o ermitão de Bom Jesus da Lapa (a quem convenceu receber
as ordens sacerdotais) e a freira reclusa do Convento do Desterro, Victória da
Encarnação. Também foi de sua responsabilidade a publicação de um rigoroso
levantamento das imagens milagrosas de Nossa Senhora que havia na Bahia.
Procurou reformar o clero, moralizou a vida social e religiosa, dentre outras
ações benéficas que legou.
Dom
Sebastião Iniciara sua vida religiosa como jesuíta, mas abandonou-a, abraçando
a carreira militar que também renunciou para estudar direito canônico.
Ordenou-se sacerdote posteriormente. Além de Arcebispo da Bahia, Metropolitano
no Estado do Brasil, do Conselho de sua Majestade, exercia também o cargo
de Governador-Geral. Sua principal obra foi “As Constituições
Primeiras do Arcebispado da Bahia”, promulgadas em 1707, importante documento
que norteou não só sua ação pastoral mas a própria educação moral, religiosa e
cultural do nosso povo “para o bom
governo do Arcebispado, direção dos costumes, extirpação dos vícios e abusos,
moderação dos crimes, e reta administração da justiça", e estiveram em
vigor até o final do século XIX. Segue a seguir um resumo da vida daquela Serva
de Deus.
Madre Victória da Encarnação
“MADRE VITÓRIA DA ENCARNAÇÃO nasceu na cidade do Salvador, então
capital do Brasil colonial, em 6 de março de 1661, sendo batizada no mesmo ano
na antiga Sé da Bahia. Foram seus pais, Bartolomeu Nabo Correia e Luísa
Bixarxe. Teve um irmão e três irmãs. Conforme escreveu Dom Sebastião Monteiro
da Vide (1720), a casa desta família era um exemplo de lar cristão.
Em 1675,
quando Vitória estava com 14 anos, seu pai desejou enviá-la, juntamente com sua
irmã mais velha, Maria da Conceição, para um convento nos Açores, em Portugal,
porém a menina se recusou, dizendo que preferia que lhe cortassem a cabeça de
que ser enviada para um convento.
Em 1677,
quando foi fundado o primeiro mosteiro feminino no Brasil, o Mosteiro de Santa
Clara do Desterro da Bahia, Vitória, então com 16 anos de idade, ainda dava
mostras de aversão à vida religiosa, preocupando seus pais com seu
comportamento.”
— A origem
desta Fundação está num milagre realizado por Nossa Senhora do Desterro em
favor de um cavaleiro que após sentar-se no passeio da frente de uma pequena
ermida erigida em uma região montanhosa de Salvador de então, em meio a
uma floresta virgem, acordou apavorado pois se encontrava fortemente
enroscado por uma jiboia gigante prestes a ter seus ossos e suas carnes por ela
esmagados, para ser em seguida engolidos pelo dantesco réptil, quando das
profundezas do seu coração suplicou alto e em bom som: – “ Valei-me Nossa
Senhora do Desterro!” – “ Salvai-me Nossa Senhora do Desterro” e
ainda por uma terceira vez: – “ Valei-me minha Nossa Senhora!” Como num passe
de mágica, conseguiu puxar com uma de suas mãos o punhal que se
encontrava preso à sua cintura e desferiu um golpe certeiro num ponto vital da
garganta do monstro rastejante, que imediatamente perdeu suas forças, estertorou
e em seguida morreu, podendo o confiante devoto de Nossa Senhora
desvencilhar-se de tão sinistro abraço, pôr-se de joelhos e agradecer à Mãe de
Deus tão insigne favor Ato contínuo, conseguiu arrastar o seu troféu até o
centro da nascente Cidade de Salvador, atraindo toda a população que exultante
de alegria, agradecia a Nossa Senhora por tão significativo sucesso!
O Terceiro
Governador-Geral, Mem de Sá, acabava de chegar de uma viagem e muito se alegrou
com o acontecido e foi com uma grande quantidade de pessoas até a abençoada
ermida, na qual, em uma de suas toscas paredes foi colocada a pele da malfadada
jiboia, e sobretudo muito se rezou e se agradeceu a proteção de Nossa Senhora.
Por
inspiração divina, Mem de Sá teve a feliz ideia de ali construir uma igreja e
um convento para abrigar vocações religiosas femininas que abundavam em nossa
Cidade, mas que para serem correspondidas demandavam uma perigosa viagem a
Portugal, expostas a morrerem em naufrágios ou a se tornarem escravas de
cruéis piratas que infestavam a rota marítima que as levaria ao seu destino,
naqueles tempos. Embora não tivesse o nosso insigne Governador Geral
visto a realização do seu intento, a igreja foi construída, em seguida o Convento,
em honra de Santa Clara de Assis, o primeiro do Continente Americano! E
no ano de 13 de maio de 1669, o Papa Clemente IX atendeu à
solicitação do Arcebispo de então e autorizou a vinda de Freiras do Convento de
Évora, para fundar a Ordem das Irmãs Clarissas em nossa Terra. E vai ser neste
solo bendito que vicejará a sua mais bela Rosa, Madre Vitória da Encarnação,
como veremos mais abaixo.
No ano de 1686, num domingo pela manhã, em 29 de setembro, dia de São Miguel Arcanjo, Vitória foi acolhida no noviciado das monjas clarissas do Mosteiro do Desterro da Bahia e juntamente com ela, foi acolhida também a sua irmã, Maria da Conceição. Recebeu neste dia, o nome religioso de Vitória da Encarnação. No ano seguinte (1687), conforme seu desejo, fez profissão Solene em 21 de outubro, dia em que se celebrava na cidade de Salvador a festa das Onze Mil Virgens”
Sua vida como
religiosa
“Mostrou-se
grande em suas virtudes. Desapegada de tudo o que é mundano, quis fazer-se a
menor de todas e aquela que servia a todas. Dotada de imensa caridade para com
os mais desvalidos, desejou viver como uma escrava e adotou para si o estilo de
vida das servas que viviam no mosteiro servindo as religiosas. Fazia suas
refeições sentada no chão, como era costume entre os escravos da época, corria
para fazer os trabalhos que ninguém queria, e por querer ser a menor de todas,
foi diversas vezes ridicularizada e até mesmo agredida, levando uma bofetada de
uma das servas a quem ela tanto servia e quis se fazer semelhante. Cuidava
daquelas que adoeciam, levando-as para sua própria cela e de lá só saiam quando
completamente curadas. Suportou diversas humilhações calada e com paciência,
pois considerava-se digna de todas aquelas ofensas”.
“Viveu
inteiramente dedicada aos pobres, doentes e desamparados que procuravam o
mosteiro em busca de socorro. Pela sua grande caridade recebeu dos pobres o
apelido de “madre Esmoler. Quando exercia o cargo de porteira, grande
quantidade de pessoas dirigia-se à portaria para pedir-lhe algum auxílio.
Atendeu a todos quantos podia, e de dentro da clausura recomendava aos seus
familiares que cuidassem daqueles pobres e doentes que ela não poderia
socorrer, mas que vinha a saber que estavam necessitados. Doou em vida tudo o
que possuía aos pobres, inclusive a cama na qual dormia, passando então a
dormir no chão sobre uma esteira de palha. Por esse motivo, não morreu em sua
própria cela. Quando estava prestes a falecer foi levada para a cela de outra
monja pois suas coirmãs não quiseram deixá-la morrer no chão.
Dotada de
dons místicos, se transfigurava quando fazia a via-sacra, todas as
sextas-feiras do ano. Um desses eventos foi testemunhado pelas outras
religiosas quando participava de uma procissão do Senhor Bom Jesus dos Passos
no corredor da clausura, e foi narrado por Dom Sebastião em seu livro. Conforme
o mesmo escreveu, “brotavam nas faces duas rosas, com cuja púrpura avivando-se
o desmaiado e penitente do rosto, arrebatava as atenções das que a viam, não
podendo reprimir as lágrimas da devoção que lhes causava esta devota penitente.
Tinha tanto
desejo de imitar ao Divino Esposo em seus sofrimentos, que castigava-se com
cilícios e disciplinas duríssimas, chegando a converter os pecadores que
passavam pela via próxima ao convento e que ouviam o barulho daquelas
chibatadas. Fazia rigorosos jejuns e quando comia algo que lhe agradava o
paladar, misturava cinzas à comida para estragar o sabor”.
“Em uma noite
viu o Senhor a andar pelo corredor do mosteiro com sua pesada cruz às costas.
Ao encontrá-lo, Ele disse-lhe: “Esposa minha, vem e segue meus passos”. Desde
então começou a carregar uma grande cruz às costas durante as madrugadas das
sextas-feiras. Foi a Madre Vitória a responsável pela difusão da devoção ao
Senhor Bom Jesus dos Passos na cidade de Salvador e mandou construir dentro da
clausura do mosteiro uma capela a Ele dedicada.
“Amou
tanto as almas do purgatório que sufragava-as diariamente com orações e
oferecia-lhes todas as missas em seu favor. Conforme narrou seu biógrafo,
muitas almas se mostraram a ela em seus sofrimentos no purgatório e também
voltavam para agradecer-lhe pelas orações em seu favor, quando de lá saíam para
o Céu, resplandecentes de luz”.
“Tinha o dom
da revelação e profecia. Era capaz de saber o local exato em que uma pessoa,
tida por desaparecida, se encontrava, assim como de prever acontecimentos
futuros. Chegou a descrever eventos que aconteceriam por ocasião e após sua
morte. Tinha também a capacidade de encontrar objetos e animais desaparecidos.
Passava maior parte da noite em vigília diante do Santíssimo Sacramento e por
esse motivo foi chamada, pelo seu biógrafo o arcebispo da Bahia, de “tocha
acesa no Divino Amor”.”
Tinha o dom da Profecia! Previa acontecimentos futuros!
“Teve por companheiras mais próximas em seus exercícios penitenciais duas outras monjas, também biografadas por fama de santidade, a saber, Madre Maria da Soledade e Madre Margarida da Coluna. Era frequentemente tentada pelo demônio por meio de visões aterradoras e desses terríveis combates espirituais sempre saía vitoriosa. Alguns deles ocorreram quando estava junto a estas companheiras. Em um deles a Madre Maria da Soledade foi lançada de cima do coro para baixo sem sofrer muitos danos físicos.”
Igreja do
Desterro
“Sentindo que
se aproximava ou dia de sua morte fez diversas recomendações às suas irmãs. Uma
delas foi o pedido de ser levada à sepultura pelas mãos das servas a quem ela
tanto amava. Outro pedido feito foi o de não ser enterrada com o hábito que
usava em vida, pois não queria levar para o túmulo nada que tivesse lhe
pertencido neste mundo e pediu que cada uma das irmãs doasse a ela uma peça do
hábito religioso com o qual ela seria enterrada.
Após 29 anos
de clausura e de total consagração de sua vida à Cristo e ao próximo, faleceu
numa sexta-feira, às 15 horas, 19 de julho de 1715, acompanhada do padre e das
irmãs que a assistiam. No momento de sua morte as religiosas disseram ter
sentido uma maravilhosa fragrância de rosas a inundar as dependências do
mosteiro. E durante o rito das exéquias um misterioso passarinho foi visto
voando pelos corredores do mosteiro numa velocidade jamais vista para um
pássaro comum. Os que ali se encontravam narraram este fato a que Dom Sebastião
dissera ser “a alma da Madre Vitória voando para as mansões celestiais”.
“Ao se espalhar
a notícia de sua morte, uma grande multidão se aglomerou diante do convento.
Logo toda a cidade ficou a saber, pois diziam ter morrido a “santa da Bahia”.
Muitos levavam lenços, medalhas, terços e outros objetos e pediam que as
religiosas os tocassem no corpo da “santa”. Esses objetos eram guardados por
essas pessoas e eram tidos como verdadeiras relíquias. Como a quantidade de
pessoas às portas do convento crescia cada vez mais durante aquela noite, e não
paravam de chamar pelas religiosas para que tocassem seus objetos ao corpo da
madre, se viram obrigadas a não mais saírem à portaria e não puderam atender
mais a nenhum deles.
“Seu
corpo foi velado durante toda a noite na capela que a mesma havia mandado
construir em honra ao Senhor dos Passos, e foi enterrado no dia seguinte no
cemitério conventual. Ao tentarem, as irmãs, levarem o corpo para a sepultura,
o esquife tornou-se tão pesado que não se movia do lugar. Ao se lembrarem do
pedido da madre de que fosse levada à sepultura pelas mãos das servas,
chamaram-nas para que levassem o corpo. Quando estas levantaram o esquife,
parecia não haver nele corpo algum, pois o mesmo estava leve como que quase sem
peso algum.
Inúmeros
foram os milagres narrados pelos seus devotos logo após sua morte. Sendo
crescente o número desses supostos milagres, o então arcebispo da Bahia tratou
de interrogar as religiosas do Desterro sobre a vida que teve a Madre Vitória.
Em 1720, apenas cinco anos após a sua morte, Dom Sebastião Monteiro da Vide
publicou em Roma a biografia da “santa da Bahia” com o título “História da Vida
e Morte da Madre Soror Victória da Encarnação”.
O zeloso
arcebispo jesuíta pretendia solicitar a abertura da sua causa de beatificação e
chegou a compará-la à Santa Rosa de Lima. Porém faleceu em 1722. Anos mais
tarde, com a perseguição do Marquês de Pombal aos Jesuítas e proibição de
muitos dos seus escritos no Brasil, diversos livros se perderam. Isso
dificultou a difusão da sua história. Mas a memória da Madre Vitória não se
apagou dentro do convento em que viveu, nem nas mentes daqueles que pela
tradição oral ou pelos poucos escritos que restaram, vieram a saber da sua vida
e fama de santidade. E muitos ainda esperam vê-la elevada à honra dos altares.
Seus restos mortais encontram-se na igreja do Convento de Santa Clara do Desterro e estão depositados acima de uma das portas que ligam o coro de baixo à nave da igreja.
Em busca da beatificação
Cinco anos
após o falecimento da Madre Vitória, devido sua fama de santidade e ao grande
número de curas milagrosas por sua intercessão, o então arcebispo da Bahia, o
jesuíta Dom Sebastião Monteiro da Vide, desejando torná-la conhecida e promover
sua causa de beatificação, publicou em Roma sua biografia com o título
“História da Vida e Morte da Madre Soror Vitória da Encarnação”.
Com a morte
de Dom Sebastião e as dificuldades de comunicação da época, assim como a
diversos outros problemas como a expulsão dos jesuítas do Brasil pelo Marquês
de Pombal e a perseguição às ordens religiosas que se seguiram nos anos
posteriores culminando com a extinção de alguns mosteiros, entre eles o das
clarissas da Bahia, a causa da Madre Vitória não seguiu adiante. Muitos
escritos de jesuítas foram proibidos de circular e a biografia da madre quase
desapareceu. Mas a tradição oral e a discreta devoção nutrida pelos fiéis que
frequentavam o convento do Desterro mantiveram viva a sua memória e 300 anos
após seu falecimento a Madre Vitória continua sendo lembrada como a primeira religiosa do Brasil com fama de
santidade.
Três séculos
se passaram e o interesse dos devotos na beatificação da Madre Vitória
resistiu. O Arcebispo de São Salvador da Bahia e Primaz do Brasil, Dom Murilo
Krieger, fez um pedido à Congregação para a Causa dos Santos de abertura
oficial da sua causa de beatificação. No dia 07 de julho de 2016, a Congregação
para a causa dos Santos emite o decreto ‘nihil obstat’ que autoriza a abertura
do processo de beatificação da Madre Vitória e dá a ela o título de Serva de
Deus. Enquanto isso seus devotos e admiradores permanecem em oração nos dias 19
de cada mês diante do seu túmulo, no Convento do Desterro, esperando que em
breve esta fiel filha de São Francisco e Santa Clara seja elevada às honras dos
altares.”
Todos os anos, O
Grupo de Amigos de Madre Vitória promove a celebração de uma Santa Missa no dia
19 de julho, para fazer memória à santa vida de Madre Vitória e para obter de
Deus a beatificação desta insigne e valorosa Freira, nossa conterrânea a fim de
que nos sirva de exemplo para crescermos, cada vez mais, no amor a Deus Nosso
Senhor.
Os textos acima
foram extraídos de:
·
SEBASTIÃO MONTEIRO DAVID. História da vida e morte da Madre
Sóror Victoria da Encarnação: Roma, 1710.
·
RODRIGUES, amelia. Uma Flor do Desterro: Niterói, 1924.
https://ambientesecostumes.wordpress.com/2020/03/15/tocha-acesa-do-divino-amor/
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