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terça-feira, 19 de julho de 2022

MADRE VICTÓRIA DA ENCARNAÇÃO, GRANDE DEVOTA DAS ALMAS DO PURGATÓRIO

 





 A 19 de julho, se celebra na Bahia a memória da Serva de Deus Victória da Encarnação, um freira que morreu em odor de santidade no Convento de Nossa Senhora do Desterro no início do século XVIII (1715).

Em 22 de maio de 1702, assumiu o cargo de Arcebispo da Bahia D. Sebastião Monteiro da Vide, insigne prelado português que trouxe para nossa pátria excelentes frutos para a formação moral e cultural de nosso povo. Foi ele responsável pela publicação da biografia de alguns místicos que se sobressaíam, como o ermitão de Bom Jesus da Lapa (a quem convenceu receber as ordens sacerdotais) e a freira reclusa do Convento do Desterro, Victória da Encarnação. Também foi de sua responsabilidade a publicação de um rigoroso levantamento das imagens milagrosas de Nossa Senhora que havia na Bahia. Procurou reformar o clero, moralizou a vida social e religiosa, dentre outras ações benéficas que legou.

Dom Sebastião Iniciara sua vida religiosa como jesuíta, mas abandonou-a, abraçando a carreira militar que também renunciou para estudar direito canônico. Ordenou-se sacerdote posteriormente. Além de Arcebispo da Bahia, Metropolitano no Estado do Brasil, do Conselho de sua Majestade, exercia também o cargo de  Governador-Geral. Sua principal obra foi “As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia”, promulgadas em 1707, importante documento que norteou não só sua ação pastoral mas a própria educação moral, religiosa e cultural do nosso povo “para o bom governo do Arcebispado, direção dos costumes, extirpação dos vícios e abusos, moderação dos crimes, e reta administração da justiça", e estiveram em vigor até o final do século XIX. Segue a seguir um resumo da vida daquela Serva de Deus.

 

Madre Victória da Encarnação

 “MADRE VITÓRIA DA ENCARNAÇÃO nasceu na cidade do Salvador, então capital do Brasil colonial, em 6 de março de 1661, sendo batizada no mesmo ano na antiga Sé da Bahia. Foram seus pais, Bartolomeu Nabo Correia e Luísa Bixarxe. Teve um irmão e três irmãs. Conforme escreveu Dom Sebastião Monteiro da Vide (1720), a casa desta família era um exemplo de lar cristão.

 Em 1675, quando Vitória estava com 14 anos, seu pai desejou enviá-la, juntamente com sua irmã mais velha, Maria da Conceição, para um convento nos Açores, em Portugal, porém a menina se recusou, dizendo que preferia que lhe cortassem a cabeça de que ser enviada para um convento.

 Em 1677, quando foi fundado o primeiro mosteiro feminino no Brasil, o Mosteiro de Santa Clara do Desterro da Bahia, Vitória, então com 16 anos de idade, ainda dava mostras de aversão à vida religiosa, preocupando seus pais com seu comportamento.”

 — A origem desta Fundação está num milagre realizado por Nossa Senhora do Desterro em favor de um cavaleiro que após sentar-se no passeio da frente de uma pequena ermida erigida em  uma região montanhosa de Salvador de então, em meio a uma floresta virgem, acordou apavorado pois se encontrava  fortemente enroscado por uma jiboia gigante prestes a ter seus ossos e suas carnes por ela esmagados, para ser em seguida engolidos pelo dantesco réptil, quando das profundezas do seu coração suplicou alto e em bom som: – “ Valei-me Nossa Senhora do Desterro!” –  “  Salvai-me Nossa Senhora do Desterro” e ainda por uma terceira vez: – “ Valei-me minha Nossa Senhora!” Como num passe de mágica,  conseguiu puxar com uma de suas mãos o punhal que se encontrava preso à sua cintura e desferiu um golpe certeiro num ponto vital da garganta do monstro rastejante, que imediatamente perdeu suas forças, estertorou e em seguida morreu, podendo o confiante devoto de Nossa Senhora desvencilhar-se de tão sinistro abraço, pôr-se de joelhos e agradecer à Mãe de Deus tão insigne favor Ato contínuo, conseguiu arrastar o seu troféu até o centro da nascente Cidade de Salvador, atraindo toda a população que exultante de alegria, agradecia a Nossa Senhora por tão significativo sucesso!

 O Terceiro Governador-Geral, Mem de Sá, acabava de chegar de uma viagem e muito se alegrou com o acontecido e foi com uma grande quantidade de pessoas até a abençoada ermida, na qual, em uma de suas toscas paredes foi colocada a pele da malfadada jiboia, e sobretudo muito se rezou e se agradeceu a proteção de Nossa Senhora.

  Por inspiração divina, Mem de Sá teve a feliz ideia de ali construir uma igreja e um convento para abrigar vocações religiosas femininas que abundavam em nossa Cidade, mas que para serem correspondidas demandavam uma perigosa viagem a Portugal, expostas a morrerem em naufrágios  ou a se tornarem escravas de cruéis piratas que infestavam a rota marítima que as levaria ao seu destino,  naqueles tempos. Embora não tivesse o nosso insigne Governador Geral visto a realização do seu intento, a igreja foi construída, em seguida o Convento, em honra de Santa Clara de Assis, o primeiro do Continente Americano! E  no ano de 13 de maio de 1669, o Papa  Clemente IX atendeu à solicitação do Arcebispo de então e autorizou a vinda de Freiras do Convento de Évora, para fundar a Ordem das Irmãs Clarissas em nossa Terra. E vai ser neste solo bendito que vicejará a sua mais bela Rosa, Madre Vitória da Encarnação, como veremos mais abaixo.

 No ano de 1686, num domingo pela manhã, em 29 de setembro, dia de São Miguel Arcanjo, Vitória foi acolhida no noviciado das monjas clarissas do Mosteiro do Desterro da Bahia e juntamente com ela, foi acolhida também a sua irmã, Maria da Conceição. Recebeu neste dia, o nome religioso de Vitória da Encarnação. No ano seguinte (1687), conforme seu desejo, fez profissão Solene em 21 de outubro, dia em que se celebrava na cidade de Salvador a festa das Onze Mil Virgens”

 Sua vida como religiosa

 “Mostrou-se grande em suas virtudes. Desapegada de tudo o que é mundano, quis fazer-se a menor de todas e aquela que servia a todas. Dotada de imensa caridade para com os mais desvalidos, desejou viver como uma escrava e adotou para si o estilo de vida das servas que viviam no mosteiro servindo as religiosas. Fazia suas refeições sentada no chão, como era costume entre os escravos da época, corria para fazer os trabalhos que ninguém queria, e por querer ser a menor de todas, foi diversas vezes ridicularizada e até mesmo agredida, levando uma bofetada de uma das servas a quem ela tanto servia e quis se fazer semelhante. Cuidava daquelas que adoeciam, levando-as para sua própria cela e de lá só saiam quando completamente curadas. Suportou diversas humilhações calada e com paciência, pois considerava-se digna de todas aquelas ofensas”.

 “Viveu inteiramente dedicada aos pobres, doentes e desamparados que procuravam o mosteiro em busca de socorro. Pela sua grande caridade recebeu dos pobres o apelido de “madre Esmoler. Quando exercia o cargo de porteira, grande quantidade de pessoas dirigia-se à portaria para pedir-lhe algum auxílio. Atendeu a todos quantos podia, e de dentro da clausura recomendava aos seus familiares que cuidassem daqueles pobres e doentes que ela não poderia socorrer, mas que vinha a saber que estavam necessitados. Doou em vida tudo o que possuía aos pobres, inclusive a cama na qual dormia, passando então a dormir no chão sobre uma esteira de palha. Por esse motivo, não morreu em sua própria cela. Quando estava prestes a falecer foi levada para a cela de outra monja pois suas coirmãs não quiseram deixá-la morrer no chão.

 Dotada de dons místicos, se transfigurava quando fazia a via-sacra, todas as sextas-feiras do ano. Um desses eventos foi testemunhado pelas outras religiosas quando participava de uma procissão do Senhor Bom Jesus dos Passos no corredor da clausura, e foi narrado por Dom Sebastião em seu livro. Conforme o mesmo escreveu, “brotavam nas faces duas rosas, com cuja púrpura avivando-se o desmaiado e penitente do rosto, arrebatava as atenções das que a viam, não podendo reprimir as lágrimas da devoção que lhes causava esta devota penitente.

 Tinha tanto desejo de imitar ao Divino Esposo em seus sofrimentos, que castigava-se com cilícios e disciplinas duríssimas, chegando a converter os pecadores que passavam pela via próxima ao convento e que ouviam o barulho daquelas chibatadas. Fazia rigorosos jejuns e quando comia algo que lhe agradava o paladar, misturava cinzas à comida para estragar o sabor”.

 “Em uma noite viu o Senhor a andar pelo corredor do mosteiro com sua pesada cruz às costas. Ao encontrá-lo, Ele disse-lhe: “Esposa minha, vem e segue meus passos”. Desde então começou a carregar uma grande cruz às costas durante as madrugadas das sextas-feiras. Foi a Madre Vitória a responsável pela difusão da devoção ao Senhor Bom Jesus dos Passos na cidade de Salvador e mandou construir dentro da clausura do mosteiro uma capela a Ele dedicada.

  “Amou tanto as almas do purgatório que sufragava-as diariamente com orações e oferecia-lhes todas as missas em seu favor. Conforme narrou seu biógrafo, muitas almas se mostraram a ela em seus sofrimentos no purgatório e também voltavam para agradecer-lhe pelas orações em seu favor, quando de lá saíam para o Céu, resplandecentes de luz”.

 “Tinha o dom da revelação e profecia. Era capaz de saber o local exato em que uma pessoa, tida por desaparecida, se encontrava, assim como de prever acontecimentos futuros. Chegou a descrever eventos que aconteceriam por ocasião e após sua morte. Tinha também a capacidade de encontrar objetos e animais desaparecidos. Passava maior parte da noite em vigília diante do Santíssimo Sacramento e por esse motivo foi chamada, pelo seu biógrafo o arcebispo da Bahia, de “tocha acesa no Divino Amor”.”

 

Tinha o dom da Profecia! Previa acontecimentos futuros!

 “Teve por companheiras mais próximas em seus exercícios penitenciais duas outras monjas, também biografadas por fama de santidade, a saber, Madre Maria da Soledade e Madre Margarida da Coluna. Era frequentemente tentada pelo demônio por meio de visões aterradoras e desses terríveis combates espirituais sempre saía vitoriosa. Alguns deles ocorreram quando estava junto a estas companheiras. Em um deles a Madre Maria da Soledade foi lançada de cima do coro para baixo sem sofrer muitos danos físicos.”

 Igreja do Desterro

 “Sentindo que se aproximava ou dia de sua morte fez diversas recomendações às suas irmãs. Uma delas foi o pedido de ser levada à sepultura pelas mãos das servas a quem ela tanto amava. Outro pedido feito foi o de não ser enterrada com o hábito que usava em vida, pois não queria levar para o túmulo nada que tivesse lhe pertencido neste mundo e pediu que cada uma das irmãs doasse a ela uma peça do hábito religioso com o qual ela seria enterrada.

 Após 29 anos de clausura e de total consagração de sua vida à Cristo e ao próximo, faleceu numa sexta-feira, às 15 horas, 19 de julho de 1715, acompanhada do padre e das irmãs que a assistiam. No momento de sua morte as religiosas disseram ter sentido uma maravilhosa fragrância de rosas a inundar as dependências do mosteiro. E durante o rito das exéquias um misterioso passarinho foi visto voando pelos corredores do mosteiro numa velocidade jamais vista para um pássaro comum. Os que ali se encontravam narraram este fato a que Dom Sebastião dissera ser “a alma da Madre Vitória voando para as mansões celestiais”.

 “Ao se espalhar a notícia de sua morte, uma grande multidão se aglomerou diante do convento. Logo toda a cidade ficou a saber, pois diziam ter morrido a “santa da Bahia”. Muitos levavam lenços, medalhas, terços e outros objetos e pediam que as religiosas os tocassem no corpo da “santa”. Esses objetos eram guardados por essas pessoas e eram tidos como verdadeiras relíquias. Como a quantidade de pessoas às portas do convento crescia cada vez mais durante aquela noite, e não paravam de chamar pelas religiosas para que tocassem seus objetos ao corpo da madre, se viram obrigadas a não mais saírem à portaria e não puderam atender mais a nenhum deles.

  “Seu corpo foi velado durante toda a noite na capela que a mesma havia mandado construir em honra ao Senhor dos Passos, e foi enterrado no dia seguinte no cemitério conventual. Ao tentarem, as irmãs, levarem o corpo para a sepultura, o esquife tornou-se tão pesado que não se movia do lugar. Ao se lembrarem do pedido da madre de que fosse levada à sepultura pelas mãos das servas, chamaram-nas para que levassem o corpo. Quando estas levantaram o esquife, parecia não haver nele corpo algum, pois o mesmo estava leve como que quase sem peso algum.

 Inúmeros foram os milagres narrados pelos seus devotos logo após sua morte. Sendo crescente o número desses supostos milagres, o então arcebispo da Bahia tratou de interrogar as religiosas do Desterro sobre a vida que teve a Madre Vitória. Em 1720, apenas cinco anos após a sua morte, Dom Sebastião Monteiro da Vide publicou em Roma a biografia da “santa da Bahia” com o título “História da Vida e Morte da Madre Soror Victória da Encarnação”.

 O zeloso arcebispo jesuíta pretendia solicitar a abertura da sua causa de beatificação e chegou a compará-la à Santa Rosa de Lima. Porém faleceu em 1722. Anos mais tarde, com a perseguição do Marquês de Pombal aos Jesuítas e proibição de muitos dos seus escritos no Brasil, diversos livros se perderam. Isso dificultou a difusão da sua história. Mas a memória da Madre Vitória não se apagou dentro do convento em que viveu, nem nas mentes daqueles que pela tradição oral ou pelos poucos escritos que restaram, vieram a saber da sua vida e fama de santidade. E muitos ainda esperam vê-la elevada à honra dos altares.

 Seus restos mortais encontram-se na igreja do Convento de Santa Clara do Desterro e estão depositados acima de uma das portas que ligam o coro de baixo à nave da igreja. 

Em busca da beatificação

 Cinco anos após o falecimento da Madre Vitória, devido sua fama de santidade e ao grande número de curas milagrosas por sua intercessão, o então arcebispo da Bahia, o jesuíta Dom Sebastião Monteiro da Vide, desejando torná-la conhecida e promover sua causa de beatificação, publicou em Roma sua biografia com o título “História da Vida e Morte da Madre Soror Vitória da Encarnação”.

 Com a morte de Dom Sebastião e as dificuldades de comunicação da época, assim como a diversos outros problemas como a expulsão dos jesuítas do Brasil pelo Marquês de Pombal e a perseguição às ordens religiosas que se seguiram nos anos posteriores culminando com a extinção de alguns mosteiros, entre eles o das clarissas da Bahia, a causa da Madre Vitória não seguiu adiante. Muitos escritos de jesuítas foram proibidos de circular e a biografia da madre quase desapareceu. Mas a tradição oral e a discreta devoção nutrida pelos fiéis que frequentavam o convento do Desterro mantiveram viva a sua memória e 300 anos após seu falecimento a Madre Vitória continua sendo lembrada como a primeira religiosa do Brasil com fama de santidade.

 Três séculos se passaram e o interesse dos devotos na beatificação da Madre Vitória resistiu. O Arcebispo de São Salvador da Bahia e Primaz do Brasil, Dom Murilo Krieger, fez um pedido à Congregação para a Causa dos Santos de abertura oficial da sua causa de beatificação. No dia 07 de julho de 2016, a Congregação para a causa dos Santos emite o decreto ‘nihil obstat’ que autoriza a abertura do processo de beatificação da Madre Vitória e dá a ela o título de Serva de Deus. Enquanto isso seus devotos e admiradores permanecem em oração nos dias 19 de cada mês diante do seu túmulo, no Convento do Desterro, esperando que em breve esta fiel filha de São Francisco e Santa Clara seja elevada às honras dos altares.”

Todos os anos, O Grupo de Amigos de Madre Vitória promove a celebração de uma Santa Missa no dia 19 de julho, para fazer memória à santa vida de Madre Vitória e para obter de Deus a beatificação desta insigne e valorosa Freira, nossa conterrânea a fim de que nos sirva de exemplo para crescermos, cada vez mais, no amor a Deus Nosso Senhor.

Os textos acima foram extraídos de:

·                     SEBASTIÃO MONTEIRO DAVID. História da vida e morte da Madre Sóror Victoria da Encarnação: Roma, 1710.

·                     RODRIGUES, amelia. Uma Flor do Desterro: Niterói, 1924.

https://ambientesecostumes.wordpress.com/2020/03/15/tocha-acesa-do-divino-amor/

 

 

 


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