A “questão”
do sacerdócio feminino é resumida, mais ou menos, por esta declaração do
cardeal progressista E. Schillebeeckx, O. P.: “A exclusão das mulheres do
ministério [sacerdotal] é uma questão puramente cultural que hoje não tem
sentido. Por que as mulheres não podem presidir a eucaristia? Por que não podem
ser ordenadas? Não há argumentos para se opor ao sacerdódio das mulheres... Neste sentido, estou contente com a decisão
[da igreja anglicana] de conferir o sacerdócio também às mulheres, e, em minha
opinião, trata-se de uma grande abertura para o ecumenismo, mais que um
obstáculo, porque muitos católicos caminham na mesma direção” [1]
O tema foi
estudado e esclarecido formalmente pela Igreja, que publicou os seguintes
documentos: “Instrução da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, “Inter
Insigniores”, “A questão da admissão de
mulheres ao sacerdote ministerial” (15 de outubro de 1976) e a “Carta
Apostólica de João Paulo II”, de 22 de maio de 1994, à qual acrescentou o
Cardeal Ratzinger: “Resposta à dúvida sobre a doutrina da Carta Aapostólica Ordinatio Sacerdotalis”, de 28 de
outtubro de 1995.
Qual a
principal razão da Igreja não admitir a mulher no sacerdócio? Existem duas fortes razões: a da Tradição e a
da Teologia. De conformidade com a
Tradição, tanto Nosso Senhor Jesus Cristo quanto os Apóstolos quiseram preservar
o antigo costume de escolher somente homens para o sacerdócio. Neste sentido, verifica-se que houve uma
explícita vontade divina, tornada evidente pelos fatos narrados nos Evangelhos
e nos Atos dos Apóstolos. Objeta-se costumeiramente que Nosso Senhor não escolheu
mulher entre os doze Apóstolos para conformar-se com os costumes judaicos de
seu tempo. No entanto, os fatos demonstram claramente que Ele rompia
ordinariamente com os costumes judaicos quando se tratava de temas candentes,
como, por exemplo o da mulher: conversa publicamente com a samaritana (Jo 4,
7-26), não leva em conta a impureza da hemorroíssa (Mt 9, 20-22), permite que
uma pecadora pública (Santa Madalena) aproxime-se d’Ele, beije seus pés e
derrama nele perfumes (Lc 7, 36-49), perdoa a adúltera que iria ser apedrejada
(Jo 8, 11), não temendo, sequer, ser tido como desrespeitador da lei de
Moisés.
Perante tão
grande liberdade que manifestava com relação aos costumes de seu povo, muitos
deles censurados publicamente por Jesus, que dificuldade teria Ele em chamar
algumas mulheres para juntar-se ao grupo dos doze Apóstolos? Pior do que isto
foi perdoar a adúltera, receber Madadela, conversar com a samaritana, expulsar
os vendilhões do Templo com um chicote. Se Ele tivesse a mesma opinião dos
progressistas, isto é, que isto é uma “questão cultural”, como Deus que era,
além de homem, seria fácil superar esta “questão”.
Vê-se o mesmo
com relação aos Apóstolos no início da Igreja: embora tendo entre eles a
própria Mãe de Jesus Cristo, que como tal poderia ocupar lugar de destaque na
Hierarquia da Igreja, quem sabe até o cargo de São Pedro, no entanto nunca foi
chamada, ou sequer lembrada, para as funções sacerdotais. Quando foram
preencher o lugar deixado por Judas, aí tinha surgido a oportunidade de introduzir
a primeira mulher entre eles; no entanto, o que fizeram? Submeteram à votação
os nomes de dois homens para que um deles fosse o escolhido. Questão cultural
também? Mas, como, se eles encontravam-se escondidos no Cenáculo, com medo dos
judeus, numa reunião íntima e sem que o povo soubesse de nada?
Se os
Apóstolos tivessem permanecido sempre entre os judeus, poderia se colocar a
questão cultural. Mas não foi assim,
pois logo tiveram que emigrar para o meio de diversos povos, dentre os quais o
paganismo permitia “culturalmente” que mulheres fossem sacerdotizas em seus
templos religiosos. Oportunidades não
faltaram para as mulheres serem ordenadas. São Paulo narra os casos de diversas
mulheres que foram suas excelentes colaboradoras. Cita-as nominalmente, como
Prisca, Maria, Júnia, Trifena, Trifosa, Perside, Hermas, Patrobas e Olímpia,
todas elas chamadas de cooperadoras (Rom 16, 3-15). Lídia foi também uma grande
amiga e colaboradora do Apóstolo. No
Atos dos Apóstolos, São Lucas também fala delas, como Priscila (At 18, 26) ou
as “santas mulheres” (At 1, 14).
No início da
Igreja, algumas seitas gnósticas e heréticas quiseram que a Igreja admitisse
mulheres no sacerdócio, mas a idéia foi prontamente recusada pelos Padres
daqueles tempos, dando prosseguimento não só à Tradição como também a um
princípio teológico baseado na vontade de Cristo.
O outro
argumento que se soma ao da Tradição é o da fundamentação teológica, baseada na
expressa vontade divina. O ministério
sacerdotal é sinal sacramental de Cristo Sacerdote e Vítima. Os sinais
sacramentais não são meramente convencionais, são símbolos naturais que
representam ou significam por uma natureza semelhante. Desta forma, o pão e o
vinho para a Eucaristia são sinais adequados por representar o alimento fundamental
dos homens, a água para o Batismo por
ser o meio natural de se limpar, lavar, etc. Isto vale não só para as coisas
mas também para as pessoas. Portanto, se nos sacramentos é necessário que se
expresse um sinal de Cristo, o mesmo
pode-se dizer do sacerdócio, por ser Ele o supremo Sacerdote; o ministério afim
somente pode ser exercido com uma pessoa da mesma natureza. A Encarnação do
Verbo fez-se numa pessoa do sexo masculino, e isto é uma questão de fato que
tem relação com toda a Teologia.
Os progressistas
também refutam que, ao encarnar-se, Cristo não representa com sua masculinidade
o varão mas sim a humanidade. Desta forma, não é o varão que representa
adequadamente Cristo no sacerdócio, mas toda a humanidade, incluindo as mulheres. Ora, os sinais sacramentais têm que guardar
os sinais adequados, isto é, devem ser o mais específico possível. Se a
Eucaristia só é válida sob a forma do pão e do vinho, como então colocar-se
outros alimentos em seu lugar sob o pretexto de que o trigo e a uva os compõem?
Com relação ao sacerdócio, somente o homem possui em sua essência e natureza um
sinal adequado ao de Cristo Sacerdote.
A palavra final da
Igreja
A fim de dar uma palavra final sobre o
assunto, também tratado por Paulo VI através da Declaração “Inter
Insigniores” , em 15.10.1976, o Papa João Paulo II publicou uma Carta
Apostólica, sob o título de “Ordinatio Sacerdotalis”, cujo teor
reproduzimos abaixo:
“1.
A ordenação sacerdotal, pela qual se transmite a missão,
que Cristo confiou aos seus Apóstolos, de ensinar, santificar e governar os
fiéis, foi na Igreja Católica, desde o inicio e sempre, exclusivamente
reservada aos homens. Esta tradição foi fielmente mantida também pelas Igrejas
Orientais.
“
Quando surgiu a questão da ordenação
das mulheres na Comunhão Anglicana, o Sumo Pontífice Paulo VI, em nome da sua
fidelidade ao encargo de salvaguardar a Tradição apostólica, e também com o
objetivo de remover um novo obstáculo criado no caminho para a unidade dos
cristãos, teve o cuidado de recordar aos irmãos anglicanos qual era a posição
da Igreja Católica: “Ela defende que não é admissível ordenar mulheres para o
sacerdócio, por razões verdadeiramente fundamentais. Estas razões compreendem:
o exemplo – registrado na Sagrada Escritura – de Cristo, que escolheu os seus
Apóstolos só de entre os homens; a prática constante da Igreja, que imitou
Cristo ao escolher só homens; e o seu magistério vivo, o qual coerentemente
estabeleceu que a exclusão das mulheres do sacerdócio está em harmonia com o
plano de Deus para a sua Igreja”[2]
Mas, dado que também entre teólogos e
em certos ambientes católicos o problema fora posto em discussão, Paulo VI deu
à Congregação para a Doutrina da Fé mandato de expor e ilustrar a este
propósito a doutrina da Igreja. Isso mesmo foi realizado pela Declaração “Inter
Insigniores”, que o mesmo Sumo Pontífice aprovou e ordenou publicar.
Na Carta Apostólica “Mulieris
dignitatem”, eu mesmo escrevi a este respeito: “Chamando só os homens como seus
apóstolos, Cristo agiu de maneira totalmente livre e soberana. Fez isto com a
mesma liberdade com que, em todo o seu colmportamento, pôs em destaque a
dignidade e a vocação da mulher, sem se conformar ao costume dominante e à
tradição sancionada também pela legislação do tempo”.
De fato, os Evangelhos e os Atos dos
Apóstolos atestam que este chamamento foi feito segundo o eterno desígnio de
Deus: Cristo escolheu os que Ele quis (cfrs. Mc 3,13-14; Jo 15, 16; ) e fê-lo
em união com o Pai, “pelo Espírito Santo”
(At 1,2), depois de passar a noite em oração (Lc 6, 12). Portanto, na
admissão ao sacerdócio ministerial, a Igreja sempre reconheceu como norma
perene o modo de agir do seu Senhor na escolha dos doze homens que Ele colocou
como fundamento da sua Igreja (Ap 21, 14). O mesmo fizeram os Apóstolos, quando
escolheram os seus colaboradores que lhes sucederiam no ministério. Nessa escolha, estavam incluídos também
aqueles que, ao longo da história da Igreja, haveriam de prosseguir a missão
dos Apóstolos de representar Cristo Senhor e Redentor.
3. De resto, o fato de Maria
Santíssima, Mãe de Deus e Mãe da Igreja, não ter recebido a missão própria dos
Apóstolos nem o sacerdócio ministerial, mostra claramente que a não admissão de
mulheres à ordenação sacerdotal não pode significar uma sua menor dignidade nem
uma discriminação a seu respeito, mas a observância fiel de uma disposição que se
deve atribuir à sabedoria do Senhor do universo.
A presença e o papel da mulher na vida
e na missão da Igreja, mesmo não estando ligados ao sacerdócio ministerial,
permanecem, no entanto, absolutamente necessários e insubstituíveis. Como foi
sublinhado pela mesma Declaração “Inter Insigniores”, “a Santa Madre Igreja auspicia que as
mulheres cristãs tomem plena consciência da grandeza de sua missão: o seu papel
será de capital importância nos dias de hoje, tanto para o renovamento e
humanização da sociedade, quanto para a redescoberta, entre os fiéis, da
verdadeira face da Igreja”. Os Livros do Novo Testamento e toda a história da
Igreja mostram amplamente a presença na Igreja de mulheres, verdadeiras
discípulas e testemunhas de Cristo na família e na profissão civil, para além
da total consagração ao serviço de Deus e do Evangelho. “A Igreja defendendo a dignidade da mulher e
a sua vocação, expressou honra e gratidão por aquelas que – fiéis ao Evangelho
– em todo o tempo participaram na missão apostólica de todo o Povo de
Deus. Trata-se de santas mártires, de
virgens, de mães de família, que corajosamente deram testemunho da sua fé e,
educando os próprios filhos no espírito do Evangelho, transmitiram a mesma fé e
a tradição da Igreja”.
Por outro lado, é à santidade dos fiéis
que está totalmente ordenada a estrutura hierárquica da Igreja. Por isso, lembra a Declaração “Inter
Insigniores”, ‘o único carisma superior, a que se pode e deve aspirar, é a
caridade (I Cor 12-13). Os maiores no Reino dos céus não são os ministros, mas
os santos”.
4. Embora a doutrina sobre a ordenação
sacerdotal que deve reservar-se somente aos homens, se mantenha na Tradição
constante e universal da Igreja e seja firmemente ensinada pelo Magistério nos
documentos mais recentes, todavia atualmente em diversos lugares continua-se a
retê-la como discutível, ou atribuindo-se um valor meramente disciplinar à
decisão da Igreja de não admitir as mulheres à ordenação sacerdotal.
Portanto, para que seja excluída
qualquer dúvida em assunto da máxima importância, que pertence á própria
constituição divina da Igreja, em virtude do meu ministério de confirmar os
irmãos (Lc 22, 32), declaro que a Igreja não tem absolutamente a faculdade de
conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que esta sentença deve ser
considerada como definitiva por todos os fiéis da Igreja.
Invocando sobre vós, veneráveis irmãos,
e sobre todo o povo cristão, a constante Judá divina, concedo a todos a Bênção
Apostólica.
Vaticano, 22 de maio, Solenidade de
Pentecostes, do ano de 1994, décimo sexto de Pontificado”.
[1]
“Soy un
teólogo feliz”: Entrevista c/ F. Strazzati, Sociedad de Educación Atenas,
Madrid 1994, pp. 117-118
[2] Carta ao Arcebispo de Cantuária,
datada de 30.11.75.
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