RELAÇÃO COM A CONSAGRAÇÃO A NOSSA SENHORA
SEGUNDO SÃO LUÍS GRIGNION DE MONTFORT
(Pergunta: Nós do grupo “Regina Cordium”
tivemos um simpósio na sede “Acies Ordinata” onde nos foi mostrada a vocação da
TFP. O nosso grupo se prepara para fazer a consagração a Nossa Senhora,
segundo o método de São Luis Grignion de Montfort. Então, pedimos que o Sr. nos
mostre a relação que há entre a vocação da TFP e o “Tratado da Verdadeira
Devoção” de São Luis Grignion.)
Está muito bem escolhido o tema.
A nossa vocação propriamente qual é?
Este é o primeiro ponto. Depois, a relação que ela tem com Nossa Senhora.
A TFP tem uma vocação especial baseada
num ponto de História.
Há duas sociedades perfeitas vivendo
juntas, a bem dizer uma na outra, a segunda na primeira: a Igreja e o Estado.
Por exemplo, podemos dizer: a Igreja vive no Brasil. É verdade. Ela não vive só
no Brasil, mas também vive no Brasil. Graças a Deus este juízo é verdadeiro.
E se se disser: “O Brasil vive na
Igreja”? A Santa Igreja Católica Apostólica Romana é imensamente mais ampla, em
todos os sentidos da palavra, do que o Brasil. Todavia, o nosso País é uma
nação que vive dentro da Igreja Católica, porque a grande maioria de seus
membros fazem parte d'Ela. É mesmo a nação de maior população católica da
Terra. Desta forma, a primeira vive na segunda, e a segunda vive dentro da
primeira.
Fisicamente, não se pode compreender...
Esta água está contida neste copo, mas este não está presente dentro da água.
Espiritual e temporalmente falando, no caso citado em primeiro lugar (o Brasil
está contido na Igreja e a Igreja vive no Brasil), a sentença é verdadeira.
Uma vez que esta nação e a Igreja
Católica estão tão ligadas, é forçoso que esse embricamento se defina em termos
de convívio: a Igreja convive com o Brasil; o Brasil convive com a Igreja.
Tudo aquilo que convive se co-influencia.
Um ser vivo junto de outro ser vivo influenciam-se.
A
influência recíproca inevitável: parábola do beluchistanês
Imaginem
um fato inteiramente anormal, mas que, afinal, pode ocorrer.
Num aeroporto, o tempo está ruim. Os
passageiros não estão com vontade de viajar naquelas condições meteorológicas e
o comandante do avião comunica que entre eles, passageiros daquele voo, há um
personagem muito importante, o qual necessita viajar imediatamente; os que
quiserem arriscar-se, podem embarcar e o avião decolará logo.
Verifica-se que a pessoa mencionada pelo
comandante é o embaixador do Beluchistão no Brasil. Depois de alguns momentos,
dirige-se ao guichê de embarque um brasileiro que - sabe-se - não vai para o
Beluchistão, mas sim para uma ilha do Pacífico. Lá, o avião fará escala e o
embaixador rumará até o seu destino.
Os dois passageiros olham-se com
fisionomias meio arrevesadas: "Quem será esse homem do Beluchistão com quem
vou viajar? Onde fica tal país? Que negócios terá? Em que encrenca vou me
meter, num avião que irá corcoveando por ares pouco conhecidos? Pode haver de
tudo!"
O beluchistanês, um diplomata – um pouco
mais habituado a dominar-se – olha de soslaio para o seu companheiro de viagem,
e acha que é necessário trocar um cumprimento. O brasileiro mostra-se um tanto
ou quanto assustado. E sentam-se em pontos extremos do avião. Até a hora deste
último descer na ilha do Pacífico, os dois estarão dentro do avião.
Quando o avião fizer escala na ilha, o
brasileiro descerá, a porta será batida atrás dele, e os dois viajantes nunca
mais se verão. O brasileiro nunca mais pensará no Beluchistão; o beluchistanês
irá com a sua cabeça cheia de seus próprios negócios, e não pensará mais
naquele brasileiro. Um fato ficou consumado: apenas dormiram uma noite naquele
avião, cada um numa ponta; não trocaram uma palavra, não se olharam mais.
Vamos dizer que estejam ambos acordados,
quando raia a manhã. Ouve-se um blim-blim! nos alto-falantes de bordo, e uma
voz diz: "Bom dia, senhores passageiros... São 7 horas da manhã.
Sobrevoamos o Oceano Pacífico. Estamos a 10 mil metros de altitude! Daqui a
pouco passaremos ao largo do famoso quadrilátero das voragens. Qualquer aeronave
que nele penetre, fica sujeita a um rodopio e ser deglutida pelo mar. Tenhamos
alegria, porque a alegria evita as desgraças – nada de oração. Façamos cara de
contentes! Vamos ouvir a última música do conjunto tal..." E se desata uma
canção imbecil pelo avião...
Durante todo o tempo da viagem, sem se
aperceberem disso, um passageiro influenciou o outro. Por que? Porque o
convívio influencia. De um modo ou de outro influencia, ainda que seja pela
reação. Ao encontrar um tipo muito esquisito, no avião, embora não trocando uma
palavra com ele, um pensa: "Mas que tipo arrevesado este"... E o
outro pensará o mesmo do primeiro. Assim, vão-se elaborando antipatias ou
simpatias recíprocas, que serão a marca que o convívio deixará nos viajantes.
Influência recíproca Igreja-Estado
Logo, a Igreja, cumprindo a Sua divina
missão, influencia a sociedade civil. Não se pode negar isso. Também é verdade
que a sociedade civil, cumprindo a sua missão natural, por ricochete,
influencia a Igreja. É próprio à sociedade civil, no plano terreno (portanto
mais baixo), proporcionar por exemplo cultura, instrução, um linguajar próprio,
um modo de ser aos que habitam em um país. Tanto é assim que cada país tem uma
linguagem própria, um feitio psicológico peculiar que lhe é comunicado pela
sociedade civil.
As pessoas embebidas dessas
circunstâncias, comunicadas pela sociedade civil, viverão de um certo modo que,
em si, pode ou não ter algo de bom: é neutro. A Igreja vai alterar esse modo de
ser? Não. Ela aceita tal como está, mas instila nesse modo de ser a graça
de Deus.
Para falar em termos brasileiros:
considerem um nordestino loquaz. Ou um mineiro sagaz que acha que
conversa com mais de dois é comício: é preciso falar pouco porque – de repente
– sai o que não se quer; ao falar, mais vale fazê-lo no ouvido outro, porque
quem sabe um outro escuta a conversa... Ou então um paulista, com jeito
de superioridade e de organizar a vida com uma certa grandeza. Ou um carioca
cheio de charme, graça, amável etc. E daí em diante... Podem ir até o Rio
Grande do Sul com seus heroicos cavaleiros dos pampas. Cada um tem um modo de
ser que é próprio. Isto não tem nada de mau ou de bom, em si. A influência da
Igreja se exerce sobre aquele local, indivíduo, ou conjunto de indivíduos que
constituem um Estado, para que aquele modo de ser seja bem exercido, de acordo
com os Mandamentos da Lei de Deus, da Igreja e da moral católica etc. A Igreja
pega o fato consumado e torneia-o assim.
O lazer. Quantos povos têm lazeres diferentes!
Não vou entrar aqui em pormenores também. Lembro-me de um povo que é tão
silencioso que lhe apraz, aos Domingos, trancar-se no quarto com uma garrafa de
uma bebida alcoólica qualquer, beber e dormir. Não garanto que seja sempre
conforme a virtude da temperança, e que não entre o pecado da gula pelo meio...
Enfim... Beber e dormir, sem ter amolação com ninguém, porque o que se gosta é
ficar quieto.
Não é o feitio do brasileiro. Se alguém
lhe for propor ficar o domingo no quarto deitado, com ou sem garrafa, ele não
gosta. Precisa de conversar...
Poderíamos dar exemplos sem conta. Mas
tanto o brasileiro quanto o da tal nação silenciosa – assim como outros povos –
entram na Igreja. O conjunto dos povos, num certo sentido da palavra,
influenciam a Igreja. Ou seja, Ela vai dizer e ensinar como uma boa mãe. E
sendo Ela continuamente uma boa mãe, adapta o seu modo de tratar de
acordo com cada filho. Assim faz a Igreja com cada nação.
Então, a sociedade civil exerce sua
influência também sobre a Igreja. São influências exercidas de maneiras
diferentes, de naturezas diversas, mas são exercidas.
No passado, antes da Idade Média em
geral, as lutas contra a Igreja – heresias, cismas e perseguições – partiam de
uma reação da sociedade civil, que não queria aceitar a Igreja como era; ou
partiam de uma luta, dentro da Igreja, de gente que não desejava sair d'Ela,
mas pretendia professar uma doutrina diferente, sobretudo praticar uma moral
relaxada, quando a Moral da Igreja é ilibada, perfeita e não comporta nenhuma
espécie de relaxamento.
A crise
atual na Igreja
Na
crise contemporânea, como nós estamos? A
crise começou na sociedade civil e desta última penetrou na Igreja? Ou foi o
contrário? Foram hereges e cismáticos, dentro d'Ela, que
influenciaram a sociedade civil?
A resposta é a seguinte: no caso
da sociedade contemporânea, a crise veio da sociedade civil e entrou na Igreja,
porque não encontrou da parte dos católicos, que deveriam ter resistido, a
reação necessária. Não encontrou vigilância, de maneira que os erros se
expandiram dentro d'Ela, sem que muitos percebessem que estavam entrando... Nem
percebiam claramente que eram erros. Assim se espalhou. Depois, quando foram
reagir, já era tarde. Aí estralou uma heresia e uma revolução.
No caso concreto, a crise atual da
Igreja, como a crise das três Revoluções – da qual a crise contemporânea na Igreja é uma parte ou uma ramificação delas
– nasceram com o Humanismo, a
Renascença e todas elas são oriundas da sociedade civil. Tais
erros contaminaram a Igreja, donde brotou o Protestantismo, que é um erro
religioso. E daí todo o resto emanou.
Aliás, o livro Como ruiu a
cristandade medieval?[1]
é muito documentado. Vale a pena os senhores o lerem. Fica provado que
houve um começo de erro na sociedade civil, de onde proveio a desordem.
Nossa
vocação consiste em agir no foco de onde partiu o erro
Nossa vocação
qual é? É agir no foco de onde partiu o erro. Ou seja ficar na sociedade civil
e, dentro dela, enfrentar a fera onde estiver. Outros têm uma vocação mais
elevada do que a nossa, como – por exemplo – o clero. Porém, nossa
vocação é de agir dentro da sociedade civil, e aí combater os seus erros, para
evitar que eles – uma vez mais – pulem para dentro da Igreja. Fica aqui uma primeira noção.
Agora entra uma segunda noção: o Reino
de Cristo e o Reino de Maria no mundo o que são?
O Reino de Cristo e o de Maria são um só
e mesmo Reino, quer dizer, onde Cristo é Rei, Nossa Senhora é Rainha.
Reciprocamente, onde Nossa Senhora é Rainha, Nosso Senhor Jesus Cristo é Rei.
São dois aspectos de uma situação.
O que significa na sociedade civil esse
Reino? E na Igreja? A Igreja é muito mais forte e ricamente o Reino de Cristo e
de Maria, do que a sociedade civil, porque Ela não está condicionada a certas
circunstâncias que há na primeira. A sociedade civil tem problemas econômicos,
sociais e de toda a ordem dos quais é preciso cuidar, que tomam o tempo,
atravancam e caceteiam. A Igreja, normalmente, tem todas as condições para estar
organizada segundo a vontade de Deus. Quando a Igreja se encontra no fervor em
que deve estar, Ela é – no sentido pleno da palavra – o Reino de Cristo e de
Maria.
Trata-se de um reino espiritual, pois
Nosso Senhor Jesus Cristo não foi um Rei temporal. Ele descendia dos reis de
Israel, mas não foi Rei temporal. Quando Pilatos Lhe perguntou: "Tu és
rei?" Ele respondeu que era Rei, mas não deste mundo. É o Rei espiritual
que dirige, encaminha e governa as almas, e quer receber a adoração, a obediência
e a homenagem das almas. A relação d'Ele com os homens é toda ela espiritual.
Na sociedade temporal – no Estado –, Ele
não tem nenhuma forma de reinado? Um Estado também não se pode dizer Reino de
Cristo? Não pode dizer-se também Reino de Maria?
A
consagração de Estados
Por exemplo, vários Estados têm-se
consagrado ao Sagrado Coração de Jesus. O Rei Afonso XIII, de Espanha, no Cerro
de Los Angeles, também aclamou a nação espanhola como reino de Cristo. Em
Portugal, o primeiro rei da dinastia dos Braganças consagrou a Nossa Senhora o
reino de Portugal, constituindo-A sua Rainha. A coroa dos reis de Portugal
nunca mais foi usada em Lisboa, e está depositada, desde 1640, aos pés da
imagem de Nossa Senhora, em Vila Viçosa, para atestar ou certificar que Nossa
Senhora é a Detentora do poder – a coroa é o símbolo do poder – em Portugal.
O que significa Nossa Senhora
Rainha de Portugal? Nosso Senhor Jesus Cristo Rei da Colômbia? Do Equador? O
que significa concretamente? Quer dizer o seguinte:
1) a grande maioria dos membros dessa
nação são católicos; 2) conhecem a Lei de Deus, a Lei da Igreja, a Moral
católica e obedecem aos conselhos evangélicos, na medida em que toca a cada
cidadão etc., de tal maneira que, pela obediência à voz da Igreja, pela
obediência aos Seus ensinamentos, essa nação torna-se Reino de Jesus Cristo.
Por que? Porque é Rei aquele cuja vontade é reconhecida como sendo de direito e
de fato, a vontade à qual todos têm que se sujeitar. Esse é um Rei!
Nosso Senhor Jesus Cristo reconhecido
como sendo o Homem-Deus, Nossa Senhora como sendo a Virgem-Mãe de Deus, todos
os homens devem obedecer à vontade d’Eles. Quando todos os homens obedecem à
vontade d’Eles, ali está uma terra que se chama Reino de Cristo ou Reino de
Maria.
Nossa
vocação é trabalhar na sociedade civil para que as almas não amoleçam
Qual é a nossa
vocação? É trabalhar dentro da sociedade civil para fazer com que não amoleçam
dentro dela as resistências à vontade e ao ensinamento da Santa Igreja, para
que cresça a apetência, a admiração por aquilo que Ela manda; que haja uma
vontade ardente de que todas as coisas sejam conformes o espírito da Igreja. Ou
seja, para a implantação do Reino de Cristo e de Maria naquela sociedade civil.
O que vem a ser, nisto, uma consagração?
Entro aqui no tema que me foi pedido.
A consagração é o ato pelo qual uma
pessoa (reconhecendo que Nosso Senhor Jesus Cristo é quem Ele é, reconhecendo
que Nossa Senhora é quem Ela é) toma a seguinte atitude: dá-se-Lhe por inteiro,
e torna-O inteiramente Senhor de quanto essa nação tem, e de tudo quanto essa
nação é. Assim dá-se um passo a mais, do que a simples condição de uma pessoa.
Dou um outro exemplo: imaginem uma
pessoa que foi batizada. Ela é membro da Igreja Católica Apostólica Romana.
Contudo, não fez uma especial consagração, depois de adulta, de sua pessoa e do
que ela tem a Nosso Senhor. Se ela fizesse a consagração, tudo o que ela tem
oferece a Nosso Senhor, para que Ele disponha como quiser. Está disposta a
aceitar de Nosso Senhor o que Ele quiser dela. Em compensação, Ele a toma
debaixo de uma proteção especial, concede-lhe graças especiais e, por assim
dizer, tudo quanto Ele tem fica da pessoa consagrada. É uma permuta de dons:
nós ficamos pertencentes inteiramente a Ele; mas em um certo sentido da palavra,
Ele fica pertencente a nós. Esta é a consagração.
Relação
entre a Consagração a Nossa Senhora e a vocação da TFP
Então, que relação há entre essa
consagração e nossa vocação?
É extremamente árduo derrubar a
Revolução gnóstica e igualitária. Os senhores estão vendo o seu poder, notam
como é esmagador e como vai – de um modo ou de outro – avançando. Os senhores veem
como somos poucos numerosos em comparação com a Revolução. E, sobretudo, como
não temos os meios que ela tem para dominar.
Temos uma tarefa enorme a realizar:
trabalhar para que as mentalidades manuseadas pela Revolução digam “não” cada
vez que ela diz “sim”. E cada vez que a Revolução diga “não”, elas digam “sim”.
Devemos querer fazer o contrário da Revolução.
A nossa vida e luta são duras. Todos nós
somos convidados continuamente pela Revolução a trair Nosso Senhor, Nossa
Senhora e a Igreja, e a abraçar a vida mole.
O Canon da Missa tem um trecho que trata
dos ímpios, ao dizer: "in quorum manibus iniquitates sunt dextera eorum
repleta est muneribus – eles têm a infâmia nas mãos, a direita deles está cheia
de subornos (Salmos 25, 10).
Toda pessoa tem maus momentos,
dificuldades, crises em que pode tender a trair. Então, a primeira dificuldade de nosso caminho é a perseverança.
Mas não basta
a perseverança, temos que nos santificar.
Quer dizer, devemos visar a perfeição moral, pela qual fiquemos, nesta batalha
dos espíritos, das almas – as boas contra as más – gigantes. E para o
alcançarmos não há outro meio senão cada vez mais ter piedade, devoção, ser
exímio no amor de Deus, no amor a Nossa Senhora, à Santa Igreja Católica
Apostólica Romana, etc.
A primeira etapa de nosso combate espiritual não é o enfrentamento com os defeitos alheios, mas calcar aos pés os nossos defeitos e
melhorarmos a nós mesmos. Nosso Senhor
é um Deus onipotente, de uma misericórdia infinita. À Sua Mãe constituiu-A como
advogada junto a Si.
Imaginem um juiz que tem um réu que
precisa de uma advogado. O juiz diz: "Bem, vou indicar para advogar esta
causa a minha mãe"... É sinal de que o réu já tem o coração do juiz ganho
a seu favor. Antes de julgar, ao indicar o advogado, ele já capitulou. Ele não
capitula diante da injustiça, não irá absolver um homem impenitente, que não
quer abandonar o seu pecado. Mas dará todas as graças necessárias para
que a pessoa abandone o pecado e se santifique. É por esta forma que se
estabelece o vínculo entre o consagrado e Aquele a quem se consagrou.
Alguém se consagra a Nosso Senhor. Nosso
Senhor diz: "Minha Mãe, Vós sois advogada dele". Ela dirá: "Meu
Filho, muito bem. Mas, sem Vossas graças, o que poderei? Dai-lhe tais graças,
tais outras e outras..." As mães são assim...! Eu me lembro da minha: era
afetuosamente insaciável de graças para si mesma, pois a primeira obrigação de
cada um é para com a sua própria santificação. Em seguida, para com os dela: o
esposo, o filho, a filha e os demais parentes. Depois, para todo o mundo. A mãe
terrena é um exemplo do que é Nossa Senhora de um modo inefavelmente superior.
Nossa Senhora pedirá para nós uma graça,
outra e outra, sem parar... Este fato é resultado de nós sermos batizados e
filhos da Igreja. Depois também, a título especial, devido ao fato de nos
termos consagrado a Ela. E, enquanto tais, pertencermos especialmente a Ela. E
assim também Ela, de algum modo, nos pertencer. E pede, pede e pede... Deus Lhe
concede generosamente as graças pedidas.
Ele nunca obriga pela graça uma pessoa a
seguir os Mandamentos. O homem continua livre, mas Deus exerce tantos atrativos
sobre nossa alma, que facilita enormemente o caminhar bem. Se não fossem essas
graças, nenhuma pessoa andaria bem. Se não fosse a graça, a Revolução há muito
tempo teria tomado conta do mundo, o demônio estaria sendo adorado por toda
humanidade etc. É por causa da graça que a Revolução ainda não tomou conta do
mundo.
Nossa Senhora tem uma hora marcada em
que o mundo, se não se converter antes disso, terá pecado tanto, mas também
será tão castigado que o perdão chegará. Nessa hora do perdão, aqueles que são
d'Ela, sê-lo-ão inteiramente. Ao aproximar-se dos seus adversários, terão tais
palavras de fogo, tais palavras de censura, de recriminação, que eles não
ousarão enfrentar nem o olhar, nem a palavra, nem a presença dos filhos d'Ela.
Será a hora em que Nossa Senhora terá resolvido mostrar a Sua onipotência.
O primeiro passo para tal é que
estejamos, portanto, o mais possível dentro de Seus planos, isto é, repletos e
saturados da graça que Ela nos destinou. E é um passo excelente para essa graça
o fato de nos termos consagrados. Este é o sentido da consagração.
Se alguém deseja vencer nessa batalha
espiritual, consagre-se a Nosso Senhor pela intercessão de Nossa Senhora!
Porque o fato de se ter consagrado e, portanto, pertencer especialmente a Nossa
Senhora, isto é uma couraça, um elmo, um escudo, uma lança, uma espada não mão
daquele que estiver combatendo.
Os senhores estão vendo como eu promovo campanhas de esclarecimento da
opinião pública e outros atos que entram na luta de todos os dias. E devo
fazê-lo! Mas tudo isto só é bom na medida em que, realmente, estivermos unidos
a Nossa Senhora, dependentes d'Ela, vivendo nossa consagração a Ela. E, por
Ela, ao Sagrado Coração de Jesus, cujo mês de junho Lhe é consagrado.
Estado de espírito durante a campanha
Quando os senhores saem para a campanha
nas ruas, eu gostaria muito que se perguntassem a si mesmos: “Estou bem
consciente de que esta minha ação – ainda que seja a de ser membro da fanfarra
– é feita todo o tempo por amor de Deus? Se for feita inteira e constantemente
por amor de Deus, de Maria Santíssima e da Santa Igreja, conseguirei
"n" vezes mais do que em caso contrário”.
A fanfarra é uma arte. E toda arte
praticada com amor de Deus e por amor de Deus, de Nosso Senhor Jesus Cristo, de
Nossa Senhora e da Santa Igreja, toca os corações.
Querendo fazer uma experiência
disso, vão amanhã ou qualquer dia que possam à Sede do Reino de Maria, e entrem na Sala do Reino de Maria. Considerem ali um nicho onde está uma imagem
de madeira de Nossa Senhora de Paris. Em torno desse nicho há umas pinturas sobre fundo dourado
representando Anjos. São elas
cópias bem feitas e de muito boa qualidade de anjos pintados pelo Beato
Angélico. Esses anjos têm uma coisa qualquer que, quem olha, fica com o coração
tocado por aquilo. Os Anjos angelizam...
Não se trata de tomar ares de quem está
cheio de graça. Não faça assim. Não
seja ator de qualquer espécie de comédia em matéria sagrada! Seja
como é e que, se a graça quiser, transparecerá. “Seja como é”, não. Seja como deve ser e a graça
transparecerá.
Alguém objetará: "Dr. Plínio, tudo
isso é muito bonito. O Sr. está pintando essa luta de um fator imponderável,
que é uma participação criada na própria vida incriada de Deus – ou seja, a
graça – tocando as almas e passando por cima de tudo quanto é material. O Sr.
faz desta batalha de alma a alma o essencial de uma luta. É muito bonito... Mas
o Sr. já pensou como é difícil fazer isso?"
Respondo: "Meu filho, é. Nesta sala
não há ninguém, neste mundo não houve ninguém – exceto Nossa Senhora que foi
concebida sem pecado original e, naturalmente Nosso Senhor Jesus Cristo – sem
tendência para o pecado. Em muitas ocasiões da vida é difícil não pecar. Vemos
isso na hagiografia. Em toda vida de santos há momentos em que foram
muito duramente tentados, rezaram, resistiram à tentação e subiram na vida
espiritual. Peça! Peça! Reze! Reze! Seja piedoso que tudo se resolverá”.
Contra isto se poderia objetar – e com
isto estou terminando – uma anedota ou casinho, que se conta, acontecido
algures por algum país da Europa.
Havia, numa diocese, uma paróquia
desorganizada, inculta e menos arranjada do que as outras paróquias, uma parte
era mato... O bispo mandou, então, para lá um padre piedoso e bom, mas ao mesmo
tempo muito espirituoso. Como o padre tivera um belo sucesso na ordenação da
paróquia, o bispo receava que o padre ficasse vaidoso ao lhe mostrar os
resultados obtidos. Então, na visita episcopal, o padre ia mostrando e dizendo:
"Sr. Bispo, aqui está a matriz!" – “Muito bem, muito bem – comentava
o bispo. Não há dúvida nenhuma. Graças a Deus". E esse comentário era um
modo de lembrar ao padre que o fator principal era Deus, e tinha toda a razão.
E assim o sacerdote foi-lhe mostrando
tudo, ao que o bispo sempre dizia: "Graças a Deus!" Então o padre,
voltando-se para o bispo, disse: "Se V. Excia. soubesse como estava esta
paróquia, quando aqui só estava Deus...!" Isto era um modo de dizer que
Deus age por meio dos homens, e que estes são livres de agir bem ou mal. Entra,
portanto, um mérito humano subordinado à ação de Deus. Sem a ação de Deus, não
faria nada. Deus quer que os homens façam. Muitas vezes, as coisas não saem,
porque os homens não fizeram. Deus deu as graças, mas os homens não as
aproveitaram ou não corresponderam, dormiram sobre as graças recebidas, foram
ingratos e sem-vergonhas. Então, não se correspondeu à graça.
Se não
houvesse a campanha da TFP em favor da independência da Lituânia...
Nessa perspectiva, é confortador
pensar, por exemplo, o seguinte sobre a campanha em favor da independência da
Lituânia: já estamos caminhando para dois milhões de assinaturas! Os senhores
estão vendo o governo da Lituânia que se move, que nos manda agradecer,
reconhecendo que é uma das mais importantes ajudas que já recebeu do Ocidente
etc.
Se nós não fizéssemos essa campanha,
como estaria a opinião pública face o caso da Lituânia?...
Agora está um fogo lavrando a favor da
Lituânia, porque as TFPs se dedicaram a isso. Por que as TFPs empreenderam essa
campanha? Porque Nossa Senhora chamou, pela voz da graça, aos que estão
colaborando com tais esforços. Em concreto, chamou a todos os que estão
dentro desta sala. Chamou-os pela graça e esta produziu este resultado.
Então, como Ela nos chamou e dissemos
“sim”, o resto foi uma consequência. Deus quis que assim fosse: chamasse e
ficasse dependendo de nós. Se não tivéssemos feito o que fizemos, haveria o
sério risco de se ficar dormindo e babando enquanto uma nação estava
perecendo por falta de auxílio.
O fator primeiro foi a graça que nos
chamou. Foi a graça que nos acompanhou, e para obtenção da qual devemos rezar continuamente. Só
podemos obtê-la – com uma amplitude única – se rezarmos a Nossa Senhora, e Ela
for a nossa medianeira. E Ela, por sua vez, rezar ao Seu Divino Filho,
alcançando-nos tudo.
Então, primeiro passo: consagrar-se a
Nossa Senhora e pedir a graça. Segundo passo: receber a graça. Terceiro passo:
corresponder à graça, apesar de ser difícil, de haver sacrifícios dizer sempre:
"Minha Mãe, eu arco com esse sacrifício por Vossa causa", e ficar um
membro da TFP. Quarto ponto: não é só difícil ficar um membro da TFP, mas é
difícil continuar. Então, ir continuando... Mas meu gesto foi errado quando
indiquei, com um gesto de mão, continuando horizontalmente. Porque na TFP
nós continuamos assim: subindo! E à medida que formos subindo, seremos
“mutatis mutandis” semelhantes (nas nossas devidas proporções, obviamente) à
Nossa Senhora da Qual as Sagradas Escrituras se referem como sendo “terribilis
ut castrorum acies ordinata – terrível como um exército em ordem de batalha”
(Ct 6, 4). A Igreja diz que Ela é como “um exército em ordem de batalha”. Por
efeito da consagração a Nossa Senhora, iremos sendo cada vez mais vitoriosos.
Se todos fizermos isto, a Revolução estará com os dias contados.
Esta batalha é travada no exterior, mas
na realidade profunda, é principalmente no interior de nós.
(Plínio Corrêa de Oliveira - Santo do Dia – 23 de junho de 1990 – Sábado)
[1] “HUMANISMO,
RENASCENÇA E PROTESTANTISMO - Como Ruiu a Cristandade Medieval?” – João S. Clá Dias
– Artpress – Indústria Gráfica e Editora ltda