quarta-feira, 30 de novembro de 2016

MADONNA DEL MIRACOLO; ALTÍSSIMA OBRA DE CONTRA-REVOLUÇÃO


(Cometários de Dr. Plínio Corrêa de Oliveira sobre a Santíssima Virgem Maria)


Ocorreu-me a idéia de fazer um “Ambientes, Costumes e Civilizações”, procurando exprimir os imponderáveis existentes no quadro de Madonna Del Miracolo, ou Nossa Senhora do Milagre.
A figura é muito semelhante à de Nossa Senhora das Graças, um pouco alterada.
Maria Santíssima está vestida como se trajavam as senhoras no tempo de sua existência terrena: uma túnica grande e uma capa. Esta é azul-celeste, a cor de Nossa Senhora; a túnica é de um discreto rosado, enquanto que nas imagens de Nossa Senhora das Graças costuma ser branca. Ela está com a fronte encimada por uma coroa, o que as imagens de Nossa Senhora das Graças geralmente não têm. Um círculo de doze estrelas serve a Ela de resplendor. É uma alusão à aparição de Nossa Senhora no Apocalipse. Como se pode notar, Ela não está esmagando a cabeça da serpente. Das suas mãos partem raios em abundância, que significam as graças por Ela concedidas.

Misto de grandeza e misericórdia

Sua fisionomia é discretamente sorridente. Maria Santíssima não está propriamente sorrindo, mas olhando para a pessoa que está ajoelhada diante d’Ela, de um modo muito afável, acolhedor, com uma enorme vontade de atender o pedido, de ajudar. Mas, ao mesmo tempo – e as coisas se completam bem – Ela é muito régia, não só por causa da coroa, mas ainda que se Lhe tirassem a coroa. Notem o porte d’Ela. Tem-se a impressão de que é uma pessoa alta, esguia, muito bem proporcionada, e qualquer coisa de imponderável da consciência de sua própria dignidade aí transparece. Quer dizer, percebe-se que é uma Rainha, muito menos pela coroa do que pelo seu todo; enfim, pelo misto de grandeza e de misericórdia que d’Ela emanam.

Efeito apaziguador

Parece-me que o elemento mais tocante dessa imagem é algo de inexprimível, que, à primeira vista, não encontra sua explicação em nenhum elemento concreto do quadro. Não só por causa do sorriso, mas é um todo que vou tentar depois explicar; essa imagem trás consigo qualquer coisa de apaziguador. Quem olha para essa estampa tende a ficar apaziguado, sereno, tranqüilizado, como quem tem as suas más paixões em agitação acalmadas, suas angústias favorecidas por uma distensão, por certa calma, como se ouvisse: “Meu filho, Eu dou jeito em tudo, Eu arranjo tudo, não se impressione,, haverá um modo. Eu estou aqui ouvindo-o; você precisa de tudo, mas Eu posso tudo, e o meu desejo é de lhe dar tudo. Portanto, não tenha dúvida, espere mais um pouco. Mas superabundantemente  você terá o que Eu quero”.
Acima de tudo, a imagem – a meu ver, este é seu elemento mais apaziguador e encantador – tem qualquer coisa indicando que Nossa Senhora Se oferece à pessoa que está diante d’Ela, dizendo-lhe: “Meu filho, Eu sou toda sua, você pode pedir o que quiser. Eu para você não tenho reservas, recuos, recusas e nem recriminações pelos seus pecados. Eu o estou olhando num estado de alma, numa disposição de ânimo, por onde você de Mim consegue tudo o que você pedir e muito mais ainda”.
A estampa deixa isso tudo em certo mistério; mas um mistério suave, diáfano, mais ou menos como o de um dia com céu muito azul em que se pergunta o que haverá para além do azul; não é um mistério carregado, de um dia nublado, onde se indaga o que existirá por detrás das nuvens. Maria Santíssima como que diz o seguinte: “Se você conhecesse o dom de Deus, se soubesse quanta coisa Eu tenho para lhe dar, e que maravilhas há em Mim... Eu transbordo do desejo de lhas conceder. Como você compreenderia bem o que Eu sou se quisesse abrir os olhos para essas maravilhas!”
Esse apaziguamento que Ela comunica é uma espécie de primeiro passo para a pessoa que queira se deixar maravilhar. Recebendo esta misteriosa ação da graça, ela começa a admirar e perguntar o que a imagem está exprimindo.

Felicidade da pureza e da despretensão

Ela exprime uma excelsa impressão de pureza que quase ofusca, mas não de um ofuscamento que machuca. É tanta pureza que, no início, nem nos lembramos bem de pensar nesta virtude; de tal maneira é pura que, por assim dizer, transcende a pureza.
Contemplando essa estampa, a pessoa não só admira essa pureza, mas ela lhe comunica algo do prazer de ser pura. Muitos têm a ilusão de que a felicidade está na impureza; essa imagem faz com que se compreenda a inefável felicidade que a pureza dá, perto da qual toda felicidade da impureza é lixo, tormento, aflição. Nossa Senhora está inundada de felicidade, a qual é inseparável de sua pureza.
Outra coisa é a humildade. Maria Santíssima está aqui como Rainha, mas em sua atitude Ela faz abstração de toda a sua superioridade sobre a pessoa que reza diante d’Ela. E trata-a como se fosse, não digo de igual a igual, mas uma pessoa que tem proporção com Ela; quando nenhum de nós, e nenhum santo, tem proporção com Ela. Nossa Senhora é completamente fora de proporção em relação a todo mundo; entretanto Ela se coloca assim tão acessível!
Além disso, percebe-se que se Lhe aparecesse Nosso Senhor Jesus Cristo, Ela está toda feita para se ajoelhar e adorar. Nada existe n’Ela que contenha uma repulsa a reconhecer o que é mais alto. Pelo contrário, uma alegria: “Que maravilha! Apareceu quem é mais do que eu.” Compreende-se, então, o modo elevadíssimo de Maria Santíssima olhar para Aquele que é Filho d’Ela e, ao mesmo tempo, infinitamente mais do que Ela.
Debaixo desse ponto de vista, n’Ela há, entre outros traços, uma comunicação do prazer da humildade, da despretensão.
Vemos, então, de um lado, a felicidade inefável da despretensão. E de outro, a felicidade inefável da pureza.

Maria Santíssima e a Contra-Revolução

Diante de um mundo que o demônio vai arrastando para o mal, pelo prazer da impureza e do orgulho, Nossa Senhora nos comunica o gosto pela despretensão e pureza, como que dizendo suavíssimamente, sem pito nem recriminação: “Meu filho você não se lembra dos tempos primitivos de sua inocência? Não se lembra de como você era antes de ter pecado? De como havia coisas boas em você? Olhe para Mim, abra sua alma, Eu restauro tudo isso. Venha! No caminho que conduz a Mim só existe perdão, bondade e atração. Venha logo!”
Não é difícil estabelecer uma relação entre esses dois traços e a Contra-Revolução. Maria Santíssima está aqui representada, não no seu aspecto belicoso, esmagando a cabeça da serpente, mas no seu lado materno, enquanto Ela procura tirar, pelo sorriso, das garras da Revolução aqueles que esta vai vitimando. E dessa maneira fazendo uma altíssima obra de Contra-Revolução.
Um espírito que se deixa influenciar por essa imagem fica sumamente propício à admiração, a admitir a hierarquia das coisas mais altas sobre ele; e a querer, pela sua própria dignidade, que todas as coisas abaixo dele também estejam em hierarquia. É uma coisa inteiramente evidente; entra pelos olhos.
Debaixo desse ponto de vista, sem querer dizer que esta  imagem seja a de Nossa Senhora da Contra-Revolução, porque seria forçar a nota, poderíamos afirmar, entretanto, que, para quem luta pela Contra-Revolução, o quadro é de uma altíssima expressão quanto a um dos aspectos da Mãe de Deus, na sua permanente Contra-Revolução, até chegar o fim do mundo.

(Extraído de conferência de 20/01/1976)

Transcrito da revista “Dr. Plínio”, edição 159, de junho de 2011, pp14/16



segunda-feira, 28 de novembro de 2016

O PAPEL DA MULHER NA FORMAÇÃO DAS ELITES



Não somente como esposas, mas como mães exemplares, temos inumeráveis exemplos de mulheres que se destacaram e deram o tom na formação da elite de seu tempo. Santa Mônica e Santa Helena, além de muitas outras, deram a nota cristã ainda no começo do Cristianismo. Mas, estabelecida a Igreja sobre fortes alicerces, principalmente na Idade Média, cresceu de importância a atuação da esposa e mãe cristãs na formação da elite católica. Também podemos citar as grandes rainhas santas, Isabel de Portugal e Isabel da Hungria.
Algumas delas se destacaram pela sua atuação silenciosa dentro do lar e outras ao lado de grandes homens. E isto não se deu somente no império da Civilização Cristã mas até no decadente século XX. Um exemplo foi a esposa de Winston Churchill. É desta forma que Dr. Plínio Corrêa de Oliveira comenta sobre a personalidade de Lady Clementine Churchill:
“Conversando certa vez sobre Churchill com o arquiduque Otto de Habsburg, dele ouvi um lúcido comentário. Está na ordem das coisas – dizia ele – e até entre os vegetais, que de vez em quando apareçam, nesta ou naquela variedade, espécimes gigantescos. São fenômenos da natureza. Churchill foi um deles. Ora – e sou eu que passo agora a comentar novamente – se fica  bem  a um homem ser um gigantesco fenômeno da natureza, é difícil para uma mulher sê-lo também. O gigantismo não é compatível com o charme feminino.
“Quando, pois, me pus a analisar com curiosidade a foto da esposa do “fenômeno da natureza”, perguntava-me se e como ela estava à altura do grande estadista. E bem antes de concluída, minha análise se transformara numa indiscutível admiração.
“Grande de rosto e de porte, com um não-sei-que de nobremente aquilino no olhar e no perfil, Lady Churchill reunia entretanto todas as graças genuinamente femininas. Sua educação aristocrática lhe comunicara um charme evidente. Sua imponência coexistia elegantemente com uma afabilidade atraente. Apesar de vistosa, era sumamente discreta. E sabia ser inteligente sem em nada disputar a seu brilhante esposo os olhares do público. No equilíbrio de tantas qualidades quase opostas, tudo era “degagé” e nada era “recherché”.
“Nos quadros representando certos grandes homens do passado, os pintores se compraziam em realçar o personagem colocando perto dele, em segundo plano, alguma coluna com um belo jarro de flores. Ou alguma nobre cortina. Tal foi Lady Clementine Churchill: o fundo de quadro magnífico que realçava um esposo tão notável que parecia nada haver que o pudesse realçar.
“Na semana que finda, li portanto com emoção a notícia de que falecera a baronesa Churchill (Elisabeth II lhe concedera este título após a morte do esposo).
“Não posso ocultar, porém, que a essa emoção se associou um espanto rapidamente transformado em indignação.
“”A “Folha de São Paulo”  foi o jornal de nossa cidade que mais dados publicou sobre a vida de Lady Churchill. Realçou-lhe a perfeita união com o esposo, a íntima cooperação até na obra intelectual deste, e acabou por revelar que essa grande dama terminara sua vida na penúria, obrigada, para saldar seus modestos gastos, a vender até quadros pintados pelo falecido “premier”.
“”Assim é o Estado moderno. No início do século XVIII, Jonh Churchill ganhou para a Inglaterra várias batalhas. Por isto, foi elevado a Duque de Malbourough e dotado com os abundantes recursos que lhe permitiram construir o magnífico castelo de Blenheim, mansão até hoje de um de seus descendentes. No século XX, a glória de Jonh Churchill foi superada por um inglês da estirpe dele, isto é, por Winston, que não fez nada mais nada menos do que salvar a Inglaterra. E sua esposa morre na penúria!”


(artigo publicado na “Folha de São Paulo”, 19/12/1977)


domingo, 27 de novembro de 2016

OS SALÕES DA FRANÇA DO SÉCULO XVIII




A arte de conversar desenvolveu-se admiravelmente no decorrer do “Ancien Regime”, atingindo o mais elevado grau nos salões franceses do século XVIII. Tratava-se de um local convenientemente preparado para reuniões sociais, geralmente em casa de alguma dama ilustre e hábil em conduzir as conversas dos convidados. Note-se que elas abriam os salões de suas casas para aquelas reuniões rotineiras sem almejar qualquer vantagem pessoal, mas apenas pelo prazer de ter em sua casa a conversa tão agradável daquelas figuras que convidava. Ou às vezes nem convidava, pois elas apareciam sem ser chamadas...  E a madame cobria todos os gastos com a reunião, que não eram pequenos.
Que eram os salões e como surgiram?  Inicialmente se constituíam em meros círculos informais, formados por apreciadores da bela linguagem, das boas maneiras, dos ditos de espírito. Aos poucos foram paulatinamente se transformando em núcleos de solidificação e preparação das idéias revolucionários, a tal ponto que, a partir de meados do século XVIII, eles puderam ser qualificados por diversos historiadores de "laboratórios de opinião pública", "centro de propaganda filosófica", "antecâmaras do poder"  e outras expressões do gênero.  Estavam eles, pois, em condições de desempenhar papel relevante na preparação da opinião pública para a Revolução Francesa. Embora não tenha sido este o objeto primordial ao se formarem, pois poderiam também ter tido papel preponderante na formação de uma opinião pública contrária à Revolução, a depender dos formadores da referida opinião que os freqüentavam. 
Os salões franceses eram freqüentados por todo tipo de gente: filósofos, artistas, escritores, políticos, diplomatas, burgueses e até plebeus. Eram reuniões inesgotáveis em conversas, em “plaisanteries” de toda espécie, mas temperadas sempre pelo senso apurado do bom tom e das conveniências. Por seu talento, categoria e urbanidade, os salões com suas conversas eram o centro de Paris e faziam dela a capital do mundo.

Abaixo enumeramos os mais famosos e suas proprietárias.

Mme. de Lambert (1647-1733) - "Em 1710 - relata Picard - abre seu salão Mme. Lambert. Mulher do século XVII por seu nascimento, sua educação e seus costumes, (...) era do século XVIII pela orientação de seu pensamento e pela liberdade de seus julgamentos (...)
"Ela abria a porta para a livre crítica das idéias filosóficas, políticas e religiosas. Mme. de Lambert foi uma das primeiras mulheres filósofas. Sem ser propriamente um "espírito forte", ela não tem mais a devoção perfeitamente conformista do século XVII.  Ela fala da religião sem fé profunda, mas com decência. Eminentes prelados, como Fénelon, freqüentavam seu salão sem apreensão e, como escreve d'Argenson, "sua casa fazia honra a todos aqueles que eram aí admitidos.  Ela recebia, outrossim, o Pe. Choisy e o Pe. Chaulieu,  (...) ambos epicuristas e libertinos.
Mme. de Tencin (1685-1749) - "Quando Mme. de Lambert morreu - comenta Calvet -, os escritores acostumados a se reunirem em seu salão passaram para o de Mme. de Tencin.  Esta mulher pouco recomendável conseguiu, à força de habilidade e de espírito, governar um salão brilhante e poderoso, onde eram vistos com freqüência Fontenelle, Marivaux, o padre de Saint-Pierre, Montesquieu, e onde estrangeiros ilustres vinham tomar contato com Paris.
"Toda dada à intriga, liberada de qualquer escrúpulo,  Mme. de Tencin encorajava as idéias novas que se elaboravam devagar, sem todavia aparecerem claramente.
"Neste salão - assinalam os Goncourt -, o primeiro na França onde o homem era recebido com atenções proporcionadas não à sua categoria social, mas à sua inteligência,  os escritores iniciaram o grande papel que teriam no mundo daquele tempo. Foi de lá, da casa de Mme. de Tencin, que eles se espalharam pelos salões e chegaram, pouco a pouco, a dominar a sociedade. Domínio este que lhes valeu, ao fim do século, um lugar tão proeminente no Estado".
Mme. Geoffrin (1699-1777) - "Segundo Calvet, "formada por Mme. de Temcin, Geoffrin recolheu a herança de seu salão e, a partir de 1748, reuniu em sua casa todos os escritores que pertenciam ao partido dos filósofos. Ela dava dois jantares por semana: o de segunda-feira para os artistas  (Vanloo, Vernet, Bouchet, La Tour, Lagrenée, Soufflot), e o de quarta-feira para os escritores (d'Alembert, Marmontel, Morellet, Helvétius, Raynal, Thomas, Grimm, d'Holbach).
Ela tornou-se assim a patrona da "filosofia".  Exercia uma autoridade indiscutível. Seu salão era administrado como uma instituição; ela vestia, alimentava, dirigia, repreendia os filósofos.  Muito sensata e com um fundo de vaga religiosidade, ela os controlava em suas audácias, evitando-lhes assim os excessos comprometedores. O salão de Mme. Geoffrin foi, durante vinte anos, o centro de difusão mais ativo das idéias novas.
"Escrevem os Goncourt, segundo os quais o salão de Mme. Geoffrin era o salão da Enciclopédia:
"Viu-se, pela acolhida dada à literatura, um salão burguês, elevando-se ao primeiro posto entre os salões de Paris, transformar-se em um centro de inteligência, em um tribunal do bom gosto, onde a Europa vinha receber a palavra de ordem e de onde o mundo inteiro recebia a moda".
O pintor Lemonnier representou uma cena de uma das reuniões no salão de Mme. Geofrin, com o título de “Uma Leitura de D’Alembert no Salão de Madame”. D’Alembert lia a Enciclopédia, e o fato a que se refere o quadro foi a polêmica despertada pelos jesuítas contra a Enciclopédia, objeto de uma instrução pastoral que foi muito criticada pelos revolucionários .
Mme. du Deffand (I697-1780) - Como assinala Calvet, 'muito diferente de Mme. Geoffrin era Mme. du Deffand.  Dotada de um espírito ousado, sem escrúpulos, sem princípios, sem pudor, sem ilusões de nenhuma espécie, ela foi sempre uma vanguardeira no século, por sua ousadia.  (...)
"Escritores, grandes senhores e estrangeiros disputavam seu salão, que exercia por isso mesmo uma grande influência. Ficando cega, tomou por leitora Mlle. de Lespinasse, que em breve separou-se dela e fundou seu próprio salão".
Mlle. de Lespinasse (1732-1776) - Quando Mme. Geoffrin, envelhecida, não exercia mais um império tão absoluto - continua Calvet -, era em casa de Mlle. de Lespinasse que os filósofos, sob o comando de d'Alembert, se reuniam.
"Segundo os Goncourt, "o salão de Mlle. de Lespinasse não conhecia nenhum constrangimento nem restrição:  ali os temperamentos eram livres, as personalidades tinham o direito de serem francas.  Nenhuma questão era reservada: religião, filosofia, moral, contos, novelas, quaisquer maledicências - tocava-se em tudo. (...)
"O salão de Mme. Geoffrin era o salão oficial da Enciclopédia; o de Mlle. Lespinasse era o parlatório familiar, o toucador e o laboratório.  Era lá que se trabalhava para o sucesso do partido, que se redigiam os elogios, que se ditavam as opiniões do dia para a passarem à posteridade, que se engrandecia o despotismo filosófico sob o qual d'Alembert chegou a dominar a Academia.
"Quantos cargos importantes distribuídos neste salão! Quantos grandes homens eram ali fabricados, quanta celebridade era lá conferida, pela paixão de uma mulher!
"Calvet observa que "aqui, nós assistimos a uma transformação do espírito filosófico: Rousseau fez sua entrada, e o coração retomou seus direitos. Orgulhava-se de ser sensível e enternecer-se. Em lugar de demolir as instituições do passado pelo riso sarcástico, os filósofos se dedicariam doravante a combatê-las em nome da humanidade, com enternecimento na voz. Essa nova campanha que se organizou no salão de Mlle. de Lespinasse teve um grande sucesso.  (...)
"Ao lado desses salões - prossegue Calvet -, que exerciam uma verdadeira autoridade, é preciso nomear outros salões mais livres, onde todos se divertiam sem constrangimentos, e onde se ia até o fim nos paradoxos mais irreverentes; os salões dos Coletores de Impostos: d'Epinay, La Popelinière, etc; os salões das atrizes:  Mlle. Quinault,  Mlle. Guimart; os círculos dos filósofos: Helvétius, d'Holbach".  [i]

Madame de Staël – Anne-Louise-Germaine Necker, transformada na Baronesa de Staël-Holstein, é também conhecida como uma das primeiras filósofas políticas dos tempos modernos. Foi escritora, poeta e ativista política em plena efervescência da Revolução Francesa e da era napoleônica e da restauração da monarquia dos Bourbons. Teve papel importante na corrente de livres-pensadores, especialmente nos chamados “moderados”. Natural de Paris, onde nasceu a 22 de abril de 1766, era filha de Jacques Necker, que foi por três vezes ministro das finanças no reinado de Luís XVI.  Apesar de não ser católico nem francês, o rei nomeou-o por submissão à influência dos livres-pensadores do salão de Madame Necker, sua mãe, a escritora suíça Suzanne Curchod, filha de pastor calvinista e ativista, depois Madame Suzanne Necker. Fundara seu salão em Paris, uma verdadeira escola para a filha, Madame de Staël, além de ter servido de suporte para o marido ser alçado ao posto de ministro.
Às sextas-feiras, Madame Necker reunia em sua residência, o “Hotel Leblanc”, grupos de livre-pensadores moderados e da nobreza parisiense, onde havia debates de natureza política e social. “Hotel” era o nome dado a edifícios públicos ou grandes mansões parisienses. O de Madame Necker estava situado na “Chausée d’Antin”, conhecido como o centro da moda parisiense de então, pois ficava próximo de teatros e das grandes avenidas. Aristocratas, nobres, empresários e comerciantes ricos residiam pelas redondezas, sendo-lhes fácil freqüentar seu salão.
O salão de Madame Necker era freqüentado por expoentes do pensamento revolucionário: protestantes calvinistas, os denominados “espíritos abertos” ou livres-pensadores, “tolerantes”, liberais em política e, principalmente, em assuntos religiosos. Para lá iam figuras como Mirabeau (um dos redatores da “Declaração dos Direitos do Homem”), Denis Diderot, Georges Louis Leclerc (conde de Buffon), Gabriel de Mably (conhecido como Abbé de Mably), precursor do “socialismo comunitário” e Jean le Rond d’Alembert, além de vários correligionários calvinistas vindos da suíça. Houve também, entre ela e o ímpio Voltaire, volumosa correspondência.
Madame de Staël acostumou-se desde criança a intervir nos debates do salão de sua mãe com a maior naturalidade, tornando-se ela também uma filósofa revolucionária bem afinada com a moda. 
Após seu casamento, Anne-Louise Germaine Necker, agora com o título de Madame ou Baronesa de Staël, abre também um salão em sua residência, situado na Rue du Bac. Muitos de seus freqüentadores haviam defendido idéias libertárias e até lutado por elas, como foi o caso de La Fayette, Noailles, Clermont-Tonnerre, ou escritores como Condorcet, Narbonne, Talleyrand, etc. Para alimentar as conversas de seus clientes publica no primeiro ano um livro “Sophie ou Les Sentiments secrets” e uma bajulação dos pensamentos de Rousseau, que era moda em todos os salões parisienses.
O pai de Madame Staël foi demitido do cargo em 1787, mas ela soube manobrar as figuras que freqüentavam seu salão de maneira que o mesmo voltasse ao cargo no ano seguinte. A mesma influência parece ter sido usada para que Narbonne (seu segundo marido ou um de seus vários amantes) fosse nomeado, em 1791, ministro da guerra. Assim, seu salão não servia somente para propagar os ideais da Revolução mas também para influenciar os políticos e colocar pessoas em postos importantes para os seus desígnios.
Foi lá no seu salão também que se tramou um recuo dos ideais revolucionários e se passou a defender idéias moderadas. Chegou até a esconder condenados à guilhotina em sua residência. O motivo desta mudança, principalmente, foi por causa dos excessos praticados no período do terror, em 1792. Começou-se então a se propagar uma saída “honrosa” para a monarquia francesa, que era o modelo inglês, ou seja, uma monarquia constitucional. Tais ideais são atacados tantos pelos monarquistas legalistas quanto pelos republicados. Dir-se-ia que ela e seus correligionários estavam entre dois fogos. Considerados moderados, oferecem (ela, Narbonne e Malouet) um plano de fuga para a família real, inteiramente frustrado por ter sido elaborado, como se vê, por gente suspeita.
Madame de Staël chegou a ser presa e levada ao Conselho Comunal para ser julgada e guilhotinada, mas foi salva por um escritor revolucionário Louis Pierre Manuel, que era também Procurador da Comuna de Paris. Consta que Luis Pierre teria argumentado a Robespierre que ela estaria grávida, e por isso foi autorizada sua libertação. No dia seguinte foge para a Suíça, onde abriu seu salão na vila de Coppet. Viveu, neste período, pouco tempo no exílio. Fez um périplo por vários países, encontrando-se com figuras revolucionárias como Benjamin Constant (um de seus amantes), e publicou obras de caráter liberal, principalmente na linha moral e do “feminismo”  então emergente.
A partir de 1797, iniciando-se o período napoleônico, Madame de Staël volta a Paris e tenta reabrir outro salão, desta vez em nova residência. No entanto, os tempos são outros, e não há mais freqüência de gente tão refinada como as do salão de sua mãe ou da Rue du Bac.  Mas sua produção literária continua. Visita com freqüência filósofos revolucionários e racionalistas como Goethe e Schiller, tentando também influenciar nos acontecimentos políticos de então. Com o novo  exílio decretado por Napoleão, inicia novo périplo pela Europa, visitando personalidades importantes como a rainha Carolina ou escritores de renome, publicando obras de cunho revolucionário. Chega a comemorar dez anos de exílio com um livro. Facilitaram sua “fuga”, da Suíça (dominada por Napoleão) para a Inglaterra. Seu “salão” agora é o mundo e não apenas Paris, tudo o que é novidade tem sua adesão, tornando-se admiradora de Kant e do filosofismo cético.
A filósofa, anticlerical, liberal, racionalista quase atéia e desesperada, publica em 1813 um livro que faz a apologia do suicídio: “Réflexions sur le suicide” além de um comentário sobre a Revolução Francesa Considerations sur Ia Révolution française”. Após a queda de Napoleão volta a Paris em 1815 e defende a restauração da monarquia. Morre dois anos depois, em 1817, no mesmo dia da tomada da Bastilha.





[i] Extraído de "Despreocupados...Rumo à Guilhotina - A Autodemolição do Ancien Regime" - João S. Clá Dias .


sábado, 26 de novembro de 2016

MORRE FIDEL, EXCOMUNGADO E PRECURSOR DOS "HIPPIES"


(Acima, capa de livro divulgado contra o ditador pelo grupo chamado "Cubanos Desterrados")

Anunciaram ontem a morte do maior facínora das Américas, Fidel Castro, bajulado por certa elite corrupta por haver se aliado ao comunismo internacional com intuito de afrontar o vizinho país americano. Morreu excomungado, pelo que consta. Sabe-se que Fidel Castro foi excomungado pelo Papa João XXIII em janeiro de 1962, por haver se declarado marxista leninista a 2 de dezembro do ano anterior e ser responsável pela expulsão de 131 padres da ilha e de haver fechado inúmeras escolas católicas.
Vejamos um pequeno relato biográfico do ex ditador cubano:

“Fidel Castro[1] nasceu em 13 de agosto de 1926, filho de um fazendeiro rico. Freqüentou as escolas paroquiais e fez o curso secundário com os Jesuítas, em Havana. Ingressou na Universidade em 1945 e recebeu seu diploma de advogado em 1950.  Casou-se com Mirtha Díaz Bolart em 1948, divorciando-se em 1955.
A passagem de Castro pela Universidade já prenunciava o revolucionário que viria surgir depois no cenário internacional.
Durante o ano de 1947 participou de uma frustrada tentativa de invasão da República Dominicana.
Um especialista cubano em comunismo, Díaz Versón, informa que Castro se empregou como agente soviético desde os últimos anos de sua adolescência. Segundo esse autor, entre os funcionários russos que estiveram em Cuba figurou G. W. Bashirov, o qual já havia atuado na Espanha como recrutador de jovens. Bashirov desempenhou missão especial na ilha, não se alojava na embaixada, mas numa casa particular situada na Calle Segunda, n. 6,  Miramar.
Em meados de 1943, muitos jovens cubanos começaram a visitar a residência de Bashirov. Díaz Versón cita o nome de vários, entre os quais Castro.
Em 1944, Bashirov foi chamado a Moscou para informar e, pouco depois, retornou com novas instruções. Determinou que alguns integrantes do grupo se infiltrassem nos partidos políticos não comunistas. Ordenou que três deles não se comprometessem com as atividades do Partido Comunista, porque estavam reservados para futuras missões: Fidel Castro, Antonio Nuñez e Alicia Alonso.
Fidel era um jovem estranho para os padrões cubanos da época. Embora filho de pai rico, que não lhe negava dinheiro, usava roupa suja e velha,  e não se preocupava em mudar de camisa.
Não acatava normas das mais usuais do trato social.  Por exemplo, tinha o costume de tirar os sapatos onde tivesse vontade de fazê-lo, sem se importar com o ambiente que o cercava. Não perdeu aliás esse costume: há alguns anos a imprensa publicou fotos mostrando-o  com as mãos nos pés descalços, no meio de vários assistentes.
Foi um "hippy" vinte anos antes de surgir o movimento "hippie". Os trajes, as maneiras, as longas barbas e certos hábitos que introduziu na revolução cubana precederam o estilo "hippie", que depois invadiria o mundo.
Durante seus anos acadêmicos, conforme registros da polícia cubana, participou de bandos estudantis que utilizavam até o assassinato como arma política.
Fidel, ainda durante seu período universitário, participou do levante comunista de abril de 1948, em Bogotá, que passou à História com o nome de "Bogotazo".
Há muita documentação sobre esse episódio sangrento. A participação de Fidel Castro tem sido ignorada, atenuada ou mal interpretada pela maioria dos comentadores. Tenta-se explicá-la como sendo uma travessura juvenil, mas não foi nada disso. Naquela época, Castro já era um agente de confiança do Cremlin.
Castro chegou à capital colombiana com credenciais da Federação Mundial da Juventude Democrática, organização marxista sediada em Moscou.
Há um despacho da UPI de 19 de abril de 1948, muito interessante, assinado pelo correspondente de Bogotá, Alcides Orozco:
"Esta mañana, estando sientado en el vestíbulo del Claridge Hotel [...] llegaran dos detectives preguntando por el gerente. Al ser recibidos en la oficina, dijieran que buscaban a dos cubanos, Fidel Castro y Rafael del Pino, quienes paraban en dicho hotel.
Los dos detectives tomaron posesión de la correspondencia de los cubanos, que abrieron en mi presença y dijieron que tenian informes fidedignos de que Castro y Rafael del Pino  habian dirigido o saqueo del 9 de abril com motivo del asesinato del dirigente liberal Jorge Eliécer Gaitán.
La correspondencia demonstró que ambos pertenecían al partido comunista cubano, y las cartas fechadas en la Habana el 9 de abril, mencionan los desórdenes de Bogotá".
Castro e del Pino refugiaram-se na embaixada de seu país para evitar a prisão como agentes comunistas e instigadores da insurreição armada. O Dr. Guilhermo Belt, chefe da delegação cubana à Conferência Panamericana, que se reuniu na época em Bogotá, mandou-os de regresso à Cuba por via aérea.
O governo da Colômbia forneceu na ocasião amplas provas de que os dois jovens eram agentes do Cremlin. O chefe dos serviços de segurança do país aludiu a eles como "conhecidos comunistas".  O Presidente Mariano Ospina Perez, em discurso, denunciou-os como "comunistas e organizadores da insurreição".
Voltando a Havana,  Castro retomou os estudos, abandonou os bandos estudantis homicidas para não comprometer o futuro que lhe reservava o PC e, em 1950, recebeu seu diploma.
Seu irmão mais moço, Raul Castro, entrou na Universidade em 1950 e foi colocado em contato com os comunistas. Pouco tempo depois estes enviaram-no para os países da Europa Oriental. Não se sabe onde passou o tempo em que se esteve aperfeiçoando na ideologia e nos métodos marxistas. Algumas versões afirmam ter ele estado em Moscou; outras, em Praga. O certo é que também Raul, figura de proa do movimento revolucionário que derrubou Batista e hoje o segundo homem em Cuba, foi desde os primeiros anos de sua juventude um comunista ardoroso e agente de confiança da Rússia Soviética.
Fidel dedicou-se às atividades políticas, sempre como homem de esquerda, de 1950 até 1953”.

(Texto extraído de  reportagem publicada em agosto de 1974, edição n. 284 do mensário de cultura "Catolicismo", páginas 2 a 4. – “Uma História de Embuste e Violência” - onde se comprova o caráter de embuste e violência próprios do comunismo internacional, que terminaram por dominar a infeliz ilha caribenha).




[1] Segundo artigo de Sérgio Brotero Lefevre, seu nome era Fidélio Castro,  mudado para facilitar a pronúncia.

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

A PRESENÇA DE MULHERES ENTRE OS CRUZADOS




Fala-se das Cruzadas como um movimento guerreiro, com o objetivo de libertar os Lugares Santos, o Santo Sepulcro, em Jerusalém, mas geralmente compostas apenas de homens, de cavaleiros e soldados. No entanto, a presença feminina nas Cruzadas também é um fato notório.
Muitas mulheres participaram delas, algumas até mesmo envergando a cota de malhas, o capacete e a espada. A maioria, entretanto, apenas auxiliava os guerreiros cristãos em combate, compondo o grosso das tropas de retaguarda juntamente com os carregadores, os enfermeiros, os cozinheiros, etc. Algumas seguiram corajosamente o marido, como as esposas dos normandos da Sicília ou a do duque de Wolfe da Baviera. Outras apenas levavam água para os soldados e os encorajavam para a luta.
Era comum constar entre os carregamentos da equipagem dos que partiam alguns baús cheios de roupas e adereços femininos, carregados ao lado dos utensílios e instrumentos de guerra. Quando os Cruzados acampavam, sempre reservavam um lugar separado com dignidade para que as damas se isolassem da soldadesca e dos Cavaleiros e pudessem se sentir mais à vontade. Nos momentos da guerra, porém, elas eram chamadas a participar ativamente dos combates, mesmo que não soubessem manejar alguma arma ou máquina de assalto.
Pelos relatos vê-se que não era pequena a importância das mulheres entre os guerreiros ou nobres medievais. Algumas se destacavam também como pessoas eruditas, como foi o caso de Ana Comnena, filha do imperador de Constantinopla, Aleixo. Lia filósofos como Aristóteles e estudava teologia, medicina e matemática. Escreveu um livro, "Aleixíada", uma espécie de panegírico dos feitos de seu pai e onde constam muitas informações sobre as Cruzadas.
Haviam outras mulheres que eram capazes de feitos varonis. A normanda Sichelgaite esposa de Roberto Guiscarde armava-se como um soldado e lutava com bravura, sendo capaz até mesmo de ir em busca dos desertores e trazê-los de volta para o combate. Outra foi Florina, filha do duque Eudes I de Borgonha, que teria combatido ao lado de Suenon, filho do rei da Dinamarca. Ela e Suenon eram noivos e haviam prometido casar-se em Jerusalém, porém foram mortos a flechadas antes de chegarem a seu destino.  Dentre aquelas que "atiram com arco e manejam as manganelas" havia uma citada pelo cronista árabe Beha-ed-Din como a "mulher de manto verde". Conta o referido cronista que esta mulher, durante o sítio de Acre (a 3 de julho de 1191), não cessava de arremessar flechas que atingiam vários inimigos. Também o mesmo cronista cita uma outra que no cerco do castelo de Burzey, de Saladino, usou a manganela com tal habilidade que deixou fora de combate vários engenhos de atirar pedras.
Havia ainda aquelas que ajudavam os homens nas obras dos fossos, cavando ou carregando pedras. Na expedição do rei Ricardo Coração de Leão havia uma destas mulheres, muito agitada em seu trabalho, que foi morta por uma flechada no peito. Foi socorrida pelo seu marido, que estava a seu lado, mas não resistiu ao ferimento.
Uma das grandes qualidades que o Cristianismo insculpira nos corações destas mulheres era a fidelidade, principalmente aos princípios cristãos.  Uma delas foi Adélia, condessa de Blois e de Chartres, filha do famoso Guilherme, o Conquistador.  Seu esposo, Estêvão, partiu para a Cruzada mas ela teve que ficar para administrar o imenso domínio de seus condados. Letrada, até mesmo erudita, Adélia tinha em seu círculo grande número de poetas, como Baudri de Bourgueil, ou bispos eruditos como Ivo de Chartres. Já seu esposo era menos letrado e suas cartas da Cruzada eram ditadas por ele para que um clérigo as escrevesse. Sua última carta lhe contava muitos feitos heróicos e vitórias. Porém no cerco de Antióquia (quando os cristãos já eram donos da cidade) o conde de Blois cometeu uma fraqueza: fugindo do cerco foi ao encontro de Aleixo, o imperador bizantino, a fim de convencê-lo de que não adiantava mandar reforços para os sitiados, que morriam à míngua a estavam prestes a se entregar. Se o rei bizantino tivesse ido em socorro dos cristãos a história teria sido outra. Mas tanto insistiu o conde de Blois que Aleixo desistiu. No entanto, mesmo sem esta ajuda, milagrosamente os cristãos romperam o cerco, e a atitude do conde de Blois foi censurada por todos pois revelava grande falta de confiança na Providência Divina que os amparava.
Quando Estêvão de Blois voltou para a França, encontrou uma esposa cheia de reclamações por ter cometido um ato indigno. As recriminações eram constantes e duras, ao lado da benigna acolhida pela sua volta: "Deus não aprova, meu caro senhor, que sofras a reprovação com que as pessoas te acabrunham. Lembra-te do ardor que te tornou famoso em tua juventude e volta às armas do louvável exército para a salvação de milhares de pessoas, para que brote a grande exultação dos cristãos em todo o universo e, para os pagãos, o temor e a vergonha de suas leis celeradas". Após vários dias de censuras, finalmente o conde resolveu tomar a estrada de volta com outros milhares de francos e foi novamente combater pelo Santo Sepulcro, agora já liberto em Jerusalém mas rodeado de ferozes inimigos, onde terminou seus dias em memorável batalha.
Um dos raros exemplos de fidelidade conjugal foi dado, porém, por Ana de Lorena, o qual se encontra imortalizado numa escultura existente na igreja franciscana em Nancy, França. Seu esposo, Hugo I de Vaudemonte, foi mantido prisioneiro por 16 anos na Terra Santa. O escultor procurou representar na pedra bruta a cena da volta: o Cruzado, todo estropiado, esfarrapado, é abraçado por sua esposa que, atormentada por todos para se casar porque o acreditavam morto, recusou-se a isso com obstinação porque não tinha certeza de seu falecimento. Esta cena revela apenas o que era comum naqueles tempos em que os esposos mantinham sua fidelidade até à morte, pois tinham assumido um compromisso perante Deus e não poderiam rompê-lo por nada neste mundo.


COMO SURGIU A "CIÊNCIA" GENÉTICA?



Fala-se hoje em ciência genética como o conhecimento mais avançado que possuem os homens, a ponto de se fazer experiências mirabolantes com os órgãos da vida.  A ciência criou na mentalidade do homem moderno a concepção de que tudo pode fazer, tudo pode resolver com suas experiências mirabolantes. E a ciência entrou por caminhos cada vez mais obscuros e maléficos. Começaram a fazer tais experiências com animais, como sempre, para depois passar para as pessoas humanas. De simples cruzamentos de espécies se passou para a geração espontânea de novos seres, de novas "espécies", tudo feito em laboratórios com a manipulação de células e fórmulas científicas.
A técnica chamada de "clonagem" de animais progrediu tanto que já se fala em fazer o mesmo com seres humanos. Muitas experiências genéticas foram condenadas, mas porque inicialmente eram feitas pelos nazistas (como ocorreu com o médico Mengele).  Hoje, com a assombrosa liberdade que os governos dão a tais cientistas, referidas experiências tornaram-se rotineiras. Muitos deles recebem subvenção de governos e da própria ONU para realizar seu trabalho.  Assim, criam medicamentos abortivos ou contraceptivos; fertilizam mulheres por processos artificiais (chamado "in vitro"); realizam experiências com fetos humanos, de onde extraem substâncias que comercializam, etc. No final de 2002 uma seita que se dizia  "vinda de outro planeta" anunciou haver clonado um ser humano. Os cientistas afirmaram que se tratava de um falso anúncio. Ora, se é falso porque teve tanta publicidade na mídia? Então uma notícia de tal gravidade e importância é divulgada aos quatro ventos do mundo sem que se saiba se é verdadeira? Será que ela não foi propagada exatamente para se testar a opinião pública, para ver que tipo de reação os homens ainda têm perante tais notícias? 
Pode-se conjecturar, a estas alturas, se não estamos prestes a ver surgir entre nós a entidade imaginada por Fausto, e celebrizada no famoso romance “Fausto”, de Goethe, o “Homúnculo”.  Trata-se de um “ser”  humano que os antigos feiticeiros pretendiam fazer criar, ou gerar, sem corpo, sem peso e sem sexo, mas dotado de um cérebro superdotado. Goethe imaginou a criação do “homúnculo” a ser produzido artificialmente em laboratório pelos personagens Fausto e Wagner. O tal “homúnculo”  teria a capacidade de tudo ver, inclusive os sonhos e pensamentos mais recônditos dos homens, mas seria incompleto, porque não teria o poder de amar e nem teria consistência e plenitude física.  Tratar-se-ia de um homem de proveta, feito em laboratório, exclusivamente constituído por cérebro e espírito e dotado de grande poder psíquico. Tal seria a capacidade criadora do homem moderno para conseguir tal feito se não tivesse também a participação do demônio e a permissão de Deus...
 Mas, será que esse tipo de “ciência” é alguma novidade na humanidade decaída?  Na Sagrada Escritura se fala de homens gigantes, gerados através da cópula entre demônios e as “filhas dos homens”. Estes gigantes se expandiram pela terra e formaram verdadeiras nações. “Ora, naquele tempo, havia gigantes sobre a terra. Porque depois que os filhos de Deus tiveram comércio com as filhas dos homens, e elas geraram filhos, estes foram homens possantes e desde há muito afamados” (Gen 6, 4). "Filhos de Deus” é uma expressão bíblica para designar os anjos (no caso, anjos maus) . “Comércio” quer dizer, nesta linguagem, coito carnal.
Referidos gigantes se expandiram pela terra. No tempo de Moisés havia uma tribo de gigantes chamada “emins” e outra chamada “enacins”. Uma delas descendia dos moabitas, filhos de Lot: “Os emins foram os seus primeiros habitantes, povo grande e forte de tal estatura que se tinham por gigantes, da linhagem dos enacins. Enfim os moabitas chamam-nos de emins” (Deut 2, 10). Haviam outras tribos de gigantes. Em terra de Amon havia uma tribo chamada zomzomin, “povo grande e numeroso, e de tal estatura, como os enacins, que o Senhor exterminou diante dos amonitas, e fez habitar estes em lugar daqueles...” (Deut 2, 21). Um gigante famoso foi o filisteu Golias, com 6 côvados de altura, cerca de 2,80 m.  E outro também foi Og, morto por Moisés juntamente com toda a família.
Em sua obra Cidade de Deus, Santo Agostinho afirma: "Deixo em aberto a questão da possibilidade de Vênus ter dado à luz Enéias através do coito com Anquises. Questão semelhante aparece nas Sagradas Escrituras, onde se pergunta se os anjos do mal, tendo copulado com as filhas dos homens, teriam assim povoado a terra de gigantes, ou seja, de homens anormalmente fortes e grandes" (Livro 3, cap. 2). No entanto, em outra parte, Santo Agostinho é mais explícito: "É crença generalizada, cuja verdade é testemunhada por muitos através da própria experiência, ou, ao menos, pelo testemunho de terceiros de indubitável honestidade e que passaram pela experiência, que Sátiros e Faunos têm aparecido a mulheres devassas, a procurá-las e manter coito com elas.  E que certos demônios tentam e conseguem, assiduamente, essa obscenidade, o que é testemunhado por pessoas absolutamente dignas de confiança, sendo portanto insolente nega-lo”  (Livro 5, cap. 23).   De tal forma esta tese foi aceita pacificamente dentro da Igreja, entre teólogos e santos, que São João Bosco afirma sem nada opor em sua obra "História Sagrada", que tais gigantes foram gerados pela cópula diabólica.
Não é difícil explicar prática e teologicamente como isto ocorreu, ou poderia ocorrer ainda. Sendo os anjos maus dotados de poderes extraordinários, como podem com permissão de Deus transportar qualquer corpo material no espaço, podem também eles transportar o sêmen masculino e inocular numa mulher. Segundo o próprio São Tomás de Aquino (Summa I, 51, art. 3), o demônio não é o agente fecundador mas apenas um intermediário. Sendo assim, a criança ali gerada é filha do homem de onde foi extraído o sêmen.
As condições em que tal fertilização se deram, e talvez os efeitos causados pelo contato maligno, ou mesmo de qualquer outro efeito diabólico, fazem com que aquela criança se torne um ser agigantado e forte. Houve, portanto, alguma mutação genética que o anjo mau conseguiu colocar no sêmen antes de inoculá-lo na mulher.
Não se trata, portanto, de uma "ciência" nova e avançada, mas oriunda ainda nos primórdios da humanidade....



 C

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

A BRAVURA DA MULHER CRISTÃ NA IDADE MÉDIA





D. Branca, uma valorosa condessa medieval

Eis uma crônica típica da idade Média cristã.
O conde Dom Alvar, de Castela, havia deixado sua esposa, D. Branca, no castelo de Martos, e para guarda do castelo o seu sobrinho Dom Tello com mais quarenta e cinco cavaleiros. Porém, ocorreu que certa manhã Dom Tello resolveu sair com seus homens para realizar “fonsados” nas redondezas, onde sempre ocorria passar grupos de mouros. Deixou no castelo apenas alguns criados para proteger as mulheres.
A condessa D. Branca estava calmamente sentada com suas damas bordando e conversando animosamente quando uma delas levantou pálida a mão e apontou para o campo em volta do castelo, gritando:
- Senhora, os mouros!
Assomaram todas ao parapeito para ver o que ocorria e viram que lá embaixo um esquadrão mouro em formação de guerra vinha marchando contra o castelo. A condessa,  ao confirmar o fato, exclama aflita:
- Santa Maria, ajudai-nos!
Estava pálida, mas serena. Rezou interiormente e pediu a proteção da Rainha do Céu para socorrer-lhes naquela aflição. As outras mulheres começaram a chorar e se lamentar cheias de pavor.
Decorridos alguns instantes, uma lúcida recordação percorreu a sua memória como um corisco cruza o ar. Lembrou-se de uma história que haviam lhe contado celebrando o feito de uma tal de D. Jimena que com outras mulheres vestidas de homens defenderam Ávila. E aquele pensamento foi se tornando forte e poderoso em sua mente ao mesmo tempo que uma tranqüilidade invadia sua alma por uma graça toda especial de Deus. Chamando as aterrorizadas damas, diz-lhes:
- Ouvi, amigas, se formos realmente valorosas  nos salvaremos. Tu, Aldonza, diz ao criado Johan Gomez que encilhe o melhor dos cavalos e parta imediatamente em busca de Dom Tello antes que os mouros nos cerquem.
Enquanto se cumpria sua ordem, D. Branca mandou buscar todas as armaduras e armas que houvessem no castelo. Tirou o vestido e pôs em seu lugar a cota de malha, o brial e o capacete, cingindo em seguida sua cintura com uma espada. Depois, dirige-se para as damas e diz:
- Filhas, vamos assim vestidas aos muros e às torres do castelo a fim de que os mouros pensem que somos homens encarregados da sua defesa. Desta forma, eles vão imaginar que o castelo está sendo defendido e não ousarão nos  atacar.
Assim, aquela valorosa e aguerrida mulher ficou no castelo animando e incentivando as outras, correndo de uma torre a outra e fazendo tal movimento que os mouros viam de longe como se fosse grande quantidade de cavaleiros.  Enquanto ela assim procedia, o criado finalmente encontrou dom Tello não muito distante dali. Tão logo os homens receberam a mensagem partiram a todo galope em direção do castelo. Porém quando chegaram a certa distância viram que o mesmo já estava completamente cercado. Dom Tello ficou indeciso pois só estavam com ele quarenta e cinco cavaleiros. Interveio Diego Machuca, e em tom enérgico diz:
- Cavaleiros, que duvidais? Metamo-nos no meio dos mouros para provarmos se realmente somos os cavaleiros que confiam em Nossa Senhora, Santa Maria. E eu confio em Deus que conseguiremos. Pode ser que algum de nós não consiga passar para a outra parte, mas qualquer um que o consiga será um a mais a defender o castelo. E se aqui morrermos, salvaremos nossas almas e iremos para a glória do Paraíso cumprindo o nosso destino desejado por Deus. Lembrem-se que os mouros poderão levar cativas a condessa e as damas que lá se encontram, o que seria uma afronta e grande dor para Dom Alvar e para nosso rei e senhor. Pronto estou, se vós concordais com o que digo. Se não, de vós me despeço e vou cumprir o meu dever sozinho até que a morte me arrebate.
Dom Tello se entusiasma com as palavras de Diego Machuca e responde:
- Muito me agrada o vosso conselho, Diego, pois é dever de cavaleiros que somos fazer o que dizes. Os que quiserem nos seguir venham conosco, e se não quiserem, iremos nós dois, Diego Machuca, cumprir nosso dever até à morte.
Todos os cavaleiros protestaram que iriam juntos dar combate aos mouros. Assim, embaraçaram seus escudos para se tornarem mais resistentes, inclinaram os corpos sobre os arções das  selas, empunharam bem firme suas lanças e partiram pra cima da mourisma,
De cima do castelo as damas viram ao longe aquela mancha de cavaleiros cristãos ir aos poucos penetrando por dentro do exército mouro, através de turbantes e mantos, passo a passo. Os cristãos eram uma mancha de morte pela frente dos mouros, e para trás, de seus cavaleiros que também tombavam. De repente, um cavaleiro conseguiu abrir uma brecha entre os mouros e passa, e após ele outro e depois outro. Em instantes contam-se vinte cavaleiros que conseguem passar pelos inimigos e correm para a porta do castelo, que é logo aberta para acolhê-los, todos muito feridos, cheios de sangue e areia, mas dando sinais de vitalidade para muitas lutas ainda.
A noite estava chegando sem os mouros iniciar a invasão do castelo. “Talvez tenham resolvido deixar para o outro dia de manhã”, foi o que pensaram os sitiados. Logo que amanhece, todos correm para os parapeitos e o que vêem: as tendas de Alhamar haviam desaparecido. Pensou o emir que o castelo estava cheio de homens e que agora ficava mais fortalecido com os vinte cavaleiros que haviam furado o cerco e lá penetrado. Assim, resolveu partir sem realizar sua empresa.

A coragem de homens e mulheres, o valor indômito desta gente, de certo modo o medo e covardia dos mouros, tudo junto, mas principalmente as orações fervorosas do rei de Castela, São Fernando, salvaram o castelo Martos, residência de Dom Alvar, de cair em mãos inimigas. Seria uma catástrofe se tal ocorresse, pois tanto o castelo quanto a condessa sendo refém se tornariam presas importantes para a causa muçulmana

domingo, 20 de novembro de 2016

CRISTO, REI DO UNIVERSO




Cristo, Rei do Universo


Evangelho:
35 O povo estava a observar. Os príncipes dos sacerdotes com o povo O escarneciam dizendo: "Salvou os outros, salve-Se a Si mesmo, se é o Cristo, o escolhido de Deus!" 36 Também o insultavam os soldados que, aproximando-se dele e oferecendo-lhe vinagre, 37 diziam: "Se és o Rei dos judeus, salva-Te a Ti mesmo!" 38 Estava também por cima de sua cabeça uma inscrição: "Este é o Rei dos judeus". 39 Um daqueles ladrões que estavam suspensos da cruz, blasfemava contra ele, dizendo: "Se és o Cristo, salva-Te a Ti mesmo e a nós" 40 O outro, porém, tomando a palavra, repreendia-o dizendo: "Nem tu temes a Deus, estando no mesmo suplício? 41 Quanto a nós se fez justiça, porque recebemos o castigo que mereciam nossas ações, mas Este não fez nenhum mal." 42 E dizia a Jesus: "Senhor, lembra-Te de mim, quando entrares no teu Reino!" 43 Jesus disse-lhe: "Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no Paraíso." (Lc 23, 35-43).

Por direito de herança e de conquista, Cristo reina com autoridade absoluta sobre todas as criaturas. Entretanto, não governa segundo os métodos do mundo.
Mons. João Clá Dias, EP
I - REI NO TEMPO E NA ETERNIDADE
Ao ouvirmos este Evangelho da Paixão, de imediato surge em nosso interior uma certa perplexidade: por que a Liturgia, para celebrar uma festa tão grandiosa como a de Cristo Rei, terá escolhido um texto todo ele feito de humilhação, blasfêmia e dor?
Tanto mais que, em extremo contraste com esse trecho de São Lucas, a segunda leitura de hoje nos apresenta Jesus Cristo como sendo "a imagem do Deus invisível, o Primogênito de toda a criação (...) porque foi do agrado do Pai que residisse n'Ele toda a plenitude" (Col 1, 15 e 19). Como conciliar esses dois textos, à primeira vista, tão contraditórios?





 Para melhor compreendermos esse paradoxo, devemos distinguir entre o Reinado de Cristo nesta terra e o exercido por Ele na eternidade. No Céu, seu reino é de glória e soberania. Aqui, no tempo, ele é misterioso, humilde e pouco aparente, pelo fato de Jesus não querer fazer uso ostensivo do poder absoluto que tem sobre todas as coisas: "Foi-me dado todo o poder no Céu e na terra" (Mt 28, 18).
Apesar de as exterioridades nos causarem uma impressão enganosa, Ele é o Senhor Supremo dos mares e dos desertos, das plantas, dos animais, dos homens, dos anjos, de todos os seres criados e até dos criáveis. Porém, diante de Pilatos, assevera: "O meu Reino não é deste mundo" (Jo 18, 36), porque não quer manifestar seu império em todas as suas proporções, a não ser por ocasião do Juízo Final.
Assim, enquanto o Evangelho nos fala de seu Reinado terreno, a Epístola proclama o triunfo de sua glória eterna. No tempo, vemo-Lo exangue, pregado na Cruz entre dois ladrões, sendo escarnecido pelos príncipes dos sacerdotes e pelo povo, insultado pelos soldados e objeto das blasfêmias do mau ladrão. A Liturgia exige de nós um esforço de fé para, indo além do fracasso e da humilhação, crermos na grandiosidade do Reino de Jesus.
Por outro lado, errôneo seria imaginar que Ele não deve reinar aqui na terra. Para compreender bem o quanto Cristo é Rei, é preciso diferenciar seu modo de governar daquele empregado pelo mundo.
O governo humano, quando ateu, encontra sua força nas armas, no dinheiro e nos homens. Tem por finalidade as grandes conquistas territoriais, perdurar longamente e alcançar a felicidade terrena. Porém, o tempo sempre demonstra o quanto esses objetivos são ilusórios e até mentirosos. As armas em certo momento caem ao solo, ou se voltam contra o próprio governante; o dinheiro é por vezes um bom vassalo mas sempre um mau senhor; os homens, quando não assistidos pela graça, neles não se pode confiar.
Napoleão Bonaparte é um bom exemplo do vazio enganador no qual se fundamentam os Impérios neste mundo. Basta imaginá-lo proclamando seu fracasso do alto de um penhasco na ilha Santa Helena, durante o penoso exílio ao qual ficara reduzido. Em síntese, a plenitude da felicidade de um governador terreno é um sonho irrealizável. E ainda que ela fosse atingível, a nós caberia a frase do Evangelho: "Que aproveitará ao homem ganhar o mundo inteiro se perder a sua alma?" (Mc 8, 36).
II - A REALEZA ABSOLUTA DE CRISTO
A Realeza de Cristo é bem outra. Ele de fato é Rei do Universo e, de maneira muito especial, de nossos corações. Ele possui uma autoridade absoluta sobre todas as criaturas e já muito antes de sua Encarnação, quando se encontrava no seio do Padre Eterno, ouviu estas palavras:
"Tu és meu Filho, eu hoje te gerei. Pede- me; dar-te-ei por herança todas as nações; tu possuirás os confins do mundo, tu governarás com cetro de ferro" (Sl 2, 7-9).
Rei por direito de herança
Ele é o unigênito Filho de Deus e por Este foi constituído como herdeiro universal, recebendo o poder sobre toda a criação, no mesmo dia em que foi engendrado (1).
Rei por ser Homem-Deus
Por outro lado, Jesus Cristo é Deus e, assim sendo, tudo foi feito por ele, o Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis. Senhor absoluto de toda existência, do Céu, da terra, do sol, das estrelas, das tempestades, das bonanças. Seu poder é capaz de acalmar as mais terríveis ferocidades dos animais bravios e as procelas dos mares encapelados. Os acontecimentos, as forças físicas e morais, a guerra e a paz, a pobreza e a fartura, a humilhação e a glória, o revés e o sucesso, as pestes, os flagelos, a doença e a saúde, a morte e a vida, estão todos ao dispor de um simples ato de sua vontade. Aí está um Governo incomparável, superior a qualquer imaginação, e do qual ninguém ou nada poderá se subtrair.
O título de Rei Lhe cabe mais apropriadamente do que às outras duas Pessoas da Trindade Santíssima, por ser o Homem-Deus, conforme comenta Santo Agostinho: "Apesar de que o Filho é Deus e o Pai é Deus e não são mais que um só Deus, e se o perguntássemos ao Espírito Santo, Ele nos responderia que também o é...; entretanto, as Sagradas Escrituras costumam chamar de rei, ao Filho" (2).
De fato, o título de Rei, quando aplicado ao Pai, é usado de forma alegórica para indicar seu domínio supremo. E se quisermos atribuí-lo ao Espírito Santo, faltará exatidão jurídica, por tratar-se Ele de Deus não-encarnado, pois, para ser Rei dos homens é indispensável ser Homem. Deus não encarnado é Senhor, Deus feito homem é o Rei.
Rei por direito de conquista
Jesus Cristo é nosso Rei também por direito de conquista, por nos ter resgatado da escravidão a Satanás.
Ao adquirirmos um objeto às custas de nosso dinheiro, ele nos pertence por direito. Mais ainda se o obtivermos através de duras penas, pelos esforços de nosso trabalho, e muito mais, se for conseguido pelo alto preço de nosso sangue. E não fomos nós comprados pelo trabalho, sofrimentos e pela própria morte de Nosso Senhor Jesus Cristo? É São Paulo quem nos assevera: "Porque fostes comprados por um grande preço!" (I Cor 6, 20).
Rei por aclamação
Cristo é nosso Rei por aclamação. Antes mesmo das purificadoras águas do Batismo serem derramadas sobre nossa cabeça, nós O elegemos para ser o regente de nossos corações e de nossas almas, através dos lábios de nossos padrinhos. Por ocasião do Crisma e a cada Páscoa, de viva voz nós renovamos essa eleição, sempre de um modo solene.
Rei do interior dos homens e de todas as exterioridades
Não houve, nem jamais haverá um só monarca dotado da capacidade de governar o interior dos homens, além de bem conduzi-los na harmonia de suas relações sociais, seus empreendimentos, etc. O único Rei pleníssimo de todos os poderes é Cristo Jesus.
Exteriormente, pelo seu insuperável e arrebatador exemplo - além de suas máximas, revelações e conselhos - Ele governa os povos de todos os tempos, tendo marcado profundamente a História com sua Vida, Paixão, Morte e Ressurreição. Por meio do Evangelho e sobretudo ao erigir a Santa Igreja, Mestra infalível da verdade teológica e moral, Jesus perpetua até o fim dos tempos o imorredouro tesouro doutrinário da fé. Através dessa magna instituição Ele orienta, ampara e santifica todos os que nela ingressam, e vai em busca das ovelhas desgarradas.
Aqui precisamente se encontra o principal de seu governo neste mundo: o Reino Sobrenatural que é realizado, na sua essência, através da graça e da santidade.
Nosso Senhor Jesus Cristo enquanto a "videira verdadeira" é a causa da vitalidade dos ramos. A seiva que por eles circula, alimentando flores e frutos, tem sua origem n'Aquele Unigênito do Pai (Jo 15, 1-8). Ele é a Luz do Mundo (Jo 1, 9; 3, 19; 8, 12; 9, 5) para auxiliar e dar vida aos que dela quiserem se servir para evitar as trevas eternas. Jesus - segundo a leitura de hoje - é "a cabeça do corpo que é a Igreja, é o Princípio, o Primogênito entre os mortos, de maneira que tem a primazia em todas as coisas, porque foi do agrado do Pai que residisse n'Ele toda a plenitude e que por Ele fossem reconciliadas consigo todas as coisas, pacificando pelo Sangue da sua Cruz, tanto as coisas da terra, como as do Céu" (Col 1, 18-20).
O Reinado de Cristo, em nosso interior, se estabelece pela participação na vida de Jesus Cristo. Só no Homem- Deus se encontra a plenitude da graça, enquanto essência, virtude, excelência e extensão de todos os seus efeitos. Os outros membros do Corpo Místico participam das graças que têm sua origem em Jesus, a cabeça que vivifica todo o organismo. Quem de maneira privilegiadíssima tem parte em grau de plenitude nessa mesma graça, é a Santíssima Virgem.
Dada a desordem estabelecida em nós após o pecado original, acrescida pelas nossas faltas atuais, nossa natureza necessita do auxílio sobrenatural para atingir a perfeição. Sem o sopro da graça, é impossível aceitar a Lei, obedecer aos preceitos morais, não elaborar razões falsas para justificar nossas más inclinações e conhecer, amar e praticar a boa doutrina de forma estável e progressiva. Ela refreia nossas paixões e as equilibra nos gonzos da santidade, orienta nosso espírito, modera nossa língua, tempera nosso apetite, purifica nosso olhar, gestos e costumes. É através da graça que nossa alma se transforma num verdadeiro trono e, ao mesmo tempo, cetro de Nosso Senhor Jesus Cristo. E é nessa paz e harmonia que se encontra nossa autêntica felicidade, e esse é o Reino de Cristo em nosso interior.
E qual o principal adversário contra esse Reino de Cristo sobre as almas? O pecado! Por isso mesmo, se alguém tem a desgraça de o cometer, nada fará de melhor do que procurar um confessionário e com arrependimento ali declará-lo a fim de ver-se livre da inimizade de Deus. É impossível gozar de alegria com a consciência atravessada pelo aguilhão de uma culpa. Nessa consciência não reinará Cristo; e se ela não se reconciliar com Deus, aqui na terra, tampouco reinará com Ele na glória eterna.
III - A IGREJA, MANIFESTAÇÃO SUPREMA DO REINADO DE CRISTO
O júbilo e às vezes até mesmo a emoção, penetram nossos corações ao contemplarmos estas inflamadas palavras de São Paulo: "Cristo amou a Igreja e Se entregou a Si mesmo por ela, para a santificar, purificando-a no batismo da água pela Palavra, para apresentar a Si mesmo esta Igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga ou coisa semelhante, mas santa e imaculada" (Ef 5, 25-27).
Porém, ao analisarmos a Igreja militante, na qual hoje vivemos, com muita dor encontramos imperfeições - ou pior ainda, faltas veniais - nos mais justos, conferindo opacidade a essa glória mencionada por São Paulo. Entre as ardentes chamas do Purgatório, está a Igreja padecente, purificando-se de suas manchas. Até mesmo a triunfante possui suas lacunas, pois, exceção feita da Santíssima Virgem, as almas dos bem-aventurados foram para o Céu deixando seus corpos em estado de corrupção nesta terra, onde aguardam o grande dia da Ressurreição.
Portanto, a "Igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga ou coisa semelhante, mas santa e imaculada" , manifestação suprema da Realeza de Cristo, ainda não atingiu sua plenitude.
E quando definitivamente triunfará Cristo Rei? Só mesmo depois de derrotado seu último inimigo, ou seja, a morte! Pela desobediência de Adão, introduziram-se no mundo o pecado e a morte. Pelo seu Preciosíssimo Sangue Redentor, Cristo infunde nas almas sua graça divina e aí já se dá o triunfo sobre o pecado. Mas a morte será rendida com a Ressurreição no fim do mundo, conforme o próprio São Paulo nos ensina:
"Porque é necessário que Ele reine, ‘até que ponha todos os inimigos debaixo de seus pés'. Ora, o último inimigo a ser destruído será a morte; porque Deus ‘todas as coisas sujeitou debaixo de seus pés' " (I Cor 15, 25- 26).
Cristo Rei, por força da Ressurreição que por Ele será operada, arrancará das garras da morte a humanidade inteira, como também iluminará os que purgam nas regiões sombrias. Ao retomarem seus respectivos corpos, as almas bem-aventuradas farão com que eles possuam sua glória; e assim, serão também os eleitos outros reis cheios de amor e gratidão ao Grande Rei. Apresentarse- á o Filho do Homem em pompa e majestade ao Pai, acompanhado de um numeroso séqüito de reis e rainhas, tendo escrito em seu manto: "Rei dos reis e Senhor dos senhores" (Apoc 19, 16)
IV - SE CRISTO É REI, MARIA É RAINHA
Se Cristo é Rei por ser Homem-Deus e recebeu o poder sobre toda a Criação no momento em que foi engendrado, daí se deduz ter sido realizada no puríssimo claustro maternal de Maria Virgem a excelsa cerimônia da unção régia que elevou Cristo ao trono de Rei natural de toda a humanidade. O Verbo assumiu de Maria Santíssima nossa humanidade, e assim adquiriu a condição jurídica necessária para ser chamado Rei, com toda a propriedade. Foi também nesse mesmo ato que Nossa Senhora passou a ser Rainha. Uma só solenidade nos trouxe um Rei e uma Rainha.
V - CONCLUSÃO
Agora sim, estamos aptos a entender e amar a fundo o significado do Evangelho de hoje. A resposta ao povo e aos príncipes dos sacerdotes que escarneciam contra Jesus: "Salvou os outros, salve-Se a Si mesmo, se é o Cristo, o escolhido de Deus" (v. 35), como também aos próprios soldados romanos em seus insultos: "Se és o Cristo, salva-Te a Ti mesmo" (v. 37), transparece claramente nas premissas até aqui expostas.
Eles eram homens sem fé e desprovidos do amor a Deus, julgando os acontecimentos em função de seu egoísmo e por isso levados a se esquecerem de sua contingência. Cegos de Deus, já há muito afastados de sua inocência primeva, perderam a capacidade de discernir a verdadeira realidade existente por trás e por cima das aparências de derrota que revestiam o Rei eterno transpassado de dor sobre o madeiro, desprezado até pelas blasfêmias de um mau ladrão. Não mais se lembram dos portentosos milagres por Ele operados, nem sequer de suas palavras: "Julgas porventura que Eu não posso rogar a meu Pai e que poria já ao meu dispor mais de doze legiões de anjos?" (Mt 26, 53). Sim, se fosse de sua vontade, numa fração de segundo poderia reverter gloriosamente aquela situação e manifestar a onipotência de sua realeza, mas não o quis, como o fez em outras ocasiões: "Jesus, sabendo que O viriam arrebatar para O fazerem rei, retirou-se de novo, Ele só, para o monte" (Jo 6, 15).
Quem discerniu em sua substância a Realeza de Cristo foi o bom ladrão, por se ter deixado penetrar pela graça. Arrependido em extremo, aceitou compungido as penas que lhe eram infligidas, e reconhecendo a Inocência de Jesus no mais fundo de seu coração, proclamou os segredos de sua consciência para defendê-La das blasfêmias de todos: "Nem tu temes a Deus, estando no mesmo suplício? Quanto a nós se fez justiça, porque recebemos o castigo que mereciam nossas ações, mas Este não fez nenhum mal" (vv. 40-41). Eis a verdadeira retidão. Primeiro, humildemente ter dor dos pecados cometidos; em seguida, com resignação abraçar o castigo respectivo; por fim, vencendo o respeito humano, ostentar bem alto a bandeira de Cristo Rei e aí suplicar- Lhe: "Senhor, lembra-Te de mim, quando entrares no teu Reino!" (v. 42)
Tenhamos sempre bem presente que só pelos méritos infinitos da Paixão de Cristo e auxiliados pela poderosa mediação da Santíssima Virgem nos tornaremos dignos de entrar no Reino.
Seguindo os passos da conversão final do bom ladrão, poderemos esperar com confiança ouvir um dia a voz de Cristo Rei dizendo também a nós: "Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no Paraíso" (v. 43).
1 ) cf. Hb 1, 2-5.
2 ) Enarrat. in Ps. 5 n. 3: PL 37, 83
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Eis uma solução eficaz para todas as crises atuais: a celebração solene da festa de Cristo Rei
Assim se exprime o Papa Pio XI a esse respeito:
Cristo, fonte da verdadeira Paz
Se soubessem os homens resolver-se a reconhecer a autoridade de Cristo em sua vida particular e pública, deste ato para logo dimanariam em toda a humanidade incomparáveis benefícios: uma justa liberdade, a ordem e o sossego, a concórdia e a paz (...).
Se os príncipes e governos legitimamente constituídos tivessem a persuasão de que regem menos no próprio nome do que em nome e lugar do Rei Divino, é manifesto que usariam do seu poder com toda a prudência, com toda a sabedoria possíveis Em legislar e na aplicação das leis, como haveriam de atender ao bem comum e à dignidade humana de seus súditos! Então floresceria a ordem, então veríamos difundirem- se e firmarem-se a tranqüilidade e a paz (...).
Oh! que ventura não pudéramos gozar, se os indivíduos, se as famílias, se a sociedade se deixasse reger por Cristo! "Então finalmente - para citarmos as palavras que, há 25 anos, o Nosso Predecessor Leão XIII dirigia aos bispos do mundo inteiro - fora possível sanar tantas feridas; o direito recobraria seu antigo viço, seu prestígio de outras eras; tornaria a paz com todos os seus encantos. e cairiam das mãos armas e espadas, quando todos de bom grado aceitassem o império de Cristo, Lhe obedecessem, e toda língua proclamasse que Nosso Senhor Jesus Cristo está na glória de Deus Padre" (Enc Annum Sacrum) (...).
As festividades, mais eficazes que os documentos
A fim de que a sociedade cristã goze largamente de tão preciosas vantagens, e para sempre as conserve, é mister que se divulgue quanto possível o.conhecimento da dignidade real de Nosso Salvador Ora, nada pode, pelo que nos parece, conseguir melhor este resultado, do que a instituição de uma festa própria e especial em honra de Cristo Rei.
Com efeito, para instruir o povo nas verdades da fé e levá-lo assim às alegrias da vida eterna, mais eficazes que os documentos do Magistério eclesiástico são as festividades anuais dos sagrados mistérios. Os documentos do Magistério, de fato, apenas alcançam. um restrito número de espíritos mais cultos, ao passo que as festas atingem e instruem a universalidade dos fiéis Os primeiros, por assim dizer, falam uma vez só, as segundas falam sem intermitência de ano para ano; os primeiros dirigem-se, sobretudo, ao entendimento; as segundas influem não só na inteligência, mas também no coração, quer dizer, no homem todo Composto de corpo e alma, precisa o homem dos incitamentos exteriores das festividades, para que, através da variedade e beleza dos sagrados ritos, recolha no ânimo a divina doutrina, e, transformando- em substância e sangue, tire dela novos progressos em sua vida espiritual.
Além disso, ensina-nos a própria História, que estas festividades litúrgicas foram introduzidas no decorrer dos séculos, umas após outras, para. responder a necessidades ou vantagens espirituais do povo cristão. Foram-se constituindo para fortalecer os ânimos em presença de algum inimigo comum, para premunir os espíritos contra os ardis da heresia, para mover e inflamar os corações a celebrar com a mais ardente piedade algum mistério de nossa fé ou algum benefício da divina graça (...) Assim se deu com a festa de Corpus Christi, instituída quando se esfriava a reverência e o culto para com o Santíssimo Sacramento.
Instituição da festa
A festa, doravante anual, de "Cristo-Rei" dá-nos a mais viva esperança de acelerarmos a tão desejada volta da humanidade a seu Salvador amantíssimo (...) Uma festa, anualmente celebrada por todos os povos em homenagem a Cristo-Rei, será sobremaneira eficaz para condenar e ressarcir, de algum modo, esta apostasia pública (...).
Portanto, em virtude de Nossa autoridade apostólica, instituímos a festa de "Nosso Senhor Jesus Cristo Rei", mandando que seja celebrada cada ano, no mundo inteiro, no último domingo de outubro (...) porque ele, em certo modo, encerra o ciclo do ano litúrgico. Destarte, os mistérios da vida de Jesus Cristo, comemorados no decorrer do ano que finda, terão na solenidade de "Cristo-Rei" seu como termo e coroa.
(Transcrito da revista "Arautos do Evangelho", Nov/2004)