segunda-feira, 31 de outubro de 2016

A BATALHA DE VALVERDE E A AÇÃO ANGÉLICA DIRIGINDO O SANTO CONDESTÁVEL DE PORTUGAL



A 06 de novembro comemora-se a festa do maior herói de Portugal, o famoso Condestável São Nuno de Santa Maria, ou simplesmente São Nun’Álvares Pereira. Relatamos abaixo uma de suas mais grandiosas vitórias, na Batalha de Valverde,relembrada neste mês de outubro (14.10.1385), que foi ganha graças a um Anjo que lhe guiou.
Enquanto o rei de Portugal, Dom João I, partia para o norte a fim de consolidar suas conquistas e se firmar na posse de seus domínios, São Nuno seguiu em direção contrária, a fronteira, onde era necessário alguém como ele para manter os castelhanos longe de seus propósitos de invasão. Era a fronteira o local mais difícil, onde os próprios nobres portugueses viviam, ora indeciso ora propensos a apoiar o inimigo. Indo para lá, São Nuno teria condições de manter os limites geográficos e étnicos de seu país. Seu ímpeto guerreiro não se contentava, agora, em ficar na defensiva; por isso, partiu para invadir o território inimigo, a fim de demonstrar aos castelhanos que Portugal agora tinha um exército e um Condestável invencível no seu comando.
E a situação havia mudado. Seu exército agora era composto de mais de mil lanças, com mais de dois mil peões e besteiros. Avançou intimorato pela fronteira a dentro e, quando se deu conta, já havia avançado mais de vinte léguas em território inimigo, no coração da Estremadura. No entanto, ele sabia que estava sendo espionado e que encontraria batalha mais adiante.  Quando chegam em Vila Garcia, encontram o castelo vazio, pois todos os seus defensores haviam fugido apavorados. Aproveitou e mandou seus homens confraternizarem-se com a população.
Percebendo que o inimigo não tinha coragem de enfrentá-lo, resolveu ir mais adiante: fazer uma romaria em Santa Maria de Guadalupe com seus homens. Parecia que toda a Castela lhe era dócil e lhe pertencia. De repente, ouviram o soar de trombetas. Todos se sobressaltaram, pensando que finalmente o inimigo vinha para o combate. Mas, não. Era apenas um arauto que se aproximava. Vinha da parte do senhor "Barbuda", o Mestre de Alcântara, sobraçando um feixe de varas. Cada vara era o símbolo de uma espada. O arauto ajoelhou-se humildemente e transmitiu a mensagem:
- Senhor Condestável: o mestre de Santiago, Dom Pedro Muñoz, meu amo, ouvindo dizer que estais em sua terra e lhe fazeis estragos nela, vos manda desafiar e vos envia esta vara.
São Nuno recebeu a vara da mão do arauto e respondeu:
- Sede bem-vindo com tais novas.
Mas o arauto continuou:
- Senhor Condestável: o conde de Niebla, Dom João Afonso de Guzmán, ouvindo dizer como andais na terra de el-rei, seu senhor, roubando e destruindo como não deves, vos envia esta vara.
Nova vara foi entregue a São Nuno. O Condestável recebia a vara com a mão direita e passava para a esquerda, num ato solene e grave. Desta vez, nada respondeu, mas esperou que o arauto continuasse.
- Senhor Condestável: o Mestre de Calatrava, Dom Gonçalo Nuñez de Guzmán, sabendo como entras pela terra de el-rei seu senhor, para prejudicar e destruir, vos manda desafiar e vos envia esta vara.
Desta forma, a cena continuou, com o arauto entregando todas as varas que trazia, cada uma representando um poderoso senhor de Castela. O molho de varas era grande, o que poderia causar arrepios ou mesmo terror entre os portugueses.  Mas nada disto ocorreu. São Nuno permaneceu com seu semblante sério a manifestar tremenda frieza.  Quando o arauto terminou de entregar a última vara, São Nun'Álvares lhe responde segurando o feixe na mão esquerda:
- Amigo meu, sede bem-vindo com as novas que trazeis. Nada mais me podia alegrar tanto como essas do desafio. Dizei-o ao seu senhor.
Em seguida, o Condestável volta-se para os seus homens e diz:
- Vedes, amigos, como é certo o que eu vos dizia estes dias? Que o Mestre, meu senhor e meu amigo, não me havia de deixar passar sem nos fazer guerra? Ora, é mister que estejamos prontos para ela. Quem tão boas novas nos trouxe, razão é que tenha boas alvíssaras...
Mandou dar ao arauto cem dobras de ouro, dizendo-lhe:
- Dizei ao Mestre, meu senhor e meu amigo, e aos senhores que com ele estão, quanto lhes agradeço os seus desafios... e mais ainda estas varas, com as quais brevemente os vergastarei...
Para dar mais ênfase à suas palavras, pegou algumas varas e começou a brandi-las açoitando o vento. Em seu semblante, todos percebiam o quanto estava alegre com aqueles gestos.  Aquela ironia tinha duplo efeito: primeiro causar mais terror ao inimigo, notando-o tão dono de si; e em segundo lugar, mostrar aos seus homens que não tinha nenhum medo das bravatas do arauto.
São Nuno não tinha nenhum receio, nenhuma dúvida de que venceria todos os castelhanos juntos que lhe viessem dar batalha. A sua fé, antes de Aljubarrota, era feita de esperança.  Agora era uma certeza bem sedimentada, firme, irredutível de que Deus lhe daria a vitória. Esta certeza era baseada numa Fé autêntica e inabalável.
Depois de aceitar os desafios, São Nuno não ficou parado, avançou mais ainda em território inimigo. Andou mais quinze léguas sem que sofresse combate. O Mestre de Alcântara seguia os invasores à distância, sem se atrever a enfrentá-los. Quando chegou às margens do rio Guadiana, São Nuno ali resolveu acampar.
Estava com o acampamento já terminado quando viu no alto a presença das forças inimigas. Passaram todo o dia vendo-se um frente ao outro, mas sem que ninguém tomasse a iniciativa do ataque. No dia seguinte, as forças portuguesas estavam melhor preparadas para o confronto, mas souberam que os castelhanos ainda esperavam reforços de Sevilha, de Córdoba, de Jaén, da Mancha e do reino de Aragão. E eles não faziam segredo dos reforços que estavam para vir e até usavam isto para tentar amedrontar o inimigo. Os poucos prisioneiros feitos pelos homens de São Nuno falavam destas forças com muita ênfase. Tais notícias seriam de molde a apavorar um ânimo que não fosse tão valoroso quanto o do Condestável.
A situação agora era inversa da batalha de Aljubarrota. Era São Nuno que tinha que forçar passagem entre os castelhanos, tendo que vencer uma posição bem entrincheirada de um exército superior em número e poder. Mas a hoste portuguesa, comandada pelo Condestável, compunha-se de homens aguerridos e submissos a seu capitão como se ele fosse o pai de todos, um homem predestinado por Deus e assistido por um poderoso Anjo.  O exército de Castela era brilhante, com armas novas e reluzentes, comandado por homens bem treinados e experientes, mas faltava-lhes o fator unidade, consistência, disciplina e amor aos comandantes por parte dos soldados.
A hoste de São Nuno formou-se em seu quadrado característico para se proteger.  Para melhor defender-se precisavam passar o rio naquele ponto, onde era raso. Mas quando se propunham a fazê-lo, viram-se de repente cercados de todos os lados pelo inimigo. Os ataques vinham de três direções, pela frente e pelos flancos, impelindo-os de costas contra o rio.  Mas, ao passá-lo, tinham a esperá-los na outra margem grossas tropas inimigas. Dir-se-ia que estavam perdidos.
Cerrado e inexpugnável, o quadrado português avançava compactamente, defendo-se como podia contra a nuvem de lanças, de setas, de pedras e de virotões.  Foram precipitados para o rio de roldão e, sem desfazer a ordem de batalha em que estavam, uma espécie de fortaleza ambulante, passaram o rio a vau, e na outra margem deram de cara com cerrada formação castelhana. Passado o rio, o cerco do inimigo cada vez mais se fechava como uma tenaz, mas os portugueses continuavam seu caminho em busca do local que o Condestável julgava ser adequada para um combate mais vantajoso.  Subiam paulatinamente a encosta próxima, procurando romper as forças adversárias, mas não o conseguiam.
O Condestável era a alma do exército português. Ia de um lado a outro, animando, combatendo, ora na vanguarda ora na retaguarda, sem nenhum esmorecimento, sem pedir nenhuma trégua. Era um homem que nada o abatia, permanecia firme, inabalável, intimorato e aguerrido, comandava naturalmente pela expansão de sua simpatia comunicativa.  Era como se fosse um rochedo em torno do qual se agarravam aquele milhar de homens para defender suas vidas.
O homem da guerra era também o homem místico, pois rezava constantemente quando estava em combate. Era comum ouvir as vozes angélicas que o orientavam nos combates, mudando constantemente de tática, fazendo-o ir vencendo aos poucos, cada centímetro, cada metro do terreno, em busca de um objetivo final. E isto só era obtido porque tudo para São Nuno tinha caráter religioso, tudo dependia da Providência divina, nada acontecia ao acaso, sem que os Anjos não tivessem alguma participação, principalmente naqueles momentos de batalha. Em pleno combate, sua face se iluminava com uma auréola de satisfação, respirava em todos os seus poros heroísmo e santidade. Era como se fosse o próprio Deus dos exércitos a se refletir numa pessoa humana.
Em dado momento, uma seta veio cravar-se em seu pé. Mesmo assim ferido, continuou animando e lutando, ora na retaguarda, ora na vanguarda.  Numa destas intervenções, gritaram da retaguarda que o inimigo estava ganhando aquele setor. Foi para lá o grande herói, postou-se na frente de seus homens, mesmo com o pé ferido, e após breve combate conseguiu repelir a investida inimiga e arrumar a defensiva novamente.  Da mesma forma que veio auxiliar os seus naqueles momentos, assim também partiu talvez para a vanguarda não se sabe.
O certo é que, de repente, o Condestável desapareceu da vista de seus homens. A hoste portuguesa não conseguia mais avançar, ficara ali estática, porque faltava quem os comandasse. Seu comandante simplesmente sumira, não o encontravam em lugar nenhum. Chamavam por Nun'Álvares para um lado e para o outro, mas ele não ouvia lhe chamar, não aparecia nos combates. Para onde fora? Teria morrido ou fugido? Estas cogitações eram impensáveis em seus homens, principalmente o da fuga.  Procuravam-no por toda a parte, aflitos, como quem busca o próprio pai na hora do desespero, em busca de auxílio..
De súbito, Rui Gonçalves depara-se com o Condestável. De joelhos, entre dois rochedos, estava em êxtase, com as mãos postas e os olhos voltados para o céu. Ao seu lado, sua montaria e o pajem segurando a lança e o braçal de seu senhor. Naquela angústia em que se encontrava, foi rezar a Deus quando um Anjo lhe aparece e o deixa fora de si na contemplação das maravilhas divinas.  Rui Gonçalves declarou posteriormente que o viu com a alma transportada para o céu falando com Deus. Ficou ali parado a contemplá-lo, temendo tirá-lo daquele embevecido êxtase. Aquela cena, onde o escudeiro e o amigo Rui ficavam pasmados em silêncio a contemplá-lo, contrastava completamente com o fragor da terrível batalha que se desenrolava nas proximidades.
Passado o primeiro espanto, Rui Gonçalves resolve agir e grita:
- Estamos perdidos!
São Nun'Álvares, meio saindo de seu êxtase, volta-se e diz:
- Rui Gonçalves, caro amigo, ainda não é tempo. Aguardai um pouco e acabarei de rezar.
Neste ínterim, outros companheiros também já o tinham encontrado e começaram a vituperar o Condestável. Um deles foi enfático:
- Nada de rezas, assim morreremos todos!
Quando seus homens começaram a chegar angustiados, São Nuno sai de seu êxtase. Ergue-se, firma-se nos pés, apura o ouvido e as vistas. Põe a mão sobre o ombro de seu alferes, Diogo Gil, aponta para o lado e diz:
- Vês as bandeiras que estão no cume daquele monte? A mais alta deve ser a do Mestre de Santiago.
- Vejo, meu senhor!
- Pois vamos lá com nossas espadas até junto dela! Amigos, avante! Que cada um de nós seja para quatro deles!
Aquelas bandeiras significavam que ali estavam os principais comandantes das tropas castelhanas. Provavelmente reuniam-se em conselho sobre os destinos da batalha. Num arroubo, os portugueses partiram para lá, guiados por São Nuno e sua espada sagrada, e num instante subjugaram todos eles. Vencidos os chefes, o resto foi facilmente entregue às mãos portuguesas.  Num só lance, todo o comando inimigo caíra em mãos do Condestável. Quando souberam do ocorrido, os castelhanos começaram a fugir, pois todas as tropas estavam agora sem comando.
O milagre aconteceu: os portugueses, em número inferior, dentro do território inimigo, venceram o poderoso exército castelhano. Tudo graças ao denodo, à coragem, ao idealismo de um Cavaleiro cristão, que dedicou toda sua vida à fé católica, e por isso foi avisado por um Anjo, em seu êxtase, de que deveria seguir aquele caminho que daria exatamente dentro do comando inimigo.
São Nun'Álvares foi com os seus dormir calmamente em Valverde, e  no dia seguinte seguiu viagem de retorno às suas terras. Após dezoito dias de campanha, havia conquistado muitas riquezas de seus inimigos. Muito maior, porém, foi a lição que dera aos castelhanos, com o intuito de inspirar-lhes medo e respeito. Quando chegou em Elvas, São Nuno reúne seus homens e distribui com eles todo o abundante saque que trouxera.
O reino de Castela em peso entrava em desespero por mais este desastre, causado por um homem que eles desdenhavam com menosprezo. O rei compareceu às cortes em Valadolid vestido de luto, ordenando que houvessem procissões e jejuns para reparar a vergonha e afronta sofrida.  O que mais afetava o orgulho castelhano era considerar que as derrotas haviam sido sofridas exatamente pelas humildes forças portuguesas. Envergonhava-os verem-se vencidos por este punhado de homens, que eles julgavam ser meros rebeldes a seu rei.

(Relato baseado no livro "A Vida de Nun'Álvares", de Oliveira Martins, Lello & Irmão - Editores, Porto, 1983).


A propósito do episódio acima, Dr. Plínio fez os seguintes comentários:
“Aflitos, percebendo as tropas recuarem ... respondeu o Capitão: ainda não chegou a hora, esperai que termine a minha prece”.
Quando ele tiver acabado de rezar aí chegou a hora de Deus, e ele então vai lutar.
“Insistem os Oficiais, mas Nuno continua rezando. Afinal ergue-se, empunha a lança, salta no cavalo, e avança direto ao estandarte do chefe castelhano, que tremulava, como que já indicando a vitória. As tropas portuguesas recobram ânimo, o Condestável precipita-se para o comando inimigo, destroça a guarda do chefe castelhano, fere-o de morte e arrebata-lhe o estandarte; é assegurada a vitória, embora tremenda batalha ainda se prolongue por dois dias”.
Os senhores estão vendo o que é. Ele estava rezando, mas naturalmente teve uma inspiração para não interromper a oração dele, pois coisas dessas só se fazem mediante inspiração. Se alguém fosse imitar uma coisa dessas, seria uma imprudência, porque na hora de batalhar é para batalhar, a gente reza antes, faz jaculatórias durante. Mas Deus às vezes pede atos de confiança destes a seus eleitos. E naturalmente houve uma interferência de Deus, uma interferência da graça no íntimo da alma dele, que fez compreender que Deus, Nossa Senhora, queriam que no momento ficasse rezando. Então ele atende a essa (influência) da graça, esse mandado da graça, e fica rezando e ganha a batalha, e ganha precisamente a batalha porque ele obedeceu a Deus, ele obedeceu a Nossa Senhora.

(Plínio Corrêa de Oliveira - Conferência de 06 de novembro de 1964 )





terça-feira, 25 de outubro de 2016

SANTOS MACABEUS, PREFIGURAS DOS MÁRTIRES CRISTÃOS


O maior sofrimento que havia para as mulheres mártires era para aquelas que eram mães. Principalmente se elas tinham seus filhos como cristãos, portanto fortes candidatos ao martírio juntamente com elas. No tempo dos Macabeus, que, embora não houvesse chegado o Cristianismo o espírito cristão já predominava naquela família, o rei Antíoco determinou que seu deus, Júpiter Olímpico, fosse também adorado entre os hebreus de Jerusalém. Havia na cidade vários templos e altares consagrados aos deuses pagãos, mandados construir por Antíaco, e a família dos Macabeus era a última resistência dos hebreus contra esta investida idolátrica.
Como se fosse uma prefigura dos mártires cristãos, ocorreu o martírio dos sete irmãos macabeus, assim narrados pela Sagrada Escritura:

"Aconteceu também que, tendo sido presos sete irmãos com sua mãe, o rei os queria obrigar a comer carne de porco contra a lei, atormentando-os para isso com açoites que lhes davam com azorragues e nervos de boi.
Um deles, em nome de todos, falou assim: Que pretendes, que queres saber de nós ? Estamos prontos antes a morrer que violar as leis de nossos pais.  O rei, irritado, mandou pôr ao fogo frigideiras e caldeirões.  Logo que ficaram em brasa, ordenou que se cortasse a língua ao que tinha falado primeiro, e que, arrancado da cabeça o couro cabeludo, lhe cortassem também as extremidades, à vista dos outros seus irmãos e de sua mãe. Depois de estar assim mutilado, mandou que o chegassem ao fogo e o torrassem na frigideira, quando ainda respirava. Enquanto se difundia largamente o vapor da frigideira, os outros (irmãos) exortavam-se mutuamente com sua mãe, a morrerem corajosamente, dizendo: O Senhor Deus vê e consola-se em nós, conforme o declarou Moisés no seu cântico de protesto (contra Israel), por estas palavras: Ele será consolado nos seus servos.
Morto deste modo o primeiro, levaram o segundo ao suplício. Arrancado da cabeça o couro cabeludo, perguntaram-lhe se queria comer (das carnes que lhe apresentavam) antes que ser atormentado em cada um dos membros do seu corpo. Respondendo na língua de seus pais, disse:  Não! Pelo que também esse padeceu os mesmos tormentos que o primeiro. Estando já para dar o último suspiro, disse desta maneira: Tu, ó malvado, fazes-nos perder a vida presente, mas (Deus) o Rei do universo, nos ressuscitará para a vida eterna, a nós  que morremos, por fidelidade ás suas leis.
Depois deste, torturaram também o terceiro. Tendo-lhe sido pedida a língua, ele a apresentou logo, assim como estendeu as mãos corajosamente, e disse afoito: Do céu recebi estes membros, mas agora os desprezo pela defesa das suas leis, esperando que ele nos tornará a dar um dia. O próprio rei e os que o acompanhavam admiraram o valor deste jovem, que reputava por nada os tormentos.
Morto este, atormentaram da mesma forma o quarto. Quando ele estava já para expirar, disse: Felizes os que são entregues á morte pelos homens, esperando em Deus que hão de ser por Ele ressuscitados; porém, quanto a ti (ó rei),a tua ressurreição não será para a vida.
Em seguida, pegaram no quinto e atormentaram-no. Mas ele, olhando para o rei disse-lhe: Tu fazes o que queres, porque recebeste o poder entre os homens, ainda que mortal entre eles; todavia não cuides que Deus desamparou a nossa nação;  espera e verás quão grande é o seu poder e como ele te atormentará a ti e a á tua raça.
Após este, levaram (ao suplício)  o sexto, que, quando estava perto de morrer, disse: Não te iludas;  se padecemos isto, é porque o merecemos pelos pecados contra o nosso Deus, pelos quais vêm sobre nós tão espantosos flagelos. Mas não imagines que hás de ficar sem castigo, depois de teres empreendido combater contra Deus".

A Sagrada Escritura detalha o suplício dos sete irmãos, até o sexto, sem falar que a mãe os assistia. Mas é de se imaginar, como a seguir narra a Bíblia. Se ela estava presente, vendo seus filhos serem martirizados, e da forma mais horrorosa conforme descrita, que sofrimentos indescritíveis não estaria também passando. Cada filho que ia para o sacrifício era uma tremenda dor para seu coração de mãe. Certamente, tanto os maus conselhos das pessoas que a acompanhavam como em seu interior, devem ter surgido várias tentações para ceder; e, cedendo, poderia ganhar talvez não a vida de seus filhos, mas a sua.
Mas a Sagrada Escritura não se esqueceu de mãe tão heróica,  e relata como ela enfrentou tamanho martírio:

"Entretanto a mãe deles, sobremaneira admirável e digna de memória, vendo morrer os seus sete filhos em um só dia, suportou heroicamente a sua morte, pela esperança que tinha no Senhor. Cheia de nobres sentimentos, exortava, na língua de seus pais, a cada um deles em particular, dando firmeza, com ânimo varonil, à sua ternura de mulher. Dizia-lhes: Não sei como fostes formados no meu ventre; não fui eu que vos dei o espírito e a vida, ou que formei os membros do vosso corpo. O Criador do mundo, que formou o homem no seu nascimento e deu origem a todas as coisas, vos tornará a dar o espírito e a vida, por sua misericórdia, em recompensa do quanto agora vos desprezais a vós mesmos, por amor das suas leis".
A estas alturas, o tirano que desta forma martirizava toda uma família, filhos e mãe, estava desesperado porque chegando ao sexto filho nada conseguia. Só restava o filho mais novo e a mãe, ambos agora mais unidos ainda em torno de seus princípios religiosos e mais amparados por Deus.  Que fazer?  Faltava usar de lisonja e fingida amizade. Continuemos o relato pela Sagrada Escritura:
"Ora, Antíaco, considerando-se desprezado e julgando que aquelas palavras (dos mártires)  eram um insulto para ele, como falasse ainda o mais novo, não somente o exortava, mas ainda lhe assegurava com juramento que o faria rico e ditoso, que o teria na classe dos seus amigos e  lhe confiaria altos cargos se abandonasse as leis dos seus pais. Como o jovem de nenhum modo consentisse em tais coisas, o rei chamou a sua mãe, e aconselhou-a a que fizesse àquele jovem recomendações para salvar a vida. Depois de a ter exortado com muitas razões, ela lhe prometeu que procuraria persuadir seu filho. Tendo-se, pois, inclinado para lhe falar, zombando deste cruel tirano, disse-lhe na língua pátria: Meu filho, tem compaixão de mim, que te trouxe nove meses no meu ventre, que te amamentei durante três anos, que te nutri e eduquei até esta idade. Suplico-te, meu filho, que olhes para o céu e para a terra e para todas as coisas que há neles, e que penses bem que Deus os criou do nada, assim como a todos os homens. Não temas este algoz, mas sê digno de teus irmãos, aceita a morte, para que eu te encontre com eles no dia da misericórdia".

As últimas palavras desta mãe revelam bem o grau heróico de virtudes que ela praticava neste momento. Provavelmente ela estava assistida por vários anjos, e sua alma era fortalecida por graças extraordinárias dadas por Deus, pois naturalmente nenhuma pessoa seria capaz de resistir a tantos tormentos e depois desejar a morte de seu último filho, após perder seis, um após outro, pelo mesmo motivo, resistir impavidamente abraçando os princípios religiosos que herdara de seus pais e que julgava em seu interior serem inspirados pelo Deus verdadeiro.  Que outra mãe, em outro período histórico, sendo crente de outra religião, teria assim resistido às investidas contra seus princípios dando a própria vida e a de seus sete filhos? Não, não há registro histórico de caso semelhante.
E continuemos com o relato da Bíblia, com todo o seu sabor sobrenatural:

"Quando ela ainda estava falando, o jovem disse: Que esperais vós de mim? Eu não obedeço ao mandado real, mas às prescrições da lei que foi dada a Moisés a nossos pais. Quanto a ti, autor de todos os males que oprimem os hebreus, às mãos de Deus não escaparás. Quanto a nós, por causa de nossos pecados é que padecemos; e se o Senhor nosso Deus se irou um pouco contra nós para nos castigar e corrigir, tornar-se-á a reconciliar outra vez com os seus servos. Tu, porém, ó malvado e o mais perverso de todos os homens, não te ensoberbeças loucamente erguido em vãs esperanças, quando levantas a mão  contra os servos de Deus, porque ainda não escapaste ao juízo de Deus onipotente, que tudo vê.  Meus irmãos, depois de terem suportado agora uma dor transitória, entraram já na aliança da vida eterna;  tu, porém, tens de sofrer, pelo juízo de Deus, a pena justamente devida á tua soberba. Eu como meus irmãos, entrego o meu corpo e a minha vida em defesa das leis de meus pais, rogando a Deus que, quanto antes, se mostre propício à nossa nação e te constranja, por meio de tormentos e de flagelos, a confessar que ele é o único Deus.  Oxalá que na minha morte e na de meus irmãos se detenha a ira do Todo-Poderoso, que justamente caiu sobre todo o nosso povo. Então o rei, abrasado em ira, embraveceu-se  contra este mais cruelmente que contra os outros, não suportando sofrer ver-se assim escarnecido. Morreu este jovem sem se contaminar, confiando inteiramente no Senhor.  A mãe foi a última a morrer, depois de seus filhos" (II Mac 7, 1-41).
Realmente, é muito melancólico e frio o final do relato tirado da Sagrada Escritura.  De tudo o que sofreu aquela mãe, de todo o seu valor heróico, se diz pouco, a não ser que "foi a última a morrer depois de seus filhos".  Mas é que a simples morte diz pouco sobre o martírio. O epílogo foi a morte, mas o principal estava no sofrimento que ela teve ao ver seus sete filhos serem barbaramente assassinados, de uma forma desumana e cruel, antes dela mesma.
A Festa dos Santos Mártires Macabeus é celebrada pela Igreja no dia 01 de agosto.


segunda-feira, 24 de outubro de 2016

MARIA SANTÍSSIMA, O PARAÍSO DO NOVO ADÃO




(COMENTÁRIOS DE DR. PLÍNIO CORRÊA DE OLIVEIRA SOBRE A VIRGEM MARIA SANTÍSSIMA)



Uma das obras mais ricas e empolgantes sobre Nossa Senhora é, sem dúvida, o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, de São Luís Maria Grignion de Montfort. Nele encontramos sempre ensinamentos que nos convidam a crescer no amor e na devoção a Ela, além de se prestarem a valiosos desdobramentos acerca das insondáveis e maravilhosas perfeições da Mãe de Deus.
Tomemos, por exemplo, um pequeno trecho desse magnífico Tratado, para comentá-lo passo a passo. Discorrendo sobre como devemos fazer todas as ações com Maria, em Maria e por Maria, explica o sano autor:
“Para compreender cabalmente essa prática, é preciso saber que a Santíssima Virgem é o verdadeiro paraíso terrestre do novo Adão, de que o antigo paraíso terrestre é apenas figura. Há, portanto, nesse paraíso terrestre riquezas, raridades e doçuras inexplicáveis que o novo Adão, Jesus Cristo, aí deixou”.

Excelência interior de Nossa Senhora

Como se sabe, Adão foi criado no Paraíso Terrestre. Era o lugar de maravilhas, de esplendores, de felicidade, do qual ele e Eva foram expulsos, depois de caírem na tentação do demônio e prevaricarem contra os preceitos divinos. Contudo, aquele era o paraíso do primeiro homem.
Ora, Nosso Senhor Jesus Cristo é considerado, a justo título, o segundo Adão. Quer dizer, aquele que veio resgatar a humanidade, tirá-la das sombras da morte e restabelecê-la no estado de graça, através da imolação que Ele fez de si mesmo no alto da Cruz. E assim como primeiro Adão foi criado num paraíso, o novo Adão deveria ser criado igualmente num lugar de delícias imaculadas. Esse segundo paraíso é Nossa Senhora. Ou seja, tudo o que o Éden terrestre tinha de belo e de esplêndido na sua realidade material, Maria possuía ainda mais belo e esplêndido na sua realidade espiritual.
E Nosso Senhor Jesus Cristo, vivendo em Nossa Senhora, teve maior felicidade e contentamento do que Adão no seu paraíso, pois assim como o Filho de Deus era infinitamente superior a Adão, o paraíso d’Ele era insondavelmente mais precioso e excelente que o do primeiro homem. Por isso São Luís Grignion fala de “riquezas, belezas, raridades e doçuras” que existiam nele.
Tratam-se de aspectos distintos. Riqueza é a abundância das coisas úteis, e nem sempre envolve a beleza. Por outro lado, algo pode ser muito belo sem ser necessariamente rico, e pode ser raro, sem representar riqueza ou beleza especiais. Nesse novo Paraíso havia, portanto, extraordinárias raridades, belezas e riquezas espirituais, além de incomparáveis doçuras.
A doçura é uma qualidade que torna alguma coisa amena, agradável de tato, suave de contato . Por exemplo, o bem-estar que uma pessoa sente quando se encontra à sombra de determinadas árvores frondosas, a faz experimentar uma satisfação e uma harmonia que são diferentes da realidade da riqueza e da beleza. É o mesmo aconchego que se sente, aliás, à beira de um bonito lago, de um riacho ou, conforme o momento, à beira do mar. Enfim, há uma doçura que não se esgota nos termos de beleza, nem de riqueza, nem de raridade.

Nossa Senhora e a Igreja, perfeições recíprocas

E São Luís Grignion faz então um inventário desses quatro valores, para nos dizer que tudo isso existe em Nossa Senhora, e nos leva a compreender o que n’Ela há de riqueza, beleza, raridade e doçura. Desse modo, embora a Santíssima Virgem seja inesgotável, vamos adquirindo um conhecimento classificado das perfeições e magnificências contidas na sua alma.
Por via de comparação, deveríamos proceder da mesma maneira em relação à Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Porque quase tudo que se diz de Nossa Senhora, se diz da Igreja; e, reciprocamente, quase tudo o que se diz da Igreja, se diz de Nossa Senhora. Maria é Mãe de Cristo, a Igreja é a Esposa Mística d’Ele, e entre a Mãe e a esposa existem essas correlações que facilmente podemos compreender.
Podendo conhecer a Igreja Católica, no que ela tem de essencial, no seu esplendor copioso que atravessou os séculos, também nos é dado distinguir suas riquezas, suas belezas, suas raridades e doçuras...

Dotada de graças indizíveis

Concluindo seu pensamento, São Luís afirma que tais maravilhas foram deixadas nesse segundo paraíso pelo próprio novo Adão. É a idéia de que Nosso Senhor Jesus Cristo, durante o tempo sacratíssimo em que Ele se formou no ventre materno, cumulou-o de excelências de toda ordem. Depois, pelo convívio entre Filho e Mãe, desde o nascimento d’Ele até a Ascensão, enriqueceu-A ainda mais. Adão, no primeiro paraíso, parece ter sido apenas um consumidor; não consta que fosse um embelezador, embora, permanecendo fiel, provavelmente lhe coubesse a tarefa de construir ali uma civilização que aprimorasse tudo quanto recebera de Deus. Ao contrário dele, Nosso Senhor requintou e elevou o paraíso onde esteve, isto é, aprimorou e dotou Nossa Senhora de graças indizíveis, fazendo-o, segundo a expressão de São Luís Grignion, “com a magnificência de um Deus”.
Analisemos. A magnificência de um Deus é a magnificência total. O autor lembra, de passagem, que ninguém pode realizar coisas tão magníficas quanto Deus. E se é verdade que o paraíso do novo Adão foi mais esplêndido do que o do primeiro, devemos deduzir que Nossa Senhora é incomparavelmente mais bela que todo o universo. Quer dizer, estrelas, sol, lua, água, lírios do campo, nada tem qualquer paralelo com a beleza espiritual e física da Santíssima Virgem.

Terra imaculada para o corpo do novo Adão

“Esse lugar sacratíssimo é formado de uma terra vigem e imaculada da qual se formou e nutriu o novo Adão, sem a menor mancha ou nódoa, por operação do Espírito Santo que aí habita. É nesse paraíso terrestre que está, em verdade, a árvore da Vida que produziu Jesus Cristo. Há, nesse lugar divino, árvores plantadas pela mão de Deus e orvalhadas por sua unção divina, árvores que produziram e produzem todos os dias frutos maravilhosos, de um sabor divino; há canteiros esmaltados de belas e variegadas flores de virtudes, cujo perfume delicia os próprios anjos”.
São outras lindas comparações.
Assim como Adão foi formado e partir do barro, e em seguida Deus lhe insuflou a alma, assim também o novo Adão foi constituído da carne virginal de Nossa Senhora, por obra do Espírito Santo. Depois, havia uma árvore da vida no paraíso antigo, porém no paraíso novo existia outra, que produziu o mais precioso dos frutos, Jesus Cristo. É uma referência à fecundidade imaculada de Nossa Senhora.
Os belos canteiros, flores e frutos variegados simbolizam os dons e virtudes de Maria Santíssima, que deixam os próprios Anjos – tão santos e puros – extasiados.

Fortaleza invencível, caridade abrasadora

“Há torres inexpugnáveis e fortes, habitações cheias de encanto e segurança”.
Como em todo o texto de São Luís, temos aqui mais uma imagem muito bonita. Ela nos faz pensar num castelo com torres inexpugnáveis, cheias de encanto e segurança, com maravilhas dentro e robustíssimas por fora. Essa é a virtude da fortaleza que em Nossa Senhora protege todas as demais virtudes.
“Ninguém, exceto o Espírito Santo, pode dar a conhecer a verdade oculta sob essas figuras de coisas materiais. Reina nesse lugar um ar puro, sem infecção, um ar de pureza; um elo dia sem noite, da humanidade santa; um belo sol sem sombras, da Divindade; uma fornalha ardente e contínua de caridade, na qual todo o ferro que aí se lança fica abrasado e se transforma em ouro”.
São Luís Grignion, referindo-se aos elementos materiais que relacionou nesse paraíso, afirma que só com o auxílio da graça alguém pode fazer idéia do que eles significam enquanto aspectos físicos, espirituais e sobrenaturais de Nossa Senhora. Quer dizer, Ela é bela como o dia por sua natureza, mas Cristo, que habitou n’Ela, não é apenas o dia, mas é o sol, a fonte de todo o esplendor diurno. Então, Jesus é o astro soberano da divindade presente em Maria.
Depois, a igualmente magnífica simbologia da fornalha ardente e abrasadora de caridade, de amor a Deus, que é a Santíssima Virgem. Uma pessoa pode ser dura e fria como o ferro, porém, lançada nessa fornalha, isto é, sendo muito devota de Nossa Senhora e n’Ele confiando, transforma-se não apenas em ferro incandescente, mas em ouro. O contato com Maria muda a alma por completo, a nobilita e santifica.

Abundância de humildade e virtudes cardeais

“Há um rio de humildade que surge da terra e que, dividindo-se em quatro braços, rega todo esse lugar encantado: são as quatro virtudes cardeais”.
Por fim, um outro conceito muito bonito.  As quatro virtudes cardeais são aquelas que regulam todas as ações do homem: a justiça, a temperança, a fortaleza e a prudência. Todas as outras virtudes decorrem dessas. Então, São Luís Grignion diz que em Nossa Senhora há como que um rio de humildade, que se abre em quatro braços e dá origem às mencionadas principais virtudes.
Mas a imagem significa também que uma pessoa verdadeiramente humilde possui de modo torrencial as virtudes cardeais. E o que é ser verdadeira humilde?
Antes e acima de tudo é ser humilde para com Deus, reconhecendo tudo o que devemos a Ele e retribuí-lo. Sermos, portanto, em relação a Deus, amorosos, fiéis, filiais, paladinos da causa d’Ele até o último ponto, vivendo hum holocausto contínuo a serviço d’Ele. A autêntica humildade coloca uma alma nessa posição, e é dessa maneira que esta última adquire, abundantemente, as quatro virtudes cardeais.
E assim era Nossa Senhora.
Aqui temos, portanto, um pouco daquele bem-estar de que falamos atrás, proporcionado pelas doçuras da Santíssima Virgem. É impossível comentar-se algo a respeito d’Ela, sem se ter a impressão de que estamos junto a um rio ou a uma árvore sobrenatural, sentindo, num plano diferente, aquela satisfação particular que experimentamos á beira dos rios ou à sombra das árvores naturais.
Acredito que, após um dia passado no corre-corre de uma cidade supermoderna, supertrepidante, superdinâmica, deter-se um pouco na consideração desse panorama maravilhoso que é a alma de Nossa Senhora é algo que sempre nos fará bem...

(Plinio Corrêa de Oliveira - Revista “Dr. Plínio”, nº 52, de julho de 2002)



domingo, 16 de outubro de 2016

A BELEZA DO SANTÍSSIMO NOME DE MARIA



(COMENTÁRIOS DE DR. PLÍNIO CORRÊA DE OLIVEIRA SOBRE A SANTÍSSIMA VIRGEM MARIA)


A fim de tecermos algumas considerações sobre o nome de Maria Santíssima, creio que devemos analisar, inicialmente, o significado do nome de uma pessoa.
Pela descrição da Sagrada Escritura (Gn 2, 18-20) sabemos que Deus fez desfilar diante de Adão todos os animais criados, e o primeiro homem, após observar cada um, determinou como eles haviam de ser chamados. Deu-lhes, portanto, um nome que era a definição daquela criatura, uma palavra que correspondia ao sentido mais profundo da natureza de cada animal.

Imagens da perfeição de Deus

Ora, perguntar-se-ia, qual é o sentido de um animal?
Este, por menor que seja, é um ser extremamente rico porque vivo, com um grau de vida pelo qual não só existe, mas se move por si mesmo. Além disso, refletem aspectos da perfeição infinita de Deus.
Tomemos, por exemplo, a águia. Ave esplêndida, da qual é próprio ostentar suas garras, suas grandes asas, sua força e seu ímpeto. Porém, mais do que esses atributos, ela simboliza uma certa qualidade de Deus, e tudo quanto há de físico na águia, sua anatomia e fisiologia, concorre para expressar essa característica divina.
Adão, conhecendo e interpretando essa expressão, resumiu no nome que pôs á águia o simbolismo daquela perfeição do Criador. Donde, o nome de cada animal representar, na verdade, a sua essência, o sentido mais profundo desse reflexo de um aspecto de Deus.


Exaltando o nome de Maria damos glória a Deus

Se o nome de um animal possui semelhante expressão, é de se admirar que expressão ainda maior entrou na composição do nome da Virgem Santíssima. Nossa Senhora foi chamada Maria, porque concebida sem pecado original; n’Ela tudo se harmonizava no grau super-excelente próprio àquela que estava destinada a ser a Mãe do Verbo de Deus encarnado. Assim, o nome de Maria, de um modo meio misterioso, significa não apenas um, mas o conjunto dos aspectos infinitamente perfeitos e Deus que Ela representa tão especialmente.
Daí decorre essa verdade: quando glorificamos o nome de Maria, glorificamos esse sentido mais profundo da pessoa d’Ela. E, portanto, glorificamos o próprio Deus de uma forma magnífica, louvando-O na figura de sua Mãe amadíssima.

Nomes perfeitos para Jesus e Maria

Creio ser interessante ressaltar também a relação maravilhosa e insondável entre o nome e a pessoa, no que diz respeito a Nosso Senhor e Nossa Senhora.
Com efeito, de todos os nomes existentes na Terra, haveria um que pudesse ser dado a Nosso Senhor Jesus Cristo igual ao nome Jesus?
Como disse, é uma questão um tanto insondável, mas para nossa ótica Ele só poderia chamar-se Jesus. Imaginemos que Lhe fosse dado um dos nomes consagrados por grandes santos, como Francisco, Antonio, João... Não. Jesus é o nome d’Ele!
O mesmo se pode dizer do santíssimo nome de Maria. Procure-se para Nossa Senhora um nome que pudesse substituir o seu e não se achará. Só podia ser Maria.
Trata-se de nomes, portanto, ligados meio misteriosamente ao sentido profundo da natureza humana de Nosso Senhor Jesus Cristo e de sua Mãe, de tal maneira que constituem um lindo conjunto. Quando, no fim de uma carta, assinamos in Jesu et Maria – “em Jesus e Maria” , percebe-se uma tal afinidade entre os dois nomes que se diria a harmonia entre duas maravilhosas notas musicais.

Razão de ser da festa do nome de Maria

Por tudo isso se compreende que a Igreja tenha instituído uma festa litúrgica para o sacratíssimo nome de Jesus, celebrada em janeiro, e outra para o santíssimo nome de Maria, no dia 12 de setembro. Ou seja, uma comemoração particular para o nome, pois este é uma espécie de símbolo e de definição de quem o possui.
Quando o Verbo Encarnado considera em si a união das duas naturezas numa só pessoa, ou quando o Padre Eterno ou o Divino Espírito Santo consideram no Filho essa união, ocorre-Lhes o nome Jesus. E quando contemplam Nossa Senhora, vem-Lhes o nome de Maria.

(Conferência em 12/9/1988)



(Texto extraído da revista “Dr.Plínio”, n. 126, de setembro de 2008)

terça-feira, 11 de outubro de 2016

O VALOR DA MANSIDÃO



A mansidão, às vezes, exige o uso da violência

O que é a mansidão? Virtude que na Sagrada Escritura é tida como uma grande conformidade à vontade divina. Isso diz tudo: se nossa vontade é a potência essencial para exercer o poder de regência, estando ela em plena conformidade com a divina isso quer dizer que Deus estará nos regendo de forma mansa e  pacífica. Esta virtude caracteriza o perfeito Cristão (Gál 6-1; Ef 4,2 e Cols 3, 12) e é exaltada como uma das principais da regência divina, pois Deus “...reina por meio da Verdade, da Mansidão e da Justiça” (Sl 44, 5).
Se a mansidão é uma virtude muito importante para o convívio social, como se explica que Deus tenha inspirado, e até exigido, (e, por vezes, assim agido) que os dirigentes do povo eleito tomassem posse da terra pela força das armas? Seria mais normal que Deus quisesse reger pelo império da força do que o da persuasão?
Deus não só inspirou, mas até animou alguns patriarcas, como Moisés e Josué, a invadir a terra prometida por meio de armas. No entanto, o uso da mansidão é claro, não havendo discordância do que preceituou no Evangelho quando disse que “os mansos possuirão a terra” ao animar Josué, por exemplo, a agir sem temor e com ânimo forte (Josué  1, 9). A mansidão era exigida para se obter o sucesso: “Tem ânimo, pois, e reveste-te de grande fortaleza, para observar e cumprir toda a lei” (Jos 1, 7). Quer dizer, “cumprir a lei” é cumprir a vontade de Deus, condição essencial para se tornar manso. A vontade divina, no caso, era dividida em duas partes: 1) cumprir a Lei; 2) cumprida a Lei, Deus os faria tomar posse das terras, que, no caso, não poderia ser pacífica essa posse, haja vista que tais localidades eram possuídas por povos maus e diabólicos. E de tal forma o “cumprimento da lei” era rigoroso no ato de se tomar posse das terras que Deus exigia, inclusive, o extermínio dos povos inimigos: “Por isto conhecereis que o Senhor, o Deus vivo, está no meio de vós, e exterminará à vossa vista  o cananeu, o heteu, o heveu, o ferezeu, o gergeseu, o jebuseu e o amorreu” (Jos 3, 10). Aqui está claro que o extermínio era obra do próprio Deus, mas há momentos em que Ele exige que o mesmo seja feito por quem exerce a regência de seu povo.
Na maioria dos casos o dirigente do povo eleito faria como o fez Josué, que ordenou que “todos os que sois mais valentes passai armados à frente de vossos irmãos, e pelejai por eles” (Jos 1, 14), indicando que mansidão não quer dizer pacifismo e cordura demasiada com o inimigo de Deus.
Tais episódios servem para demonstrar a necessidade de se difundir entre os povos o temor divino, naqueles tempos quase inexistente. E o temor de Deus era constantemente alimentado, tanto por Moisés como por Josué, sendo útil para se incentivar entre eles a mansidão. Foi esse temor que fez a prostituta Raab tornar-se mansa e fosse colaborar com os invasores de Jericó (Jos 2, 10-11): ela soubera que o povo eleito passara incólume pelo Mar Vermelho que se abriu milagrosamente para ele, e este fato deveria fazer com com que aquele povo pagão temesse o Deus verdadeiro que havia feito aquele prodígio. Posteriormente, novo prodígio ocorreria, desta vez com o rio Jordão dando passagem aos hebreus guiados por Josué (Jos 3, 15-17 e 4, 22-24).
Tudo indica que o Anjo, ao aparecer a Josué (Jos 5, 13-16) tinha a missão de ordenar como deveria ser feito o cerco a Jericó (Jos 6, 2-5), onde algumas determinações deveriam ser cumpridas: não haveria saques (Jos 6, 18-19), mas deveriam matar além dos homens também as mulheres, velhos e crianças (Jos 6, 21), até mesmo os animais. Puseram fogo na cidade, mas, antes disso, salvaram o ouro, a prata, o cobre e o ferro, que seriam destinados ao “tesouro do Senhor” (Jos 6, 24).  Tais metais eram utilizados pelos gentios, geralmente, para a fabricação de ídolos ou para simples prazeres mundanos, sendo agora destinados a uma causa divina.
Antes desse massacre, a cidade ficou sitiada por sete dias, ocasião em que toda a população (ou pelo menos alguns), cheia de temor, poderia sair e pedir clemência. Os sitiantes passavam diante das muralhas tocando suas trombetas, fazendo com que entre eles se relembrassem os episódios em que Deus protegera os israelitas. A única a escapar foi Raab porque tornou-se mansa e fez um acordo de delação com os espias de Josué e, por causa disso, obteve clemência e passou a viver entre o povo eleito. Por que os demais não fizeram o mesmo? Provavelmente havia um tal domínio diabólico sobre aquele povo que o fez tornar-se não somente incrédulo do poder divino, mas, pior ainda, obstinados no mau. Só havia uma forma de interromper a regência que os anjos maus exerciam sobre aquele povo: a perspectiva da morte e da condenação eterna..

A mansidão de Moisés, exaltada pelo próprio Deus
Ao nascer Moisés os filhos de Israel já eram mais de dois milhões, segregados dos egípcios, praticando rituais diferentes (como a circuncisão e a imolação de animais), crendo num Deus diferente, não se miscigenando nem se acostumando completamente aos costumes pagãos.  E assim progrediram formando um povo, embora vivendo numa espécie de gueto e debaixo do poder de um outro. Moisés criou-se, portanto, num ambiente diferente do de sua gente. Isso deve tê-lo feito ficar muito versado nos conhecimentos egípcios e caldeus, mas também pode ter lhe transmitido alguma influência pagã. É o caso, por exemplo, de haver matado o homem que açoitava um operário hebreu e tê-lo escondido na areia. Foi este o fato que o fez fugir do Egito para não ser morto, tendo que morar com um sacerdote madianita chamado Jetro, pai de Séfora sua futura esposa. Moisés morou 40 anos com Jetro em Madian, sofrendo grande influência do mesmo. Era tão grande a influência de Jetro sobre Moisés que este seguiu prontamente seus conselhos quando se encontrava no deserto com o povo hebreu (Ex 18, 13-26). É provável que Jetro o tenha convertido ao verdadeiro caminho de Deus, pois foi a partir do momento que foi conviver com ele que o Senhor lhe apareceu e o escolheu para salvar o povo judeu tornando-o “o homem mais manso de todos os homens que havia na terra” (Num 12-3).
Os 120 anos de vida de Moisés foram divididos em três partes iguais: 40 anos entre os egípcios, 40 com seu sogro Jetro e os restantes 40 conduzindo o povo pelo deserto. Foi necessário 40 anos de ação divina em sua alma para que obtivesse aquela mansidão e entendesse onde estava a verdadeira vontade divina. Entre os egípcios teve vida cheia de prática e conhecimentos daquele povo, inclusive morando entre pessoas da elite dirigente, pois foi achado e criado por familiares do Faraó. Aprendeu a arte da guerra, a escrita cuneiforme que os egípcios aprenderam com os sumérios, a arte de embalsamar os mortos e alguns princípios doutrinários dos sacerdotes egípcios, que eram influenciados remotamente pelos antigos sumérios e caldeus. O saber manejar a escrita foi fator importante para a elaboração dos livros sagrados. E conhecer as religiões egípcias foi também importante para saber com que povo teria que se defrontar. Quando suscitava as pragas com que Deus castigava o Egito recusou a proposta do Faraó, para que imolassem lá mesmo suas vítimas, dizendo: “Não se pode fazer assim, porque sacrificaremos ao Senhor nosso Deus animais que para os egípcios é sacrilégio matar; e se nós diante dos egípcios matarmos o que eles adoram nos apedrejarão” (Ex 8, 26). Moisés revela, assim, grande conhecedor e respeitador da opinião pública e procura evitar entrar em choque com ela. 

Manso, mas um general, guerreiro e comandante implacável nas guerras
Tendo que enfrentar diversos povos hostis, Moisés deixou instruções detalhadas da forma como deveriam os hebreus guerrear contra eles. Mas, se para obter sucesso tinha que, antes de tudo, cumprir a vontade divina e tornar-se mansos, deveriam ser castos e puros: “Quando saíres a combater contra os teus inimigos abster-te-ás de toda a coisa má. Se entre vós houver (algum) homem que esteja impuro, por causa dum sonho noturno, sairá para fora do acampamento, e não voltará antes de se ter lavado em água à tarde; depois do sol posto tornará a ir para o acampamento” (Deut 23, 9-11).  Na maioria dos casos a tônica era um discurso inflamado, cheio de confiança na proteção divina: “Se saíres à guerra contra os teus inimigos, e vires os seus cavalos e carroças, e o exército contrário mais numeroso que o que tu tens, não os temerás, porque o Senhor, teu Deus, que te tirou da terra do Egito, é contigo”. Tão rigorosa era a seleção para os que iriam combater que, de 630 mil homens aptos para a guerra no tempo de Moisés, na época de Josué só restavam 40 mil.
Em seguida, dando-se início a batalha ele diz como devem ser animados os soldados para a guerra: “Quando se aproximar a batalha, o pontífice estará diante do exército, e falará assim ao povo: Ouve, ó Israel, vós estais hoje para combater contra os vossos inimigos, não se atemorize o vosso coração, não temais, não recueis nem lhes tenha medo, porque o Senhor, vosso Deus, está no meio de vós e combaterá por vós contra vossos inimigos, para vos livrar do perigo”. Este  discurso deverá ser proferido pelo pontífice para assim trazer as bênçãos de Deus para o exército. Mas logo a seguir os comandantes das tropas, os oficiais e comandantes, deverão falar aos soldados:
 “Os oficiais também de cada esquadrão, ouvindo todo o exército, gritarão: Quem é o homem que tenha edificado uma casa nova e a não tenha ainda estreado? Vá e torne para sua casa; não suceda que morra na batalha e outro a estreie” (Deut 20, 5).  A referência à “casa nova” dá a idéia de que esta ordem deveria ser cumprida depois do povo haver se estabelecido em cidades, pois não se compreende que andando no deserto, com tendas portáteis, alguém tenha a idéia de construir sua casa. Da mesma forma , todo aquele que tenha plantado uma vinha, o medroso, o tímido, ou o que tenha desposado uma mulher, isto é, tenha algo que o apegue aos bens terrenos não deve ir para a batalha mas fique em casa. Também, não deveriam combater os recém-casados: “Quando um homem tiver tomado uma mulher há pouco tempo, não irá à guerra, nem se lhe imporá cargo algum público, mas estará descansando sem culpa em sua casa, a fim de passar alegre um ano com sua mulher” (Deut 24, 5). Nenhuma lei trabalhista moderna concede um prazo tão longo para uma lua-de-mel.
Outra recomendação importante que demonstra quanto se prezava a mansidão e paz: ao se aproximarem de uma cidade para ser tomada, antes lhes mande mensageiros propondo uma paz. “Se ela aceitar e te abrir as portas, todo o povo que houver nela será salvo e te ficará sujeito pagando tributo. Mas, se não quiser aceitar as condições e começar a guerra contra ti, cercá-la-ás. E, quando o Senhor, teu Deus, ta houver entregado nas mãos, passarás a fio da espada todos os varões que nela há, poupando as mulheres, as crianças, os animais, e tudo o mais que houver na cidade.”  Esta norma, porém, era diferente para aquelas cidades que Deus havia prometido dar ao povo hebreu: “Quanto àquelas cidades, porém, que te hão de ser dadas, não permitirás que alguém fique vivo, mas passá-lo-ás ao fio da espada...  para que não suceda que vos ensinem a cometer todas as abominações que eles mesmos praticaram para com os seus deuses...” (Deut 20, 1-20).
Quando um comandante, um general, um chefe militar qualquer, quer conquistar o território inimigo, manda alguns espiões ou exploradores na frente para averiguar o terreno inimigo. Assim, estando no início da caminhada pelo deserto Moisés mandou 12 homens explorar as terras que iriam ser invadidas pelo povo hebreu (Deut 1, 23). Os homens voltaram acovardados, principalmente pelo fato de terem visto gigantes combatendo ao lado do inimigo. Mas Moisés os animou dizendo: “Não tenhais medo e não os temais; o Senhor Deus, que é o vosso guia, ele mesmo combaterá por vós, como fez no Egito à vista de todos”.
No tempo de Moisés havia uma tribo de gigantes chamada “emins” e outra chamada “enacins”. Uma delas descendia dos moabitas, filhos de Lot: “Os emins foram os seus primeiros habitantes, povo grande e forte de tal estatura que se tinham por gigantes, da linhagem dos enacins. Enfim os moabitas chamam-nos de emins” (Deut 2, 10). Haviam outras tribos de gigantes. Em terra de Amon havia uma tribo chamada zomzomin, “povo grande e numeroso, e de tal estatura, como os enacins, que o Senhor exterminou diante dos amonitas, e fez habitar estes em lugar daqueles...” (Deut 2, 21). Um gigante famoso foi o filisteu Golias, com 6 côvados de altura, cerca de 2,80 m.
Os hebreus iriam passar por alguns povos que deveriam ser expulsos ou exterminados, e aí Moisés ouvia a voz de Deus ordenar:

 “Levantai-vos e passai a torrente do Arnon; eis que te entreguei nas mãos Seon, rei de Hesebon, amorreu; começa a possuir a sua terra e peleja contra ele. Hoje começarei a pôr o terror e o medo das tuas armas nos povos, que habitam debaixo de todo o céu, para que, ao ouvir o teu nome, temam, e à maneira das mulheres que estão para dar à luz, tremam e sintam dores” (Deut 2, 24-25).  Houve a batalha, pois o rei não aceitou a proposta de paz mandada por Moisés: “Naquele tempo tomamos-lhe todas as suas cidades,  mortos os seus habitantes, homens, mulheres e meninos, e nelas não deixamos nada, exceto os animais, que tocaram aos saqueadores, e os despojos das cidades, que tomamos” (Deut 2, 34-36).

Nada foi poupado, como se vê.  E nunca se ouviu dizer que Moisés tenha proibido de se apossar dos despojos de uma guerra, ele simplesmente os narra como coisa mais normal do mundo. 
Contra os amalecitas, dirigidos pelo rei Amalec, foi necessário Moisés subir o monte juntamente com Arão e Hur e ficar rezando para que Deus desse a vitória a Josué. Cada vez que Moisés mantinha os braços levantados, Josué vencia, e cada vez que baixava os braços, de cansado que estava, Amalec vencia. Seus auxiliares, Arão e Hur, tiveram então a idéia de colocar pedras debaixo de seus braços para que os mesmos não baixassem. Josué ganhou a guerra e passou os inimigos ao fio da espada (Ex 17, 8-16). Depois, Moisés deixou este conselho:

“Lembra-te do que te fez Amalec no caminho, quando saíste do Egito, de como ele te saiu ao encontro e matou os últimos do teu exército, que cansados ficavam atrás, quando tu estavas consumido de fome e de fadiga, e ele não teve nenhum temor de Deus. Quando, pois, o Senhor teu Deus, te tiver dado descanso e tiver sujeitado todas as nações circunvizinhas na terra que te prometeu, apagarás o seu nome debaixo do céu. Olha, não o esqueças” (Deut 25, 17-19).

Houve também a guerra contra o rei Og, de Basan. Este rei era o último sobrevivente da estirpe dos gigantes. “O Senhor, nosso Deus, entregou, pois, nas nossas mãos também Og, rei de Basan, e todo o seu povo; ferimo-lo até o extermínio, devastando ao mesmo tempo todas as suas cidades; não houve cidade que nos escapasse; sessenta cidades, todo o país de Argob pertencente ao reino de Og, de Basan”.  (Deut 3, 3-4). Ressalte-se que nem sequer as crianças foram poupadas: “Destruímo-los, como tínhamos feito a Seon, rei de Hesebon, destruindo as cidades, os homens, as mulheres e as crianças”. Foram mortos também os pais dos reis a fim de se evitar que voltassem a gerar gigantes.
Uma das últimas paradas antes de entrarem na terra prometida era em meio aos madianistas. Estes foram os que tentaram o povo israelita com a idolatria do deus Beelfegor e conseguiram muitos adeptos. Os idólatras hebreus foram punidos com o enforcamento dos principais responsáveis, ocasião em que morreram 24 mil homens (Num 25, 9). Faltava agora punir os madianitas, mas para tanto teria que haver uma guerra. E Deus o exigiu de Moisés, para a qual logo convoca seu povo: “Armem-se para a batalha alguns homens dentre vós, que possam executar a vingança do Senhor sobre os madianitas”. Foram escolhidos mil homens de cada tribo, num total de 12 mil, os quais Moisés enviou com Finéias, abençoado por Deus por ter morto o casal que fornicava (um israelita e uma madianita), tido pela tradição hebraica como o primeiro pontífice escolhido por Deus.
A batalha contra os madianistas foi uma das mais terríveis e arrasadoras: “mataram todos os varões, os seus reis Evi, Recem, Sur, Hur e Rebe...”.  “Tomaram as suas mulheres, os seus filhinhos, todos os seus gados e todos os seus bens; e saquearam tudo o que puderam alcançar. O fogo consumiu as cidades, as aldeias e os castelos”.  Levaram tudo o que foi apreendido ao inimigo até Moisés, ao sacerdote Eleazar e a toda a multidão para mostrar-lhes, mas Moisés ficou irado porque os soldados israelitas haviam poupado as mulheres: “Por que poupastes as mulheres?  Não são elas que, por sugestão de Balaão, seduziram os filhos de Israel e vos fizeram prevaricar contra o Senhor com o pecado de Fegor, pelo qual também o povo foi castigado? Matai, pois, todos os varões, mesmo os de tenra idade, e degolai as mulheres que tiveram comércio com homens; mas reservai para vós as donzelas e todas as mulheres virgens”.  (Num 31, 16-18).
Nesta guerra não morreu um israelita sequer. Após contar todos os soldados disseram os comandantes a Moisés: “Nós, teus servos, fizemos a resenha dos combatentes, que comandávamos, e nem um faltou. Por esta causa cada um de nós oferece por donativo ao Senhor o ouro que pudemos achar na presa, ligas, braceletes, anéis, arrecadas e colares, para que rogues por nós ao Senhor” (Num 31, 49-50). Todo o ouro arrecadado, com o peso de 16.750 ciclos, foi posto no tabernáculo.
No total, Moisés derrotou 8 reis. Josué, no entanto, derrotou muito mais, cerca de 33 reis. E a glória de Josué era apenas parte da de Moisés. Com tudo isso, no entanto, eles o fizeram com muita bondade e mansidão.