sábado, 12 de março de 2016

OS DIREITOS HUMANOS NA EX URSS



Os comunistas sempre tiveram a idéia de se apresentar com certa simpatia à opinião publica e, desta forma, dirigi-la com mais facilidade. No entanto, nem sempre o conseguiam.  Houve reações muito fortes em todos os povos que dominaram.  A partir de certo momento começaram a agir com força a fim de sufocar as vozes discordantes. A partir daí perdiam toda a autenticidade de seu regime. Como conseqüência, ao longo dos anos, perderam também a popularidade. Para mascarar certa popularidade afirmavam cinicamente os próceres comunistas (especialmente em países não comunistas do Ocidente) serem a favor dos “direitos humanos”.
Com o regime comunista nada disto (direitos humanos) existe, conforme podemos constatar nas observações feitas pelo Prof. Plínio Corrêa de Oliveira, em obra publicada em novembro de 1987:
“Tanto esta quanto aquela constituem condições indispensáveis da sanidade de qualquer sistema social ou econômico. E, a quem contestasse a presente afirmação, bastaria lembrar, simplesmente, a trágica experiência comunista das nações detrás da cortina de ferro.
“Ora, diversificam-se estas, como que ao infinito, na imensa área de 22.400.00 km2 da chamada “União das Repúblicas Socialistas Soviéticas” (URSS), a qual abrange condições geográficas e climatéricas que vão de um frio implacável até um calor difícil de suportar. Ademais, nessas vastidões se radicam povos com raças, religiões, hábitos e idiomas dos mais diversos. E, como se sabe, tal diversidade de circunstâncias é fator propício a todas as experiências. Pois o que não der resultado favorável aqui ou lá, bem pode dá-lo acolá.
“Acresce que a autoridades comunistas dispuseram constantemente, para a execução dessa experiência ideal, de todos os meios de mando... excetuada a força moral. Tiveram eles ao seu alcance todos os recursos de uma burocracia onipotente, da força persuasiva da totalidade dos estabelecimentos de ensino primários, secundários e universitários, de todas as formas de propaganda escrita e falada, e, “horresco referens”, de todos os meios de intimidação policialesca. Nesta matéria, nada lhes faltou. As câmaras de tortura das repartições policiais, a residência com trabalhos forçados nas geleiras infindas da Sibéria, a detenção em prisões com sevícias, maus tratos, subnutrição e tudo mais que possa danificar física e mentalmente o homem, tudo tem sido utilizado pela tirania soviética contra um número incontável de desgraçados. Ao que cumpre acrescentar, como ápice da crueldade, o internamento compulsório em “hospitais psiquiátricos”, nos quais se leva a crueldade a ponto de destroçar a saúde mental dos seus “enfermos”, sem lhes danificar diretamente a saúde física: modo atroz de prolongar pobres existências humanas, em circunstâncias nas quais a vida não é senão um intérmino sofrer.
“Reunidas durante sete décadas, isto é, quase um século, todas essas condições de mando, de persuasão, de compressão e de terror, tudo puderam os autocratas vermelhos. Tudo, sim, exceto obter a adesão da maioria da população, bem como produzir prosperidade em qualquer região ou grupo étnico postos sob sua férula.
“Implantado na Rússia o regime comunista, a desolação, o desestímulo, a miséria se estenderam como um manto sobre essa nação-cárcere – a maior de toda a História – cujos habitantes são condenados a uma reclusão inflexível por detrás da cortina de ferro, tornada peculiarmente efetiva pelas rajadas de metralhadora contra os que tentassem fugir. E pela aplicação de penalidades sinistras aos familiares dos trânsfugas, que estes tivessem sido forçados a deixar atrás de si, quando da despedida pungente e apressada, rumo à aventura e à liberdade.
“E, por isto, em documento da Congregação para a Doutrina da Fé, assinado pelo Cardeal Ratzinger, Prefeito daquele Dicastério romano, e aprovado explicitamente por João Paulo II, lê-se:  “Milhões de nossos contemporâneos aspiram legitimamente a reencontrar as liberdades fundamentais de que estão privados por regimes totalitários e ateus, que tomaram o poder por caminhos revolucionários e violentos, exatamente em nome da libertação do povo. Não se pode desconhecer esta vergonha de nosso tempo: pretendendo proporcionar-lhes liberdade, mantêm-se nações inteiras em condições de escravidão indignas do homem. Aqueles que, talvez por inconsciência, se tornam cúmplices de semelhantes escravidões, traem os pobres que eles quereriam servir”  (Instrução sobre alguns aspectos da “Teologia da Libertação”, 6-8-84, XI, 10 – Coleção Documentos Pontifícios, Vozes, Petrópolis, 1984, 2ª ed., vol. 203, p. 39)  

(“Projeto de Constituição Angustia o País” – Plínio Corrêa de Oliveira - Ed. Vera Cruz Ltda – p. 9)








terça-feira, 8 de março de 2016

UMA GRANDE REVOLUÇÃO NO MUNDO FEMININO (III)



Concluímos a transcrição do texto de Dr. Plínio sobre a revolução feminista, extraído da obra "Notas Autobiográficas" (Editora Retornarei, págs. 163/192, vol II)

Outros aspectos de uma decadência
Além dessas modas, as senhoras começaram a usar dois novos tipos de chapéu: o canotier[1] e o chapeau cloche[2]. Este último era de feltro, em forma de sino, assumindo exatamente o formato da cabeça. Ambos os chapéus eram simples cuias com pequenas abas, muito diferentes dos chapéus do avant-guerre, os quais eram verdadeiras bandejas onde se representavam os reinos vegetal e animal: jardins zoológicos e botânicos de borracha, com fitas de veludo, cabeças da passarinhos, cachos de cerejas, flores, plumas e algumas figuras mitológicas, o que era passavelmente ridículo e, de fato, não podia durar mais.
Entretanto, quando as damas aderiram à moda dos chapéus canotier e cloche, passaram de um ridículo para o outro.
Elas também deixavam de usar adornos bonitos. Por exemplo, sumiram de repente as aigrettes[3] e também algo que era muito freqüente em grandes recepções: diademas feitos de casco de tartaruga, de uma cor marrom, semelhante ao âmbar. Esse enfeite circundava a cabeça das senhoras e tinha um dispositivo no qual se prendiam penas de garças muito delicadas, o que formava uma espécie de chafariz seco, de mil gotas de água, de um branco éclatant[4]. Era estupendo!
Ao mesmo tempo, o cumprimento às senhoras começou a mudar. Muitas pessoas, que costumavam despedir-se dos conhecidos apenas com um gesto de mão, quando encontravam senhoras idosas – ou simplesmente de idade madura – ainda lhes osculavam a mão para cumprimentá-las, mesmo se fossem da parentela íntima. Nessa nova fase, os mais modernizados, pelo contrário, davam um handshake[5], sacudindo a mão da senhora. Era o respeito às damas, valor da cultura ocidental e européia, que minguava diante do igualitarismo invasor. A senhora tradicional cumprimentava sorrindo e dando a mão a beijar, enquanto a moderna apertava a mão do homem e olhava-o bem nos olhos. A senhora moderna começava a fumar, enquanto muitas damas tradicionais consideravam isso um desdouro. O modo de rir, de vestir, de andar, de falar, de comer, de pensar e de ser começava a variar de matizes, de uma dama para outra.

As jóias falsas
No período anterior à Primeira Guerra Mundial, as senhoras de São Paulo possuíam boas jóias, luxuosas ou modestas, mas não existia propriamente bijuteria.
Era freqüente ver alguma mulher do povo usando grossos brincos de ouro, constituídos por simples argolas. Ela os trouxera de sua terra natal – algum lugar da Itália, de Portugal ou da Espanha – onde já os utilizara enquanto camponesa e chegara ao Brasil com eles. Era a sua pequena jóia.
Entretanto, acabada a guerra, tudo começou a mudar e entrou a indústria das jóias falsas na cidade. Eu assisti a essa “invasão”, a qual foi simultânea à influência norte-americana e teve seus primórdios do seguinte modo:
Houve no século XIX uma difusão de grandes e verdadeiras jóias, maior do que havia sido nos períodos anteriores. O contato com o Oriente e a África, favorecido pelas navegações, tornou mais fácil, por exemplo, para uma lady inglesa de 1850, obter um belo colar de brilhantes, do que o fora no século XVI. O resultado foi que algumas jóias suntuosas tornaram-se mais freqüentes.
Depois, a indústria e o comércio tornaram possíveis as imensas fortunas, cujos proprietários se permitiam tais aquisições: mandavam vir essas pedrarias e enfeitavam-se com elas. Então, os donos das jóias médias sentiram uma espécie de vazio e um desejo de se ornarem com os objetos imponentes e belíssimos, que os recursos da grande classe permitiam. Ora, isso não sendo possível, apareceu o bluff[6]: a jóia industrial.
Ela começou a fazer-se presente no Brasil poucos anos depois da Grande Guerra. Havia em São Paulo uma loja famosa – provavelmente norte-americana – com o nome de uma empresa que comercializava essas jóias em vários países do mundo: a Casa Sloper.
Nela não se vendiam propriamente jóias falsificadas, que dessem a impressão de serem verdadeiras, mas jóias-fantasia, sem a dignidade das jóias reais. Ou seja: bijuteria ordinária, ostensivamente inautêntica e não-preciosa, com aspectos que não existem na natureza.
O colar de “pérolas” marca Sloper, por exemplo, era escandalosamente falso, pois nem sequer visava imitar pérolas autênticas, mas era constituído por enormes bolotas brancas, de um tamanho que nem o Xá da Pérsia possuía... Esses enfeites eram fabricados com matéria muito barata, produzida para dar lucro, e procurando disfarçar pelo volume a ausência de qualidade.
Havia na loja inúmeros objetos desse gênero: colares de uma tonalidade fosca, feitos de pequenas pedras extraídas das Cataratas do Niágara; grandes anéis verdes, de certa massa antecessora do plástico; colossais “brilhantes” e vistosas “ametistas”, elaborados com cacos de vidro, ou ainda objetos de certa matéria amarelada, que lembrava o âmbar sem imitá-lo, e de outra substância vermelha, semelhante a uma bala ordinária lambida por alguma criança...
Uma dama de olhos azuis ou verdes comprava uma bagatela dessas, com cores semelhantes para combinar com sua fisionomia, enfeitava-se para realçar a própria beleza e saía à rua, toda jactanciosa, como se fosse possuidora de um grande adorno. Assim, várias senhoras que não tinham as superjoias riquíssimas vindas da Pérsia ou da Índia, começaram a tomar certo ar de alegria, de despreocupação e de saliência, num estado de espírito em que a ilusão substituía a autenticidade.
Essa indústria das pseudojoias tornava possível a qualquer pessoa cobrir-se de bijuterias baratas, e a jóia autêntica perdeu muito de seu poder de destaque. Então, essas peças falsas começaram a ser usadas também pelas senhoras que possuíam jóias verdadeiras. E, com o passar dos anos, mesmo as mais ricas, se não comprassem jóias de marca Sloper, sentiam-se fora da moda.
As abotoaduras para os homens e meninos, as quais eram, com freqüência, feitas de ouro e pedras preciosas, também passaram a ser “falsificadas” pela Casa Sloper, apresentando enormes “safiras” e “rubis” de aspecto cafajeste.
Lembro-me do choque de algumas poucas senhoras, vendo aparecer essas jóias espalhafatosas na atmosfera da vida social distinta. Apesar de não dizê-lo, elas tinham a seguinte idéia, ditada pelo bom senso: quem faz tal espalhafato quer chamar a atenção sobre si e, no fundo, é capaz de indiscrições, frivolidades, vaidades e traições. Alguém que utilize essas jóias, deu um passo no caminho que as pessoas de má reputação percorrem até o fim.
Certa vez, compareci a um jantar no qual estava presente uma senhora distinta e educada, com uma jóia colossal. Era um colar representando grandes argolas de ouro, com uma espécie de disco feito de alguma matéria de cor creme, contendo uma série de pequenos traços verdes.
Ela parecia contentíssima, não por aquilo ser bonito, mas pelo simples fato de tratar-se de uma novidade. Sentou-se no meio das outras, esperando que todas comentassem o enfeite, mas desde logo ninguém se pronunciou. Eu estava sentado bem em frente a ela e observei o colar, que à primeira vista me pareceu lindo. Conhecendo bem a pessoa, sabia que, pelos seus recursos, não poderia comprar uma jóia que parecia de tão alto valor para os meus olhos de criança inexperiente, mas depois comecei a perceber que o objeto tinha uma cor de gema de ovo muito decepcionante. Em certo momento alguém perguntou a ela:
- Diga-me, onde você comprou esse pendetif[7] tão vistoso?
Ela disse:
- Quanto você acha que paguei por isto?
O interlocutor, para ser amável, atribuiu um alto preço ao pendetif. Ela respondeu:
- Nunca! Comprei-o apenas por tanto na Casa Sloper.
- Mas... Você tem boas jóias! Por que colocou isso no pescoço?
- Ha-ha-ha! Nestes tempos novos não se faz questão de objetos tão caros. Pode-se aplicar o preço da jóia em negócios e utilizar uma destas simples, mas bonita e atraente! Com isso eu fico mais moça e mais elegante do que vocês! Para que gastar dinheiro com as jóias pequenas, quando é possível possuir uma grande? Vocês todos deveriam comprar jóias na Sloper!
Essa senhora se admirava enormemente a si própria, por julgar-se esperta, mas não percebia que ela tinha sido “pato” da Casa Sloper.
Percebi ser aquilo um sintoma de um movimento que tomava conta do mundo, banalizando e vulgarizando tudo, inclusive as pessoas que me eram chegadas. Com indiferença e menosprezo, elas largavam aquilo que na véspera haviam amado...
Certo dia, andando pela Rua Direita, de repente dei com a vitrine dessa loja e parei para examiná-la. Havia ali toda espécie de penduricalhos: tudo vistoso, chamejante e ordinário! Pensei: “Aqui está a praça dos horrores. Soou um gongo na história do pensamento humano! O que há no fundo de tudo isso é igualitarismo! Essa é uma moda pregada por aqueles que desejam acabar com as jóias verdadeiras, para fazer cessar o adorno da riqueza. A partir de agora, o homem ou a senhora não brilharão mais pelas suas jóias, mas por possuírem uma fábrica ou um banco...
E notei que o uso das jóias começava a ser abolido, não para promover a humildade, mas para enfear tudo e banir os reflexos de Deus na sociedade humana.

A possível atitude daquelas que possuíam a chave da situação
Lembro-me de uma cena que presenciei aos onze ou doze anos de idade, em certa casa de São Paulo, cujos donos celebravam as suas bodas de prata.
Compareci com minha irmã à comemoração, que se realizava numa sala de visitas, de bom nível, com bonitos móveis, um piano de cauda e alguns assentos que chamavam de pouf, nos quais habitualmente sentavam-se as pessoas mais jovens e modernizadas. A noite já vinha caindo, as janelas estavam fechadas, havia alguns abajures acesos e reinava uma discreta penumbra naquele ambiente, onde a dona da casa recebia as amigas, conquanto os homens permaneciam no escritório do marido dela.
Entramos falando e dando risadas, como fazem as crianças, e encontramos todas aquelas senhoras vestidas com dignidade, decência e compostura, usando leques, mas sem movimentá-los muito, e conversando baixinho, como convinha num salão de tanta categoria.
Tive uma enorme impressão de tédio e de frustração. Elas próprias não encontravam graça nem davam importância nenhuma à conversa. Estavam lá por mera obrigação, desejando, no fundo, abandonar aquele ambiente conservador e espalhar-se pela rua. Imediatamente veio-me a seguinte idéia: “Se essas senhoras deixassem a dormideira, cessassem de cochichar por trás dos leques e, junto às suas respectivas famílias, falassem contra a modernidade, atacando o que deve ser atacado; se elas se pronunciassem contra o espírito revolucionário que Hollywood espalha pelo mundo; se fizessem isso no Brasil inteiro, elas ainda poderiam dar à sociedade um bom impulso que dificilmente não seria vitorioso, desde que as técnicas adequadas fossem empregadas.
“Na realidade, elas não percebem que possuem a chave da situação e têm as cartas na mão para ganhar a partida, pois, apesar de tudo, se agissem com energia, seriam ouvidas e teriam peso nos acontecimentos.  Mas... haverá um meio de fazer com que elas se movam nesse sentido?”
A minha resposta era a seguinte: “Elas não se movem, pois vêem o mundo da mocidade e da adolescência caminhar, como imenso rebanho sem pastor, na direção de Hollywood. Então, permanecem amedrontadas e deixam o mal avançar”.









[1] Chapéu de palha.
[2] “Chapéu-sino”.
[3] Penachos utilizados para adornar chapéus e capacetes.
[4] Fulgurante.
[5] Aperto de mão.
[6] Engano, logro.
[7] Jóia suspensa a uma corrente.

UMA GRANDE REVOLUÇÃO NO MUNDO FEMININO (II)




Damos continuidade ao  texto publicado no Capítulo VIII de “Notas Autobiográficas”, de Plínio Corrêa de Oliveira  (Vol II, Editora Retornarei, pág. 163/192)



Mais transformações
Em meio a esse ambiente, arrebentou a Primeira Guerra Mundial e a vida social passou por um eclipse, inclusive no Brasil.
Paris entrou no estado de guerra, e cessou o impulso da frivolidade no mundo. Entretanto, durante esse tempo, as senhoras parisienses sofreram uma profunda transformação: elas começaram a dar auxílios em hospitais de sangue, a trabalhar em repartições de guerra no meio dos homens, a dar entrevistas de imprensa, a atravessar ruas e praças a sós, para comprarem objetos triviais e não mais as rendas e sedas, que as senhoras do romantismo costumavam adquirir quando saíam de casa.
Então, as modas se simplificaram enormemente. Antes, todos os vestidos femininos se abriam numa espécie de roda e desciam até os pés, comportando inclusive uma cauda, nos dias de festa. Mas a semimasculinização brusca da mulher durante a guerra tornou necessário dar à saía uma forma de tubo, que, no começo, também descia até os pés, mas depois começou a subir, sob o pretexto de facilitar o acesso aos bondes.
Terminada a guerra, dois fatos acentuaram essa simplificação. Em primeiro lugar, a queda das principais monarquias da Europa ocasionou uma diminuição do prestígio da aristocracia, a qual, por natureza, tendia para as modas não meramente funcionais.
Em segundo lugar, a vitória alcançada pelos Estados Unidos conferiu enorme prestígio ao estilo de vida norte-americano, influenciando profundamente as mentalidades e os costumes. Ora, entre essas novidades estava o modelo da moça norte-americana, a qual era a mesma jovem alegre e moderna do período anterior à guerra, mas multiplicada por si mesma.
O resultado dessas mudanças foi um desprestígio da influência materna ao longo dos anos: as “senhoras-santuário” se tornaram senhoras de administração, e de verdadeiras donas de casa passaram a ser meras governantas...
Isso produziu modificações sensíveis na ordem material.

O penteado das senhoras
Outrora, era considerado bonito para uma senhora possuir uma cabeleira abundante.
Eu conheci uma, a qual se gabava de ter tanto cabelo, que este lhe descia quase até os pés. E ela o enrolava todo por cima da cabeça, enfeitando-o com objetos que representavam passarinhos e flores, o que me dava a impressão de um bazar... Em algumas revistas, era freqüente ver figuras de senhoras do povo, muito honestas, as quais se deixavam fotografar mostrando o cabelo solto, que às vezes lhes chegava até os joelhos ou até os calcanhares.
A arte de pentear consistia em equilibrar todos aqueles cabelos no alto da cabeça. E a profissão dos penteadores era muito apreciada, pois eles estudavam as fisionomias e, de acordo com estas, construíam verdadeiros castelos capilares, para o que era preciso calcular uma série de fatores. As senhoras mudavam muito de penteado, conforme a moda. Discutiam, conversavam, consultavam as revistas que mostravam novos estilos e o tema era objeto de longas conversas.
Ora, durante o conflito mundial, as cabeleiras grandes e solenes começaram a diminuir, pois não era possível para uma senhora andar de um lado para o outro com aquele “edifício” capilar.
E, de repente, pouco depois da guerra, foi lançada na França uma moda de cabelo muito curto, quase à maneira dos homens: uma espécie de balaio cortado, com franjas que desciam até as maçãs do rosto, tendo dois chumaços presos sobre as faces, de maneira a formar duas pontas. O novo estilo consistia em fazer aparecer o cabelo dentro da linha geral do rosto, e não mais como uma construção em cima da cabeça. Esse modo de pentear-se era chamado “à la garçonne”.
Garçon, em Francês, significa rapaz. “À la garçonne” equivaleria a dizer “estilo rapariga”, mas, uma vez que a palavra garçonne não existia – pois foi criada na ocasião para indicar o feminino de garçon -, ela indicava a moça que tomava ares de homem.
Essa moda alterou o perfil psicológico da mulher.
Até então, considerava-se que a senhora deveria ser a mais feminina possível, mas, a partir dessa transformação, passou a ser bem vista a mulher masculinizada. Discretamente, essa moda igualitária dava a idéia de que o verdadeiro encanto não estava em que a mulher fosse muito delicada e o homem muito másculo, mas, pelo contrário, numa espécie de fusão entre o homem e a mulher: ele um tanto afeminado e ela um pouco máscula, constituiriam uma boa harmonia.
Na realidade, era uma grande deformação.

Atitudes da sociedade face à nova moda
Em pouco tempo, a moda “à la garçonne” chegou ao Brasil[1], e lembro-me do escândalo que ela causou inicialmente. As moças foram as primeiras a cortarem seus cabelos, ocasionando nas famílias uma enorme surpresa, e a reação de algumas senhoras:
- Fulana cortou o cabelo?! Não diga! Isso é uma loucura! Não vamos fazer o mesmo!
Mas, logo depois, muitas damas de trinta, quarenta ou cinqüenta anos, com a esperança de parecerem jovens, abandonaram os cabelos compridos que lhes davam ares muito dignos, próprios de mães de família, e passaram a usar a nova moda, perdendo o aspecto de recato e deixando de inspirar aquele respeito que era uma proteção para a própria reputação da pureza delas. Mais tarde, o cabelo “à la garçonne” começou a “despratear” também as matriarcas de cabelos brancos.
Por outro lado, até então, as desigualdades sociais se notavam muito pela diferença dos penteados. Uma pessoa mais modesta tinha menos recursos, menos gosto e menos tempo para pentear-se com esmero, enquanto que alguém de uma classe abastada dispunha desses meios. Entretanto, a moda “à la garçonne” nivelava todos os penteados. Um rubicão[2] tinha sido cruzado, dando a entender que as grandes senhoras não queriam mais ser as respeitáveis aristocratas que outrora foram, mas desejavam apresentar-se como meninotas quaisquer.
Com tudo isso, os próprios contrafortes da instituição da família foram prejudicados.
Além do mais, depois do escândalo inicial apareceram as damas medíocres, que não cortavam seus cabelos, mas davam risadas da surpresa que outros tinham, ao saberem que alguma senhora havia cortado os seus:
- Ha-ha-ha! Não tomemos isso a sério! Não tem nada! Ela? É respeitável, fiel ao marido, modelo de mãe de família! O que vai acontecer? Isso jamais abalará a pureza dela, nem a seriedade de seu lar. Não vamos confundir cabelo com moralidade, pois são coisas completamente diferentes! Não sejamos loucos! Sabe? Vejamos os lados positivos da coisa: ela é moderna, engraçada... Um espírito generoso, que gosta das coisas Novas. Não quer permanecer amarrada na rotina do passado. Deixem-na divertir-se e ir para a frente! É o futuro que entra...
Passou a ser malvisto quem se declarasse contra aquelas que cortavam o cabelo “à la garçonne”.
Então, apesar de não adotarem ainda o novo estilo, essas pessoas medíocres faziam o papel de uma retaguarda para proteger as que o faziam. E, por terem todos os ares de boas senhoras, a proteção delas dava garantia à propagação da moda.
No primeiro e no segundo ano, elas defenderam aquelas que cortavam seus cabelos. No terceiro, quando todo o mundo estava habituado à moda, elas fizeram cortar os seus. No quarto ano, começaram a zombar das que não o tinham feito ainda, organizando a detração contra elas. No quinto ano, todo o elemento feminino das melhores famílias estava penteado “à la garçonne”.
Conheci incontáveis casos de mães de família que cortaram seus cabelos, mas continuaram a ser muito dignas. Entretanto, o exemplo que elas transmitiam para as suas filhas ou netas era no rumo da desagregação da família.
Quem havia contribuído mais, para lançar as senhoras e moças nesse passo perigoso? A mulher medíocre.



[1] Essa moda chegou ao Brasil em 1920.
[2] Obstáculo, dificuldade.

UMA GRANDE REVOLUÇÃO NO MUNDO FEMININO






O movimento feminista data de eras bem remotas, mas teve grande impulso no Brasil no século XIX. Transcrevo abaixo, parte do Capítulo VIII de “Notas Autobiográficas”, de Plínio Corrêa de Oliveira [1], onde o Autor faz profunda análise psicológica sobre as mudanças ocorridas no mundo feminino após o fim da “Bélle Epoque”, isto é, após a Primeira Guerra Mundial.

“Se alguém quisesse estudar a histórias dessas grandes mudanças no Brasil, verificaria que, na realidade, as primeiras transformações tiveram início antes da Primeira Guerra Mundial, quando os eflúvios do movimento feminista europeu chegaram ao País. Houvera então uma primeira quebra na estrutura da sociedade, com enorme importância na evolução do pensamento das classes dirigentes.

Ausência do espírito de Cavalaria
Em via de regra, o homem do século XIX, inclusive o nobre europeu, já havia perdido o espírito da Cavalaria medieval.
Ora, esse espírito constituía uma das mais altas posturas do modo de ser masculino, a qual também se refletia nas senhoras, de algum modo. Ou seja, a dama de outrora não era propriamente uma “cavaleira”, mas, por admirar o ideal da Cavalaria, nela surgia uma nobreza de alma que a elevava acima da própria debilidade feminina, sem tirar-lhe a delicadeza.
Entretanto, no período do romantismo, com a ausência desse ideal, as senhoras manifestaram uma fragilidade excessiva, a qual causou ume espécie de saturação e uma sede do contrário, que a Revolução soube explorar posteriormente através do movimento feminista, procurando completar a figura feminina com certa nota de força que a dama do século XIX evidentemente não possuía.
Então, os impulsionadores desse movimento disseram à mulher do século XX: “Você não percebe que é uma fracalhona, e que alguma coisa falta à impostação de sua alma?”
Muitas se deixaram iludir.
Impossibilitadas de se voltarem para a tradição, porque desta havia sido arrancado um elemento integrante, fundamental, passaram a admirar apenas os homens que realizavam o ideal dos personagens de cinema, apresentando certas formas de heroísmo – já não cavalheiresco, mas cavalar – e parecendo ter algo daquela fortaleza de espírito que os românticos haviam perdido. Em última análise, grande parte da modernização do elemento feminino decorreu de que a admiração à Cavalaria lhe foi tirada.
Assim, a vingança da realidade contra a ablação do espírito de Cavalaria foi a mentalidade cowboy e self-made man para os homens, nos estilos norte-americanos, e para as mulheres, o movimento feminista.

As senhoras da Belle Époque e o prestígio materno
Como se apresentava o elemento feminino da alta sociedade de São Paulo, antes da Guerra de 1914?
Elas ainda possuíam algo da dama romântica do século XIX, para a qual era bonito ser melancólica, dolorida, sofredora, langorosa e um pouco doente; a mulher que afirmasse possuir uma saúde de ferro rebaixar-se-ia imediatamente para a categoria das sentimentalidades vulgares. Inclusive para as moças desse século, ficava bem ter alguma doença do fígado ou aquilo que chamavam de “migrânea”: uma forma elaborada de enxaqueca.
E, como era próprio à Belle Époque, essa indisposição se curava com sais lindos, vindos da França, cheios de valor simbólico. Então, existiam grandes vidros com tampas de cristal facetado – o que exercia sobre mim uma verdadeira fascinação, por ter sido sempre entusiasta das policromias -, os quais continham uma série de quadradinhos, com cores diferentes e virtudes próprias, dentro de um líquido que parecia possuir a síntese transparente de todos aqueles coloridos.
A senhora tirava a tampa com certo esforço, mas com um gesto muito bonito, depositava aquele cristal grosso  e prestigioso sobre uma mesinha e, com um lenço comprido na mão, dizia:
- Estou passando muito mal.
Então, revestida de uma bela robe de chambre de tecido leve, gola grande e mangas largas, ela se deitava num canapé, apoiava um braço no encosto e aspirava os perfumes. Os filhos estremeciam de ternura, o marido de sentia altamente orgulhoso de ter como esposa uma dama tão requintada e a velha avó temia pela vida de sua filha.
Era o rito da doença e da tristeza, o qual fazia parte do prestígio materno. Uma senhora que não tivesse de vez em quando uma “migrânea”, se degradaria algum tanto.
Alguém poderá objetar que, desse modo, uma senhora é pouco útil. Respondo: para os assuntos administrativos, é verdade. Porém ela é útil para certas coisas tidas como inúteis, mas que são, na realidade, de um importância muito maior: os imponderáveis da vida do lar. Compreendo que, com uma mãe assim, a despensa esteja menos guarnecida e as refeições possam padecer um pouco, mas, afinal de contas, uma casa de família não é um restaurante de estação, no qual é preciso almoçar na hora certa, pois o trem vai partir: ela é antes de tudo um santuário.
De fato, essas senhoras tinham algo de bonecas e muito de oco, mas eram verdadeiras e simbólicas “damas-santuário”, que sabiam utilizar-se de maravilhosas técnicas para a produção de prestígio, o que era uma obra-prima da civilização. Um dos melhores benefícios que os pais podem dar aos filhos – ou os superiores aos súditos – é exatamente esse dom do prestígio, pois está na ordem das qualidades morais e incute o senso religioso da vida
.
A dama infeliz, nos estilos do século XIX
Também fazia parte desse rito a tristeza da vida familiar infeliz. Se um matrimônio fosse inteiramente bem sucedido, no estilo do happy end, ele se desmoronaria.
Em geral, as moças eram educadas em colégios de freiras e se casavam eximiamente puras e inocentes. Quando contraíam núpcias, havia uma grande festa com o aspecto clássico do casamento feliz, com grande amor recíproco entre os esposos, e ambos partiam para a lua-de-mel. Ao voltarem, iam morar numa bonita casa, e transcorriam um ou dois anos até ocorrer algum episódio, pelo qual começava para ela a tragédia:
- Meu marido não é que eu pensava! A vida não é mais nada para mim!
Logo ia pedir conselho à freira que a educara – quase sempre francesa -, a qual dizia:
- Mon enfant, Il faut souffrir.[2]
Às vezes, a jovem esposa ia falar com algum padre ou, inclusive, com os próprios pais. E, como o pai era muito esquivo na matéria, ela pedia o apoio dos irmãos:
- Falem com meu marido!
Mas os irmãos eram também esquivos, pois, naquelas cidades pequenas, onde cada um conhecia os costumes de todos, eles não ousavam interpelar o cunhado...
Então, começava a longa vida da esposa abandonada, corretíssima e sublime, mas sempre sofredora e com ar de desilusão. Essa situação, entretanto, era cultivada também de modo bonito. Em certas ocasiões, por exemplo, a família estava reunida e todos conversavam, mas a senhora tinha uma atitude característica: o seu riso era mais discreto e ela mantinha longos silêncios em que permanecia olhando para o infinito, sem divertir-se com nada. Perto dela estava o marido, com cabelos frisados, bigode à la Kaiser, colarinho alto e punho duro. Ele não se incomodava com o drama dela e, pelo contrário, mostrava-se sempre animado e satisfeito.
Era esse o adorno da mulher, até o fim de sua vida. Isso não excluía que, quando o marido morresse, ela vestisse um luto pesado e manifestasse grande tristeza. Quando a alguém a questionava sobre o defunto, ela dizia, influenciada pela educação da freira francesa:
- Coitado! Apesar de tudo, ele era o pai de meus filhos e eu senti muito a sua morte.
Em algumas ocasiões, ele chamava a esposa na última hora e pedia-lhe perdão. Ela o perdoava de todo o coração, e a reconciliação era completa.
Entretanto, nomeio de mil casais existia um ou outro muito bem sucedido. Mesmo assim, quando isso acontecia, a senhora não se dava por feliz e, então, insistia no assunto das doenças e mal-estares nervosos, pois a dama perfeitamente contente e bem-disposta era uma raridade que não quadrava bem com a época. O normal era a posição romântica diante da dor, a qual era considerada bonita no século XIX e prolongou-se de algum modo pelo século XX adentro.

Fragilidade e choramingo
Em minha época de jovem existiam ainda mulheres “retardadas”, no padrão da sofredora do século XIX, cujo sentimentalismo era representado pelas valsas da Áustria e da França. Até o início dos anos 20, inclusive, era apreciado o tipo de moça muito feminina, graciosa, etérea, com uma voz cândida e comparável a uma flor. Assim, eram freqüentes os nomes como Dália, Rosa ou Margarida.
Lembro-me, por exemplo, de alguns trechos de uma canção que se ouvia por toda parte, a qual todo mundo sabia cantar:
“Mimosa, tão delicada e melindrosa...
Tens o perfume de uma rosa...
Mimosa...”[3]
Eu também a aprendi, de tanto ouvi-la, e cantava a “Mimosa” a plenos pulmões, com voz de estentor e sem malícia nenhuma. Entretanto, analisando o estado de espírito que essa música representava, pensava: “Isso parece razoável, pois está de acordo com a natureza feminina, mas, no fundo, de que serve toda essa fragilidade? Uma mulher tão delicada, se tiver uma grande dificuldade na vida, se desfará em poeira, pois ela só sabe choramingar e cantar canções chorosas! É necessário ter força, energia, ênfase e resolução!”

Mulheres inconformadas
Então, a dama dos primórdios do século XX era uma pessoa hesitante entre duas correntes: tinha algo da senhora simbólica do período do romantismo, mas, por outro lado, também possuía aspectos da jovem moderna e esportiva que começava a aparecer, modelada pela Paris do avant-guerre.[4]
Esta não era mais a cidade solene, aristocrática e romântica, mas era a Paris da opereta e do chamado Vaudeville: teatrinho ligeiro com temas engraçados; a Paris em que já haviam entrado o automobilismo, a luz elétrica, o futebol e sobretudo a bicicleta, em especial uma delas, de forma ridícula, com uma roda enorme e outra pequena.
Muitos desses inventos haviam nascido no século XIX, mas eles só começaram a impregnar largamente as mentalidades no começo do século XX. Nesse sentido, a Exposição Mundial de 1900, na própria Paris, havia apresentado mil atrações exóticas, que causaram um interesse fabuloso.
Tudo isso produziu um novo tipo de moça: contente, saudável, atraindo não mais pela beleza e pelo prestígio como a antiga, mas pela leveza, pela movimentação e pelas gargalhadas sonoras. Enquanto as senhoras do romantismo quase não riam, a nova geração se utilizava das grandes risadas como meio de impressionar. Jovens engraçadas, repetindo pequenos ditos e muito mais iniciadas nos problemas da vida, por meio de números condutos: governantas pouco recomendáveis, romances, teatros e cinemas, bem como por conselhos das próprias mães, que não queriam sujeitar as filhas aos desgostos que elas mesmas haviam sofrido. Eram, sobretudo, moças muito pouco dispostas a assumir o papel da esposa infeliz.
Nascia uma inconformidade da mulher em relação a certos estilos de vida do romantismo, nos quais ela ainda vivia: a proibição de sair a sós, o noivado acompanhado por uma velha senhora que chamavam de pau-de-cabeleira e mil outros costumes que não morreram tão depressa, mas que, sobretudo no Brasil, sobreviveram por algum tempo e levaram decênios para desaparecer.
Assim como existe a explosão da bomba atômica e a sua posterior radioatividade, desse modo houve a “explosão” feminista e depois as suas conseqüências, as quais foram se desdobrando indefinidamente.





[1] Vol. II – (Editora Retornarei – páginas 163/192)
[2] Minha filha, é preciso sofrer.
[3] Peça musical composta em 1921 por Leopoldo Fróes.
[4] “Antes da guerra”, período
anterior à Primeira Guerra Mundial.