sábado, 19 de abril de 2014

Comoção social



Espalhou-se por toda parte a categoria de programas de TV cujo objetivo é promover comoção social. Trata-se de programas especializados em fazer reportagens sobre crimes e violências de um modo geral. Geralmente, até os horários de tais programas são os mesmos nos diversos canais deTVs, ou após meio-dia (no horário do descanso do almoço dos trabalhadores) ou no final da tarde, quando chegam em casa cansados da labuta diária. A técnica é a mesma. Quando surge a notícia de algum crime os repórteres saem às ruas com todo o seu aparato publicitário, alguns até com helicópteros, a fim de que seus espectadores sejam “bem informados” de tudo o que ocorre, em riquezas de detalhes. As filmagens, as entrevistas, todas as coberturas jornalísticas, têm um único objetivo: causar comoção social, haja vista que, em geral, a população nada ganha com a divulgação escandalosa e ostensiva de tais crimes. Os repórteres são treinados e orientados para pronunciar palavras que causem choques psicológicos na população, alguns dizem bravatas contra os meliantes e, com isso, conseguem a simpatia e o aplauso de seu público. Há, inclusive, uma técnica subliminar de provocar entre o povo o desejo de “justiça” (perante um crime hediondo, por exemplo), quando, muitas vezes, não é bem justiça que se pretende, mas simplesmente vingança. O que significa para o povo a aplicação da justiça? Segundo o conceito comum é a aplicação de um castigo, de uma penalidade, e com isso reparar o mal cometido pelo delinquente. No entanto, há males que são irreparáveis, como vidas que se perdem nos casos de assassinatos, e nesse caso não há justiça que consiga supri-las. Era necessário que a população fosse orientada a fim de que ficasse bem patente que “fazer justiça” nem sempre redunda em condenação, pois a justiça também perdoa. Aliás, o ato de perdoar é mais nobre do que o de condenar. Não seria mais nobre que tais repórteres insinuassem na população o desejo de perdoar, mais do que condenar? Acontece que o desejo de tais reportagens não é provocar um bem social, no caso a pacificação das almas indignadas com os crimes, mas, muito pelo contrário, provocar comoção social e revolta. O mesmo efeito ocorre com as greves de polícias. Provocam uma acerbação da comoção social em cadeia. Já há na população, de modo geral, uma completa ausência do respeito a certos direitos. A honestidade, por exemplo, não é mais uma virtude social. Há uma tendência generalizada pela desonestidade, o que pode ser demonstrado por um sintoma rotineiro: nenhum veículo, seja de carga ou não, fica incólume de saques quando quebra em certas estradas ou certas ruas. Pode-se dizer que o povo se acha, nesses casos, no direito de roubar, haja vista que, sendo o ato praticado uma ação comunitária, não se prevê nenhuma punição. Nesses casos quase ninguém reclama na TV por justiça, aquela mesma justiça cujo conceito deve ser o castigo do culpado. Quando ocorrem as greves de polícia, levas de pessoas (alguns são bandidos, mas a maioria se diz cidadão de bem) saem pelas ruas invadindo e saqueando lojas. Qual a causa disso? A primeira é a completa carência que o povo tem do conceito de honestidade, de respeito aos direitos de propriedade, de respeito pelo alheio. A segunda é que, já tendo tais inclinações desonestas, tais pessoas são propensas a agir por causa da ausência do Estado no policiamento das ruas. Vem-me agora a seguinte pergunta: essa ausência já é patente mesmo sem greve da polícia, pois é fraco o policiamento de nossas cidades, mas, mesmo assim, por que não fazem saques e arrastões nos dias em que não há greve? É por que o simples anúncio de greve cria na mente destas pessoas a idéia, a confirmação, da ausência do Estado. E no caos, cada um faça como bem lhe aprouver.