terça-feira, 27 de novembro de 2012

A VIOLÊNCIA URBANA E O ESPÍRITO DE VINGANÇA



A propósito do clima de violência urbana que avança sobre  toda a terra, especialmente  sobre o Brasil, vamos tecer alguns comentários sobre a relação direta que há entre tal violência e o chamado “espírito de vingança”.
Basta dá uma olhada, mesmo superficial, para vermos que o clima de mata-mata avança inexoravelmente sobre nossa sociedade.  E a mídia (especialmente a TV) tem sido a principal estimuladora deste clima de violência.  De uma forma inescrupulosa a TV vem dando destaque exagerado às notícias sobre violência. Há uma verdadeira competição entre os canais de TV sobre qual divulga o fato mais clamoroso de cada dia. Num dia é  veiculada a cena de um criminoso assassinando outro dentro de uma prisão (como foi filmada e qual razão do vídeo haver caído nas mãos deles, nada se diz), num outro dia um canal veicula a cena de um homem assassinando sua própria esposa a facadas, dentro de seu próprio lar: cena chocante e bárbara ocorrida num estado do Norte e veiculada em São Paulo. Enfim, rivalizam-se os programas de violência, cada canal de TV com um programa nas capitais e grandes cidades.
De outro lado, dão grande destaque a noticias sobre o fracasso da polícia ou sobre operações erradas e ilegais da mesma, mesmo que a notícia tenha ocorrido na fronteira com a Colômbia, bem  longe dos grandes centros, pois o importante é desacreditar a policia perante a população.
Ao lado disso, é constante o açulamento que os repórteres fazem para que as vítimas reclamem por justiça.  Mas, muitas vezes, tal clamor por justiça não deixa de esconder um mero desejo de vingança. No fundo, é esse desejo desenfreado de vingança que a mídia está disseminando em nossa sociedade.  Não se ouve ninguém perdoar, não se ouve mais nenhuma vítima, por bárbaro que seja o crime, fazer como outrora e perdoar o criminoso. Por quê? Porque se a mesma falou alguma coisa não é divulgada, pois o destaque é dado para os que “pedem justiça”, isto é, que o crime seja vingado.

O Espírito de vingança, fruto da vida pagã
E tal espírito de vingança vai paulatinamente crescendo e se tornando dominante em nossa sociedade por causa do crescimento do paganismo e do ateísmo. Estamos nos aproximando do mesmo espírito de vingança que dominava os nossos índios, especialmente na forma como os descobridores os encontraram em nosso país no século XVI.
Toda sociedade humana, toda cultura, tem como objetivo primordial a procura de uma certa felicidade.  Mas nossos indígenas não procuravam essa felicidade nos prazeres, a plena satisfação entre eles, certo gozo prazenteiro que os fazia muito felizes, não era nem sequer o prazer sexual, mas a satisfação do orgulho e na vingança perante os inimigos.
A este respeito, assim se expressou o padre Claude d’Abbeville:
“Essa vida que julgam boa não é aferida pelo bem, nem pela virtude, porém pela crueldade e desumanidade. Julgam-se tanto mais honestos quanto maior número de prisioneiros massacram; e consideram uma vida boa a que se gasta na guerra, na exibição da valentia e na hostilidade encarniçada contra o inimigo; e acham covardes e efeminados os que não têm ânimo para isso”

Guerras e espírito de vingança
O espírito guerreiro pode ser um atributo altamente nobre num povo, mas quando destinado a fins mais elevados como a defesa da honra, da Pátria, de valores morais, etc. Não era assim movido o espírito guerreiro dos índios, mas sim o da vingança ou de alguma futilidade qualquer. Muitas vezes as guerras destinavam-se à simples captura de inimigos para serem comidos em seus festins antropofágicos ou escravidão de mulheres para possuírem em seus haréns.
O padre Thevet informa que os índios faziam guerra uns contra os outros por motivos fúteis, ou o simples desejo de vingança: “Move-os apenas o mero apetite de vingança, e nada mais, tal e qual se fossem animais ferozes”.
O padre francês Claude d”Abbebille, afirma:
“...haverá maior barbaridade do que se mostrar hostil contra os vizinhos, a ponto não somente de lhes  fazer sem trégua uma sangrenta guerra, mas ainda, para exterminar-lhes a raça, comer-lhes a carne até vomitar? Crueldade bárbara, barbaridade cruel! No entanto, disso é que se vangloriam os tupinambás, julgando-se tanto mais gloriosos quanto o número de homens que mataram na guerra e de inimigos que comeram”.  “(...) é  preciso que se saiba que não fazem a guerra para conservar ou estender os limites de seu país, nem para enriquecer-se com os despojos de seus inimigos, mas unicamente pela honra e pela vingança. Sempre que julgam ter sido ofendidos pelas nações vizinhas ou não, sempre que se recordam de seus antepassados ou amigos aprisionados e comidos pelos inimigos, excitam-se mutuamente à guerra, a fim, dizem, de tirar desforra, de vingar a morte de seus semelhantes”
Diversos outros historiadores ou cronistas manifestam o mesmo ponto de vista de Claude d’Abbeville, até mesmo Jean de Léry, que  nem católico era, o qual afirmou:
“Os selvagens se guerreiam não para conquistar países e terras uns aos outros, porquanto sobejam terras para todos; não pretendem tampouco enriquecer-se com os despojos dos vencidos ou o  resgate dos prisioneiros. Nada disso os move. Confessam eles próprios serem impelidos por outro motivo: o de vingar pais e amigos presos e comidos, no passado... ...o ódio entre eles é tão inveterado que se conservam perpetuamente irreconciliáveis”
Um historiador mais recente, Varnhagen, também confirma o que se disse acima, acrescentando que havia também guerras feitas apenas para escravizar inimigos ou para a conquista brutal de mais mulheres para seus haréns. Causava, além disso, o enfraquecimento e até extermínio das tribos: “...as guerras de extermínio, que mantinham entre si, eram causa de que as tribos ou cabildas se debilitassem cada vez mais em número, em vez de crescerem. Além de que, essas mesmas cabildas  pequenas que existiam, mantinham-se por laços sociais tão frouxos, que tendiam a fracionar-se cada vez mais e a guerrear-se, ficando inimigos acérrimos os que  antes combatiam juntos...”   O cronista português Gabriel Soares de Sousa acrescenta que a população indígena só fazia diminuir por causa das guerras. Como exemplo diz ele que a nação dos Tupinaês estava sendo dizimada pelos Tupis da costa do Brasil, sendo expulsos para o sertão.

Espírito de vingança
Pode-se imaginar que a busca e o desfrute do prazer traz tranqüilidade ao homem, haja vista que produz comodidade material e conforto. Ora, a busca e o desfrute do prazer gera como conseqüência natural a fuga da dor, fazendo com que qualquer aborrecimento ou contrariedade se tornem insuportáveis. Um exemplo: as pessoas mais irritadiças de nosso tempo são as que usam os mais modernos e confortáveis objetos e utensílios, ou mesmo veículos e outros recursos da vida moderna. Há motivo para tanta irritação e tanto nervosismo no trânsito de nossas grandes cidades se as pessoas estão confortavelmente instaladas em luxuosos automóveis?  Há mais razão ainda para tanto nervosismo entre passageiros dos modernos aviões, equipados com o que há de melhor em questão de conforto e prazer?  Não há outra explicação para o fenômeno: a busca e o gozo do prazer não traz paz de espírito, mas grande inquietação.
Isto é o que explica e está na raiz do espírito de vingança, tanto o que há entre os índios como o de nossa moderna sociedade. O padre Manuel da Nóbrega afirma que os índios eram tão sujeitos à ira que se acaso encontrassem no caminho alguém adverso logo brigavam à pedra ou às dentadas, fazendo o mesmo até contra as pulgas e piolhos, tentando vingar-se daqueles insetos dos males que lhes causavam. Contam os cronistas que era comum as catadoras de piolho morderem raivosamente o bichinho após tê-lo colhido da cabeça de outra pessoa. Mas, o pior era quando este espírito de vingança perpassava por toda a tribo e se voltava contra os de uma outra. Contemplar o espetáculo de uma luta entre selvagens não era um agradável passatempo: um punhado de homens engalfinhados, agarrando-se e mordendo-se uns aos outros, quando não dispunham dos tacapes ou das flechas para fazer com que a carnificina fosse mais terrível. E isto ocorria com muita freqüência. Quando, no dia-a-dia, um selvagem fica irritado ou tem alguma contrariedade ou rixa contra outro, logo procurava o pajé para que providenciasse o envenenamento e a morte de seu desafeto. Costumavam administrar tais venenos às próprias mulheres com quem conviviam, quando tinham uma grande raiva delas ou por qualquer outro motivo, ou então ocorria o contrário, eram elas que envenenavam os homens.
Com sinceridade,  não é comum nos dias de hoje haver fatos semelhantes entre os que se dizem civilizados, mas que vivem num mundo repleto de ódio e de espírito de vingança? Qual o motivo principal das chacinas das gangues se as pessoas matam simplesmente por ódio e vingança? Querem um relato de tais crimes? Basta ler qualquer jornal de qualquer dia da semana:  estará recheado de crimes de tal natureza.
Este espírito de vingança é um sentimento que se transmite de pai para filho. E o costume se difunde em vários aspectos da vida social. No caso dos índios, por exemplo, quando matavam os inimigos guardavam consigo vários pedaços do corpo do defunto e assim poderem renovar sua ira quando bem lhes aprouver.  Informa o cronista português Gandavo:
“...algum braço ou perna, ou outro qualquer pedaço de carne costumam assar ao fumo, e tê-lo guardado alguns meses, para depois quando o quiserem comer, fazerem novas festas, e com as mesmas cerimônias tornarem a renovar outra vez o gosto da vingança, como no dia em que o mataram, e depois que assim chegam a comer a carne de seus contrários, ficam os ódios confirmados perpetuamente, porque sentem muito esta injúria, e por isso andam sempre a vingar-se uns dos outros...”
E claro que ainda estamos longe de presenciar casos semelhantes entre nós, mas não demora muito, a continuar o clima de violência atual, que tal possa ocorrer na atualidade.  Já houve casos de gente que mata e esquarteja a vítima, alguns até com propósitos de selvageria, como ocorreu recentemente na Alemanha; e outros que cometeram a antropofagia.
Já o naturalista Carl von Martius achava que inimizade do índio estava ligada ao seu “nacionalismo”, isto é, apego a uma certa tradição tribal ou regional. Quando se pedia a um selvagem o nome de sua tribo, ele quase sempre e sem disso ser interpelado, dava o nome da tribo contrária de que é inimigo mortal. Um Mundrucu entendia como perfeitamente natural, até como sagrado dever para com seu povo, perseguir por toda a parte os da tribo contrária Parentintim, e se possível cortar-lhes as cabeças e mumificá-las, carregando-as na cintura como troféus.  Já estamos vendo coisa parecida no mundo de hoje, embora não da mesma forma, pois é assim que as quadrilhas se tratam em suas guerras de extermínio. Um dos costumes que o homem moderno já copia integralmente dos índios é a tatuagem, sendo que os selvagens mandavam fazer figuras disformes ou símbolos estranhos, mas com significados que marcavam bem esse espírito de vingança. As tatuagens de hoje servem até para “marcar” que o indivíduo pertence a certa gangue e, assim, nunca possa passar para a inimiga, pois tem um símbolo em seu próprio corpo que o condena no convívio do inimigo.


No caso dos antigos índios era uma coisa mais disseminada, não era restrita apenas a grupos como as gangues de hoje. Ardiloso e taciturno, o índio dissimulava durante vários anos sua raiva, que era manifestada repentinamente numa vingança brutal e sangrenta, matando o inimigo covardemente, às vezes sob os mais pavorosos sofrimentos. Geralmente, o vingador procurava praticar na sua vítima as mesmas feridas que esta dera em membros de sua tribo. O padre Thevet conta o caso de um índio que foi levado para a França quando tinha apenas 14 anos de idade, onde casou-se e tornou-se civilizado. Aos 22 anos de idade resolveu voltar ao Brasil num dos navios franceses que por aqui traficavam madeira. Aqui chegando, algumas pessoas revelaram a identidade de sua tribo aos de outra, inimiga, os quais logo tomaram o navio de assalto como cães famintos e raivosos: encontrando o rapaz ainda no navio, despedaçaram-no sem piedade.
Vários são os exemplos deste famigerado espírito de vingança entre os índios. Gandavo conta outro caso: em determinada aldeia de São Vicente foi morto o filho do chefe de uma tribo, e passados 3 ou 4 anos o referido chefe invadiu a tribo inimiga, foi direto ao matador de seu filho, matou-o, cortou-lhe a cabeça e a levou consigo como troféu. Chegando à sua tribo, assim falou o chefe aos seus:
“...agora, companheiros e amigos meus, que eu tenho vingado a morte de meu filho, e trazido a cabeça do que o matou perante vossos olhos, vos dou licença que os choreis muito embora, que dantes com mais razão me podereis a mim chorar, em quanto vos parecia que por algum descuido dilatava esta vingança” .

Qual o prazer de comer carne humana?
Não há ser humano capaz de estar defronte a um cadáver que não sinta, primeiramente, um sentimento de respeito, seja ele quem for. Mas, depois, vem sempre uma certa repugnância sensitiva se, por exemplo, tiver que lhe trocar a roupa ou arrumar melhor o corpo para o enterro. Desta forma, era necessário que os índios fizessem a todo instante grande violência a seus instintos naturais para superar tal repugnância e desejar a qualquer custo comer carne humana. Somente o ódio implacável seria capaz de fazer com que um ser humano chegasse a tanto. Portanto, não é possível que sentissem prazer sensitivo de degustação ao comer os cadáveres, mas um prazer orgulhoso, um sentimento de ódio causado pelo desejo de vingança. Claude d’Abbeville diz que não é prazer propriamente que os faz comer carne humana, nem tampouco o apetite sensual, haja vista que ouvira de muitos dizer que, depois de comer tal carne, vomitavam. Mas, mesmo após o vômito, faziam violência a si mesmo e voltavam a comê-la...

O jugo da lei predispôs os indígenas às graças divinas e aos benefícios da Civilização
Era opinião desposada pelos jesuítas, como consta no “Diálogo Sobre a Conversão dos Gentios” do Padre Manuel da Nóbrega, de que era urgente impor aos índios o jugo da Lei, pois somente assim ficariam dóceis à atividade missionária dos padres e passíveis de serem civilizados. E quem poderia fazê-lo senão o Governador?  Era uma exigência primordial de amparo ao trabalho apostólico dos missionários jesuítas. E foi assim que Mem de Sá, de início, para poder jungir esses rudes selvagens ao jugo da lei e moldá-los pela doutrina de Cristo, ordena que deixados recôncavos, campos, florestas, acorressem de todas as partes a um mesmo local e aí construíssem suas casas, erguessem novas aldeias e começassem a deixar os antigos costumes de feras; deixassem de vaguear daqui e dali, como tigres, pelos cerrados.
Mem de Sá começa por acabar com o nomadismo dos índios, ordenando que viessem morar em aldeias fixas. Somente a partir daí se poderia aplicar as leis. Tal medida era necessária e urgente.
Como conseqüência, os índios começaram a acorrer para serem doutrinados de forma mais ordenada, sem os perigos da dispersão e do nomadismo, afirmando um dos jesuítas, o Padre Pires,  que “agora posso com razão escrever que são ligeiros para irem acorrer à igreja, e se suas gargantas eram “sepulchrum patens” para matarem e comerem vivos, agora estão abertas para louvarem a Cristo...”
Mas, a vida em comum numa cidade não era bastante, deveriam conhecer o império da lei.  E para que os índios conhecessem bem o que é a lei e a justiça, o governador determinou que fosse colocado no meio de todas as aldeias um local destinado a castigar os que desobedecessem a lei. Em seguida fez um pregão, mandou publicar em todas as aldeias as normas da convivência social, a fim de que soubessem que seriam passíveis de punição os que matassem o seu semelhante ou mesmo comessem as carnes daqueles já mortos.  Para desafiar o governador um cacique mandou dizer que iria fazer um festim antropofágico, avisando o dia, e que queria ver quem o iria impedir.  Mem de Sá ordena a invasão da aldeia, determinando que o cacique seja preso e seja trazido vivo.  Mandou prendê-lo e espalhou o aviso aos demais: caso alguém tentasse fazer o mesmo seria também preso. Se o governador decretasse pena de morte para tal delito não teria o mesmo efeito, pois o índio não teme a própria morte, mas não suporta uma prisão. Com pouco tempo de prisão o cacique se arrepende de tudo, é recebido pelo governador que o perdoa e o manda soltar. Todos sabem do corrido e o caso serviu de exemplo aos demais. A antropofagia estava prestes a acabar entre os índios.
A respeito da disposição do governador de fazer cumprir a lei e a justiça, assim comenta um outro jesuíta,  o padre Ruy Pereira : “(...) ajudou grandemente a esta conversão cair o senhor Governador na conta, e assentar que sem temor não se podia fazer tudo...  ...ordenou que houvesse em cada povoação destas um dos mesmos índios, que tivesse carrego de  prender em um tronco os que fizessem cousa que pudessem estorvar a conversão...  ...E hão tanto medo a estes troncos, que, depois de Deus, são eles causa de andarem no caminho e costumes que lhes pomos...”
Outro jesuíta, o Padre Antonio Pires, afirma que os próprios índios pedem para a disseminação destes “troncos”, espécie de meirinhos, “para terem cuidado de prenderem os ruins”.

Inicia-se a verdadeira conversão dos índios
Antes da chegada de Mem de Sá e a aplicação de tais métodos, alguns índios se convertiam, é verdade, eram batizados e prometiam mudar de vida. Mas não perseveravam, mudavam de propósito rapidamente, influenciados, principalmente, pelos feiticeiros que viviam arredios. Num dia convertiam-se mil e já no outro dia os mesmos mil fugiam para outro local em seu nomadismo e recomeçavam sua antiga vida pagã. A intervenção do Governador Mem de Sá foi verdadeiramente milagrosa, segundo o Beato Padre Anchieta:
“Foi por vosso ministério que tão grandes milagres se realizaram. Vós, mais velozes que os ventos, a nossas plagas trazeis em revoadas contínuas as paternas disposições da Providência divina.  Dizei vós as leis e a ordem que o ilustre e piedoso governador implantou entre povos tão feros, para afinal ser honrado nestas paragens incultas o nome vitorioso, forte e imortal de Jesus!”
Assim, foi o Governador Mem de Sá que solidificou a cristianização de nossos selvagens.  Os jesuítas são unânimes em afirmar que o Governador, com seu zelo por Cristo Nosso Senhor, castigava os delinqüentes com muita prudência e temperança, de forma que o castigo edificasse e não destruísse a obra da catequese. Isto também serviu para solidificar a amizade dos índios com os padres e os bons cristãos, levando-os a abandonar com gosto seus antigos costumes bárbaros por outros cristãos. Dentre estes costumes estava o terrível  vício capital do espírito de vingança pela vingança.
Os primeiros aldeamentos feitos na forma determinada por Mem de Sá, isto é, em lugares fixos, foram fundados na Bahia a partir de 1558, com as aldeias já com denominações cristãs: São Paulo, São João, Espírito Santo e Santiago. Em Piratininga havia apenas a de São Paulo, fundada 4 anos antes pelo Beato Anchieta.

Temor e sujeição: condição para civilizar o índio, que pode ser útil também hoje em dia
O Padre Manuel da Nóbrega foi um dos propugnadores da tese de que somente através do temor e sujeição se poderia civilizar duravelmente os nossos índios. Tais princípios estão enunciados numa carta que o mesmo dirigiu ao Rei de Portugal:
 “Este gentio é de qualidade que não se quer por bem se não por temor e sujeição, como se tem experimentado, e por isso, se S. A. os quer ver todos convertidos, mande os sujeitar e deve fazer estender os cristãos pela terra adentro e repartir-lhes os serviços dos índios àqueles que os ajudarem a conquistar e senhorear como se faz em outras partes de terras novas, e não sei como sofre a geração portuguesa, que entre todas as nações é a mais temida e obedecida, estar por toda esta costa sofrendo e quase sujeitando-se ao mais vil e triste gentio do mundo” 

Espírito católico do Governador Mem de Sá
Esta plêiade insigne de homens tinha o Governador como exemplo maior de virtudes, de espírito cristão, de catolicidade. Mem de Sá era não só o administrador político da terra, mas o amansador dos índios, o guerreiro, o católico praticante e amigo dos padres, o padrinho dos neófitos e dos noivos, distribuindo justiça e bondade a todos. Consumiu sua vida toda no Brasil, onde veio a falecer. Numa só cerimônia de batismo, Mem de Sá foi padrinho de 84 crianças, o que fazia sempre com alegria e acolhimento dos pequeninos.

E HOJE, COMO ESTÁ O ESPÍRITO DE VINGANÇA NA SOCIEDADE MODERNA?
A violência urbana é uma consequência das guerrilhas comunistas que enfrentavam os militares no período da ditadura. Foram eles os pioneiros de assaltos a bancos e outros crimes de quadrilhas, cometidos pelo famoso Comando Vermelho, criado por uma facção da esquerda. Depois deste bando, vários outros se espalharam por nossas grandes cidades, alguns até com ramificações em outros estados. Muitos são associados a grupos internacionais ligados a Fidel Castro e Hugo Chávez.
Assim, a criação de um organismo governamental denominado de “Comissão da Verdade” (sob a capa de punir o Estado) nada mais é do que reflexo desse espírito de vingança. Como temos no poder uma ex guerrilheira, que se diz perseguida pela ditadura, o fato da mesma (ou do governo anterior, tanto faz, pois fazia parte do mesmo grupo) criar uma comissão especialmente encarregada de pesquisar sobre possíveis abusos dos militares e sua punição é, realmente, uma tentativa de revanche.  Como a própria presidente não é exemplo de pessoa pacífica, pois pegou em armas, ela mesma serve de modelo para o aumento da violência urbana.  Assim como o ex presidente Lula, que representava o exemplo de esperteza, está sendo copiado por grupos de corrupção e esperteza política. Assim, poderemos dizer que os escândalos oriundos da esperteza foram deixados por Lula após seu governo, enquanto que a violência urbana está sendo o legado da atual presidente.
Neste sentido, nosso regime político deve ser repensado para ser reformulado: será que a própria existência de partidos políticos não está alimentando a formação de quadrilhas? Sim, porque é de dentro das agremiações ou partidos políticos que saem todas as quadrilhas de golpes fraudulentos e espertezas políticas dos últimos tempos.
Os nossos dirigentes vão continuar se reunindo, vão continuar criando forças-tarefas para combater a violência urbana, a polícia vai continuar se equipando cada vez mais, mas, a violência não vai deixar de crescer enquanto não procurarem combater seus fundamentos, que está na formação moral e religiosa de nosso povo, a única capaz, inclusive, de fazer acabar este terrível espírito de vingança que hoje toma conta de toda a nossa sociedade. Precisamos de alguns governadores, em cada Estado, e um presidente da república também, que possam repetir nos dias atuais o mesmo estratagema do governador Mem de Sá.  E a par disso se faça uma reforma no Clero para que saibam pregar à população o verdadeiro espírito cristão, que sempre perdoa e nunca dá lugar à vingança.

sábado, 24 de novembro de 2012

A FESTA DE CRISTO REI E OS MÁRTIRES MEXICANOS



No último dia 23 celebrou-se a festa do Beato Miguel Agustin Pró, assassinado pelos comunistas mexicanos pouco tempo depois da promulgação da Encíclica de Pio XI que instituiu a Festa de Cristo Rei. Esta encíclica foi publicada em março de 1925, no mesmo período em que os católicos eram perseguidos no México pela revolução comunista, tendo despertado neles uma grande devoção a Cristo Rei. Pouco mais de 2 anos depois, em novembro de 1927, o padre Pró morre mártir proclamando bem alto o título de Cristo Rei perante seus verdugos. Com o exemplo do Beato Padre Pró diversos outros católicos morreram mártires proclamando também a Cristo Rei do Universo. Vários deles foram beatificados alguns até já canonizados.


A partir de 2009 começou a se realizar na Cidade do México uma solene procissão em homenagem ao  Beato Padre Pro. O cortejo parte do local onde o jesuíta foi executado, percorre algumas grandes ruas e termina na igreja da Sagrada Família e faz uma parada na Paróquia de Guadalupe, Rainha da Paz, onde o sacerdote exercia sua ação pastoral. Na igreja da Sagrada Família é, onde encontra-se hoje os restos mortais do beato. Os fiéis passam todo o tempo da procissão proclamando brados e entoando o  hino em honra de Cristo Rei.

 


Na frente segue um relicário contendo o fragmento de um osso do beato.

 
VIVA CRISTO REI! (ouça o hino)




 Assistam a o vídeo com a vida do Padre Pró (em espanhol)

 

A respeito da Festa de Cristo Rei,  reproduzimos abaixo artigo publicado pela revista “Arautos do Evangelho”, de novembro de 2004:

 

Cristo, Rei do Universo

Evangelho:

35 O povo estava a observar. Os príncipes dos sacerdotes com o povo O escarneciam dizendo: "Salvou os outros, salve-Se a Si mesmo, se é o Cristo, o escolhido de Deus!" 36 Também o insultavam os soldados que, aproximando-se dele e oferecendo-lhe vinagre, 37 diziam: "Se és o Rei dos judeus, salva-Te a Ti mesmo!" 38 Estava também por cima de sua cabeça uma inscrição: "Este é o Rei dos judeus". 39 Um daqueles ladrões que estavam suspensos da cruz, blasfemava contra ele, dizendo: "Se és o Cristo, salva-Te a Ti mesmo e a nós" 40 O outro, porém, tomando a palavra, repreendia-o dizendo: "Nem tu temes a Deus, estando no mesmo suplício? 41 Quanto a nós se fez justiça, porque recebemos o castigo que mereciam nossas ações, mas Este não fez nenhum mal." 42 E dizia a Jesus: "Senhor, lembra-Te de mim, quando entrares no teu Reino!" 43 Jesus disse-lhe: "Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no Paraíso." (Lc 23, 35-43).

Por direito de herança e de conquista, Cristo reina com autoridade absoluta sobre todas as criaturas. Entretanto, não governa segundo os métodos do mundo.

 
                                                       Mons. João Clá Dias, EP


I - REI NO TEMPO E NA ETERNIDADE

Ao ouvirmos este Evangelho da Paixão, de imediato surge em nosso interior uma certa perplexidade: por que a Liturgia, para celebrar uma festa tão grandiosa como a de Cristo Rei, terá escolhido um texto todo ele feito de humilhação, blasfêmia e dor?

Tanto mais que, em extremo contraste com esse trecho de São Lucas, a segunda leitura de hoje nos apresenta Jesus Cristo como sendo "a imagem do Deus invisível, o Primogênito de toda a criação (...) porque foi do agrado do Pai que residisse n'Ele toda a plenitude" (Col 1, 15 e 19). Como conciliar esses dois textos, à primeira vista, tão contraditórios?


Para melhor compreendermos esse paradoxo, devemos distinguir entre o Reinado de Cristo nesta terra e o exercido por Ele na eternidade. No Céu, seu reino é de glória e soberania. Aqui, no tempo, ele é misterioso, humilde e pouco aparente, pelo fato de Jesus não querer fazer uso ostensivo do poder absoluto que tem sobre todas as coisas: "Foi-me dado todo o poder no Céu e na terra" (Mt 28, 18).

Apesar de as exterioridades nos causarem uma impressão enganosa, Ele é o Senhor Supremo dos mares e dos desertos, das plantas, dos animais, dos homens, dos anjos, de todos os seres criados e até dos criáveis. Porém, diante de Pilatos, assevera: "O meu Reino não é deste mundo" (Jo 18, 36), porque não quer manifestar seu império em todas as suas proporções, a não ser por ocasião do Juízo Final.

Assim, enquanto o Evangelho nos fala de seu Reinado terreno, a Epístola proclama o triunfo de sua glória eterna. No tempo, vemo-Lo exangue, pregado na Cruz entre dois ladrões, sendo escarnecido pelos príncipes dos sacerdotes e pelo povo, insultado pelos soldados e objeto das blasfêmias do mau ladrão. A Liturgia exige de nós um esforço de fé para, indo além do fracasso e da humilhação, crermos na grandiosidade do Reino de Jesus.

Por outro lado, errôneo seria imaginar que Ele não deve reinar aqui na terra. Para compreender bem o quanto Cristo é Rei, é preciso diferenciar seu modo de governar daquele empregado pelo mundo.

O governo humano, quando ateu, encontra sua força nas armas, no dinheiro e nos homens. Tem por finalidade as grandes conquistas territoriais, perdurar longamente e alcançar a felicidade terrena. Porém, o tempo sempre demonstra o quanto esses objetivos são ilusórios e até mentirosos. As armas em certo momento caem ao solo, ou se voltam contra o próprio governante; o dinheiro é por vezes um bom vassalo mas sempre um mau senhor; os homens, quando não assistidos pela graça, neles não se pode confiar.

Napoleão Bonaparte é um bom exemplo do vazio enganador no qual se fundamentam os Impérios neste mundo. Basta imaginá-lo proclamando seu fracasso do alto de um penhasco na ilha Santa Helena, durante o penoso exílio ao qual ficara reduzido. Em síntese, a plenitude da felicidade de um governador terreno é um sonho irrealizável. E ainda que ela fosse atingível, a nós caberia a frase do Evangelho: "Que aproveitará ao homem ganhar o mundo inteiro se perder a sua alma?" (Mc 8, 36).

II - A REALEZA ABSOLUTA DE CRISTO

A Realeza de Cristo é bem outra. Ele de fato é Rei do Universo e, de maneira muito especial, de nossos corações. Ele possui uma autoridade absoluta sobre todas as criaturas e já muito antes de sua Encarnação, quando se encontrava no seio do Padre Eterno, ouviu estas palavras:

"Tu és meu Filho, eu hoje te gerei. Pede- me; dar-te-ei por herança todas as nações; tu possuirás os confins do mundo, tu governarás com cetro de ferro" (Sl 2, 7-9).

Rei por direito de herança

Ele é o unigênito Filho de Deus e por Este foi constituído como herdeiro universal, recebendo o poder sobre toda a criação, no mesmo dia em que foi engendrado (1).

Rei por ser Homem-Deus

Por outro lado, Jesus Cristo é Deus e, assim sendo, tudo foi feito por ele, o Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis. Senhor absoluto de toda existência, do Céu, da terra, do sol, das estrelas, das tempestades, das bonanças. Seu poder é capaz de acalmar as mais terríveis ferocidades dos animais bravios e as procelas dos mares encapelados. Os acontecimentos, as forças físicas e morais, a guerra e a paz, a pobreza e a fartura, a humilhação e a glória, o revés e o sucesso, as pestes, os flagelos, a doença e a saúde, a morte e a vida, estão todos ao dispor de um simples ato de sua vontade. Aí está um Governo incomparável, superior a qualquer imaginação, e do qual ninguém ou nada poderá se subtrair.

O título de Rei Lhe cabe mais apropriadamente do que às outras duas Pessoas da Trindade Santíssima, por ser o Homem-Deus, conforme comenta Santo Agostinho: "Apesar de que o Filho é Deus e o Pai é Deus e não são mais que um só Deus, e se o perguntássemos ao Espírito Santo, Ele nos responderia que também o é...; entretanto, as Sagradas Escrituras costumam chamar de rei, ao Filho" (2).

De fato, o título de Rei, quando aplicado ao Pai, é usado de forma alegórica para indicar seu domínio supremo. E se quisermos atribuí-lo ao Espírito Santo, faltará exatidão jurídica, por tratar-se Ele de Deus não-encarnado, pois, para ser Rei dos homens é indispensável ser Homem. Deus não encarnado é Senhor, Deus feito homem é o Rei.

Rei por direito de conquista

Jesus Cristo é nosso Rei também por direito de conquista, por nos ter resgatado da escravidão a Satanás.

Ao adquirirmos um objeto às custas de nosso dinheiro, ele nos pertence por direito. Mais ainda se o obtivermos através de duras penas, pelos esforços de nosso trabalho, e muito mais, se for conseguido pelo alto preço de nosso sangue. E não fomos nós comprados pelo trabalho, sofrimentos e pela própria morte de Nosso Senhor Jesus Cristo? É São Paulo quem nos assevera: "Porque fostes comprados por um grande preço!" (I Cor 6, 20).

Rei por aclamação

Cristo é nosso Rei por aclamação. Antes mesmo das purificadoras águas do Batismo serem derramadas sobre nossa cabeça, nós O elegemos para ser o regente de nossos corações e de nossas almas, através dos lábios de nossos padrinhos. Por ocasião do Crisma e a cada Páscoa, de viva voz nós renovamos essa eleição, sempre de um modo solene.

Rei do interior dos homens e de todas as exterioridades

Não houve, nem jamais haverá um só monarca dotado da capacidade de governar o interior dos homens, além de bem conduzi-los na harmonia de suas relações sociais, seus empreendimentos, etc. O único Rei pleníssimo de todos os poderes é Cristo Jesus.

Exteriormente, pelo seu insuperável e arrebatador exemplo - além de suas máximas, revelações e conselhos - Ele governa os povos de todos os tempos, tendo marcado profundamente a História com sua Vida, Paixão, Morte e Ressurreição. Por meio do Evangelho e sobretudo ao erigir a Santa Igreja, Mestra infalível da verdade teológica e moral, Jesus perpetua até o fim dos tempos o imorredouro tesouro doutrinário da fé. Através dessa magna instituição Ele orienta, ampara e santifica todos os que nela ingressam, e vai em busca das ovelhas desgarradas.

Aqui precisamente se encontra o principal de seu governo neste mundo: o Reino Sobrenatural que é realizado, na sua essência, através da graça e da santidade.

Nosso Senhor Jesus Cristo enquanto a "videira verdadeira" é a causa da vitalidade dos ramos. A seiva que por eles circula, alimentando flores e frutos, tem sua origem n'Aquele Unigênito do Pai (Jo 15, 1-8). Ele é a Luz do Mundo (Jo 1, 9; 3, 19; 8, 12; 9, 5) para auxiliar e dar vida aos que dela quiserem se servir para evitar as trevas eternas. Jesus - segundo a leitura de hoje - é "a cabeça do corpo que é a Igreja, é o Princípio, o Primogênito entre os mortos, de maneira que tem a primazia em todas as coisas, porque foi do agrado do Pai que residisse n'Ele toda a plenitude e que por Ele fossem reconciliadas consigo todas as coisas, pacificando pelo Sangue da sua Cruz, tanto as coisas da terra, como as do Céu" (Col 1, 18-20).

O Reinado de Cristo, em nosso interior, se estabelece pela participação na vida de Jesus Cristo. Só no Homem- Deus se encontra a plenitude da graça, enquanto essência, virtude, excelência e extensão de todos os seus efeitos. Os outros membros do Corpo Místico participam das graças que têm sua origem em Jesus, a cabeça que vivifica todo o organismo. Quem de maneira privilegiadíssima tem parte em grau de plenitude nessa mesma graça, é a Santíssima Virgem.

Dada a desordem estabelecida em nós após o pecado original, acrescida pelas nossas faltas atuais, nossa natureza necessita do auxílio sobrenatural para atingir a perfeição. Sem o sopro da graça, é impossível aceitar a Lei, obedecer aos preceitos morais, não elaborar razões falsas para justificar nossas más inclinações e conhecer, amar e praticar a boa doutrina de forma estável e progressiva. Ela refreia nossas paixões e as equilibra nos gonzos da santidade, orienta nosso espírito, modera nossa língua, tempera nosso apetite, purifica nosso olhar, gestos e costumes. É através da graça que nossa alma se transforma num verdadeiro trono e, ao mesmo tempo, cetro de Nosso Senhor Jesus Cristo. E é nessa paz e harmonia que se encontra nossa autêntica felicidade, e esse é o Reino de Cristo em nosso interior.

E qual o principal adversário contra esse Reino de Cristo sobre as almas? O pecado! Por isso mesmo, se alguém tem a desgraça de o cometer, nada fará de melhor do que procurar um confessionário e com arrependimento ali declará-lo a fim de ver-se livre da inimizade de Deus. É impossível gozar de alegria com a consciência atravessada pelo aguilhão de uma culpa. Nessa consciência não reinará Cristo; e se ela não se reconciliar com Deus, aqui na terra, tampouco reinará com Ele na glória eterna.

III - A IGREJA, MANIFESTAÇÃO SUPREMA DO REINADO DE CRISTO

O júbilo e às vezes até mesmo a emoção, penetram nossos corações ao contemplarmos estas inflamadas palavras de São Paulo: "Cristo amou a Igreja e Se entregou a Si mesmo por ela, para a santificar, purificando-a no batismo da água pela Palavra, para apresentar a Si mesmo esta Igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga ou coisa semelhante, mas santa e imaculada" (Ef 5, 25-27).

Porém, ao analisarmos a Igreja militante, na qual hoje vivemos, com muita dor encontramos imperfeições - ou pior ainda, faltas veniais - nos mais justos, conferindo opacidade a essa glória mencionada por São Paulo. Entre as ardentes chamas do Purgatório, está a Igreja padecente, purificando-se de suas manchas. Até mesmo a triunfante possui suas lacunas, pois, exceção feita da Santíssima Virgem, as almas dos bem-aventurados foram para o Céu deixando seus corpos em estado de corrupção nesta terra, onde aguardam o grande dia da Ressurreição.

Portanto, a "Igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga ou coisa semelhante, mas santa e imaculada" , manifestação suprema da Realeza de Cristo, ainda não atingiu sua plenitude.

E quando definitivamente triunfará Cristo Rei? Só mesmo depois de derrotado seu último inimigo, ou seja, a morte! Pela desobediência de Adão, introduziram-se no mundo o pecado e a morte. Pelo seu Preciosíssimo Sangue Redentor, Cristo infunde nas almas sua graça divina e aí já se dá o triunfo sobre o pecado. Mas a morte será rendida com a Ressurreição no fim do mundo, conforme o próprio São Paulo nos ensina:

"Porque é necessário que Ele reine, ‘até que ponha todos os inimigos debaixo de seus pés'. Ora, o último inimigo a ser destruído será a morte; porque Deus ‘todas as coisas sujeitou debaixo de seus pés' " (I Cor 15, 25- 26).

Cristo Rei, por força da Ressurreição que por Ele será operada, arrancará das garras da morte a humanidade inteira, como também iluminará os que purgam nas regiões sombrias. Ao retomarem seus respectivos corpos, as almas bem-aventuradas farão com que eles possuam sua glória; e assim, serão também os eleitos outros reis cheios de amor e gratidão ao Grande Rei. Apresentarse- á o Filho do Homem em pompa e majestade ao Pai, acompanhado de um numeroso séqüito de reis e rainhas, tendo escrito em seu manto: "Rei dos reis e Senhor dos senhores" (Apoc 19, 16)

IV - SE CRISTO É REI, MARIA É RAINHA

Se Cristo é Rei por ser Homem-Deus e recebeu o poder sobre toda a Criação no momento em que foi engendrado, daí se deduz ter sido realizada no puríssimo claustro maternal de Maria Virgem a excelsa cerimônia da unção régia que elevou Cristo ao trono de Rei natural de toda a humanidade. O Verbo assumiu de Maria Santíssima nossa humanidade, e assim adquiriu a condição jurídica necessária para ser chamado Rei, com toda a propriedade. Foi também nesse mesmo ato que Nossa Senhora passou a ser Rainha. Uma só solenidade nos trouxe um Rei e uma Rainha.

V - CONCLUSÃO

Agora sim, estamos aptos a entender e amar a fundo o significado do Evangelho de hoje. A resposta ao povo e aos príncipes dos sacerdotes que escarneciam contra Jesus: "Salvou os outros, salve-Se a Si mesmo, se é o Cristo, o escolhido de Deus" (v. 35), como também aos próprios soldados romanos em seus insultos: "Se és o Cristo, salva-Te a Ti mesmo" (v. 37), transparece claramente nas premissas até aqui expostas.

Eles eram homens sem fé e desprovidos do amor a Deus, julgando os acontecimentos em função de seu egoísmo e por isso levados a se esquecerem de sua contingência. Cegos de Deus, já há muito afastados de sua inocência primeva, perderam a capacidade de discernir a verdadeira realidade existente por trás e por cima das aparências de derrota que revestiam o Rei eterno transpassado de dor sobre o madeiro, desprezado até pelas blasfêmias de um mau ladrão. Não mais se lembram dos portentosos milagres por Ele operados, nem sequer de suas palavras: "Julgas porventura que Eu não posso rogar a meu Pai e que poria já ao meu dispor mais de doze legiões de anjos?" (Mt 26, 53). Sim, se fosse de sua vontade, numa fração de segundo poderia reverter gloriosamente aquela situação e manifestar a onipotência de sua realeza, mas não o quis, como o fez em outras ocasiões: "Jesus, sabendo que O viriam arrebatar para O fazerem rei, retirou-se de novo, Ele só, para o monte" (Jo 6, 15).

Quem discerniu em sua substância a Realeza de Cristo foi o bom ladrão, por se ter deixado penetrar pela graça. Arrependido em extremo, aceitou compungido as penas que lhe eram infligidas, e reconhecendo a Inocência de Jesus no mais fundo de seu coração, proclamou os segredos de sua consciência para defendê-La das blasfêmias de todos: "Nem tu temes a Deus, estando no mesmo suplício? Quanto a nós se fez justiça, porque recebemos o castigo que mereciam nossas ações, mas Este não fez nenhum mal" (vv. 40-41). Eis a verdadeira retidão. Primeiro, humildemente ter dor dos pecados cometidos; em seguida, com resignação abraçar o castigo respectivo; por fim, vencendo o respeito humano, ostentar bem alto a bandeira de Cristo Rei e aí suplicar- Lhe: "Senhor, lembra-Te de mim, quando entrares no teu Reino!" (v. 42)

Tenhamos sempre bem presente que só pelos méritos infinitos da Paixão de Cristo e auxiliados pela poderosa mediação da Santíssima Virgem nos tornaremos dignos de entrar no Reino.

Seguindo os passos da conversão final do bom ladrão, poderemos esperar com confiança ouvir um dia a voz de Cristo Rei dizendo também a nós: "Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no Paraíso" (v. 43).

1 ) cf. Hb 1, 2-5.
2 ) Enarrat. in Ps. 5 n. 3: PL 37, 83

***

Eis uma solução eficaz para todas as crises atuais: a celebração solene da festa de Cristo Rei
Assim se exprime o Papa Pio XI a esse respeito:

Cristo, fonte da verdadeira Paz

Se soubessem os homens resolver-se a reconhecer a autoridade de Cristo em sua vida particular e pública, deste ato para logo dimanariam em toda a humanidade incomparáveis benefícios: uma justa liberdade, a ordem e o sossego, a concórdia e a paz (...).

Se os príncipes e governos legitimamente constituídos tivessem a persuasão de que regem menos no próprio nome do que em nome e lugar do Rei Divino, é manifesto que usariam do seu poder com toda a prudência, com toda a sabedoria possíveis Em legislar e na aplicação das leis, como haveriam de atender ao bem comum e à dignidade humana de seus súditos! Então floresceria a ordem, então veríamos difundirem- se e firmarem-se a tranqüilidade e a paz (...).

Oh! que ventura não pudéramos gozar, se os indivíduos, se as famílias, se a sociedade se deixasse reger por Cristo! "Então finalmente - para citarmos as palavras que, há 25 anos, o Nosso Predecessor Leão XIII dirigia aos bispos do mundo inteiro - fora possível sanar tantas feridas; o direito recobraria seu antigo viço, seu prestígio de outras eras; tornaria a paz com todos os seus encantos. e cairiam das mãos armas e espadas, quando todos de bom grado aceitassem o império de Cristo, Lhe obedecessem, e toda língua proclamasse que Nosso Senhor Jesus Cristo está na glória de Deus Padre" (Enc Annum Sacrum) (...).

As festividades, mais eficazes que os documentos

A fim de que a sociedade cristã goze largamente de tão preciosas vantagens, e para sempre as conserve, é mister que se divulgue quanto possível o.conhecimento da dignidade real de Nosso Salvador Ora, nada pode, pelo que nos parece, conseguir melhor este resultado, do que a instituição de uma festa própria e especial em honra de Cristo Rei.

Com efeito, para instruir o povo nas verdades da fé e levá-lo assim às alegrias da vida eterna, mais eficazes que os documentos do Magistério eclesiástico são as festividades anuais dos sagrados mistérios. Os documentos do Magistério, de fato, apenas alcançam. um restrito número de espíritos mais cultos, ao passo que as festas atingem e instruem a universalidade dos fiéis Os primeiros, por assim dizer, falam uma vez só, as segundas falam sem intermitência de ano para ano; os primeiros dirigem-se, sobretudo, ao entendimento; as segundas influem não só na inteligência, mas também no coração, quer dizer, no homem todo Composto de corpo e alma, precisa o homem dos incitamentos exteriores das festividades, para que, através da variedade e beleza dos sagrados ritos, recolha no ânimo a divina doutrina, e, transformando- em substância e sangue, tire dela novos progressos em sua vida espiritual.

Além disso, ensina-nos a própria História, que estas festividades litúrgicas foram introduzidas no decorrer dos séculos, umas após outras, para. responder a necessidades ou vantagens espirituais do povo cristão. Foram-se constituindo para fortalecer os ânimos em presença de algum inimigo comum, para premunir os espíritos contra os ardis da heresia, para mover e inflamar os corações a celebrar com a mais ardente piedade algum mistério de nossa fé ou algum benefício da divina graça (...) Assim se deu com a festa de Corpus Christi, instituída quando se esfriava a reverência e o culto para com o Santíssimo Sacramento.

Instituição da festa

A festa, doravante anual, de "Cristo-Rei" dá-nos a mais viva esperança de acelerarmos a tão desejada volta da humanidade a seu Salvador amantíssimo (...) Uma festa, anualmente celebrada por todos os povos em homenagem a Cristo-Rei, será sobremaneira eficaz para condenar e ressarcir, de algum modo, esta apostasia pública (...).

Portanto, em virtude de Nossa autoridade apostólica, instituímos a festa de "Nosso Senhor Jesus Cristo Rei", mandando que seja celebrada cada ano, no mundo inteiro, no último domingo de outubro (...) porque ele, em certo modo, encerra o ciclo do ano litúrgico. Destarte, os mistérios da vida de Jesus Cristo, comemorados no decorrer do ano que finda, terão na solenidade de "Cristo-Rei" seu como termo e coroa.

(Revista Arautos do Evangelho, Nov/2004)

 

 

 

terça-feira, 6 de novembro de 2012

A generosidade cristã na doação das riquezas





Um exemplo do poder dos legistas ou juristas do direito romano podemos constatar num episódio da vida de São Nuno de Santa Maria, o famoso Condestável de Portugal Dom Nun’Álvares Pereira. Naquele tempo (século XIV) já estava bastante sedimentada a idéia de que o Estado é o senhor de tudo, superior a todos os indivíduos e organismos sociais intermediários. Essa idéia fazia parte de um princípio jurídico defendido pelos legistas do chamado direito romano e predominava em vários países. Na França, desde o tempo de “Felipe o Belo” (início do século XIV) que tal princípio predominava: foi este o motivo da afronta perpetrada por aquele rei (que, por sinal, era neto de São Luís IX) contra o Papa Bonifácio VIII, mandando esbofeteá-lo em praça pública. Para demonstrar que o Estado era superior à igreja, fez com que a autoridade papal sofresse uma humilhação pública. Quer dizer, era uma demonstração de força para comprovar a legitimidade de seu poder de regência e, de outro lado, da ilegitimidade do poder regencial dos papas, que só deve reger as almas. Era, assim, a demonstração da regência pela força e não pelo amor filial.

Em Portugal, tais princípios demoraram a chegar. A nação encontrava-se em guerras constantes com seu antigo reino, o de Castela, e por mais de uma década lutou bravamente para confirmar sua independência e seu reino. Nessa luta, foi de capital importância a participação do grande Condestável, Dom Nuno Álvares Pereira. Quando, finalmente, o país começou a auto-reger-se, a idéia da supremacia estatal já predominava na Europa por causa da influência dos legistas, e terminou por influenciar o rei de Portugal.

Quando a guerra acabou, o Condestável havia concentrado em suas mãos uma riqueza incalculável, formada em geral pelos despojos e pelos butins que arrebatava dos inimigos e dos presentes que recebia do rei e dos amigos. Dizia-se que lhe pertencia a metade do reino. Tinha três condados, o de Ourém, o de Barcelos e o de Arraiolos. Possuía ainda os senhorios de Braga, Guimarães, Chaves, Montalegre, Porto de Mós, Ourém, Almada, Vila Viçosa, Sousel, Alter do Chão, Montemor o Novo, Arraiolos, Évora Monte, Estremoz, Borba, Monsaraz, Portel e Loulé. Tinha também um privilégio ímpar no reino, chamado de "regalengo", que consistia no direito de cunhar moeda em vários lugares, onde também auferia as rendas de tributos que lhe eram devidos por causa das guerras que ganhara. Os invejosos chegavam a espalhar os boatos de que Dom João I resolvera dividir o reino com Nun'Álvares desde o momento em que, juntos, no ano de 1384 partiram para fundar a nova dinastia de Avis.

Muitos eram aqueles que tinham inveja de tais riquezas, e o Condestável mostrou completo desapego às mesmas, resolvendo doar tudo. As pessoas mais beneficiadas com estas dádivas foram seus próprios homens, com os quais dividiu dinheiro, propriedades, jóias e tudo o que ganhara ao longo destes dez anos. Considerava que seus soldados e cavaleiros haviam sido seus sócios naquela empresa, com os quais dividiu sacrifícios e desgostos, e por isso teria que dividir também os louros da vitória. Sentia vergonha de se encontrar tão rico, ao lado de seus cavaleiros, soldados e peões, seus fiéis companheiros de armas, sem nada possuir ou com poucas posses. No final, ao terminar de dividir tudo, percebeu que havia ficado apenas com o hábito de sua Ordem, que nunca largara. Tal desapego em doar todos os seus bens deveria causar assombros de admiração, mas em muitos aumentava mais a inveja ao perceberem que Dom Nuno com este ato se elevava ainda mais em superioridade, erguendo-o muito acima do comum dos vassalos do reino.

E o ciúme invejoso açulou alguns assessores do rei, principalmente os juristas, a verem um mal naquele ato. Alegavam que Dom Nuno não podia doar aqueles bens, pois não lhe pertenciam e sim ao reino. Aquelas doações representavam uma afirmação pura e simples de soberania aristocrática, contrária ao novo conceito jurídico que surgia na Europa em que o Estado era o único elemento soberano numa nação. Era como se fosse uma afronta ao novo conceito de monarquia recém-nascido em Portugal com a dinastia de Avis.

Levaram a Dom João I vários argumentos jurídicos, terminando por convencê-lo a chamar o Condestável à corte a fim de rever as doações que fizera a seus homens. A oposição daqueles homens para com suas doações fizera Dom Nuno ficar muito confuso, pois não entendia porque havia ele conquistado todos aqueles bens e não os podia doar a quem quisesse. Percebeu claramente que tal oposição não passava de obra da inveja. Lutou bravamente para manter a validade de suas doações. Como ficaria ele perante seus homens? Como chegaria até eles e pedir tudo de volta para entregar ao rei, que não era dono de nada daquilo?

Como Nun'Álvares se recusasse a reaver os bens doados para os entregar ao reino, Dom João foi convencido pelos juristas e assessores de que fizesse expropriação de tudo, usando simplesmente o poder da força. Seria um ato arbitrário, mas os legistas haviam preparado uma bem arrumada documentação para reforçar os argumentos do ato real. Quando Dom João I lavrou a sentença, Dom Nuno já havia partido da corte para o Alentejo.

Que pensava fazer ele? Mandou reunir seu exército, aquele mesmo que o acompanhara durante mais de dez anos, onde estavam os homens mais fiéis que haviam, e lhes comunicou o que estava ocorrendo e qual a sua decisão. Disse-lhes que o rei queria tomar todos os bens que ele havia doado, que lhe pertenciam há muito tempo, e perante tal afronta ele havia decidido abandonar o reino e partir para o exterior a procura de outro senhor a quem pudesse servir mais dignamente. Quem quisesse poderia ir com ele, ou então ficasse porque ninguém estava obrigado a segui-lo naquela viagem. Todos seus homens resolveram partir com seu senhor, e logo de imediato tomaram o rumo da fronteira.

A notícia logo voou até a corte. Quando Dom João tomou conhecimento da decisão de Dom Nuno, sabendo que tipo de caráter ele possuía e do que seria capaz, mandou urgentemente um emissário procurá-lo. Quando o emissário partiu, logo partiram também na mesma direção alguns personagens de grande peso na corte. Tinham a intenção de fazer o Condestável mudar de propósito. Encontraram-no no caminho, e a todos Dom Nuno respondeu que iria pensar nas novas propostas e pedidos do rei, que era muito seu amigo.

Em pouco tempo, o caso ficou resolvido. O rei voltou atrás e anulou as expropriações feitas. As doações ficaram mantidas, mas ele pediu a Nun'Álvares que viesse na corte a fim de assinar um documento protocolar. Era um "jeitinho" que o bom diplomata de Avis achara para contentar a ambos: aos legistas e a Dom Nuno. O Condestável assinaria um documento transferindo todos os bens para o reino, e no mesmo momento o rei assinaria outro documento doando todos aqueles bens aos atuais possuidores.

Dentro de pouco tempo o Condestável teve a oportunidade de provar que não guardava nenhuma amargura contra o seu rei. Tendo o rei de Castela rompido novamente as pazes e invadido algumas localidades portuguesas, Dom João I convocou alguns fidalgos de sua corte para preparar a defesa sem pensar em Dom Nuno. Sabendo que seu Condestável estava muito magoado com os últimos acontecimentos, preferiu pedir apoio dos outros seus fidalgos mais fiéis. O rei aguardou algum tempo em Santarém pela chegada das forças para repelir os invasores, mas ficou frustrado pela completa deserção de seus melhores homens. Após longa espera, havia se decidido a voltar para Lisboa porque ninguém tinha atendido seu apelo. De repente, vê chegar um destacamento militar composto de mais de mil e duzentas lanças, comandado pelo incansável Nun'Álvares Pereira. Mesmo sem ser convocado, ao saber de que o rei precisava dele, marchou imediatamente ao seu encontro. O rei exultou de contentamento, quase chorava de alegria porque sentia naquele gesto de Dom Nuno a completa reconciliação dos dois.

Numa breve correria, o Condestável fez voltar aos homens do exército real português a antiga alegria de combater pela nova monarquia. Depois de haver vencido aqueles rápidos combates, resolveu repartir o butim de guerra ali mesmo com seus homens, pois queria evitar alguma querela com os juristas da corte. Em seguida, voltou para o seu Alentejo, onde morava com a mãe e a filha, enquanto o rei seguia para Avis.
  
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As gestas de um santo, a batalha de aljubarrota


Nuno de Santa Maria, o santo Condestável de Portugal