sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

PROBLEMAS DA VIDA MODERNA (IX)

Ainda sobre suicídio via internet

Há algum tempo atrás a revista "Época" publicou os seguintes diálogos que um repórter captou junto a sites e blogs de suicidas em potencial:

Diálogos no inferno: a vida num site de morte
ÉPOCA entrou nos grupos de suicídio que Yoñlu freqüentava para descobrir o que um adolescente encontra nessa rede macabra
“Estou muito deprimido. Não vejo nenhuma razão para a minha vida. Como posso cometer suicídio? Ajudem-me, por favor.” A súplica foi feita por Diego Martin em um fórum de discussões sobre suicídio na internet. O grupo tem quase 2 mil internautas cadastrados que se correspondem em inglês. É um dos mais conhecidos da rede. Foi ali que Vinícius Gageiro Marques, o Yoñlu, fez alguns “amigos” virtuais. Logo que Diego se conectou, na semana passada, encontrou pessoas dispostas a ajudá-lo a morrer. “Você leu o que está no http://gr…? Veja o coquetel D… Pesquise no alto da página, à direita”, disse Kat. “Se você quer que funcione, sugiro que pesquise bastante. O http://gr… é um bom lugar para você começar”, afirmou Peter. Kat, que escreveu ser mãe de duas crianças e sofrer de problemas psicológicos, quis conhecer melhor Diego antes de dar a sentença de morte.– Você acha que devo cometer suicídio?– Não conheço a sua situação. Eu, por exemplo, tenho alguns contatos on-line com doentes terminais. Eles têm pouca possibilidade de vida. No meu caso, com dois filhos, acho que seria errado e egoísta. – Eu não tenho vida. Só depressão. – Isso ainda não é suficiente para que eu possa fazer um julgamento. Essa é uma grande decisão e não há retorno. Mande-me toda a sua história por e-mail.Diego Martin não existe. É um jovem criado pela reportagem de ÉPOCA para descobrir como as pessoas se comportam na web quando conversam sobre suicídio. Mas Kat e Peter existem. Assim como centenas de outros internautas prontos para ajudar e incentivar quem deseja se matar. De acordo com Adalton de Almeida Martins, chefe da Unidade de Repressão a Crimes Cibernéticos da Polícia Federal, criar um personagem na internet não é crime. “Seria falsidade ideológica apenas se houvesse prejuízo a alguém”, afirma. Crime é incitar ao suicídio. ÉPOCA selecionou alguns trechos de diálogos travados em um fórum na semana passada:
squidthings: Não quero te matar. Mas crianças usam essa m… o tempo todo. Tenho um amigo que tomou 2.650 mg e ficou alucinado durante três dias. Depois acordou abandonado em Cleveland.fkd up: Eu estou planejando cozinhar N* e injetar na veia.
axlgu: Não funciona. Eu já fiz isso.
Samantha: Se você quer companhia, eu gostaria de ir. O remédio N* é minha primeira opção. Eu estava esperando para viajar com alguém. Estou reunindo os ingredientes para o coquetel de A*. É fácil achar esses remédios on-line. Só não sei se vai funcionar. Mas isso vai me custar US$ 300.
JohnnieR: Sam, estou tentando organizar um grupo de três ou quatro pessoas. Você será mais do que bem-vinda.
angrygirl13: Me corto e me queimo desde os 11 anos. Me corto quase todos os dias. Tenho um filho menor de idade, então eu não posso ir em frente agora… Mas todos os segundos, todos os dias, eu penso na morte.
tanhkx: Se alguém parar de comer, em quanto tempo morrerá? Provavelmente a pessoa vai ficar cega primeiro, certo? Por causa da falta de vitamina A, eu acho.avalanche: Isso não funciona. Você só vai acabar hospitalizado.
angrygirl13: Meu amigo acabou de tentar se enforcar. Ele estava num programa de prevenção ao suicídio e o deixaram ir ao banheiro sozinho. Mas o lugar não era alto o suficiente para arrebentar o pescoço dele.
kat: Estava postando e notei a resposta de um policial. Devo ficar preocupada se ele estiver me rastreando? Que diabos um policial está fazendo neste site? Talvez ele seja suicida também. Se ele for policial, eu gostaria que atirasse na m… da minha cara.
squidthings: Uma vez, policiais apareceram on-line e tentaram me salvar. Chamaram o 911 e a polícia apareceu na minha casa. Você precisa ter cuidado com quem fala antes de morrer.

PROBLEMAS DA VIDA MODERNA (VIII)

Vinícius Gajeiro Marques suicidou-se com a ajuda de internautas. Ele tinha 16 anos.


Suicídios pela internet




Reproduzo abaixo um texto que circula num blog, que é muito sintomático da situação que descremos anteriormente como um SIGNO DA DESESPERANÇA que, infelizmente, está em franco crescimento nos dias atuais. E o suicídio está se tornando um aspecto desta desesperança que já toma conta dos mais jovens: no Japão a média de idade dos suicidas é abaixo dos 10 anos: quer dizer, lá as crianças também estão se suicidando.
O texto foi extaído da revista “Época”, edição de 11.02.2008

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG81603-6014-508-1,00.html


“Eu acredito que a cadência e a harmonia certas no momento certo podem despertar qualquer sentimento, inclusive o da felicidade nos momentos mais sombrios’’
Essa frase é de um adolescente de 16 anos. Um garoto que amava Radiohead, Mutantes e Vitor Ramil. Foi escrita no dia de seu suicídio. Era parte de sua carta de despedida. Ele dizia aos pais que a música era a melhor maneira de enfrentar o desespero que viria. Antes de começar a morrer, colou a carta no lado externo da porta do banheiro. Acima dela, um cartaz: “Não entre. Concentrações letais de monóxido de carbono”. Vinícius ligou o aparelho de som – “porque é bom morrer com música alegre” – e entrou.
Essa frase escrita na morte se transformou num legado de vida ao ser impressa no encarte do CD que será lançado ainda em fevereiro pela Allegro Discos, com 23 músicas de sua autoria. Parte delas foi entregue aos pais na forma de uma herança às avessas: “Deixei na mesa do computador um envelope vermelho da Faber-Castell que contém um CD com algumas de minhas músicas”. Yoñlu, o título do CD, é o nome com o qual batizou a si mesmo no mundo em que circulava com mais desenvoltura: a internet.
Ambos, Vinícius e Yoñlu, morreram por asfixia por volta das 15h30 de uma quarta-feira de inverno, 26 de julho de 2006. Vinícius foi estimulado ao suicídio e auxiliado por pessoas anônimas na internet. Ele é a primeira vítima conhecida no Brasil de um crime que tem arrancado a vida de jovens de diferentes cantos do mundo – uma atrocidade que poderia ser chamada de Suicídio.com.
Encobertos pelo anonimato da rede, internautas de diferentes nacionalidades têm dito em várias línguas a pessoas muito frágeis, a maioria delas adolescentes: “Mate-se”. O suicídio de Simon Kelly, de 18 anos, em Cornwall, na Inglaterra, foi um dos primeiros sinais de que algo de macabro estava acontecendo no reino da internet. No verão de 2001, o garoto aproveitou uma viagem dos pais para acessar sites sobre suicídio com detalhes técnicos de como poderia se matar. Morreu de overdose enquanto conversava com “amigos” virtuais em uma sala de bate-papo. A banalidade dos diálogos travados enquanto o adolescente tirava a vida é chocante. Ninguém tentou dissuadi-lo ou buscou ajuda. Um internauta procurou apenas convencê-lo a dar uma última olhada no mar antes do fim. Simon respondeu: “Fiz isso no domingo. Vejo vocês do outro lado”. A morte foi transmitida pela câmera do computador. Somente em 2005, 91 pessoas, a maioria entre 20 e 30 anos, suicidaram-se no Japão, estimuladas por sites na internet. Apenas em um mês, março de 2006, houve três casos de suicídios coletivos combinados em fóruns virtuais no país: 13 internautas morreram. Desde o ano passado, 14 jovens da região de Bridgend, no sul do País de Gales, se mataram. Alguns deles estavam ligados por um site de relacionamento que difundia uma idéia “romântica” do suicídio. O mais velho tinha 26 anos. Nos últimos seis anos, a Papyrus, entidade dedicada à prevenção do suicídio, registrou 27 mortes incentivadas pela internet apenas na Grã-Bretanha. A vítima mais jovem tinha 13 anos.
No mundo virtual não há nenhuma perversão nova, apenas as velhas modalidades que já assombravam as ruas da realidade. A diferença é que, na internet, qualquer um pode exercer seu sadismo protegido pelo anonimato, na certeza da impunidade. Basicamente, a idéia é: “Se ninguém sabe quem eu sou, não só posso ser qualquer um, como posso fazer qualquer coisa”. Megan Meier, uma adolescente americana de 13 anos, foi uma vítima da mais banal das maldades, cuja potência de destruição foi multiplicada na internet. Depois de receber mensagens hostis de um “amigo” virtual no site de relacionamento MySpace, Megan subiu ao 2o andar da casa e se enforcou com um cinto no closet. Josh Evans, um garoto musculoso de 16 anos, louco por pizza, tinha dito a ela: “Você é uma pessoinha de m…. O mundo seria bem melhor sem você nele”. O detalhe: Josh nunca existiu. Era uma criação coletiva de suas vizinhas para se divertir com a menina gordinha.
O brasileiro Vinícius Gageiro Marques deixou o inventário de seu suicídio. Documentou sua morte na carta de despedida impressa em papel e no registro virtual da internet. Seguindo seus passos, é possível chegar ao impasse de uma época em que adolescentes habitam dois mundos – mas os pais só os alcançam em um.
Como Yoñlu, ele marcou seu suicídio no mundo virtual para as 11 horas de 26 de julho de 2006. No mundo real, Vinícius estava havia dois meses em internação domiciliar por determinação de seu psicanalista. Ele era um garoto superdotado, descrito como “extraordinariamente inteligente” e “extremamente sensível”. Filho único do casamento de um professor universitário que foi secretário de Cultura do Rio Grande do Sul com uma psicanalista, ele teve todo o estímulo para desenvolver inteligência e sensibilidade. Alfabetizou-se em francês quando a mãe fazia doutorado em Paris com a historiadora e psicanalista Elizabeth Roudinesco, biógrafa de Jacques Lacan. Mas o mundo doía em Yoñlu, como mostram as letras de muitas de suas músicas. Sua questão não era morrer, mas fazer a dor parar.
Os fones de ouvido eram o caderno dele. Não levava nada, não ouvia o professor e depois passava por média em tudo’’GENOVEVA GUIDOLIN, orientadora educacional do Colégio Rosário
Vinícius criou uma fantasia para enganar os pais: a de um adolescente “normal”. Disse a eles que queria fazer um churrasco para os amigos, que estava interessado numa “guria”, que preferia não ter os pais por perto. Dias antes, pediu ingresso para um show que aconteceria depois de sua morte, iniciou um tratamento de pele, foi ao supermercado comprar a carne. Simulou um futuro onde não pretendia estar.Vinícius parecia “curado” no mundo real. Na internet, porém, Yoñlu pedia instruções sobre o melhor método de suicídio. Em 23 de junho, comentou que adiaria sua morte porque muita gente estava elogiando suas músicas. A faixa 10 do CD, “Deskjet Remix”, em parceria com um DJ escocês, tocava em festas eletrônicas de Londres. O mundo virtual de Yoñlu alcançava gente de vários países em sites de suicídio e fóruns de música, com quem conversava num inglês desenvolto.Enquanto Vinícius tecia uma fantasia no mundo real, a realidade estava onde os adultos de sua vida não esperavam encontrá-la: no mundo virtual. A mãe arrumava a mesa para o churrasco de ficção. Bem ali perto, o computador anunciava a morte do filho pelo método conhecido como “barbecue”. Por volta de 11h15, os pais saíram do apartamento que ocupa três andares de um prédio da família, num bairro de classe média de Porto Alegre. Por volta das 12 horas Vinícius ligou para o celular da mãe, avisando que os amigos tinham chegado e que estava “tudo bem”. Às 13 horas, os pais deixaram o violão, que estava no conserto, na portaria do prédio. Vinícius foi buscá-lo. Três horas depois, os pais leriam: “Para garantir uma margem segura de tempo, inventei a história do churrasco, pedindo para que vocês saíssem de casa durante todo o dia. (…) Essa medida fez com que o churrasco de hoje parecesse um grande progresso no que tange a minha condição psíquica, quando na verdade era justamente o contrário”.O que aconteceu depois foi gravado por Yoñlu no computador. Às 14h28, ele postou num grupo de discussão, sempre em inglês: “Estou fazendo esse método CO (suicídio por inalação de monóxido de carbono) neste momento e tenho duas grelhas queimando no banheiro. Aqui está a foto. Alguém pode me dizer se há carvão suficiente e quando eu posso entrar no banheiro e me deitar? Por favor, por favor, me ajudem! Eu não tenho muito tempo”.A foto mostra duas churrasqueiras portáteis com chamas, uma ao lado da outra, num banheiro. Às 14h42, alguém diz: “Como você está se virando? Espero que você consiga o que quer. Talvez você volte daqui a pouco tossindo”. Dois minutos depois, Yoñlu escreve: “Ah, meu Deus. Eu não consigo suportar o calor, está tremendamente quente naquele banheiro. O que eu devo vestir para se tornar mais suportável? Eu tomei uma ducha antes, mas não adiantou nada. O que eu posso fazer? E o que eu devo fazer para desmaiar, por Deus?”.
Um bombeiro aposentado de Chicago, segundo o inquérito policial, orientou Yoñlu a retirar as roupas, encharcar algum pano e se enrolar nele para suportar o calor até o momento de desmaiar. O último post de Yoñlu, de Gay Harbour, como ele chamava causticamente Porto Alegre, foi às 15h02. Muito tempo depois, alguém escreveu: “Acho que funcionou, já que ele não entrou mais em contato”.
Às 15h45, o policial federal Enrico Canali, de Porto Alegre, foi chamado ao telefone porque era fluente em inglês. No outro lado da linha estava o policial Ken Moore, de Toronto, no Canadá. Lindsey, uma universitária canadense, amiga virtual de Yoñlu, procurou a polícia de sua cidade para avisar que alguém no sul do Brasil estava se suicidando. Deu o endereço de Vinícius, obtido com outro amigo virtual. Canali acionou a Polícia Militar.
Os PMs Volmir da Silva Ramos, sargento, e Fernando Hermann Heck, soldado, tentavam conter uma mulher em surto psicótico debaixo de um viaduto quando foram chamados pela central. Eram 16h10. A zeladora do prédio demorou 15 minutos para deixá-los entrar, assustada com a presença da polícia narrando uma história que soava absurda. Chamou o avô de Vinícius, que morava em outro apartamento do mesmo prédio. “Não é possível. Só meu neto está aqui, e ele está com os amigos, numa festa”, ele teria dito aos policiais. A cena que encontraram não precisa ser descrita.
Durante cerca de uma hora, o serviço médico tentou reanimar Vinícius. Ele explicou aos pais na carta: “O método que escolhi foi intoxicação por monóxido de carbono, é indolor e preserva o corpo intacto, mas demora, e se a pessoa é resgatada antes de morrer fica com graves lesões cerebrais e torna-se um vegetal”.
Quando o sargento constatou que estava tudo acabado, puxou o pai e a mãe do menino para que ficassem juntos – “porque agora só teriam um ao outro” – e foi embora. Os pais nem precisariam ter lido a carta para entender: “Não houve churrasco, não havia colegas nem guria que eu goste. Peço desculpas pela maneira trapaceira com que arranjei meu suicídio. Peço desculpas também pela maneira assustadora com que a notícia chegará a vocês. Foi a maneira que encontrei de garantir um dia inteiro sozinho a fim de conduzir o procedimento da maneira mais segura”.
Vinícius era um garoto de 1,83 metro de altura, magro e bonito. Mas não era essa a imagem que via. Em alguns momentos, segundo o inquérito, sentia que seu corpo se desintegrava, que seu rosto estava deformado. Procurava então um espelho para ter certeza de que estava ali. Na escola, quando tinha essa sensação, levava um CD para poder se olhar sem chamar a atenção. Aos 12 anos, ele já lia Kafka.
Quando se suicidou, Vinícius legou aos pais o que acreditava ser o melhor dele: Yoñlu, seu eu mais fluido, feito de palavras e de música, existência “salva” na internet. De novo a sua voz: “O computador está cheio de material sobre mim para vocês lerem se quiserem. Todas as minhas conversas no MSN estão gravadas. Eu tinha um blog em http://yonnerz.blogspot.com. Todas as minhas músicas estão salvas…”.
São mais de 60 músicas. Vinícius aprendeu a tocar bateria aos 4 anos, depois piano e violão. Na porta do quarto grudava um cartaz: “Gravando”. Uma vez chamou a mãe para ajudar na canção “Tiger”, faixa 14 do CD: o aparelho nos dentes não permitia que ele gravasse o assobio.
Ao entrar na internet em busca de Yoñlu, os pais encontraram fragmentos de morte. Ele fazia uma ressalva: “Não pensem de forma alguma que eu quis lançar-lhes algum tipo de culpa por terem, de certa forma, ‘assistido’ a minha morte. Não havia nada que pudesse ter sido feito para impedir isso”. E fragmentos de vida. Como a colega de escola que não virou namorada. Para Luana, ele compôs “Mecânica Celeste Aplicada”, a faixa 20 do CD. Diante do amor, Yoñlu não conseguia se passar pelo adulto de 26 anos que dizia ser em grupos da internet. Virava guri, o Pipoca do tradicional Colégio Rosário, Pop Corn nas aulas de inglês, Palomita nas de espanhol. Em qualquer aula, sobre qualquer tema, Pipoca emergia dos fones de ouvido para lançar a pergunta que toda a turma 303, do 3o ano do ensino médio, esperava: “Mas e qual é a relação com a água?”. Todo mundo ria, mas talvez esta fosse a pergunta que ele fazia ao mundo: qual é a relação com a água?
Não foi a primeira vez que Vinícius tentou o suicídio. Mas foi a primeira vez que havia vozes torcendo para ele morrer. Dizendo como ele podia morrer. E, desta vez, ele morreu. No Suicídio.com só existe a exposição de um corpo, o da vítima. Aqueles que disseram “mate-se” são vozes sem materialidade, desmancham-se no ar. Nos outros crimes iniciados pela internet, em algum momento, para consumar o abuso sexual, o assassinato, o criminoso precisa aparecer. É necessário um encontro real para existir o crime. No incitamento ao suicídio, não. A única maneira de impedir a continuidade dessa rede de morte é dar corpo às vozes, nome e sobrenome, dar existência concreta aos fantasmas mórbidos da rede.
No mundo todo, porém, adolescentes têm sido incentivados na internet a morrer sem que ninguém seja punido. No Japão, desde 2005, quando os suicídios ligados à rede aumentaram em 70%, os provedores passaram a ser obrigados a informar qualquer suspeita à polícia. Os casos diminuíram. No Brasil, 39 milhões de pessoas usam a internet, mas os provedores não têm obrigação de preservar provas. Sua responsabilidade só começa depois de receberem a notificação de que um crime está ocorrendo. Na lista dos dez países com maior número de internautas, o Brasil é o único que não tem uma divisão especializada em crimes cibernéticos. O projeto acumula poeira em Brasília desde 2005. A Unidade de Repressão a Crimes Cibernéticos da Polícia Federal é informal. Tem apenas quatro pessoas. A falta de estrutura somada ao caráter transnacional da rede garante a impunidade.
O crime de indução, instigação ou auxílio ao suicídio é previsto no Artigo 122 do Código Penal Brasileiro. A pena é de dois a seis anos de prisão, dobrada se a vítima for menor de 18 anos. Denunciada por uma canadense e instigada por internautas de diferentes países, a morte de Vinícius não foi considerada um crime pela polícia. Em ofício, a Delegacia de Polícia para a Criança e o Adolescente Vítima despachou o caso para a Polícia Federal, por envolver pessoas e sites de diferentes países. E a PF o mandou de volta em outro ofício dizendo que a atribuição é da Polícia Civil. Depois do empurra-empurra, o delegado Christian Nedel concluiu o inquérito sem indiciar ninguém, por entender que Vinícius tinha a intenção clara de se matar e por não encontrar provas de incitamento ao suicídio. Nenhum dos participantes do site foi sequer identificado. Em entrevista, o delegado admite que até o fato de os diálogos na internet serem em inglês tornou-se um problema.
Em março de 2007, outro adolescente brasileiro se suicidou em Ponta Grossa, no Paraná. Thiago de Arruda, estudante de Educação Física, foi atacado em uma comunidade do Orkut cuja principal missão era fazer fofocas sobre os moradores da cidade. Chamavam Thiago de “homossexual e pedófilo” na internet. O ataque atravessou as paredes virtuais da rede, e ele passou a ser agredido nas ruas de Ponta Grossa. Thiago escreveu na internet que, se as agressões continuassem, ele se mataria. Um internauta disse que ele deveria mesmo se matar e ensinou o mesmo método usado por Vinícius: inalação de monóxido de carbono. Thiago foi encontrado morto na garagem de sua casa. Cinco pessoas foram identificadas pela polícia. Ninguém foi preso.
Não há como saber o que fariam esses adolescentes que suspenderam a vida num chat da internet se conseguissem tornar-se adultos. Em 16 anos, um tempo exíguo demais, Yoñlu deixou um impressionante legado composto de músicas, desenhos e fotografias. Todo o material que ilustra esta reportagem foi feito por ele, é parte do encarte do CD Yoñlu. Em sua carta de despedida, Vinícius escreveu: “Se conseguirem enxergar além da ótica da paternidade, verão que nada de especial aconteceu no dia de hoje. O mundo continua igual. (…) Espero que não tenha ficado nada pendente”.
Ele estava errado. Nada nunca mais será igual. Tudo ficou pendente.

O PERIGO COMUNISTA

O Perigo comunista:
A invasão da Tchecoslováquia em 1968 -

“No momento em que escrevo, ainda permanece obscuro o curso que tomará a crise tchecoslovaca. Ao que parece, a nação em peso está se mobilizando para um imenso movimento de resistência. Movimento não apenas volumoso, mas animado de um sopro heróico, e dirigido por líderes ainda desconhecidos, mas aos quais é preciso reconhecer desde já uma superior inteligência.
À vista dessa possante convulsão, que farão os soviéticos? Procurarão desalentar o povo pelo terror de uma repressão, a qual, para ter eficácia, teria de ser de uma ferocidade sem precedentes? Esta perspectiva é, para o Kremlim, cheia de riscos:
1º) A causa comunista sofreria enormes prejuízos, pois tal repressão colocaria o PC, de quase todos os países, na alternativa de romper com Moscou ou perder toda a popularidade;
2º) No terreno diplomático, a União Soviética, com seu bloco de satélites, ficaria mal vista, isolada, e por assim dizer entregue às feras;
3º) Tudo isto poderia estimular os impulsos de “liberalização” que há algum tempo se vêm sucedendo continuamente na Rússia;
4º) Por fim, o êxito da utilização do rolo compressor, na Tchecoslováquia, é incerto: que acontecerá aos dirigentes de Moscou se a pequena nação se transformar, para eles, no que foi a Espanha para Napoleão? Em tal caso, o agravamento dos três primeiros fatores que enumerei, não poderá conduzir à ruína irremediável o poderio dos atuais déspotas soviéticos? A indignação justíssima da opinião pública, agravada pela brutalidade de eventuais violências, não será aproveitada por Washington ou por Pequim como base psicológica para uma intervenção armada no conflito?
Se este é o quadro visto de Moscou, as perspectivas que se divisam de Praga são mais simples, porém igualmente dramáticas:
1. Uma vez que a União Soviética cometeu o erro político – não falemos da inqualificável falta moral – de invadir a Tchecoslováquia, terá ela a finura suficiente para compreender a necessidade de uma retirada, e gênio político bastante para criar circunstâncias que disfarcem o que essa retirada teria de humilhante?
2. Sendo de recear que lhe faltem uma e outra coisa – finura e gênio – não se atirará a União Soviética, cegamente, à destruição da Tchecoslováquia?
3. Vale a pena, para esta, correr o risco imenso de resistir ao ocupante? Para quem crê em Deus e na imortalidade da alma, como os espanhóis que lutaram contra Napoleão, a resposta só pode ser em favor da resistência a todo transe. Estou certo de que se a Espanha fosse invadida hoje, a sua atitude não seria diversa. Sei que não falta aos tchecos e aos eslovacos uma coragem que a História tornou famosa. Não ignoro que milhões dentre eles não são comunistas, e conservam a Fé herdada dos maiores. Mas Dubcek e os seus auxiliares são comunistas. Como comunistas são, provavelmente, os líderes ainda ignotos, da presente resistência tcheca. Nas perspectivas de um comunista, vale a pena expor assim à destruição – não um homem, pois para ele o indivíduo nada é – mas uma nação inteira?
Tudo isto está sendo, provavelmente, pesado de lado a lado. No que dará?
É cedo para o dizer. Mas é útil consignar aqui os pontos de vista políticos de ambos os lados. O formidável “suspense” em que estamos se tende melhor assim. Como melhor se entenderá o desfecho que talvez já tenha ocorrido quando este artigo sair a lume”

(Folha de São Paulo, 28.08.68). .

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Aborto não é questão de saúde pública

A revista eletrônica Aquinate, (http://www.aquinate.net/) traz em 27.02.2008 uma entrevista de Mannoun Chimelli, médica, formada pela Universidade de Juiz de Fora, MG, pós graduada em Saúde Pública pelo Instituto Castello Branco da FIOCRUZ, Rio de Janeiro, e bolsista da Organização Mundial de Saúde para o Curso de Epidemiologia e Vigilância Epidemiológica em Doenças Transmissíveis na França (Paris e Rennes) e África Ocidental Francesa (Alto Volta e Costa do Marfim) em 1973/1974. Fez também curso de Pedagogia com habilitação em Orientação Educacional pela Universidade Federal Fluminense em 1975 e Curso de Orientação Familiar pela Universidade de Navarra/Espanha em 1995. Trabalhando na área de pediatria no Hospital Getúlio Vargas Filho após sua vinda para Niterói em 1962, a partir de 1981 dedica-se a atuar com Medicina do Adolescente no mesmo Hospital, em Niterói, RJ, onde permanece até a presente data. Freqüentemente é solicitada a ministrar cursos e palestras sobre Adolescência e Família, para Pais e Educadores em Niterói e diversos locais; (Centro de Extensão Universitária - São Paulo SP), Centro de Ciências da Educação (UNICAMP-SP), Associações e Clubes de Serviço em outras cidades brasileiras, entrevistas para canais de TV e Radio, além de escrever e publicar temas referentes à sua área de atuação.

Dentre outras coisas afirmou ela na referida entrevista:

"O aborto - nunca será demais insistir - é e será sempre um assassinato, um crime e urge tratá-lo como tal, sensibilizando as pessoas, divulgando o hediondo que é matar indefesos e inocentes, um crime hediondo, de brutal violência, que atenta contra o maior e mais importante dos Direitos Humanos - a VIDA".

PROBLEMAS DA VIDA MODERNA (VII)

O SIGNO DA DESESPERANÇA

O Dr. Plínio Corrêa de Oliveira, numa conferência feita em 1957 sobre a obra de Santo Afonso Maria de Ligório “A Oração, o Grande Meio da Salvação”, afirmou que um dos sinais precursores da “Bagarre” (como ele denominava os castigos previstos em Fátima, em 1917) seria a falta de Esperança, isto é, o desespero total. :
“Francamente, eu tenho a impressão de, aos poucos, se estar mudando o teor da vida espiritual dos homens. Antes, houve um pecado de presunção de se salvar sem merecimentos, muito próprio da Belle Epoque. Era aquele otimismo mundano acretinado, que ainda continua no construtivismo norte-americano: ‘todo o mundo é bom”; “todo mundo vai para o Céu”; “não se incomode, Deus vai abraçar os últimos celerados”; “eu sou tinto de pecado porque Deus, no fundo, ama o pecado”, etc.
“Há um signo debaixo do qual a vida espiritual está mudando: é o do desespero. À medida que a vida vai se tornando mais difícil para todo o mundo, e lentamente a Bagarre vai baixando sobre a terra, a vida humana vai se tornando cada vez mais desencontrada, mais horrorosa. Começa-se a ter a impressão de que a posição normal das almas é o desespero, e cada vez mais vão aparecendo pessoas já com uma espécie de tendência natural malévola – e maléfica – de desconfiança em relação a Deus. Não querem contas com Deus: “Deus é um e eu sou outro. Eu me arranjo, não tenho pacto de amor nem de amizade com Deus. Ponha-se Ele do lado dEle como entender, eu vou me arranjar por mim.
“Têm quase uma espécie de raiva da misericórdia de Deus. Têm “nó” com a misericórdia de Deus, a tal ponto – posso estar enganado – que leva, às vezes, as pessoas a nem gostarem que outros rezem por elas. Não querem servir-se nem de um guincho para sair de suas dificuldades espirituais. Se não querem que venha um caminhão com cabo de aço para tirá-los lá de dentro, ou saem por si, ou não saem. Eles sabem que não saem por si; logo, ficam naquele horror. Naturalmente, se for assim numa linha reta, isto acaba tocando no Inferno.
“E às vezes eu me pergunto se isto já não é também um sinal precursor da Bagarre”.


Dr. Plínio não está sozinho nesta apreciação. Basta que voltemos nossos olhos para os estudos de alguns teólogos modernos, como os realizados pelo jesuíta Horácio Bojorge sob o título de “A civilização da acédia”, (http://www.horaciobojorge.org/) onde o Autor diz que a característica de nosso tempo é uma civilização baseada completamente naquele tipo de vício capital (a acédia), que é produto da preguiça, da tristeza, da moleza, da tibieza na fé, da inveja da graça fraterna, atributos comuns nas multidões modernas, que produzem, por sua vez, ansiedades e desesperos.
Assim, predomina um verdadeiro oceano de ansiedades no mundo moderno. Esta ansiedade coletiva existe porque o homem atual só tem desejos imoderados, às vezes até legítimos, mas cheios de ânsias por não serem desejos adequados ao momento ou sem moderação. Na maioria das vezes são até desejos ilícitos e imorais. É bem verdade que o comum das pessoas deseja apenas ter bom emprego, casa e conforto: uma vida digna, dizem muitos. No entanto, tais desejos sempre escondem a vontade do gozo imoderado dos prazeres terrenos. E tais desejos existem, se alimentam e são multiplicados pela vida moderna. E há verdadeiros propagandistas deste estilo de vida: criou-se a idéia de um verdadeiro paraíso de gozos terrenos, alimentando nas pessoas os sonhos utópicos de vida prazenteira e sem sofrimentos. Propaga-se até a idéia do ganhador de loteria que, de pobre, passa a subir na escala social pelo uso da simples sorte no sorteio. Estes são mostrados como o exemplo, o modelo, do enriquecimento fácil, desfrutador de todos os prazeres da vida, causando verdadeira inveja a todo o corpo social. Sem falar, é claro, dos jogadores de futebol e dos artistas que se enriquecem facilmente com seus talentos.
Coletivamente, tais desejos vão materializar-se em ideais políticos e em fórmulas cabalísticas de economia. Como tais ideais e tais fórmulas não produzem efeitos demorados, são efêmeros e sutis, logo vêm causando tremenda frustração nas multidões. Esta frustração coletiva causa ansiedade coletiva, pois todos os desejos não podem ser satisfeitos, haja vista que imoderados e até impossíveis em alguns casos.
Pior do que isto, a ansiedade do homem moderno o está levando ao desespero. O paroxismo do gozo dos prazeres, que a vida moderna favorece a quem tem dinheiro e posição social, está alimentando esta melancólica ansiedade e uma frustração desesperadora. Ansiedade porque não são atendidos seus desejos imoderados, ou então não são atendidos da forma que imaginam. Frustração quando não atendidos, ou então, depois de atendidos, ao se verificar que não era bem aquilo que imaginavam estar necessitando, a constatação miserável do engodo e da perversidade que constituíam tais desejos.
Sim, estamos presenciando a um descomunal desespero coletivo. Estamos vivenciando a “civilização da acédia”, conforme definiu o padre Horácio Bojorge, SJ acima citado..
Falta Fé, falta confiança. O resultado não pode ser outro: desespero. Desespera-se porque não se consegue atingir o tão esperado sonho utópico do gozo de todos os bens, de todas as alegrias, de todas as satisfações e benesses. Desespera-se porque tudo na vida é visto como uma situação sem saída, de dificuldades tremendas, de sacrifícios ingentes. E ninguém aponta para uma solução certa para os problemas que se avolumam dia-a-dia. É a triste situação do mundo moderno! Não só triste, mas terrível!

A falta de esperança domina a mídia

Tem-se notado uma tendência na mídia em geral em favorecer a desesperança na população. Assim, as notícias apresentam um mundo cheio de caos, de violência, de insegurança, mas não aparece no noticiário nenhuma solução. Pelo contrário, a ênfase que se dá é pelo desespero, insegurança, como se estivesse tudo perdido, tudo sem jeito. A corrupção campeia entre os políticos? Não há solução apresentada. A violência impera nas cidades? A polícia e o governo são apresentados como impotentes para resolvê-la. A assistência social, como a saúde, é ruim? Culpa dos governos, mas solução não se apresenta.
Por exemplo, tornou-se rotineiro e insistente o noticiar de suicídios, e para piorar os casos vêm sendo documentados com filmagens ao vivo. Notícias de assassinatos em série, massacres comuns ocorridos nos Estados Unidos nas escolas, são agora divulgados com as imagens que, às vezes, os próprios autores dos crimes as fazem. Em seguida, tais assassinos se suicidam, havendo casos em que estas imagens são também divulgadas. Com que objetivo? Não parece outro a não ser de propagar a idéia da desesperança, da falta de consolo, da falta de solução, enfim, desespero total...
No Brasil, o comum agora é divulgar os casos em que o sujeito mata a esposa, às vezes além da esposa também os filhos e até outras pessoas da família. O que está se acrescentando a estes crimes é o suicídio do criminoso em seguida. E para piorar, em alguns casos o sujeito se suicidou perante as câmaras de televisão logo após haver assassinado esposa ou namorada...
O “L’Osservatore Romano”, em sua edição de 25 de fevereiro de 2008, publica um artigo de Gaetano Vallini, comentando que esta tendência da falta de esperança dominou completamente a entrega do Oscar em Hollywood, onde os filmes ganhadores têm características obscuras e carregadas de desesperança. Segundo o articulista, as películas “No country for old men” (Não há lugar para os velhos) e ”There will be blood” (petróleo sangrento), ganhadores dos principais prêmios da Academia, apresentam duas visões confrontadas do mal, duas formas de mostrar a maldade através das imagens.
No filme “No country for old men” é narrada uma história “marcada por atos violentos e absurdos e sem sentido, um mundo em que não há lugar para os velhos valores”. Há uma completa ausência de consciência moral, que aparece um pouco apenas num xerife, “muito pouco para tanta violência gratuita”.
Da mesma forma os outros filmes demonstram a mesma tendência obscura pela violência e, principalmente, pela desesperança.
O articulista questiona se isto é ou não “um sinal dos tempos”, considerando, entretanto, que havia filmes capazes de expressar diferentes emoções, como o de nome “Juno”, dirigido por Jason Reitman, que conta a história de uma adolescente decidida a levar a termo uma gravidez não desejada, ou então o filme “O Escanfandro e a Mariposa”, de Julian Schabel. Parece que o critério da Academia está voltado agora para estimular a desesperança...
O diário do Vaticano precisa que estas produções mancham “o sonho americano, descrito pelos diretores em traços ligeiros, sem oferecer uma âncora de esperança, nenhuma esperança para o futuro”. Isto difere da novela original em que se baseou o filme, onde há “certa margem para a esperança”.
Vallini disse que “claramente esta visão pessimista que os Estados Unidos se oferece a si mesmo através da películas”, parece ser compartilhada pelo jurado dos prêmios da Academia, que concedeu o prêmio a uma película que não deixa dúvidas sobre seu objetivo: mostrar a decadência da sociedade moderna, a decadência dos valores”.

Enquanto a Igreja lança sua mensagem de Esperança, refletida na Encíclica do Papa Bento XVI “Spe Salvi”, as demais instituições modernas caminham para um rumo oposto, o da desesperança.

COMUNISMO

COMUNISMO
“Se Joseph de Maistre disse com razão que a Revolução Francesa foi satânica, pode-se dizer com maior razão que a guerra de classe promovida pelo comunismo internacional é a explosão universal daquilo que, na Revolução, havia de mais caracteristicamente diabólico”
( "Legionário", 09.03.38).
“O acordo de Munique assinalou, incontestavelmente, o crepúsculo dos demônios de Moscou. É a era do diabolismo ateu e anárquico que expira lentamente, como na epopéia wagneriana expirava em lento e inexorável crepúsculo a era das divindades germânicas”.
( "Legionário", 09.03.38).

“A própria Revolução Francesa, tão sinistra e tão sanguinária, parece-nos hoje uma avó tímida e acanhada da Revolução comunista, a tal ponto as cenas de sangue da Espanha e do México excedem em violência às de 1789, e a tal ponto a doutrinação comunista ultrapassa, em furor destrutivo, a dos revolucionários franceses".
(Legionário, 19.2.39).
“Tem sido observado que o comunismo tem algo de insondavelmente misterioso. Parece-me normal tal nota enigmática na seita vermelha. Constitui esta um sumum de impiedade e de pecado, emanado das profundezas mais negras do próprio mistério da iniqüidade”
(Artigo “O incólume” – Folha de São Paulo, de 07.12.69).

Faleceu Cardeal Stickler, autor de carta sobre obra de Plínio Corrêa de Oliveira

O Cardeal Stickler fez uma carta, em 1993, em louvor do livro de Plínio Corrêa de Oliveira "Nobreza e Elites Tradicionais Análogas nas Alocuções de Pio XII". Em certo trecho da referida carta afirmou: "...a obra - face à decadência universal dos valores cristãos, sobretudo, mas também dos meramente naturais - suscitará em toda a parte e em muitos corações o desejo de que as elites nobiliárquicas voltem a dar à Humanidade os exemplos de que esta tem urgente e suprema necessidade.." Mais adiante, diz ainda: "O senhor, valendo-se de uma ampla e segura documentação, realiza no seu livro uma análise fina da muito complexa realidade sócio-política hodierna e, comentando com grande rigor de lógica os luminosos ensinamentos do Papa Pecelli, faz ver quanto ele, e seus sucessores até João Paulo II, continuam a esperar da nobreza ainda existente, e das elites análogas a serem criadas, a elevação religiosa, moral e cultural do mundo".
O Cardeal Alfons M. Stickler, SDB, nasceu em Neunkirche, Áustria, em 1910. Dirigiu o Pontifício Instituto de Altos Estudos Latinos e foi Bibliotecário e Arquivista da Santa Igreja Romana, função que exerceu até 1988. Faleceu em 13 de dezembro de 2007.

CARREIRAS SOCIAIS




“Fim de ano. A mocidade se prepara febrilmente para os vestibulares. É a etapa suprema para solução da magna questão: que carreira escolher? Inúmeros dentre eles fazem, no momento, o balanço último e decisivo entre os prós e os contras das várias carreiras em perspectiva. E, naturalmente, cada qual fixa sua escolha em função de dados pessoais: os atrativos que sentem por esta ou aquela matéria, as promessas, as lutas e as incertezas de tal ou tal outra situação futura, etc. Entretanto, esta escolha afeta também – e altamente – o interesse nacional. É sobre este último ponto que convido o leitor para uma reflexão.
É fundamental para um país ter os homens certos para os lugares certos. Isto importa – quanto ao dia de amanhã – em que, para as carreiras-chave, afluam o que poderíamos chamar os jovens-chave. Ou seja, os moços que a natureza e a educação dotaram do maior potencial de fé, de moralidade, de talento, de dinamismo, de intrepidez, de sadia obstinação no esforço e na luta. Se a compacta maioria dos moços assim dotados se orienta para um só (ainda que importantíssimo) tipo de carreiras, deixará insuficientemente guarnecidos no futuro próximo, muitos postos-chave. E com isso o próprio futuro do país poderá periclitar...
Há certas carreiras de importância tal, que não basta ao país serem suas fileiras habitualmente preenchidas por homens capazes e probos. É preciso que, nas situações peculiares dessas carreiras, haja bom número de pessoas de valor exponencial, aptas a resolver as situações críticas que a vida pública traz e capazes, ademais, de elevar por seu exemplo o “tonux” da produção dos homens normalmente competentes que as lotam.
Cumpre aprofundar este último ponto. Um grande profissional difunde em torno de si como que uma luz, a qual comunica um redobramento de categoria e eficiência à toda a massa de seus colegas. No Brasil, por exemplo, muita gente bem dotada toca excelentemente piano porque temos Guiomar Novaes. Não a tivéssemos, e o “tonux” da produção artística dessa gente – entretanto, bem dotada, insisto – seria de menor categoria. Assim, o efeito difuso da presença das figuras pinaculares em uma carreira ou profissão vai muito além da mera atuação individual dessas figuras. Tais pessoas elevam toda a sua classe.
Tudo isto posto, nasce uma pergunta: a mocidade brasileira se distribui harmonicamente pelas várias carreiras?
Serei concreto. Sem pretender fazer uma tabela de todas as carreiras-chave, quatro há que indiscutivelmente o são: o sacerdócio, as armas, a magistratura e o magistério. Em outros termos, um país que, nessas carreiras, tenha um pequeno contingente de homens exponenciais, está exposto a vegetar sem progresso autêntico nem verdadeira glória, nos períodos tranqüilos, e a sucumbir nos períodos tormentosos. Ora, não são de tranqüilidade os prognósticos para os dias de amanhã...
Assim, pergunto: essas carreiras contam, nas suas condições presentes, com todos os fatores para atrair a escola de um forte contigente de jovens-chave?
Compreendo bem que carreiras tão elevadas devem ser desposadas muito mais por ideal do que por vantagens pessoais. Mas é justo, é legítimo que um jovem idealista pense no apoio que deve a seu país, e, excetuando o seminarista, à família que vai fundar. Essas quatro carreiras-chave, que perspectiva oferecem neste sentido? E, ademais, o que se faz, em nosso ambiente, para suscitar, prestigiar e firmar esse idealismo?
Prefiro não tratar - nas circunstâncias presentes – do espinhoso problema do sacerdócio. Isto é, da carreira mais alta, mais santa, mais admirável que seja dado a um homem trilhar. Doe-me por demais faze-lo. E tenho para isto motivos tragicamente óbvios, dos quais um salta aos olhos: é a extrema dificuldade de se indicar aos jovens, seminários em que a peçonha do progressismo não se tenha esgueirado, ou não se possa introduzir de um momento para outro.
Mas pensemos nas três outras carreiras. Uma característica de todo em ascensão, ou no fastígio, é que , em seu seio, o militar, o magistrado e o professor estão nimbados por uma auréola que iguala e supera as maiores dentre as maiores. O tipo humano que cada uma destas carreiras modela, é tido, em povos tais, não só por admissível e correto, mas por admirável, pleno, sublime. Povos assim cultivam uma profunda admiração, uma lúcida compreensão, um enternecido enlevo pelos trabalhos, pelas fadigas, pelas lutas que essas carreiras trazem. E se empenham em recompensar, de todos os modos cabíveis, os que nelas autenticamente se imolam.
Pergunto agora: isto é inteiramente assim na juventude do Brasil atual? – Respondamos com franqueza.
A mentalidade desenvolvimentista de largos setores de nossa mocidade tem um olho penetrante, o qual vê, com uma acuidade extrema, a importância da produção econômica, e o que há de atraente nas atividades técnicas que esta exige. Porém, a acuidade do outro olho vai morrendo. Sim, o outro olho deveria ver – com clareza ainda maior – que o desenvolvimento plenamente humano supõe propulsão ainda mais forte nas coisas do espírito que nas da matéria. Ora, em numerosos ambientes, o sentido da vida vai sendo cada vez mais o dinheiro. De onde, em muitas famílias, uma propensão a encaminhar os jovens sempre mais para as carreiras lucrativas. Daí também uma tendência, nos orçamentos públicos e privados, a pagar fartamente os técnicos-chave da propulsão econômica. E a tornar, de medíocre para suficiente, a remuneração do militar, do mestre ou do juiz.
Considerem-se as presentes condições de vida de um juiz, militar ou professor sob os aspectos do lucro, não seria – com franqueza – mais vantajoso ser, já não digo um técnico, mas proprietário de um botequim muito bem afreguesado? Ora, pergunto, é isto justo, cabível, decoroso? Facilita-se, assim, a indispensável distribuição dos jovens-chave pelas carreiras-chave? Que futuro se nos depara com este desenvolvimentismo caolho?
A solução fundamental está, a meu ver, em que as famílias, a imprensa, o rádio, a televisão, etc., promovam uma correção urgente deste fenômeno de “caolhização”. Que assim se reavive, em todos os setores da juventude, a admiração, um tanto esmaecida, pelas carreiras-chave do desenvolvimento espiritual. E também em que – custe o que custar – nos orçamentos públicos e privados se faça um esforço urgente, sério, eficaz, para tornar essas carreiras muito bem remuneradas e atraentes.
Uma objeção: a carreira militar contribui, como as de juiz e professor, para o desenvolvimento espiritual de um país?
A resposta exigiria um espaço de que não disponho. Brevissimamente respondo que sim. Um dos critérios para aquilatar o valor de um povo autenticamente pacífico é a intensidade de sua admiração pelas virtudes militares. Em certo sentido, nada é mais precioso do que a paz, mas a paz que importe numa subestima dos valores militares se putrefaz. E a putrefação da paz... gera guerras.
(artigo Sacerdotes, militares, juizes e mestres –“Folha de São Paulo”, de 21.12.69)

PROBLEMAS DA VIDA MODERNA (VI)

LEMBRANDO A LINGUAGEM DOS ANTIGOS PROFETAS


Na introdução de seu livro "Em Defesa da Ação Católica", publicado em 1943, Dr. Plínio nos remete aos documentos pontifícios que já denunciavam profeticamente os rumos da humanidade, a catástrofe social que já se avolumava desde então até hoje:

“Lendo com atenção os documentos pontifícios publicados de duzentos anos a esta parte, notaremos que eles se referem insistentemente, servindo-se por vezes de uma linguagem que faz lembrar os antigos profetas, a uma desagregação social catastrófica, que implicaria na desarticulação e destruição de todos os valores de nossa civilização.

a) a desorganização dos Estados liberais

A Revolução Francesa foi a primeira confirmação destas previsões, e introduziu no terreno político uma agitação devoradora e progressiva, que abalou as mais sólidas instituições até então existentes, e impediu que elas fossem substituídas por outras igualmente duráveis. O contágio deste incêndio político passou da esfera constitucional para o terreno econômico e social, e teorias audaciosas, apoiadas por organizações de âmbito universal, solaparam completamente todo o sentimento de segurança, na Europa convulsionada. Eram tais as nuvens que se acumularam nos horizontes, que Pio XI dizia já ser tempo de se perguntar se esta aflição universal não pressagiava a vinda do Filho da Iniqüidade, profetizado para os últimos dias da humanidade: “Este espetáculo (das desgraças contemporâneas) é de tal maneira aflitivo, que se poderia ver nele a aurora deste início de dores, que trará o homem do pecado, elevando-se contra tudo quanto é chamado Deus e recebe a honra de um culto. Não se pode verdadeiramente deixar de pensar que estão próximos os tempos preditos por Nosso Senhor”: “e por causa dos progressos crescentes da iniqüidade, a caridade de um grande número de homens se esfriará” (Pio XI, Encl. “Miserentissimus Redmptor”, de 8 de Maio de 1928).

b) o pânico universal

Com efeito, a conflagração mundial dissipara os últimos resquícios de otimismo da era vitoriana, e pusera a nu as chagas hediondas que, como uma lepra, de alto a baixo cobriam a civilização contemporânea. Os espíritos que, enganados pela aparência falaciosa e brilhante da sociedade de “avant-guerre”, ainda dormiam despreocupadamente sobre suas ilusões liberais, despertaram bruscamente, e a todos se patenteou a necessidade de medidas de salvação ingentes e drásticas, que evitassem a ruína iminente.

c) as ditaduras

Surgiram então os grandes condutores de massas humanas e começaram a arrastar atrás de si as multidões postas em delírio pelo terror, a lhes prometer os remédios fáceis das mais variadas reformas legislativas.

d) a suprema catástrofe

Estava precisamente aí a tragédia do século XX. Os Papas haviam proclamado reiteradamente que só o retorno à Igreja salvaria a humanidade. Entretanto, procurou-se a solução fora da Igreja. Em vez de promover a reintegração do homem no Corpo Místico de Cristo, e implicitamente sua regeneração moral, procurou-se “defender a cidade sem o auxílio de Deus”, tarefa vã, cujo insucesso nos arrastou aos transes mortais da presente conflagração. Esta procura frenética, desordenada, alucinante, de uma solução qualquer, sempre aceita, por mais dura que fosse, desde que não fosse a solução que é Cristo, foi a última catástrofe desta cadeia de erros que, de elo em elo, nos conduziu das primeiras negações de Lutero até a amargura dos dias de hoje. Será difícil fazer previsões sobre o futuro, e não é este o objetivo do presente livro. Da exposição até aqui feita, retenhamos apenas esta noção: a procura ansiosa e alucinada de uma solução radical e imediata foi a grande preocupação, que, consciente ou inconscientemente, a todos nos empolgou, nas duas últimas décadas deste terrível século XX. Como náufragos, os homens procuram agarrar-se até à palha que flutua sobre as ondas, supondo nela virtudes salvadoras.
O delírio do naufrágio não tem por único efeito suscitar nos náufragos a ilusão de se salvarem agarrados à palha. Quando lhe são oferecidos meios de salvação adequados, precipitam-se loucamente sobre eles, utilizam-nos mal, destroem-nos por vezes com sua imperícia e soçobram finalmente entre os destroços dos barcos, em que se poderiam ter salvo.

(Plínio Corrêa de Oliveira – “Em Defesa da Ação Católica” – Edição em fac-simile da Artpress, 1983, págs. 9/10)

sábado, 23 de fevereiro de 2008

AINDA SOBRE O CAOS

Ainda sobre o caos

Pouco mais de dois anos antes de seu falecimento, Dr. Plínio publicou um outro artigo sobre o tema, onde a certa altura afirmava:

Se há um denominador comum no acontecer da vida pública e privada de tantas nações, pode-se dizer que esse é o caos. As perspectivas caóticas parecem repetir-se a si próprias e, cada vez mais, caminha-se nas vias do caos, ninguém sabe até onde. As forças enigmáticas do caos produzem explosões, erupções que dão a impressão de que o mundo vai rachar. Os otimistas assustam-se pouco, por julgar que tudo voltará “como dantes no quartel de Abrantes”. Os que se têm em conta de clarividentes se alarmam, achando que logo o mundo “virará de pernas para o ar”. Mas, eles também se enganam, pois, como diz o ditado francês, plus ça chagen, plus c’est la même chose: quanto mais isso muda, mais permanece na mesma...
Com efeito, o processo caótico que todos nós presenciamos e padecemos move-se, por assim dizer, na imobilidade. Daqui, dali, de acolá são desavenças que se manifestam, situações tão tensas e críticas, que se diria que uma guerra mundial arrebenta a qualquer momento em algum lugar. Entretanto, nesse gira-gira do caos, as situações terminam ficando imóveis.
Ora, precisamente essa imobilidade fixa de mobilidade contínua, das situações que não melhoram nem pioram, constitui o próprio drama em que, mais e mais, um número crescente de países vai imergindo.
É uma espécie de AIDS psicossocial que se espalha pelo mundo inteiro: essa doença não mata imediatamente, mas vai debilitando tudo quanto possa haver de sadio e orgânico no interior das nações. Acovardado diante da multiplicação das catástrofes e ruínas morais e materiais, o homem de hoje se acocora lamentando: "A quebradeira é a regra da vida e a ela todos têm de se sujeitar. Tudo quebra e nada tem significado. As coisas não significam mais nada”.
Do fundo de todo esse panorama, parece projetar-se a seguinte mensagem: “Habitua-te e compreende que nada tem mais razão de ser! A razão humana está extinta e nada mais se passará razoavelmente, nunca mais! Mas isto não te será dito explicitamente: o operar dos acontecimentos mundiais será cada vez mais absurdo e desarrazoado. E todos hão de se habituar à idéia de que o absurdo assumiu o cetro do mundo!”
Essa parece ser a presente mensagem dos fatos: “Razão humana, retira-te! Pensamento humano, emudece! Homem, não reflita mais, e como um animal deixa-te levar de roldão pelos acontecimentos...”
E do mais recôndito desse abismo é dado ao católico discernir as fulgurações enganosas, o cântico ao mesmo sinistro e atraente, emoliente e delirante daquele ente abjeto que é como que a personificação da ilogicidade, do absurdo, da revolta estapafúrdia e cheia de ódio contra o Onipotente sapientíssimo: o demônio. Pai do mal, do erro e da mentira, ele geme e estertora desesperado, bradando o seu eterno e nefando grito de revolta: Non serviam. “Não servirei”.
São essas perspectivas sobre as quais podem e devem discutir os teólogos”

(Excerto de artigo publicado em 8.5.93 no jornal “A Cidade”, de Campos-RJ – extraído da revista “Dr. Plínio”, de outubro de 2001).

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

CAOS


“Vivemos em pleno caos.
Ao ler esta frase, haverá quem tenha pensado: “Como é banal o conceito que abre este artigo!”
Realmente, banal, banalíssimo. E esse conceito, já de si banal, eu o apresentei em sua forma mais elementar e, por assim dizer, acaciana, para lhe realçar, até que ponto é certo, evidente, indiscutível, que vivemos mesmos em um caos. Já que, neste caso, como em muitos outros, banalidade é sinônimo de evidência.
Essa sensação do caótico nos assalta, a cada passo, na vida quotidiana. A todo momento vemos pessoas cujo procedimento de hoje está em contradição com o de ontem, e entrará em contradição com o de amanhã. Às vezes, em uma mesma conversa, e até em uma mesma frase, nosso interlocutor externa convicções que a lógica aponta como incompatíveis uma com outra. E é cada vez mais raro encontrarmos pessoas que, ao longo de tudo quanto pensam, dizem e fazem, se manifestam coerentemente com alguns tantos princípios fundamentais.
Na apreciação deste quadro as pessoas se classificam em três principais famílias de almas:
a) Uns – os menos numerosos – compreendem, admiram e aplaudem a coerência. Por isto, estigmatizam o ilogismo ambiente e lhe imputam os piores frutos presentes e futuros;
b) Outros fecham os olhos para o fato e, quando este lhes entra olhos adentro procuram justificá-lo: a contradição seria, segundo eles, a ruptura necessária do equilíbrio ideológico de outras eras, o efeito típico do tumultuar fecundo das épocas de transição; por isto, ela não produz desastres senão na epiderme da realidade, e tem de ser vista, em última análise, com benigna e sorridente indulgência. A família de almas que pensa deste modo era muito numerosa até há alguns anos atrás. Mas, vendo que o assim chamado tumultuar fecundo das contradições vai tomando o cunho de uma farândola de ritmo endiabrado e conseqüências sinistras, vão rareando os que conseguem sustentar, diante dela, a despreocupação risonha e benigna de outrora;
c) Bem mais numerosas são as pessoas que constituem o terceiro grupo ou família de almas. Elas suspiram diante da contradição caótica de nossos dias, aturdem-se... e não passam disto. Mudar de posição lhes parece impossível. Pois se a contradição as assusta, por outro lado, implicam, do mais fundo de sua alma, com a coerência. Elas gostariam de prolongar, contra ventos e marés, seu mundo agonizante que resulta do “equilíbrio” de idéias contraditórias, as quais se “moderam” umas às outras em amável coexistência. E como, para essa família de almas, as idéias são feitas para parar no ar, sem relação com a realidade, não há, segundo ela, o menor risco de que esse “equilíbrio” de contradições venha a se romper algum dia com prejuízo para a pacata e boa ordenação dos fatos. Esta situação, intrinsecamente desequilibrada, se afigura a esta família de almas a quintessência do equilíbrio. E, como a experiência está a provar, escancaradamente, a inviabilidade desse equilíbrio, ela se encontra diante de uma opção que a aterroriza: de um lado, o caos que lhe entra como um tufão pela casa e pela vida adentro, e de outro lado uma coerência que lhe parece correta talvez no plano da lógica, mas espetada, desalmada, hirta, e, numa palavra, desumana. Estarrecidas diante da opção, as pessoas pertencentes a esta família de almas param. E ficam a suspirar, de braços cruzados, na espera obstinada de alguma coisa que faça cessar o caos, sem que se tenha que implantar o reinado da coerência.
Vamos aos exemplos quanto à terceira família de almas.
Quanto lar há que acolhe com um sorriso cúmplice a novela de televisão imoral, ou o livresco piegas e sensual, que pinta com cores fascinantes a imagem da vida mais dissoluta. Neste lar se nutre a certeza de que tais miragens não produzem senão efeitos puramente platônicos. Depois, se o filho ou a filha se transvia, as demais pessoas declaram que “não entendem mais nada” , e que “o mundo de hoje é um caos”.
Quanto proprietário há que proclama, diante de seus filhos ou de seus empregados, as idéias mais radicalmente igualitárias: toda superioridade de categoria é para ele um insulto à dignidade humana. (Isto não o impede aliás de fazer grossos negócios e encaixar opulentos lucros...). Se seu filho, ou sua filha, se torna comunista, ele se espanta. Se o empregado bem pago faz agitação, ele se desconcerta. Ele não compreende que tenha frutificado frutos amargos de caos e desordem o que ele mesmo pregou.
Porém, nas mesma família que figuramos, em que entram a novela e o livreco imoral, o pai e a mãe por vezes pregam também, para manter o equilíbrio baseado na contradição, alguns princípios cristãos de moral ou de ordem. Falam sobre a legitimidade da propriedade, declamam contra o comunismo e mantêm o respeito por certas tradições morais. Na mesma fábrica cujo dono se diz socialista avançado, se faz propaganda anticomunista. E se, de repente, um filho ou um operário arvora o estandarte da TFP, a surpresa e, logo depois, a implicância, são enormes. Como imaginar que esse “equilíbrio” houvesse de se desatar em uma opção coerente? Que esses princípios de ordem houvessem de deixar o mundo platônico das idéias para engendrar militantes que os quisessem inserir na ordem concreta dos fatos? Como aceitar a presença, no convívio familiar, de pessoas coerentes, lógicas, que tomam a sério o que se lhes ensinou sobre os fundamentos da ordem social e da civilização cristãs?
Assim, em suma, nessa família de almas se professa uma cômoda e risonha desordem de idéias. Desordem que vem do convívio, em uma região toda platônica, entre fragmentos de bem e de mal, de erro e de verdade. Alguns, dentro desse ambiente, optam pela integridade da desordem. Outros, pela da ordem. E por isto, nessa família de almas, cai-se em susto e em pranto.
A situação dessa família de almas suscita problemas de mais alto vôo. A ruína deste equilíbrio de contradições não importa em uma marcha para a unilateralidade, o exagero, em suma, a radicalização?
Em caso afirmativo, o contrário da radicalização é a incoerência?
(Folha de São Paulo, 23.10.68).

PROBLEMAS DA VIDA MODERNA (V)

Eis novos trechos da reportagem do "Diário de São Paulo", de outubro de 1964:

O “mundo cão” das filas nas grandes cidades

“O “mundo cão” do paulistano se manifesta, de preferência, pelas filas. Quantas horas se perde, por ano, em São Paulo, correndo filas? Pesquisas que fossem feitas nesse sentido revelariam cifras assustadoras, jamais imaginadas nem mesmo por aqueles que perdem, por dia, mais de uma hora em extensas e cansativas filas de ônibus.
“Por causa dessas filas é que o paulistano até já perdeu o hábito de almoçar em casa, pois as duas horas de intervalo do escritório não bastam para a ida e a volta, e as conseqüentes filas de ônibus. Mas não é só para tomar a sua condução que o morador da Capital paulista faz filas. Ainda há poucos meses os jornais estampavam extensas filas de açúcar, e ainda há dias, filas em torneiras para apanhar água podiam ser vistas em vários bairros da Zona Norte, onde andou faltando água por mais de três semanas seguintes.
“E nem só para trabalhar ou para obter alimento o paulistano faz fila. Também para o cinema. Aos sábados e domingos, quem quiser ver um número enorme de pessoas “sofrendo” para se divertir um pouquinho, é só passar pela porta dos cinemas do Centro. As filas lá estão.
“Também os transportes coletivos, em São Paulo, são permanente fonte de angústia e mal-estar para a criatura humana. Quem não se sente vivendo num verdadeiro “mundo cão” quando é obrigado a passar meia hora, às vezes até mais, dentro de um ônibus superlotado, e viaja em pé, espremido, quase sem poder respirar? E isto – note-se bem – depois da clássica meia hora de fila e antes (ou depois) de um dia de trabalho intenso. E todos os dias. É assim a vida do paulistano da classe média para baixo, que conta a grande maioria da população... Quem tem condução própria, já sofre filas de outro tipo. São as filas de carros nos sinais de trânsito e aos domingos, em lugar das filas dos cinemas, as filas no posto de pedágio na Via Anchieta, na serra ou diante da balsa de Guarujá. Em todo o caso, sempre “filas”, sempre dificuldades sem conta fazendo da vida do paulistano um eterno “mundo cão”.
“Fila é o protomodelo do anonimato. Até o homem famoso deixa de ser alguém quando entra numa fila. Todos valem apenas como um número no espaço. Qualidades de espírito, dotes de inteligência, morrem na boca da fila. Toda a individualidade desaparece”. Assim se expressou o psicoterapeuta José A. Gaiarsa.
“O anonimato é, nas cidades grandes, um fator importante no desencadear de neuroses. “Eu não sou ninguém, ninguém liga para mim, nem se importa comigo”.
“Nestas condições de vida todos nós nos sentimos perseguidos, injustiçados, e isto gera angústia e neurose. O indivíduo que freqüenta filas diárias e viaja sempre em pé em ônibus lotados se sente diminuído, atingido em sua dignidade mínima.
“Mas além da competição e do anonimato, na Capital paulista ninguém conhece as suas verdadeiras dimensões, ninguém se situa, e por isso a pessoa se sente perdida, o que é muito prejudicial ao equilíbrio psíquico”.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

PROBLEMAS DA VIDA MODERNA (IV)

O anonimato despersonalizante das metrópoles modernas

Continuamos a divulgação de trechos da reportagem publicada pelo jornal “Diário de São Paulo”, nos dias 24 e 28 de outubro de 1964:
“Outro fator de neuroses e desequilíbrios emocionais que uma cidade como São Paulo provoca é, segundo a opinião do sr. Wilhelm Kenzler, “o fato da pessoa não poder ser ela própria, não ter valor pelo que é e só em função de posições que ocupe ou bens materiais que tenha”. Isto provoca certas distorções na personalidade, pois incentiva a competição e torna a sociedade mais materializada a desumana. Acha o analista que todas as pessoas precisam ter a coragem de renunciar em parte aos valores que a cidade impõe e a vida industrializada fomenta, e cultivar mais seus valores básicos, íntimos, que geralmente numa cidade como São Paulo ficam esquecidos. Entre esses valores básicos está a vida familiar. (...) Deve também procurar integrar-se em pequenos grupos que tenham os mesmos centros de interesses (...). (...) tanto quanto possível, levar a vida de cidade pequena dentro de São Paulo.
“De tal forma o paulistano desvirtuou seu sistema de viver, que dentro de sua constante pressa e vida alucinada, ele chega a condenar o “bate-papo” ou a criticar os brasileiros de outras cidades, que gastam um tempo enorme em “conversa fiada”.
“Pois o “bate-papo” sem compromisso, sem horário, e sem um motivo determinante é fator de equilíbrio emocional. (...) No entanto, a televisão, o cinema, são causas de neuroses porque são distrações em que a pessoa é apenas espectador e, portanto, consumidor, não participando, não permitindo relacionamento. E quando a pessoa não consegue se relacionar de forma sadia, geralmente vai procurar ambientes onde o relacionamento seja mais fácil, como o jogo, os vícios, a boemia, a prostituição, etc. Da mesma forma, quando o homem não encontra satisfação na vida de adulto, regride à infância. Vai beber bastante, fumar demais, jogar, procurar formas mais fáceis de auto-realização. Isto se verifica enormemente numa cidade como São Paulo".

Repetimos: hoje isto se verifica em toda cidade grande como São Paulo... em qualquer país do mundo é a mesma coisa.

CONCEITOS DECORRENTES DA BONDADE



Eis a conclusão do pensamento que, decorrendo da bondade, deu em outros atributos que hoje são tão mal compreendidos, como:
- “Espontaneidade”, “naturalidade”, “sinceridade”: estas disposições de alma levaria a evitar outra forma de esforço, o de pensar, de querer, de se coibir. Induziriam a dar largas à sensação, à fantasia, à extravagância, a tudo enfim. A televisão, que excita, vai assim matando o livro, que convida à reflexão, as idéias se vão empobrecendo, e com elas o vocabulário também. Falar se reduz, em certas rodas, a narrar em alguns tantos vocábulos básicos alguns tantos fatos elementares. Divertir-se é pular e dar gritos sem eira nem beira. E rir. Rir muito, mas sem muita razão de rir. Claro está que em matéria sexual, mais ainda do que nas outras, qualquer contenção é rejeitada. A “moral sexual” de certa gente consiste em legitimar todos os desmandos para evitar complexos. O pudor seria, assim, o grande inimigo da moral. A libertinagem, o caminho para a normalidade.

- “Idéias largas” : quem as tem, deve pactuar com tudo. Bispos ou governantes, professores ou pais que não sancionem todos os disparates que acabo de alinhar, são déspotas de idéias estreitas, que querem manter o jugo de preconceitos já hoje insustentáveis.
Mas, dirá alguém, tal modo de ser não é o de uma minoria de extravagantes e não o da maioria? Não é verdade que esta assiste desolada e chocada a tais excessos? Desolada e chocada, sim, concordo. Mas acrescento logo: também esmagada e submissa. Pois a história de todos os “progressos” desta década tem sido esta: a) uma minoria lança uma extravagância “louca”; b) a maioria se arrepia e protesta; c) a minoria faz finca-pé; d) a maioria se vai habituando, adaptando e sujeitando; e) entrementes, a minoria prepara novo escândalo; e) e este escândalo terá igual sucesso.
Assim, a maioria vai entrando neste mundo novo, fascinada, arrepiada, hipnotizada, como o passarinho entra na boca da cobra.
De tanto diminuir a polidez, ela morrerá. De tanto encurtar os trajes, eles desaparecerão. De tanto silenciar sobre valores fundamentais da cultura e do espírito, eles desertarão a terra. De tanto estimular e desencadear desordens, estas acabarão por invadir e submergir tudo.
Haverá um meio de evitar isto senão lutando por nossa Tradição, portadora de todos os valores autenticamente cristãos, ou mesmo simplesmente humanos, que este furacão vai destruindo? “

(“Folha de São Paulo”, 20.03.69).

AINDA SOBRE A BONDADE

Continuamos abaixo o que Plínio Corrêa de Oliveira falava sobre a bondade:
- “Amor à criança”: segundo essa “bondade” adocicada e desfibrada, o amor à criança consiste em dispensá-la de todo esforço. Isto se pretende conseguir por mil técnicas, cujo efeito seria instruir e formar a criança sem nenhum sacrifício para esta. O aferramento a esta idéia vai a ponto de condenar as punições escolares porque fazem sofrer os culpados, e a condenar os prêmios porque podem dar complexos aos vagabundos. Dado que, segundo a tradição cristã e o simples bom senso, um dos fins essenciais da educação é formar para a luta da vida através do hábito do esforço e do sacrifício, o que é esse “amor à criança” senão uma cruel deseducação?

- “Simplicidade”, “despretensão” : simples seria quem prefere as coisas que não exigem muito gosto, nem muito esforço. Despretensiosa seria a pessoa que sente bem-estar em ser vulgar. A “simplicidade” e a “despretensão” vão invadindo mais e mais os costumes de jovens e adultos. As regras da polidez e do trato, o modo de organizar uma casa, de receber, de se vestir, de falar, vão ficando sempre mais “simples” e “despretensiosos”. Decoro, brilho, qualidade, classe, prestígio, são valores do espírito dia a dia menos aceitos. Ora, eles encerram muito do que a tradição nos legou de mais precioso. Com isto, a vida vai ficando desbotada, os estímulos nobres fenecem, os horizontes se encurtam, e a vulgaridade invade tudo. Sob pretexto de “simplicidade” e “despretensão”, é o mais refinado comodismo que triunfa. Sim, comodismo refinado: o único “raffinement” que nos resta.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

O Tomismo e Plínio Corrêa de Oliveira

A Editora Balmes (da Espanha) tem uma revista eletrônica bimensal sobre o tema São Tomás de Aquino, e-aquinas.net, que publicou o texto abaixo:

"Plinio Corrêa de Oliveira, Revolução e Contra-Revolução, Parte I, Cap. VII
Santo Tomás ensina[1] que a diversidade das criaturas e seu escalonamento hierárquico são um bem em si, pois assim melhor resplandecem na criação as perfeições do Criador. E diz que tanto entre os Anjos[2] quanto entre os homens, no Paraíso Terrestre como nesta terra de exílio[3], a Providência instituiu a desigualdade. Por isso, um universo de criaturas iguais seria um mundo em que se teria eliminado em toda a medida do possível a semelhança entre criaturas e Criador. Odiar, em princípio, toda e qualquer desigualdade é, pois, colocar-se metafisicamente contra os melhores elementos de semelhança entre o Criador e a criação, é odiar a Deus._____________[1] Cfr. Contra os Gentios, II, 45; Suma Teológica, I, q. 47, a. 2.[2] Cfr. Suma Teológica, I, q. 50, a. 4.[3] Cfr. op. cit., I, q. 96, a. 3 e 4.Enlace a texto original
(Publicado por Edson Carlos de Oliveira el 27 de enero de 2008)"

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

BONDADE


“- “Bondade”: segundo o sofisma moderno, quem é bom jamais faz sofrer os outros. Ora, o esforço faz sofrer. Logo, só é bom quem não pede esforço a outrem. A civilização cristã, pelo contrário, modelou os povos do Ocidente conforme o princípio de que o esforço é condição essencial para a dignidade, o decoro, a boa ordem e a produtividade da vida. Se “bondade” é, em todos os campos, abolir o esforço, não é implicitamente privar a vida de valores sem os quais ela não é digna de ser vivida? E então, esta hipertrofiada “bondade” não constitui o pior malefício?

(“Folha de São Paulo”, 20.03.69).

Problemas da vida moderna (III)

O problema da solidão

Trechos de reportagens publicadas pelo jornal "Diário de São Paulo", de outubro de 1964:

“Um dos aspectos mais desumanos da vida em São Paulo é o problema da solidão. Por estranho que pareça, é um mal que atinge a muitos, a quase todos, e que poucos sabem identificar. Os outros sentem apenas a insatisfação, um angustioso mal-estar que não a que atribuir. Sentem, por exemplo, que não têm um lugar definido no mundo, que não são nada, que ninguém os quer verdadeiramente, que são injustiçados ou perseguidos, e não sabem que é a solidão que está fazendo com que se sintam assim. A solidão que é, acentuadamente nas grandes cidades, um dos principais fatores de estados angustiosos e de neuroses.
Cidade grande é um deserto humano”, frisou o psicoterapeuta especializado na Alemanha, Sr. Wilhelm Kenzler. Conforme também acentuou outro analista, Sr. José A. Gaiarsa, “todos falam da solidão nas grandes cidades, mas esta solidão é o anonimato, a falta de um grupo orgânico da qual a pessoa faça parte”. Todos os ambientes são constituídos de grupos heterogêneos, escolhidos por acaso, a pessoa não se encontra e às vezes não forma amigos. Daí a solidão maior, que é a solidão da pessoa que está sempre rodeada de gente estranha, sem nada em comum. A solidão de quem muitas vezes nem tem condições para estar só e, por paradoxal que pareça, saber resolver assim o seu problema de solidão.
“...o sr. Wilhelm Kenzler acentuou que uma característica de que há neurose é notar-se que o paciente não consegue estar sozinho. Assim que se dispõe a ficar só, imediatamente tem uma idéia, surge um estímulo e, atraído por estes estímulos, o indivíduo, por intranqüilidade, procura sempre a companhia dos outros. Este é um fenômeno comum em São Paulo, pois os grandes aglomerados humanos e os grupos heterogêneos tornam o indivíduo mais isolado”.
“Assim, por exemplo, as firmas enormes ligam menos os seus empregados do que as pequenas, as escolas superlotadas não incrementam a amizade entre os estudantes.
“Por mais paradoxal que seja, a cidade grande isola o indivíduo e não dá condições para o isolamento material, estimula o relacionamento e não permite o relacionamento sadio, que é o bi-pessoal ou de pequenos grupos. Assim, as pessoas saem de casa com a intenção precípua (às vezes sem o saber), de encontrar um relacionamento significativo com os outros e, não encontrando, sentem-se frustradas em seu anseio básico. Assim é como se sente muita gente depois de certos passeios. Embora não saiba localizar direito o motivo da sua insatisfação, sente que o passeio não valeu a pena. Este é um dos desencadeantes precípuos de neuroses".

Passados mais de 40 anos da reportagem acima, verificamos que esta situação só piorou de lá pra cá - não só em São Paulo, mas em todas as grandes cidades. Lembremo-nos do que falou Leão XIII na encíclica "Parvenu á la vingt-cinquième amnée", de 1902, anteriormente citada, cuja descrição coincide com o que fala o jornal acima.

A CRÍTICA MAIS SENSATA À VIDA MODERNA


É justa e válida a crítica feita à civilização, da forma como a fazem certas correntes de pensamento? Alguns fazem tais críticas com o intuito de criar no homem certa ojeriza pela Civilização enquanto tal. Faço esta observação porque os textos que vou publicar doravante, tirados de reportagens publcadas pelo "Diário de São Paulo" em outubro de 1964, podem dar essa impressão. Apesar de correta a crítica do jornal faltou, porém, indicar a solução.
Qual seria a crítica mais sensata sobre os erros da civilização moderna? O Prof. Plínio Corrêa de Oliveira a faz:
“Ante esta situação, cuja causa mais profunda é a influência crescente do neopaganismo em nossa civilização, e a conseqüente decadência moral, o ensinamento tradicional da Igreja sobre o homem, o trabalho, a propriedade e o capital continua intacto. O homem não atendeu a esse ensinamento e se precipitou na crise atual. O curso errado dos acontecimentos históricos – a massificação urbana, por exemplo – conduziu, pois, a uma situação que, a agravar-se, ficará insustentável.
“A solução não consiste, como quer a nova missiologia, em alterar a doutrina reta para coonestar, no extremo oposto, o desatino de que adiante se falará. Mas em renunciar a toda espécie de desatino e voltar à reta doutrina”[1]


[1] “Tribalismo Indígena, Ideal Comuno-Missionário para o Brasil do Século XXI” – Plínio Corrêa de Oliveira – Editora Vera Cruz, 1978, págs. 33/34

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Problemas da vida moderna (I)

Há mais de cem atrás (em 19.03.1902), o Papa Leão XIII publicou uma encíclica (Parvenu á la vingt-cinquième amnée) onde há um texto que fala profeticamene da vida moderna:


Progresso da Ciência emancipada de Deus

24. Muito se confiou no progressivo incremento científico e, de fato, grandes e inesperados progressos maravilharam o último século. Mas será verdade que tenhamos, efetivamente, alcançado aquela fertilidade de frutos, bela e renovadora, que tantos desejavam e esperavam? O vôo da ciência descobriu, certamente, novos horizontes ao intelecto, alargou o domínio sobre a natureza física, e melhorou a vida terrena. Não obstante isso, sente-se e confessa-se que os resultados obtidos estão muito aquém das esperanças alimentadas. Não se pode deixar de reconhecer essa verdade, ao ver o estado em que se acham os ânimos e os costumes, ao verificar as estatísticas de delinqüência, a agitação geral, o predomínio da força sobre o direito. Não se falando da miséria do povo, basta uma vista de olhos superficial para verificar que uma tristeza indefinida pesa nas almas, e um vácuo profundo se faz sentir nos corações. O homem endeusou a matéria, mas esta não lhe pôde dar aquilo que não possui; e as grandes questões, que se referem aos seus mais altos interesses, a ciência humana não as resolveu. A sede da verdade, de virtude, de infinito, tornou-se ainda mais viva, e nem a terra, enriquecida de tesouros e alegrias, nem a vida com suas crescentes comodidades, conseguiram diminuir a inquietação moral. Deveremos, por isso, desprezar ou desinteressar-nos da cultura, da civilização, e de uma liberdade moderada e razoável? Não, por certo; devemos, ao contrário, prestigia-las e tê-las em grande conta, como precioso capital, visto serem outros tantos meios, bens em sua natureza, queridos e ordenados pelo próprio Deus em benefício da família humana. Usando-os, porém, devemos ter em vista o pensamento do Criador, a fim de impedirmos que lhe falte o elemento religioso, no qual reside a virtude que os valoriza e os faz dignamente frutificar. Aqui se encontra o segredo do problema. Quando um ser orgânico se enfraquece e decai, isso resulta de cessar o influxo das causas que lhe davam forma e consistência; e não resta dúvida que, para torna-lo de novo são e florescente, é necessário restituir-lhe o influxo vital dessas mesmas causas. Pois bem, na louca tentativa de emancipar-se de Deus, a sociedade humana rejeitou o sobrenatural e a revelação divina, subtraindo-se, por este modo, à vivificante eficácia do Cristianismo, isto é, à mais sólida garantia da ordem, ao mais poderoso vínculo de fraternidade, à fonte inexaurível individual e pública.

Ação contra-revolcionária que não constitui apostolado



Contra-revolucionários há, enfim, que não fazem apostolado em senso estrito, pois se dedicam à luta em certos campos como o da ação especificamente cívico-partidária, ou do combate à Revolução por meio de empreendimentos econômicos. Trata-se, aliás, de atividades muito relevantes, que só podem ser vistas com simpatia.

(“Revolução e Contra-Revolução” – parte II – cap. XII, 8.D –)

Como reavivar a noção do bem e do mal

Pode-se reavivar a noção do bem e do mal por vários modos, entre os quais:

● Evitar todas as formulações que tenham o sabor de moral leiga ou interconfessional, pois o laicismo e o interconfessionalismo conduzem, logicamente, ao amoralismo.
● Salientar, nas ocasiões oportunas, que Deus tem o direito de ser obedecido, e que, pois, seus Mandamentos são verdadeiras leis, a que nos conformamos em espírito de obediência, e não apenas porque elas nos agradam.
● Acentuar que a Lei de Deus é intrinsecamente boa e conforme à ordem do universo, na qual se espelha a perfeição do Criador. Pelo que ela deve ser não só obedecia, mas amada, e o mal não deve ser evitado, mas odiado.
● Divulgar a noção de um prêmio e de um castigo “post-mortem”.
● Favorecer os costumes sociais e leis em que o bem seja honrado e o mal sofra sanções públicas.
● Favorecer os costumes e as leis que tendam a evitar as ocasiões próximas de pecado e até mesmo aquilo que, tendo mera aparência de mal, possa ser nocivo à moralidade pública.
● Insistir sobre os efeitos do pecado original no homem e a fragilidade deste, sobre a fecundidade da Redenção de Nosso Senhor Jesus Cristo, bem como sobre a necessidade da graça, da oração e da vigilância para que o homem persevere.
● Aproveitar todas as ocasiões para apontar a missão da Igreja como mestra da virtude, fonte da graça, e inimiga irreconciliável do erro e do pecado.

(“Revolução e Contra-Revolução” – Plínio Corrêa de Oliveira – parte II – cap. X-2 - Chevalerie Artes Gráficas e Editora Ltda - págs. 135/136)

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

AMOR AO PAPADO

Amor ao papado

Excerto do artigo "A Perfeita Alegria", publcado na Folha de São Paulo, de 12.07.70:

"Lembro-me ainda das aulas de catecismo em que me explicaram o Papado, sua instituição divina, seus poderes, sua missão. Meu coração de menino (eu tinha então 9 anos) se encheu de admiração, de enlevo, de entusiasmo: eu encontrara o ideal a que me dedicaria por toda a vida. De lá para cá, o amor a esse ideal não tem senão crescido. E peço aqui a Nossa Senhora que o faça crescer mais e mais em mim, até o meu último alento. Quero que o derradeiro ato de meu intelecto seja um ato de Fé no Papado. Que meu último ato de amor seja um ato de amor ao Papado. Pois assim morrerei na paz dos eleitos, bem unido a Maria minha Mãe, e por Ela a Jesus, meu Deus, meu Rei e meu Redentor boníssimo.
E este amor ao Papado, sr. Jeroboão, não é em mim um amor abstrato. Ele inclui um amor especial à pessoa sacrossanta do Papa, seja ele o de ontem, como o de hoje ou o de amanhã. Amor de veneração. Amor de obediência.
Sim, insisto: de obediência. Quero dar a cada ensinamento deste Papa, como de seus antecessores e sucessores toda aquela medida de adesão que a doutrina da Igreja me prescreve, tendo por infalível o que ele manda ter por infalível, e por falível o que ele ensina que é falível. Quero obedecer às ordens deste ou de qualquer outro Papa em toda a medida em que a Igreja manda que sejam obedecidos. Isto é, não lhes sobrepondo jamais minha vontade pessoal, nem a força de qualquer poder terreno, e só, absolutamente só recusando obediência à ordem do Papa que importasse eventualmente em pecado. Pois neste caso extremo, como ensinam – repetindo o Apóstolo São Paulo – todos os moralistas católicos, é preciso colocar acima de tudo a vontade de Deus.
Foi o que me ensinaram nas aulas de catecismo. Foi o que li nos tratados que estudei. Assim penso, assim sinto, assim sou. E de coração inteiro".

ALEMANHAS


Sobre as duas Alemanhas, divididas como estavam naqueles tempos, Dr. Plínio escreveu o artigo "Dias decisivos nas duas Alemanhas", na Folha de São Paulo de 23.11.69:

“...Somos, assim, levados a perder de vista, não raras vezes, o que se passa no mundo paradoxal e profundo dos povos germânicos: mundo disciplinado e inquieto, atormentado e plácido, sonhador e operoso, meigo e guerreiro, sagaz e ingênuo, místico e sarcástico, cuja influência nas mais altas esferas da cultura universal é incontestável. Lamento esta omissão de tantos de meus patrícios. Sirva-lhes o artigo de hoje de despretensioso convite para analisar e encruzilhada decisiva em que ora se encontra aquele povo, transbordante de vitalidade, cultura e riqueza. Verão os meus leitores, que hoje, muito mais que nos dias sinistros de Hitler, é a Alemanha que está – de certo modo – a ponto de decidir os destinos do mundo.
Simplifiquemos, quanto possível, a exposição dos problemas. Vamos, antes de tudo, aos de índole política.
O mundo germânico se compõe de, pelo menos, quatro grandes fragmentos: a) Alemanha Ocidental, com capital em Bonn; b) Alemanha Oriental, com capital em Pankov; c) Áustria; d) Suíça Alemã. Como esta última, engajada na Confederação Helvética, tem uma trajetória histórica peculiar, pensemos só nos outros três fragmentos.
Durante um milênio os povos germânicos constituíram um todo político, o Sacro Império Romano Alemão. Conjunto de alta expressão simbólica, mas bastante elástico do ponto de vista político. No decurso do século XIX, a crescente hegemonia prussiana absorveu num todo mais rígido a Alemanha inteira, com exclusão da Áustria. Hitler anexou a Áustria e formou assim a Grande Alemanha. Na base deste crescente processo de centralização, está um princípio verdadeira, e profundamente sentido pelo povo alemão: todo povo uno pela raça, pela língua, pela História e pela cultura, tende a unir-se também no plano político. Bem entendido, essa legítima tendência à unidade foi levada ao excesso por Bismarck e pelos que lhe continuaram a obra, até Hitler. Sem embargo, a tendência à unidade é uma das tônicas do pensamento alemão de hoje, exatamente como ontem.
Ora, desde 1949, a Alemanha está dividida em duas (a de Bonn e a de Pankov). É natural que ela aspire a unir-se.
Daí nascem problemas internacionais. Não se tornará por demais forte uma Alemanha assim unida? Os soviéticos dizem que sim. Os americanos, os franceses e ingleses dizem que talvez. O que opinarão sobre isto os austríacos? Viena aceita um papel nesta reconstituição? Estes complexos e substanciosos problemas políticos interessam o Brasil e o mundo na medida em que afetam princípios de justiça e valores de cultura universais. Eles também interessam ao orbe na proporção em que podem afetar a rivalidade soviético-americana, rumo à paz ou à guerra universais.
A ninguém pode passar despercebida a magnitude do problema. E assim se explica que, com o correr do tempo, vai ele pondo em crescente efervescência as chancelarias dos diversos países.
Sob a dupla pressão do terror da guerra e da esperança da paz, vai sendo estudado outro ciclo de problemas morais, culturais, socio-econômicos, igualmente postos em tela pelas perspectivas de reunificação teutônica.
Com efeito, sendo uma Alemanha neocapitalista e outra comunista, como fundi-as em um só todo? Mediante uma federação em que cada parte conserve seu regime social e econômico atual? É isto praticável? O resultado interno da justaposição de duas ordens de coisas tão heterogêneas não será o caos? Cada “metade” alemã não tenderá – no plano externo – para o polo correlativo, isto é, os EUA capitalista e a Rússia comunista? E não dará isto em novo desconjuntamento das duas Alemanhas? Por fim e principalmente (digo principalmente pensando nas almas de escol para as quais os aspectos morais preponderam sobre todos os outros), há o problema moral: dado que o comunismo é a institucionalização da amoralidade e da imoralidade em todos os campos da atividade humana, será lícito à Alemanha Ocidental ligar-se à Oriental aceitando como fato consumado a bolchevização desta? Não seria, antes, o caso de a Alemanha Ocidental libertar a Oriental, para só depois unir-se a ela?
Tal pergunta faz pulular outros problemas. Essa “cruzada”, que evidentemente tem as simpatias de todo o verdadeiro anticomunista, não trará a guerra mundial?
Categórico na afirmação de que é imoral a aceitação do regime comunista de Pankow, parece-me que seria possível derrubar esse regime por um golpe publicitário incruento. Basta que o clamor universal exija, na Alemanha Oriental, eleições livres, precedidas de livre propaganda, tudo sob as vistas de uma comissão internacional. Estou certo de que a Rússia não ousaria recusar a proposta. E que o regime de Pankow ruiria como um castelo de cartas.
Não reconheço, é claro, a nenhum plebiscito o direito de optar entre a moralidade de um lado, a amoralidade ou a imoralidade do outro. Mas, já que os soviéticos afirmam estar no povo a fonte última do poder, é estratégico arrancar-lhes a face, mostrando ao mundo que dessa fonte não brotam águas boas para eles.
Por mais simples e direta que seja esta solução, há quem pense em outra. E esta – aparentemente cordata – é terrível. Constituiria na implantação de um regime federativo entre as duas Alemanhas, gradualmente homogeneizadas; a Alemanha Ocidental se bolchevizaria um tanto e a Oriental se “capitalizaria” outro tanto.
Bem se vê, se isto se der em escala alemã, poderia ser aplicado em escala européia: uma federação continental, incluindo a Rússia e, por sua vez, a “homogeneizada”.
Seria, segundo os simplórios... ou os velhacos, o meio de evitar a guerra.
O fruto da moralidade é a paz: “opus justitiae pax”. A este aforismo, endossado pela sabedoria da Igreja, corresponde o princípio oposto: os frutos da imoralidade são as desordens, os tumultos, e as guerras.
Será pela generalização da imoralidade comunista que a Europa chegará à paz?
Mas, dirá alguém, trata-se apenas de uma semi-imoralidade. –Não nego. Mas pergunto: o que é uma semi-imoralidade, senão imoralidade? O que é uma água semi-suja, senão água suja?
Água suja, sim, e a serviço da velhacaria. Pois com a semicomunistização da Alemanha e da Europa, quem lucra velhacamente, senão os que querem conduzir a Alemanha e a Europa à comunistização completa?
Batamos palmas à unificação alemã. Não, porém, por este processo espúrio..."

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

A moleza no mundo de hoje




Trata-se de um estado de espírito que predomina no mundo atual. Há também o desânimo, mas enquanto este faz a pessoa perder a coragem de agir ou reagir, a moleza a faz ceder imediatamente a qualquer investida ou ameaça.
Foi por moleza que muitos homens cederam aos imperativos da moda filosófica e caíram no ceticismo, outros caíram na tibieza e até na desesperança. Sim, por que a falta de fé leva à desesperança.
Eis os problemas criados pela vida moderna: ceticismo, incredulidade, tibieza, moleza, desânimo e, por último, desesperança. E hoje a desesperança parece caminhar como resultado último dos males modernos, como a violência, as injustiças, o caos social, etc.
Este estado de moleza, digamos assim, universal, é decorrente da ação da Revolução, pois tudo o que os revolucionários pregaram e fizeram nestes últimos séculos não trouxe outras conseqüências para o homem moderno senão a solidão, o desengano, a falta de confiança nos dias futuros; ao lado de multidões enormes que são, como as massas, movidas por fora...

Oração contra a moleza


Ó Maria Santíssima, nós Vos pedimos que nos obtenhais a graça de jamais sermos moles em face da Revolução, de não perdermos uma só ocasião de a combater, e de a combater implacavelmente!
Obtende-nos a graça de empregar todos os meios para conter o ímpeto da Revolução, para aniquilá-la, e para fazer vencer por toda parte a Santa Igreja e a Civilização Cristã. Para que com isto vençais Vós, ó Maria, Rainha do Céu e da Terra, e vença o Vosso Divino Filho. Vós sim, ó Maria, cuja vitória é necessariamente e esplendidamente a vitória de Vosso Divino Filho.
Ó Maria, venha a nós o Vosso Reino, para que a nós venha o Reino de Jesus. Mandai que se acelerem os acontecimentos por Vós previstos em Fátima, a fim de que a presente época de reinado da Revolução satânica e igualitária cesse o quanto antes, e sobre nós desça o vosso Reino. Não para ser o reino dos preguiçosos, dos moles, que em última análise, se vencerem terá sido só porque Vós interviestes, com os vossos Anjos, a favor deles. Mas para ser o reino dos heróis que lutaram como gigantes, porque a graça e as virtudes cristãs, e sobretudo as virtudes da pureza, da fortaleza e da humildade, os nimbaram como uma coroa, e eles souberam ser, ao mesmo tempo, terríveis na hora da batalha, e despretensiosos e desapegados na hora da vitória.
Obtende-nos de Deus força, força, força! Força a favor da justiça, força a favor do bem, força a favor da Contra-Revolução. Força a favor vosso, Maria Santíssima nossa Mãe, a favor de vosso Divino Filho, nosso Salvador e Redentor. Força, enfim, a favor da Santa Igreja e da Civilização Cristã.
Tornai-nos fortes para que, amando-Vos com o amor dos fortes, saibamos servir-Vos com a dedicação e eficácia dos fortes, a fim de que chegue o quanto antes o vosso Reino sobre a terra, ó Maria, ó Jesus!

(extraído, com pequenas adaptações, do artigo “Reflexões sobre a execução de Luis XVI”, de Plínio Correa de Oliveira).

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

CUMPRIMENTOS À SENHORA E SEU BOM ESPOSO

Artigo "Cumprimentos à senhora e seu bom esposo" – Folha de São Paulo, 17.5.70:

“1. Para que uma corrente ideológica, seja ela qual for, chegue a impor-se a um país de 90 milhões de habitantes, tem de ser numerosa, ainda que minoritária. Pois com quatro gatos pingados ardendo de febre ideológica, não se consegue dominar 90 milhões de homens.
2. Essa corrente minoritária precisa ser convicta e coesa, senão se dispersará e se dividirá, antes mesmo de alcançar o poder.
3. Alcançado o poder, essa corrente não se manterá nele se não obtiver o apoio mais ou menos definido de uma parcela bem maior (se bem que sempre minoritária) da população.
4. Em conseqüência, a força material não é tudo. Ela tem seu papel – um papel por vezes imenso, sempre indispensável, jamais suficiente só por si – para as grandes revoluções sociais ou políticas. Além da força material – insisto – é indispensável a persuasão. Esta é que reúne os homens para manusearem as armas, esta é que os mantém dedicados e coesos. Esta é que os torna estáveis no leme.
Negar tudo isto, minha amável e espirituosa leitora, é negar a própria evidência dos fatos.
Agora, permita que eu entre com outra seqüência de teses:
1. Se o comunismo não vence sem recrutar e unir, e não recruta nem une sem persuasão, quem se empenha em impedir que ele persuada, muito faz para tornar impossível que ele vença.
2. Persuadir é obra eminentemente ideológica. Pois é fazer aceitar suas próprias idéias por outrem.
3. Isto não se consegue sem uma ação ideológica. Logo o terreno ideológico em que a TFP se situa é de alta importância na luta anticomunista.
Também isto, minha leitora, é evidente, não acha?
Suporte, por fim, mais uma seqüência de teses e espero então tê-la persuadido inteiramente:
1. Em um país com a maioria de 95% de católicos, em cada 100 homens que a propaganda comunista aborde, ela encontrará 95 católicos. Que enorme obstáculo para uma seita irreversivelmente materialista e atéia, como é a de Marx?
2. Mestra em toda sorte de manejos, a alta direção do comunismo não pode deixar de tentar amolecer e putrefazer tão formidável obstáculo, de preferência, a atacá-lo de frente.
3. Amolecer o obstáculo é amolecer o espírito religioso da população, o que se pode conseguir impregnando o ambiente nacional de indiferentismo religioso, de laicismo e de sensualidade. Bastará que a senhora veja, em torno de si, quantas revistas, quantos jornais, quantas emissoras, quantas cátedras, quantas casas de modas e de diversão se entregam a este mister: a senhora compreenderá, então, a imensidade do proveito que o comunismo aufere com este esforço de penetração velada, implícita, omnipresente, infatigável, que nos atinge a todo momento.
4. Putrefazer o obstáculo é putrefazer a própria Religião. Isto se consegue formando padres e leigos que sonham com uma “Igreja-Nova”, na qual se odeie o princípio da autoridade, e qualquer forma de hierarquia. Deus, sim. Mas um Deus-títere, que não impõe mandamentos, não premeia nem castiga: o contrário seria atentatório da dignidade humana. Papa, sim. Mas um Papa-livre, sujeito a um congresso mundial de bispos, padres e leigos eleitos pelo povo. Bispos e párocos, sim. Mas bispos-títeres e párocos-títeres, governados por congressinhos eleitos locais. Pois o Papa, monarca espiritual, tanto quanto o bispo ou pároco, que governe por um poder vindo de Deus, sem delegação humana, atenta contra a dignidade humana.
5. E por que atenta? Porque – segundo os progressistas – para o homem moderno toda e qualquer submissão a toda e qualquer autoridade é sentida como um ultraje.
6. Se esse princípio se toma a sério, também a submissão política, econômica, social e familiar é ultrajante para o homem. De onde, todo progressista sério é necessariamente partidário da sociedade anárquica sonhada por Marx.
7. Se o maior obstáculo ao comunismo é a religião, a melhor auxiliar do comunismo é a seita que tenta levar os católicos a destruir a religião. Esta seita é o progressismo. Portanto, lutando contra o progressismo, a TFP presta um serviço grave e absolutamente indispensável no combate ao comunismo.
“Indispensável” não quer dizer “suficiente só por si”. Pois – e nisto tem a senhora toda a razão – sem a força usada segundo a moral e a lei, é quimérico pensar que o comunismo possa ser vencido.
Mais. Não há emprego mais sagrado e mais sublime da força legítima, do que a luta anticomunista.
Isto dito, minha leitora, resta-me só enviar meus cumprimentos à senhora e seu bom esposo...”